O município na política brasileira: revisitando Coronelismo, Enxada e Voto.

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O município na política brasileira: revisitando Coronelismo, enxada e voto Luis Aureliano Gama de Andrade Manoel Leonardo Santos1

“As instituições comunais” – escreveu Tocqueville – “são para a liberdade aquilo que as escolas primárias são para a ciência; pois a colocam ao alcance do povo, fazendo-o gozar do seu uso pacífico e habituar-se a servir-se dela. Sem instituições comunais, pode uma nação dar-se um governo livre, mas não tem o espírito da liberdade”.2 Um pouco mais de meio século atrás, Victor Nunes Leal lançava o que viria a se tornar um clássico da literatura sociológica e política brasileira: Coronelismo, enxada e voto. Nessa obra pioneira, Leal apontava o fenômeno do coronelismo como a resultante de uma tríplice condição: a superposição do sistema representativo sobre uma realidade social e econômica inadequada, a dependência estrutural do município aos estados e à União e o isolamento e a baixa comunicação do sistema local com o resto do país. O retrato da política local traçado por Leal, em que o município aparecia amesquinhado e subjugado, fazia parte do quadro mais amplo da política brasileira, em que se combinavam a preeminência do poder privado dos coronéis no âmbito local com o fortalecimento do poder central do Estado, conjugado com a existência de instituições representativas na política. O Brasil mudou radicalmente desde então. A população concentrou-se nas cidades e houve a industrialização; os meios de comunicação expandiram-se extraordinariamente e deu-se a virtual integração das comunidades municipais com a vida nacional. A Constituição de 1988 iria cimentar esse novo quadro de relações, conferindo ao município o status de ente federativo e introduzindo modificações na repartição tanto das receitas públicas entre os diferentes entes governamentais, quanto das suas competências legislativas. Finalmente, deuse o passo da descentralização, com a passagem de recursos e responsabilidades pela implementação de políticas públicas cruciais para o bem-estar da população, como a educação e a saúde, para a órbita dos municípios. Mas, no plano político, como se encontra hoje a política local no Brasil? A questão não é acessória. Pode haver democracia sem uma base local autônoma e sem vitalidade? A resposta, nos termos da teoria tocquevilliana, seria um não categórico. Leal, embora não faça referência expressa ao autor de A democracia na América, também endossaria essa tese. 1

Agradeço aos organizadores do livro e à Prof. Fátima Anastasia o convite para atualizar o capítulo original escrito pelo Prof. Luiz Aureliano Gama de Andrade. Na qualidade de seu ex-aluno, o convite muito me honra. Agradeço também os comentários das professoras Marcia Soares e Natália Sátyro, do Departamento de Ciência Política da UFMG. A contribuição das professoras enriqueceu muito o manuscrito original. Possíveis omissões ou equívocos são de minha inteira responsabilidade. 2 Tocqueville, Alexis de. A Democracia na América, Belo Horizonte: Itatiaia, 1977, p.53.

As seguintes questões também fazem parte do desafio da democracia no Brasil: Teria o país alcançado, sobretudo a partir das mudanças políticas dos últimos anos, a maturidade institucional e política reclamada por Leal? O município estaria, agora, em condições de servir de sementeira para o processo político livre e democrático? As relações intergovernamentais configuradas a partir da Constituição de 88 seriam suficientes ou conducentes à consolidação da prática democrática entre nós? O objetivo deste capítulo é explorar, ainda que rapidamente, o município e seu lugar na construção da Federação. As seções que seguem buscam examinar essa trajetória, recapitulando as linhas básicas da relação União-estados-municípios na política brasileira. Finalmente, são abordados os horizontes que se abriram com a descentralização e as recentes transformações no desenho federativo, com impacto na autonomia do poder público local. 1. O município no Brasil Colônia Deixando à margem a questão sobre a existência ou não de feudalismo na história brasileira,3 como aponta Cintra,4 o período colonial é caracterizado pela “tendência irresistível à privatização do poder”, surgida do “encontro do Estado patrimonialista português com o imenso espaço novo a dominar", que se deu por meio “da concessão de amplas prerrogativas aos colonizadores”. O Estado era rarefeito e não se fazia presente, ou não se mostrava efetivo em toda a extensão do território, salvo depois da descoberta do ouro e, assim mesmo, apenas nos eixos dinâmicos da atividade econômica e na capital. A organização municipal, embora tenha precedido o povoamento,5 esteve todo o tempo a serviço dos interesses dos senhores rurais, facilitando a resolução de disputas nascidas entre eles. Quando surge a cana-de-açúcar, sendo formados núcleos urbanos que gravitam em torno de sua exploração, a “comuna é apenas uma assembleia do senhoriato, não desce a acolher o vilão, o homem do povo, o artesão nem o pequeno burguês do comércio”.6 O contraste com as pequenas localidades da Nova Inglaterra observadas por Tocqueville é nítido. A instituição municipal brasileira não nasce da solidariedade ou do interesse dos membros da comuna. Enquanto o município nos Estados Unidos da fase colonial, no começo do século XVIII, era uma realidade homogênea, com diferenças sociais e econômicas 3

A historiografia brasileira acha-se dividida entre duas interpretações. De um lado, tendo à frente Nestor Duarte, há os que defendem que o Brasil teve um passado feudal; de outro, estão os que preferem, com base em estudo de Raymundo Faoro, a hipótese de que o país teve uma organização patrimonial. Veja-se Duarte, A ordem privada e a organização política nacional. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1966, e Faoro, Os donos do poder. (Ed. Globo/Ed. USP, 1975. Veja-se, a propósito das interpretações sobre o poder local no Brasil, Dias, Marcia Ribeiro, Poder político local no Brasil, Um retrato histórico na revisão da literatura, dissertação de Mestrado, Iuperj, Rio de Janeiro, 1995 4 Cintra, Antônio Octávio, "A Política Tradicional Brasileira: uma interpretação das relações entre o Centro e a Periferia", Cadernos do Departamento de Ciência Política, mar. 1974, n.1, p.61. 5 Ver, a propósito, Faoro, op. cit., p.147. 6 Duarte, op. cit., p.74.

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pequenas entre seus habitantes, no Brasil era hierarquizado – um fosso separava os donos de terras dos habitantes das vilas e cidades que se dedicavam ao artesanato ou ao comércio. O Brasil Colônia foi essencialmente um arranjo conveniente e pragmático da metrópole portuguesa – ela própria um império burocrático tradicional – que se defrontava com “tendências centrífugas pela impossibilidade – técnica, econômica, militar e política – de fazer sua presença sentida em todos os pontos do território crescentemente incorporado aos seus domínios através das ações privadas compatibilizadas com os projetos imperiais de expansão”.7 2. O poder local na monarquia Sob a nova condição política criada com a Independência, não se alterou a relação entre os municípios e o poder central no Brasil. Ao contrário, mesmo o Ato Adicional, de inspiração nitidamente liberal, reduziu ainda mais as precárias competências das Câmaras Municipais, conferindo às províncias a prerrogativa de definir-lhes as funções e a área de atuação, segundo sua conveniência. O objetivo desse dispositivo era fortalecer as províncias contra o centro e, ao fazê-lo, restringiu-se ainda mais a liberdade da administração local.8 Passado o Primeiro Reinado e parte do período das Regências, quando se ensaiou breve e problemático experimento de descentralização, o arranjo centralizador voltou a ser adotado e se fixou como parte da fórmula política do Império. O poder burocratizou-se e as províncias e os municípios estiveram sob o comando atento das autoridades gerais. Não havia autonomia para os escalões inferiores de governo. Entretanto, a concentração de recursos nas mãos do poder central era insuficiente para garantir o rígido controle sobre o que se passava nos inúmeros e distantes locais do território continental. Na realidade, a ordem política dessa fase da história do país manteve-se com base em duplo fundamento: o interesse em preservar a escravidão e o carisma do imperador. As elites políticas do Império perceberam que num país grande como o nosso, de características geográficas e econômicas tão diversificadas, se as províncias fossem dotadas de amplos poderes, poderia suceder que em alguma delas o trabalho livre pusesse termo à escravidão. E como não seria possível a coexistência, no mesmo país, desses dois regimes de trabalho antagônicos, os escravocratas que dominavam o cenário político nacional, não podiam deixar de recorrer à centralização para resguardar, em todo o Império, a continuação da

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Cintra, A. O., op. cit., p.61. Ver Leal, op. cit., p.76-7.

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escravatura. A centralização ... salvou a unidade nacional. Também salvou a unidade do trabalho escravo, segundo a aguda interpretação de Hermes Lima...9

O paralelo com os Estados Unidos, embora possa dar margem a controvérsias ou a simplificações, é, nesse ponto, inescapável. Lá, por algum tempo, predominou duplo regime de trabalho, o escravo e o livre. Porém, o desdobrar do processo mostrou a incompatibilidade desse arranjo. O conflito do Norte moderno, que praticava a agricultura comercial e utilizava mão-de-obra assalariada, contra o Sul das plantations, baseadas no trabalho escravo, levou à guerra civil. A vitória do Norte e do trabalho livre impediu a fragmentação, fundiu o território e abriu caminho para a consolidação da democracia naquele país.10 No Brasil, o cálculo político foi diferente e, conscientes do risco do duplo regime de trabalho para a conservação da unidade territorial, as elites políticas optaram pela centralização e a manutenção do trabalho escravo.11 De fato, a curta experiência das Regências havia mostrado os perigos da descentralização. Provavelmente, maior autonomia para os municípios e províncias poderia transformá-los em “centros de atividade política mais intensa, capazes de estimular os interesses e aspirações das camadas inferiores da população”.12 Durante a Monarquia, o município esteve debaixo da tutela do poder provincial e do governo geral. Era, na ordem administrativa, como afirma Leal, comparável “ao menor, na ordem civil”. Assim é que, apesar das amplas atribuições, as decisões das Câmaras precisavam ser confirmadas pelos conselhos gerais das províncias.13 Havia coerência na submissão do município aos presidentes de províncias e destes ao governo geral durante, principalmente, o Segundo Reinado. Afinal, a centralização era a pedra de toque do regime burocrático-escravocrata e garantia da preservação da unidade territorial, mantida a duras penas, apesar das forças centrífugas representadas pelo tamanho do território, pelo isolamento e a dispersão da ocupação territorial e pelo baixo poder do centro. 3. O poder local na República

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Leal, op. cit., p.78-80. Ver, sobre o assunto, Moore, Jr., Barrington, Social Origins of Dictatorship and Democracy: Lord and Peasant in the Making of the Modern World. Beacon Press, Boston, 1966. 11 Convém ressaltar as dificuldades da comparação. Os Estados Unidos conviveram sempre com o duplo regime de trabalho e formaram, na realidade, duas sociedades. A Guerra Civil, que pôs termo à escravidão, deu-se em meados do século XIX, quando as duas estruturas encontravam-se amadurecidas e apresentavam interesses inconciliáveis. A continuação do trabalho escravo no Brasil foi possível pela centralização e, na tomada dessa decisão, certamente teve peso fundamental a antecipação dos efeitos que a extinção da escravatura produziria sobre a ordem econômica e sobre a unidade territorial. O certo é que a centralização impediu a dualidade do regime de trabalho e inibiu a formação de interesses contraditórios nessa área. Só no final do Império é que o problema é posto na agenda política. Deve-se ressaltar que, logo após a abolição, deu-se a queda do Império e o início da República. 12 Leal, op. cit., p.74. 13 Ver Leal, op. cit., p.75, que apresenta a lista das funções das Câmaras e as limitações a que estavam sujeitas. 10

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A queda da monarquia provocaria mudanças nas relações centro-periferia no Brasil. A fórmula política do Império – aliança da aristocracia rural com a elite política do Estado – já não possibilitava a acomodação econômica e política dos interesses nascentes dos produtores de café. Os primeiros anos da República foram caracterizados por instabilidade e turbulência. O Exército, que assumira o poder, não reunia as condições de coesão e unidade para escorar a nova ordem. A estabilidade viria com a política dos governadores, depois que os civis assumiram o poder. São Paulo e Minas Gerais, os dois estados de maior densidade populacional, revezam-se na presidência e instauram um novo centro político no país. Apesar do lastro político da nova ordem, o exercício do poder exigia composição e equilíbrio com as oligarquias dos estados. O regime era presidencialista e baseado em eleições. A organização política era fortemente descentralizada e a União carecia de meios para se firmar sobre os demais componentes da nação. Os novos donos do poder só poderiam manter-se à testa do Estado por meio de alianças com os setores que controlavam a periferia. É nesse quadro, descrito e analisado por Victor Nunes Leal, que surge o coronelismo. O “coronel” comandava os votos das pequenas localidades e era indispensável para o novo arranjo de poder. Em troca de apoio às oligarquias estaduais, dava-lhes os votos que controlavam e que eram necessários para a sua legitimação no poder. Grande parte do eleitorado, sobretudo nas zonas rurais (nas quais vivia a maioria da população), dependia do coronel. Remanescente da ordem privada do Brasil Colônia (fato que levou Nestor Duarte a defender a tese da existência de um passado feudal na história brasileira), o coronel constituía à época um poder decadente. Faltavam-lhe os meios próprios para continuar a funcionar como o protagonista principal da política local, dispensando favores e exercendo a justiça nas suas áreas de influência. Mas a dinâmica eleitoral, essencial para a dinâmica do poder no país, lhe garantia, porém, recursos repassados pelos estados que lhe permitiam manter e controlar sua clientela política. O coronelismo foi a resultante da adoção da democracia representativa numa ordem patrimonial, como mostrou Cintra: nas classes rurais inferiores, com a implantação das leis eleitorais do período republicano, o ato de votar e o sufrágio trazem novas oportunidades para demonstrar e revigorar a lealdade feudal. O velho sistema de obrigações passa a incluir, de forma bem natural, o dever de ajudar o patrão nas eleições.14

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Ver Cintra, op. cit., p.71-3.

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A intermediação do coronel era não apenas crítica, mas exclusiva. Só ele poderia desempenhar o papel de arregimentar eleitores, mobilizá-los, transportá-los para os locais de votação, treiná-los no exercício do voto e garantir sua lealdade.15 O poder político dos coronéis nem sempre era incontestável. Aqui e ali havia oposição, mas proveniente de outro coronel ou grupos de coronéis que disputavam as graças das oligarquias estaduais para estabelecer o domínio político local. Também nos estados havia disputa, e em vários deles havia disputa entre oligarquias pelo poder. Mas isso não invalida a tese de Leal. Tampouco o fato de que muitas dessas eleições, vencidas com o apoio do potentado local, precisariam ter os resultados confirmados pelas assembleias dos estados.16 O Brasil dos coronéis e do coronelismo retratado por Leal foi a tônica do poder local no país durante toda a primeira fase da República Velha e grande parte do período histórico posterior à redemocratização de 1946. Sobreviveu metamorfoseado em muitas regiões, mesmo após a industrialização, e ainda prevalece em muitas das pequenas localidades do Brasil contemporâneo, porque suas causas não foram ali totalmente removidas. O coronel era o centro do microcosmo da política local brasileira porquanto o município era dependente dos recursos do governo estadual e federal e encontrava-se isolado do resto do país, com a escassa estrutura de meios de comunicação. Por isso mesmo, a alternativa ao coronel era outro coronel e não um personagem político diferente. Seu poder era diretamente proporcional à capacidade de garantir para o município os bens e serviços (e também favores e empregos) de que careciam as populações das pequenas e isoladas comunas. A autonomia municipal era precária e virtualmente inexistente, e do arranjo coronelista escapavam apenas os médios e grandes centros urbanos do país. Mas, mesmo nos médios e grandes aglomerados populacionais, não se evidenciou, senão em período muito recente, um novo foco de política em bases não subordinadas. Em quase todos, sobretudo nas grandes concentrações, grassou o populismo e montaram-se máquinas populistas. Na realidade, na esteira da redemocratização do pós-guerra, o sistema político brasileiro sofrera grande transformação. A intensidade da urbanização, articulada ou não com

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Cintra, no artigo citado, desenvolve sofisticada análise do coronelismo e de sua funcionalidade para o sistema. Em análise abrangente deixa clara a "lógica governista" do modelo coronelista. 16 Ver, para uma crítica ao esquema coronelista proposto por Leal, Cammack, Paul, "O coronelismo e o ‘compromisso coronelista’: uma Crítica", Cadernos DCP, 5, Departamento de Ciência Política, UFMG, mar. 1979. Cammack chama a atenção para a dimensão econômica das atividades do coronel como fazendeiro e questiona a sua indispensabilidade eleitoral, uma vez que os resultados das eleições precisavam ser confirmados e havia muita fraude eleitoral. Não obstante, sem a mediação e o compromisso do coronel com as elites políticas dos estados, o custo da legitimação do poder seria enormemente elevado.

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incipientes processos de industrialização, provocara a aceleração do crescimento populacional nas grandes cidades e o surgimento das primeiras metrópoles brasileiras. O Brasil ingressou na era das sociedades de massas. Os migrantes do campo e do Nordeste povoaram as periferias e aumentaram as favelas, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. A resposta do sistema político a essa nova realidade foi o populismo.17 4. O poder local no autoritarismo O golpe de 64 instaurou nova ordem, que tornou as eleições acessórias. O poder centralizouse na esfera federal e os governadores passaram a ser prepostos do poder central. Eram designados não tanto em função do prestígio e popularidade que desfrutavam nos estados, mas em razão da proximidade e afinidade com os detentores do poder no centro. Com a limitada dinâmica eleitoral existente nesse período, já não era necessária a intermediação local. Nem as elites estaduais nem os donos do poder federal careciam dela. Mais tarde, extinguiram-se os velhos partidos e instalou-se no país o bipartidarismo. Porém, a disputa eleitoral foi mantida no nível local, com a exceção das capitais e das consideradas áreas de segurança nacional. Muito embora dispensáveis para a conquista e a estabilidade do poder, os municípios acabaram atingidos direta ou indiretamente pelas políticas do novo regime. Na realidade, a questão municipal entrou na agenda política dos governos militares a partir de 64 em resposta a três ordens de fatores: a nova organização administrativa do poder, a modernização autoritária que então se empreendeu e, finalmente, o populismo até então vigente. Quanto a este último fator, o objetivo era desativá-lo. De fato, o populismo inspirava temor e aversão entre os novos donos do poder no Brasil. Havia o receio de que as massas “soltas” das cidades grandes poderiam se tornar campo de manobra para movimentos de contestação. Essa percepção não era nova. Antes do golpe, era partilhada por parcela significativa das lideranças políticas, que viam riscos na ação de políticos populistas que se alimentavam das esperanças dessas massas. Após a derrubada de Goulart e a instalação da ditadura militar, o novo regime procurou neutralizar essa ameaça potencial. A criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) inscreve-se nesse marco.18 A casa própria era vista como antídoto para os que poderiam representar ameaça à ordem. A Fundação da 17

Sobre o populismo existe abundante produção de estudos. Ver Lafer, O sistema político brasileiro, São Paulo, Perspectiva, 1975, e Jaguaribe, Brazilian Nationalism and the Dynamics of Its Political Development, Washington University, St. Louis, Studies in Comparative International Development, II, n.4, 1966. Populismo é um arranjo político que simultaneamente centra sua atuação sobre as massas políticas – o povo –, as corteja mas as incorpora de forma subordinada ao sistema de poder. Há vários tipos de populismo. Ver, sobre esse assunto, Bobbio, Matteucci & Pasquino, Dicionário de Política, UnB, 1986. 18 Ver Azevedo & Andrade, Habitação e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

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Casa Popular, que precedeu o BNH, rendera dividendos políticos elevados e dera origem a crescentes expectativas nas cidades, que, se não atendidas, pensava-se que poderiam dar margem a focos de insurreição. Desmobilizador, contando com precária base de articulação com a sociedade, tendo reduzido o significado das eleições e temeroso dos “órfãos do populismo”, o regime autoritário viu-se às voltas com a sempre urgente questão da legitimidade. As visões que deram origem à ordem autoritária no Brasil, inspiradas em parte na aversão ao populismo, levaram os presidentes militares a lançar-se a tentativas de superar o quadro tradicional da política brasileira. Recriar a comunidade foi uma dessas tentativas, que se deu, sobretudo, com a iniciativa – frustrada, diga-se de passagem – de criar os Centros Sociais Urbanos. Mas não foi esse o único determinante das políticas que tinham o município por alvo, sob o autoritarismo. A partir do governo Castelo Branco, empreendeu-se ampla modernização do país. O regime autoritário inaugurado em 1964 foi marcado por forte tom tecnocrático. Militares e tecnocratas constituíram a base dos novos governos. Isso não quer dizer que no passado não houvesse especialistas ou técnicos no governo. Advogados, engenheiros e economistas há muito faziam parte do setor público. Entretanto, nunca os técnicos haviam obtido influência própria, como ocorreu depois que o autoritarismo estabeleceu-se no país em 1964. A emergência do tecnocrata como um ator político deveu-se essencialmente à natureza do regime autoritário.19 Das mudanças introduzidas com a “tecnificação” da política, destaca-se a da reforma tributária. Na repartição dos recursos, os municípios tiveram aumentada a sua fonte de receita. A penúria financeira em que viviam as prefeituras municipais, principalmente nas pequenas localidades, havia sido diagnosticada por Victor Nunes Leal como um dos fatores que estimulavam o pacto coronelista. Com minguadas receitas próprias, os municípios precisavam da constante ajuda dos estados e do governo federal. A Constituição de 46 não havia alterado esse quadro. As receitas municipais deterioravam-se com a inflação, diferentemente do que se verificava nos estados e da União, onde a arrecadação acompanhava de perto a oscilação dos preços. Em 1964, da totalidade dos

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Regime autoritário, situação autoritária ou autoritarismo estão sendo utilizadas aqui em conformidade com a noção desenvolvida por Juan Linz e formulada em seu conhecido trabalho "An Authoritarian Regime: Spain", in Allardt, & Littunen (Ed.), Cleavages, Ideologies and Party Systems. Contribution to Comparative Political Sociology, Helsink, 1964. Segundo Linz, o regime autoritário caracteriza-se por um pluralismo limitado (as decisões são fechadas mas delas participam pessoas e grupos privilegiados, ao contrário da ditadura clássica), pela ausência de mobilização política e pela inexistência de uma ideologia abrangente. O autoritarismo distingue-se do totalitarismo.

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impostos coletados, 50,5% foram para a União, 44,6% foram levantados pelos estados e apenas 8,0% couberam aos municípios.20 A reforma tributária melhorou substancialmente a situação financeira dos municípios, mas não representou a carta de alforria para a crônica dependência de recursos estaduais e federais que Leal aponta como solução para os males diagnosticados em sua clássica análise do coronelismo. Em 1975, dez anos depois da reforma tributária, somadas as transferências para estados e municípios criadas com os fundos de participação, as receitas municipais representaram 13,2% do total da arrecadação do setor público, contra 36,3% dos estados e 50,5% da União.21 Mas, mesmo assim, continuava a dependência. As necessidades locais eram crescentes, em consequência da aceleração da urbanização e da industrialização no período militar. Para atender às mais simples e rotineiras, parecia suficiente a melhoria tributária proporcionada pelo governo Castelo Branco. Mas, para investimentos de maior envergadura, mesmo as médias e grandes cidades precisavam recorrer às administrações estaduais e, especialmente, ao governo federal. Sob nova forma e com novos atores – agora os mediadores eram tecnocratas e políticos ligados à Arena – renovava-se o velho jogo político que submetia o poder local à dependência das instâncias superiores de governo.22 Prefeitos do PMDB encontravam maiores dificuldades para obter os recursos de que careciam os municípios sob sua liderança do que os do partido da situação, a Arena, e, por isso mesmo, não foram raros os casos de prefeitos eleitos pela oposição que mudaram de agremiação, para se abrigarem sob o manto protetor do governo. Apesar do discurso e da intenção modernizadora, o governismo esteve vivo durante todo o período da ditadura militar.23 Paralelamente à reforma tributária, o regime autoritário procurou empreender a modernização dos municípios. Junto com a criação do Banco Nacional da Habitação, foi instituído o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – Serfhau, que deveria encarregar-se das políticas de planejamento urbano no país. Por um breve período, pareceu que o Serfhau funcionaria nos moldes que levaram a sua criação. Seguindo orientação contida no Plano de Desenvolvimento Estratégico, foram traçadas as linhas mestras para a atuação do órgão. Como assinala Cintra,24 “a política urbana 20

Ver Brasileiro, O município como sistema político. Rio de Janeiro: FGV, 1973, p.22. Ver Pastore, "Avaliação crítica da reforma tributária de 1965" in Revista de Finanças Públicas, v.XLI, n.348, out./nov. 1981. 22 Sobre o assunto, ver Dias, Poder político local no Brasil, um retrato histórico na revisão da literatura, op. cit., p.68-82. 23 Ver Castro, "Equipamentos sociais e política local no pós-64: dois estudos de caso", Espaço e Debates, n.24, 1988. 24 Cintra, The Politics of Comprehensive Metropolitan Planning: a case study of Belo Horizonte, tese de doutorado não publicada, Massachussets Institute of Technology, MIT, 1983. 21

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nacional deveria assentar-se na construção hierárquica de planos territoriais, partindo de um plano nacional, passando aos macro-regionais até atingir os micro-regionais e locais”. Com o Serfhau, buscava-se introduzir o planejamento na área urbana e, nessa função, cabialhe “guiar todos organismos federais, sempre que matérias urbanas estivessem em questão”.25 Entretanto, logo ocorreu uma inversão de papéis. O BNH, que deveria estar atrelado ao planejamento do Serfhau, ganhou corpo e passou a liderá-lo. O desempenho do Serfhau foi modesto e, apesar dos esforços, nem mesmo os planos de desenvolvimento local integrado, com que pretendia modernizar a ação das prefeituras, foram implementados.26 Uma evidência do fracasso do Serfhau foi a pequena influência que exerceu sobre a legislação das áreas metropolitanas, embora o problema estivesse sob sua competência.27 O órgão não conseguiu exercer de fato o comando sobre a política metropolitana do período, cuja característica principal era a fragmentação institucional. Feitas as contas, o balanço da política municipal sob a égide do regime autoritário foi negativo. Houve melhoria financeira dos municípios, mas não a ponto de lhes garantir autonomia. Continuaram avassalados, como em outras eras, com o agravante de que agora viviam sob um regime repressivo e autoritário, no qual a política era restrita, a participação proibida e a cidadania tutelada. Houve, é verdade, aqui e acolá, como em Lages e Toledo, experiências de gestão local que representavam avanços, mas esses casos constituíam exceções. Entretanto, no tocante à vida associativa, apesar das adversidades, surgiram, em princípios dos anos 70, manifestações novas – o novo sindicalismo do ABC, as sociedades de amigos de bairros, os movimentos de donas-de-casa e contra a carestia, além das primeiras organizações da comunidade negra –, mostrando que, abaixo da superfície estéril e aparentemente imóvel da sociedade brasileira sob o autoritarismo, encontravam-se embriões de mudança e inconformismo.28 Contudo, com a interrupção da democracia, o revigoramento do município fora mais uma vez adiado no Brasil.29 A redemocratização e as mudanças políticas que tiveram lugar desde então, especialmente nas grandes cidades, modificariam esse quadro. 5. O poder local na nova ordem constitucional A Constituição de 1988 rompe com uma longa tradição que remonta ao período colonial. A Carta definiu os municípios como entes autônomos, equiparando-os à União e aos estados. 25

Ibidem, p.125. Ibidem, p.129. 27 Ver, sobre o assunto, Cintra, op. cit., p.129-33. 28 Ver, sobre o surgimento desses movimentos, São Paulo: o povo em movimento. Petrópolis: Vozes/Cebrap, 1980. 29 Ver, sobre o sistema político e partidário brasileiro no período, Soares, A democracia interrompida. Rio de Janeiro: FGV, 2001. 26

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Uma condição inusitada na experiência das principais federações do mundo e na teoria do federalismo (Oliveira, 2007). Na intenção primária dos constituintes, a ideia de uma federação mais descentralizada, vista como sinônimo de mais democracia e mais eficiência na execução de políticas públicas. A crença de Tocqueville, que via nas instituições comunais o sinônimo de democracia e liberdade, estava inquestionavelmente estampada no novo texto. Mas, passados 25 anos de nova ordem constitucional, teria o País alcançado a maturidade institucional e política reclamadas por Leal? Em outras palavras, a atual relação entre União, estados e municípios, traduzida no modelo federativo de 1988, seria suficiente e conducente à consolidação da prática democrática entre nós? As evidências aqui coletadas desautorizam uma resposta positiva, e menos ainda definitiva. O pacto federativo em movimento Embora a Constituição de 1988 seja o marco da autonomia e da descentralização, desde lá o arranjo federativo brasileiro vem sendo consideravelmente reformulado. Na verdade é possível falar em pelo menos dois momentos. O primeiro, com a promulgação da Carta de 1988, quando os governos subnacionais conquistaram autonomia política, podendo eleger seus governos por voto direto. Paralelamente, a Carta instituiu nova repartição da carga tributária, que provocou significativo ganho para os municípios. Esta repartição ocorreu por duas vias. A primeira foi a ampliação das competências tributárias para os municípios, o que beneficiou principalmente os entes locais mais ricos. A outra via foi o aumento significativo das transferências intergovernamentais, com destaque para o Fundo de Participação dos Municípios – FPM, que atende prioritariamente os municípios mais pobres. Num segundo momento, que pode ser considerado a partir de 1995, muitas reformas tiveram início, alterando consideravelmente o arranjo federativo proposto pelos constituintes30. Este conjunto de alterações institucionais tem conduzido a Federação em direção a um processo de maior centralização, produzindo novos contornos nas relações intergovernamentais. Estes novos contornos sugerem que a Federação está hoje mais centralizada e fortemente marcada pela União desempenhando um papel crucial de controle fiscal e de coordenação de políticas públicas cada vez mais efetivo. Para alguns, a Federação seria, hoje, “uma pálida ideia dos objetivos que motivaram os constituintes de 1988” (Oliveira, 2007). Contudo, uma inspeção mais cuidadosa sugere outra interpretação. Na verdade, ao invés de um processo efetivo de redefinição do pacto federativo, 30

Aqui estão consideradas as medidas adotadas para controlar as finanças e endividamentos dos governos subnacionais. As mudanças institucionais mais importantes foram, principalmente: A Lei Complementar n. 82/1995 (conhecida como Lei Camata); O programa de Redução do Setor Público na Atividade Bancária (PROES); a Lei 9496/97, que estabelece as condições para a renegociação global da dívida dos estados; a Lei Complementar n.96/1999 (conhecida como Lei Camata II; e por fim a Lei Complementar n. 101/2000 (conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal).

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com rompimento de preceitos constitucionais descentralizantes, as bases para o fortalecimento da União já estavam escritas no próprio texto constitucional. Segundo Arretche, os constituintes na verdade “criaram um modelo que combina ampla autoridade jurisdicional à União com limitadas oportunidades institucionais de veto aos governos subnacionais.” Portanto, “não criaram um ambiente institucional que congelasse a distribuição original de autoridade de 1988” (Arretche, 2012). As seções a seguir discutem as recentes transformações no pacto federativo brasileiro, com foco nos impactos na capacidade financeira dos municípios, nas novas atribuições a ele destinadas e nos aspectos políticos relativos à institucionalidade local. Ampliação da capacidade financeira e tributária dos municípios O resultado mais significativo da mudança constitucional foi, sem dúvida, a maior participação dos municípios no bolo tributário. A evolução da distribuição federativa das receitas no período de 1988 a 2005 (tabela 1) mostra a receita disponível entre os entes federativos. Da simples inspeção da tabela nota-se claramente que a participação dos municípios cresceu consideravelmente, passando de 13,3%, em 1988, para 17,2%, em 2005. Tabela 1: Repartição da receita tributária disponível por nível de governo – 1988-2005. Arrecadação direta (%)

Receita disponível (%)

Ano

CTB (%PIB)

União

Estados

Municípios

União

Estados

Municípios

1988

22,43

71,7

25,6

2,7

60,1

26,6

13,3

1990

28,78

67,0

29,6

3,4

58,9

27,6

13,5

1991

25,24

63,4

31,2

5,4

54,7

29,6

15,7

1992

25,01

66,1

29,1

4,8

57,0

28,1

14,9

1993

25,78

68,7

26,6

4,7

57,8

26,4

15,8

1995

29,41

66,0

28,6

5,4

56,2

27,2

16,6

1999

31,71

68,1

26,9

5,0

57,0

26,0

17,0

2000

33,36

66,7

27,6

5,7

55,8

26,3

17,9

2003

35,85

67,6

26,7

5,8

57,1

25,6

17,3

2005

38,94

68,4

26,0

5,6

57,6

25,2

17,2

Fonte: Oliveira (2007). Com base nos dados do IBGE.

Como se vê, as transformações dos contornos do desenho tributário não afetaram da mesma forma a capacidade financeira de todos os entes federativos. De fato os municípios foram privilegiados. Os estados e a União sofreram perdas, ainda que discretas, de participação na distribuição da receita disponível. Para os estados, a perda foi de 26,6% em 1988 e 25,2% em 2005. No que diz respeito à União, a perda foi de 60,1% em 1988 para 57,6% em 2005. É importante notar que essas perdas dos estados e principalmente da União foram minimizadas pelo aumento da carga tributária, que era de 22,43% do PIB em 1988 e passou para 38,94% 12

em 2005. Mas o fato é que, pelo menos em termos relativos, o município foi o maior beneficiário do novo modelo tributário. O principal fator do aumento da capacidade financeira dos municípios diz respeito às mudanças no Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O critério de repartição do FPM31 atualmente é o seguinte: 10% são destinados às capitais; 3,6% aos municípios do interior com mais de 142.633 habitantes (municípios classificados como Reserva32); e o restante, 86,4%, às demais localidades (municípios classificados como Interior33). A todos os municípios com menos de 10.188 residentes, é garantido um coeficiente mínimo de 0,634. Assim, quanto maior a população, maior é o coeficiente, mas este não é proporcional e cresce menos. Ao mesmo tempo, quanto menor a renda per capita, maior o coeficiente. Desta forma, o que temos é uma forte redistribuição de recursos tributários em favor de municípios pequenos, pobres e interioranos. No geral, o que se vê é que, ao longo do tempo, ocorreram várias mudanças na legislação relativa ao FPM. Grande parte dessas mudanças diz respeito ao percentual da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reservadas ao FPM. A tabela 2 resume as mudanças mais significativas.

31

O primeiro critério de repartição do FPM, constante da edição inicial do CTN, em 1966, era exclusivamente populacional, aumentando o valor da cota individual conforme aumentava a população do Município; ao longo dos anos, esse critério foi recebendo alterações, e hoje envolve dois fatores: população e renda per capita. 32 Os municípios são classificados em três categorias: Capitais, Reserva e Interior. Para se ter uma ideia, em 2010, os municípios classificados como Reserva eram em número de 156 do total de 5.564 Municípios brasileiros. 33 Os Municípios do Interior são aqueles que não são Capitais, sendo que os da Reserva também participam cumulativamente deste critério. 34 O coeficiente mínimo, 0,6, é válido para municípios com até 10.188 habitantes. Para municípios com mais de 10.188 habitantes e menos de 156.216, foram definidas 16 faixas populacionais, cabendo a cada uma delas um coeficiente individual. Para todos os municípios do interior com mais de 156.216 habitantes, foi determinado o coeficiente 4,0. Importante: dois municípios de estados distintos situados na mesma faixa populacional terão o mesmo coeficiente, mas não receberão o mesmo valor do FPM, porque o percentual de participação em cada estado é diferente.

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Tabela 2: Variação do percentual do IR e IPI destinado ao FPM. Dispositivo Legal Código Tributário Nacional (1966) Ato Complementar 40/1968

FPM (%) Vigência 10,0 1967/68 5,0 1969/75 6,0 1976 7,0 1977 Emenda Constitucional 5/1975 8,0 1978 9,0 1979/80 10,0 1981 Emenda Constitucional 17/1980 10,5 1982/83 13,5 1984 Emenda Constitucional 23/1983 16,0 1985 Emenda Constitucional 27/1985 17,0 1985/88 20,0 1988(a) 20,5 1989 21,0 1990 Constituição Federal de 1988 21,5 1991 22,0 1992 22,5 a partir de 1993 Emenda Constitucional 55/2007 22,5 + 1,0 a partir de 2007(b) Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional – Ministério da Fazenda. (a) A partir da promulgação da Constituição. (b) Em 2007, a partir da arrecadação do mês de outubro

Note-se que de 1988 até 1993 o percentual do IR e do IPI destinado ao FPM subiu de 17% para 22,5%. Além disto, a Emenda Constitucional 55/2007 estabeleceu o acréscimo de 1%, elevando o percentual para 23,5%.35 Mostra-se, pois, crescente esforço da União no sentido de incrementar o orçamento dos municípios mais pobres via transferências intergovenamentais. Os valores absolutos, corrigidos pelo IPCA, ajudam a perceber a magnitude do esforço da União. Em 2002. o FPM transferiu aproximadamente 33,5 bilhões para os municípios, em 2011 este valor foi de aproximadamente 54,3 bilhões. Um aumento de mais de 20 bilhões entre o início e o fim do período. No total, entre 2002 e 2011, foram nada menos do que 411,8 bilhões nos caixas das prefeituras. Importante registrar que nesses valores já foram deduzidos os descontos do FUNDEF (que foi de 15% até 2006) e do FUNDEB (que foi de 16,66% em 2007; 18,33% em 2008; e 20% a partir de 2009)36. O que se depreende do quadro acima descrito é que houve de fato descentralização dos recursos tributários após a Constituição de 1988, ainda que o Governo Federal tenha instituído ou ampliado receitas não sujeitas à divisão com os demais entese federativos. Como assinalado por Afonso e Amorim,37 “nunca os municípios tiveram uma importância relativa tão elevada na administração pública nacional”. Dada esta realidade, é de certa forma estranho 35

A alteração introduzida pela EC nº 55/ 2007, adicionando 1% ao percentual do FPM (que assim passou a ter alíquota de 23,5%). Este percentual a mais, entretanto, seria acumulado na Conta Única do Tesouro Nacional ao longo de 12 meses, para ser entregue aos Municípios por seu valor integral no 1º decêndio de dezembro de cada ano. Outro aspecto importante é que o desconto do FUNDEB não incide sobre este valor. 36 Dados do da Secretaria do Tesouro Nacional. STN (2012) O que você precisa saber sobre as transferências constitucionais e legais: Fundo de Participação dos Municípios – FPM. Ministério da Fazenda/ Secretaria do Tesouro Nacional – STN. Brasília: Set/2012. 37 Ibidem, p.37.

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que “governadores e prefeitos sejam recorrentes na reivindicação por um novo pacto federativo.” (Soares, 2011). A que se deve então a permanente grita dos prefeitos por mais recursos? Dois resultados práticos decorrem da distribuição do FPM. O primeiro, positivo, é o caráter distributivo mais justo. O segundo é que para os municípios que contam com maior população, o FPM tende a ser menos importante38, ficando os menores a depender fortemente das transferências intergovernamentais. Portanto, a grande grita dos prefeitos contra a estrutura tributária vigente se deve ao fato de que a parcela maior das receitas municipais, sobretudo nas pequenas localidades, vem das transferências constitucionais, e grande parte destas é “dinheiro carimbado”.39 Assim, muito embora não se possa ignorar vir o processo de modernização fazendária das médias e grandes cidades brasileiras permitindo a expansão das receitas próprias40 - mesmo nas pequenas localidades -, a grande parte dos pequenos municípios continua a depender fortemente das transferências intergovernamentais. Nesse sentido, parte do argumento da grita dos prefeitos procede. Para os municípios, a receita tributária própria constitui a única fonte de recursos com que contam para investimentos e para o financiamento de gastos de capital. A arrecadação direta dos municípios, com exceção das grandes cidades e capitais, é inferior às transferências constitucionais que recebem da União ou dos estados. Na realidade, nos municípios mais populosos a receita tributária direta tende a ser mais expressiva, não só porque contam com base econômica maior – as propriedades são mais valiosas e neles o peso dos serviços é significativo –, mas também em virtude das características do FPM, que beneficia, em maior grau, as pequenas localidades. Além do quadro de dependência que muitos municípios apresentam em relação às transferências intergovernamentais, outro fator ajuda entender a insatisfação permanente dos prefeitos. Trata-se das transferências de atribuições que vem sendo feitas desde 1988 para os municípios. Ou seja, se é verdade que o município brasileiro recebe hoje tratamento orçamentário muito mais robusto do que em toda a história da Federação, é verdade também que sobre eles recai uma parcela de responsabilidades também nunca vista. O que coloca em dúvida a autonomia financeira dos municípios, dado esta envolver não somente ter maiores receitas, mas também liberdade para despendê-las. Descentralização e políticas sociais: novos desafios para os municípios

38

Informe-se, BNDES, n.28, jun. 2001, p.3. Ou seja, recurso transferido com destinação legal predeterminada, tais como os recursos do FUNDEB. 40 Ver, a propósito, Afonso & Araujo, "A capacidade de gastos dos municípios brasileiros: arrecadação própria e receita disponível", Cadernos Adenauer, 4: Os municípios e as eleições e 2000. São Paulo, Fundação Konrad Adenauer, jun. 2000. Mesmo nos pequenos municípios, que tradicionalmente não cobravam impostos locais, houve aumento da receita própria. 39

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O que explica as queixas e o movimento reivindicatório dos municípios a uma parcela mais substancial do bolo tributário é, em grande medida, a passagem para órbita local da competência pela execução da prestação de serviços de saúde, de parte das tarefas educacionais e, mais recentemente, de responsabilidades com a política de assistência social. Nos últimos anos houve um vasto processo de descentralização da implementação das políticas sociais, e isto gera impactos sobre o poder local. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), no bojo da Constituição de 1988, municipalizou a saúde e fez do prefeito parceiro dessa política até então afeta aos governos estaduais e Federal. Nos novos termos constitucionais, a União está obrigada a transferir para os municípios recursos para financiar o atendimento médico das populações, assim como os próprios estados. Posteriormente, a Emenda Constitucional No 29/2000 vinculou receitas dos municípios a gastos mínimos com saúde. Este quadro torna o poder municipal responsável pelos serviços de saúde, e as cobranças dos usuários, agora direcionadas às prefeituras, vem provocando grande desgaste político das lideranças locais. Na educação, parte da reponsabilidade também foi repassada aos municípios. A Constituição de 1988 determinou que 25% dos recursos públicos devem ser gastos com educação. Para o município, ficou a responsabilidade pela educação infantil. Em princípio, houve quem se opusesse à descentralização, alegando a experiência da França e da Espanha, objetando que não haveria garantias de que os recursos seriam aplicados adequadamente ou que acabariam lançados no caixa único dos municípios, perdendo-se o controle sobre seu uso. A experiência, contudo, vem demonstrando exatamente o contrário. A regulamentação dos gastos determinada pelo FUNDEF, e posteriormente pelo FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico e de Valorização do Magistério)41, trouxe ganhos substanciais. O FUNDEB constitui hoje um orçamento à parte, gerido diretamente pelos secretários municipais de educação, por eles responsáveis. O resultado é, de fato, representar o FUNDEB dinheiro novo e adicional, e o gasto municipal com educação ter-se elevado substancialmente. Ao mesmo tempo, o controle cada vez maior sobre os recursos limita fortemente a discricionariedade do gestor local, e esse controle é parte do esforço de coordenação do governo federal sobre a aplicação de recursos e a execução de políticas sociais a cargo dos municípios. Além da Educação e da Saúde, ao município cabe cada vez mais participar ativamente da Política de Assistência Social. A recente criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)42 é, portanto, outro aspecto a se considerar. O SUAS visa organizar, de forma descentralizada, os serviços sócio-assistenciais no País. O modelo proposto articula os esforços e recursos dos três níveis de governo para a execução e o financiamento da Política 41

A Emenda Constitucional Nº 53/2006 substituiu o antigo FUNDEF pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico e de Valorização do Magistério – FUNDEB –, cuja fonte de recursos incorporou novas transferências intergovernamentais obrigatórias, mantendo todas as anteriores, inclusive o FPM. 42 O SUAS foi criado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a partir do previsto na Lei Federal No 8.742/ 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

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Nacional de Assistência Social (PNAS). Portanto, envolve diretamente as estruturas e marcos regulatórios nacionais, estaduais, municipais. Assim, a política de assistência social também se apresenta como mais desafio para o poder local. Nesse campo, merecem destaque os programas de transferência de renda, especialmente o Bolsa Família. Embora os prefeitos não tenham discricionariedade sobre os recursos, transferidos diretamente ao cidadão pelo Governo Federal, os municípios mais pobres passaram a contar com um importante aporte financeiro na economia local. E este tem sido um fator positivo. Mas os impactos da implementação do SUAS sobre a política local ainda são incertos. Cabe ao município se adequar ao novo sistema de gestão, e isto implica que o poder local deve, como já vem acontecendo, assumir novas responsabilidades e contrapartidas, com consequências políticas ainda não conhecidas43. Contexto, instituições políticas e Poder Local Outro aspecto relevante que impacta no poder local, para além da descentralização de políticas sociais, é a mudança profunda da política fiscal no País. Desde 2000, todos os agentes públicos administram sob a vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, que impõe regras para a gestão dos recursos públicos, limitando ainda mais a autonomia de gastos dos municípios. Contrariamente às expectativas de muitos, que temiam que a lei não “pegasse”, deu-se o oposto. As recentes análises da Lei de Responsabilidade Fiscal mostraram que a imensa maioria dos municípios brasileiros conseguiu não ultrapassar os seus limites. Acostumados a driblar os preceitos constitucionais quando estes se referem a gastos, os prefeitos vêm fazendo um duro aprendizado de austeridade e responsabilidade. O temor das punições e as pressões da população têm contribuído decisivamente para o melhor resultado verificado na gestão orçamentária dos municípios. Nesse contexto, o que se vê é uma administração pública cada vez mais marcada pelo crescente papel dos órgãos de controle, tais como o Ministério Público44, os Tribunais de Contas, as Controladorias e as Defensorias Públicas – responsáveis por fiscalizar e cobrar o cumprimento dos dispositivos legais. Secundadas pelas mídias e pela multiplicação dos movimentos e organizações sociais, essas instituições vêm gerando profunda transformação na política local. O cidadão dos pequenos municípios começa a descobrir que possui direitos e os reivindica. Provavelmente a grita dos prefeitos se deva ao fato de que a demanda por serviços públicos 43

Materia publicada na Folha de São Paulo no dia 26 de outobro de 2013 mostra evidências que confirmam este novo cenário. Em 457 municípios (a maioria no Norte e Nordeste) os valores transferidos pelo Bolsa Família superam as transferências do FPM. O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulskoski chama atenção para o fato que no caso do bolsa Família, as condicionalidades do programa geram despesas para o município atendido. “O município é chamado a executar tudo. Gasta mais em pessoal para atender todo o cadastramento, cruzar informações de evasão escolar, cobertura de vacinação.” Em suma, o Bolsa Família incrementa a economia local, mas não incrementa o orçamento municipal. Ao contrario, demanda mais da administração local que, no caso das pequenas localidades mais pobres, em geral são dotadas de escassa capacidade técnica e de quadros reduzidos. 44 A Constituição de 1988 tornou o Ministério Público autônomo. Desde então, ele vem fiscalizando a ação do poder público.

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não só aumentou, como está mudando também de natureza. Há, a cada dia, mais controle governamental e mais informação e participação da parte dos munícipes. Observa-se uma sociedade civil cada vez mais organizada, inclusive com assento em conselhos municipais, assim como em outros arranjos institucionais criados para deliberar sobre políticas públicas e supervisionar-lhes a implementação, tais como os orçamentos participativos. Tradicionalmente considerada uma sociedade desarticulada e desorganizada, o Brasil vem experimentando crescentes níveis de participação política no âmbito local. Organizações e associações de toda natureza e com objetivos os mais diversos vêm sendo criadas por toda a parte45. Mas isto não quer dizer ter a tendência ao governismo46 sido riscada do mapa político do país. Muitas pequenas localidades, apesar da descentralização das receitas tributárias, ainda dependem dos favores dos estados e da União para sobreviver, por meio de transferências voluntárias.47 Para tanto, elegem os deputados que pareçam mais capazes de granjear os recursos necessários para seu território. Por outro lado, o baixo desenvolvimento institucional do poder legislativo municipal impede que boa parte das câmaras desempenhe com independência sua função de controlar o executivo. De fato, continua o prefeito sendo o ator mais poderoso na política local e a falta de accountability horizontal nos municípios continua sendo, portanto, um problema endêmico a enfrentar. Em suma, se é verdade apontarem todos esses dados para um ambiente mais democrático e para um tratamento mais republicano dos recursos pelos governos locais, o que nos parece uma boa notícia, a tibieza das instituições locais também leva a duvidar sobre a sua eficiência e sua legitimidade. E este quadro parece agravado pela dependência financeira de muitos municípios ao poder central. Conclusão Dado esse quadro, a questão que surge, no limite, é a de se o município estaria, agora, em condições de servir de sementeira para o processo político livre e democrático. O movimento pendular da Federação brasileira ao longo de sua história desautoriza uma resposta positiva, e muito menos definitiva, à questão. “A história republicana brasileira é marcada pela oscilação entre democracia federativa e autoritarismo unitário e, no aspecto social, por desigualdades sociais extremadas (Soares, 2011). 45

O Estudo do IBGE sobre as fundações privadas e associações sem fins lucrativos – FASFIL, mostra que “as atividades desenvolvidas por essas instituições revela que sua vocação não é assumir funções típicas de Estado e sim defender direitos e interesses dos cidadãos e difundir preceitos religiosos. Mais de um terço (35,2%) das FASFIL é composto pelos subgrupos: associações de moradores, centros associações comunitárias, defesa de direitos e grupos de minorias, desenvolvimento rural, emprego e treinamento, associações empresariais e patronais, associações profissionais e associações de produtores rurais. E um quarto delas (24,8%) é formado por entidades religiosas. (IBGE, 2005). 46 Sobre o governismo, ver Abrucio, Os barões da Federação. São Paulo: Hucitec, 2002 e Abrucio, Teixeira & Costa, "O papel institucional da Assembleia Legislativa paulista: 1995 a 1998. In: Santos, (Ed.), O Poder Legislativo nos estados: diversidade e convergência. Rio de Janeiro: FGV, 2001. 47 Esse fato se deve hoje em grande parte à criação desenfreada de municípios. Cerca de mil municípios foram criados desde 88.

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Atualmente ocorre uma grande mudança na política local. A autonomia, tão reclamada pelos municípios, está deixando de ser uma ilusão. Houve melhoria significativa na repartição do bolo tributário, com aumento da capacidade do poder público municipal. Simultaneamente, descentralizou-se a implementação de políticas sociais de relevo e de grande alcance para o bem-estar da população. Mas, no limite, as transformações advindas com a Constituição de 1988 e seus ajustes posteriores, representaram um forte tradeoff para os municípios. Agora dotados de maior capacidade financeira, também se encontram responsáveis pela execução de parte importante das políticas públicas, definidas por legislação nacional e cada ver mais controladas e coordenadas pela União. Sob forte controle dos órgãos de Estado e sob o escrutínio da sociedade civil, prefeitos e gestores se encontram cada vez mais pressionados a dar conta de suas tarefas. Tocqueville considerava a vitalidade da vida associativa das pequenas comunas condição essencial para a democracia. Victor Nunes Leal aponta as mazelas do coronelismo e propõe a autonomia como o seu antídoto. Parte dessas condições começa a ser gerada. Ainda há burgos podres ou pequenas localidades no país, mas, à diferença do passado, encontra-se em curso uma nova dinâmica, que têm se expandido e dado frutos para a cidadania e a democracia no país. A continuidade dessa dinâmica depende, claro, da maturação e da estabilidade das nossas instituições federativas. Referências bibliográficas ARRETCHE, M. Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2012. ABRUCIO, F. L., TEIXEIRA, M. A. C., COSTA, V. M. F. O papel institucional da Assembléia Legislativa Paulista: 1995 a 1998. In: SANTOS, F. (Org.) O Poder Legislativo nos estados: diversidade e convergência. Rio de Janeiro: FGV, 2001. _______. Os barões da Federação. São Paulo: Hucitec, 2002. AFONSO, J. R. R. A., AMORIM, E. A capacidade de gastos dos municípios brasileiros: arrecadação própria e receita disponível. Cadernos Adenauer, 4, Os Municípios e as Eleições de 2000. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, jun. 2000. AZEVEDO, S., ANDRADE, L. A. G. Habitação e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. BRASILEIRO, A. M. O município como sistema político. Rio de Janeiro: FGV, 1973. CAMMACK, P. O coronelismo e o compromisso coronelista: uma crítica. Cadernos DCP, 5. Belo Horizonte: Departamento de Ciência Política, UFMG, mar. 1979. 19

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