O NEGRO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: O SURGIMENTO DO PERSONAGEM AFRO-DESCENDENTE E O CONTEXTO HISTÓRICO (ANOS 1960 E 1970 & 1990 - 2000)

September 13, 2017 | Autor: Rafael Hoffmann | Categoria: Histórias em Quadrinhos (HQ's, Comic Books, Mangás), Negros, Super-heróis
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O NEGRO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: O SURGIMENTO DO PERSONAGEM AFRO-DESCENDENTE E O CONTEXTO HISTÓRICO (ANOS 1960 E 1970 & 1990 - 2000) ¹ HOFFMANN, Rafael Moura ² PEIXER, Arthur Luiz RESUMO: Este artigo tem por objetivo trabalhar dois períodos sociais distintos que destacam como os afro-descendentes conquistaram espaço na sociedade hoje. Primeiramente trabalhará com os anos 1960 e os contextos sociais da luta pelos direitos civis, comparando essa luta com a série “XMen” que aborda o preconceito social de uma forma semelhante, assim criando assimilações entre a série e os acontecimentos. Em um segundo momento será abordado os anos 1990 com o surgimento da editora Milestone Media e seus personagens formados por minorias étnicas, criados por expoentes das mesmas, dessa forma, estabelecendo as conquistas dos negros na atualidade, explicitando como o negro está conquistando destaque dentro das histórias em quadrinhos e na cultura como um todo.

PALAVRAS CHAVE: Quadrinhos, Negros, sociedade

1 INTRODUÇÃO Desde o advento das histórias em quadrinhos nos anos 30, suas histórias de certa forma refletiram, e ainda refletem muitos dos pensamentos sócio-políticos de suas respectivas épocas. No pós-guerra, por exemplo, os mangás japoneses serviram de apoio para distrair os japoneses das desgraças trazidas pelos combates. Muitos mangás, como “Gen, Pés Descalços”, ou “Adolf” abordam a guerra e suas conseqüências, e a desaprovação do povo relativo aos combates. Nos quadrinhos americanos, eram abordados outros tipos de temas: “As HQ, produto típico da cultura de massas, expressaram de forma singular os desdobramentos do capitalismo, refletindo por meio da arte as questões mais prementes da sociedade emergente, altamente urbana e industrial. Dentre essas questões, as de cunho sócio-econômico foram as que trouxeram maiores conseqüências, alterando profundamente as relações que os seres humanos estabeleciam com suas atividades e com a sociedade como um todo. Mundialmente populares por seu traço humorístico, as HQ romperam os limites das tiras de jornal, onde inicialmente eram veiculadas e conquistaram um espaço artístico singular no espectro da narrativa de ficção, tratando inclusive de temas sociais vigentes.” (KAMEL & DE LA ROCQUE, 2007) _________________________________________________________________________________ ¹ ² Graduandos de História na Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória/ Universidade Estadual do Paraná (FAFIUV/UNESPAR) e Bolsista de Iniciação à Docência do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) no Projeto História da África e da Cultura Afro-Brasileira: para além da escravidão, do racismo e dos estereótipos

Sendo assim, partindo do viés social, este artigo visa trabalhar o contexto da luta de classes, relativo aos personagens negros surgidos em determinado período. Os personagens são reflexos do pensamento social relativo aos afro-descendentes. Nos anos 1930 aos anos 1950, os personagens eram caracterizados por estereótipos toscos, que denegriam a imagem dos negros, os caracterizando muitas vezes como incapazes e normalmente de humor grotesco. Bons exemplos temos “WhiteWash Jones” e “Ebano Branco” que seguem essa linha. Nos anos 1970, surge o advento dos super heróis, como os renomados Lanterna Verde, e o caçador de recompensas Luke Cage, que possuem personalidades e histórias muito próprias. Cage é um herói de aluguel, enquanto que John Stuart é como um reserva para Hall Jordan na tropa dos lanternas verdes. O crescimento de personagens negros ficou frente a frente com o aumento do espaço adquiridos pelos negros na sociedade. Em diversas áreas os negros ocupavam o espaço pelos seus próprios esforços. Nos anos 1990, o crescimento tem seu ápice, com a criação da editora “Millestone Media” de Dwayne McDuff,que criou essa editora com o intuito de promover a criação de personagens de minorias étnicas, como asiáticos, latinos e negros, criados pelos próprios artistas dessa origens étnicas. Entre os mais populares, destaca-se o “Super Choque” que nos anos 2000 tornou-se uma série exibida pela Warner, e em diversos episódios abordou as relações entre negros e brancos. McDuff foi o responsável por produzir a série, e ainda foi produtor de “Liga da Justiça Sem Limites” onde diversos heróis passaram a fazer parte da renomada Liga de heróis americana, a qual, o Lanterna verde, John Stuart, já fazia parte. Sendo assim, este artigo será dividido em duas partes: no primeiro momento ira trabalhar de forma geral os movimentos dos direitos civis nos anos 1960 e 1970 nos EUA. Para tanto, utilizaremos a série X-men como foco central de analise comparativa de como esses movimentos refletiram nos quadrinhos naquele período, e como o preconceito passou a ser abordado. Em um período social de transformações, Stan Lee apresentou uma série que abordava a luta dos mutantes por uma aceitação pela humanidade. Ele refletiu a luta pelos direitos civis em sua série refletindo sua opinião referente a aquele momento. Portanto, os X-men são um bom exemplo do reflexo social nos comics americanos ². 2 existem outras séries como Luke Cage (1975) e Blade (1973) que mostram personagens negros como destaque em suas séries, entretanto o que visamos é trabalhar a linguagem do preconceito neste primeiro momento do trabalho.

Em um segundo momento do trabalho, focaremos na decada de 1990 e o surgimento da editora “Milestone Media” de Dwaine McDuffie, um quadrinista afroamericano que fundou essa editora com o intuito de promover os artistas das minorias sociais americanas (negros, asiáticos, latinos) que criassem seus próprios personagens, ganhando espaço na disputa pelo mercado dos comics. Partindo desse marco dos anos 1990, chegaremos ao grande ápice desse mercado que são os personagens que foram para a televisão como “Super Choque”, “Lanterna Verde”, que são símbolos das conquistas sociais dos negros nessa linguagem artística que são os quadrinhos e os desenhos animados. 2 X-MEN E A ABORDAGEM DO PRECONCEITO Claudia Kamel e Lucia de La Rocque definem a série desta forma:   “Eles pertenciam à população dos mutantes, que eram seres que possuíam genes especiais, fora dos padrões normais, não sendo, por isso, considerados humanos. Discriminados e perseguidos, os mutantes eram, às vezes, caçados como se fossem animais perigosos.” (KAMEL; DE LA ROCQUE, 2007).

Stan Lee cria os “X-Men” quando ainda era desconhecido dentro da Marvel. Em 1963 foi a grande explosão do movimento negro nos EUA. Foi o ano em que o pastor Martin Luther King Jr. Fez o famoso discurso “I Have a Dream” (“Eu tenho um Sonho”) onde pregava a igualdade entre brancos e negros, que o mesmo idealiza que um dia ainda viveriam em paz, como irmãos, sem repressão. A realidade dos afro-descentes nos EUA era de extremo desrespeito, eram tratados como “estorvos sociais”, vivendo em lugares próprios, completamente separados dos brancos, forçados a ficar no fundo dos ônibus, e ceder seus lugares na frente, quando estavam sentados. Entretanto, Rosa Parks, voltando do trabalho, sentada nas primeiras cadeiras, um dia, recusou-se a levantar-se de seu lugar para ceder a um branco. Este foi o estopim para o inicio do movimento negro, para igualdade dos direitos civis. O boicote dos ônibus de Montgomery, Alabama tornar-se-ia o inicio de uma caminhada, e a costureira afro-americana seria o símbolo da luta da igualdade dos direitos civis. Todos estes fatos aconteceram no final de 1955.

Voltando para os anos 1960, ao criar os “X-men”, Stan Lee levou à tona a luta contra o preconceito em sua série. Os mutantes, aparentemente uma nova evolução da humanidade, sofriam preconceito, por serem diferentes pelos dons que possuíam. De La Rocque e Kamel comparam o discurso dos principais personagens da série a ícones da luta pelos direitos: “Nas histórias em quadrinhos, o Professor Xavier, líder dos X-Men, falava sempre do seu sonho de ver humanos e mutantes vivendo juntos como irmãos. Um discurso muito parecido com o de Martin Luther King. Já Magneto, líder da Irmandade de Mutantes, pregava que só pela força, os mutantes conseguiriam se impor aos humanos. Seu discurso lembrava o de Malcom X. Sem dúvida, Stan Lee assumia uma posição ideológica ao apresentar o Professor Xavier como mocinho e Magneto como bandido.” (KAMEL; DE LA ROCQUE, 2007)

Dessa forma, atenta-se para o lado político apresentado nos quadrinhos. Em muitas séries é clara a posição social apresentada dentro de algumas histórias. Esse esquema desenvolvido por Lee,demonstra como era a situação política do período, e como ele posicionava-se diante daquilo. Enfim, a série reflete como se desenvolvia a luta pela sobrevivência, uma questão de viverem como irmãos, ou impondo sua vontade. Dentro da série, é refletida a atitude dos humanos com os mutantes, semelhantemente a atitude dos brancos com os negros, com repudio e ódio, dentro de suas mentes, a idéia de que é impossível um convívio social. A série apresenta um expoente negro somente, Ororô, ou “Tempestade”, uma Afro-americana que viu-se órfã na infância, filha de um jornalista americano e uma princesa africana, e foi condenada a vagar pelo continente, até estabelecer-se em uma tribo no Quênia, onde foi considerada uma Deusa devido a seus poderes de controle do clima. Ela foi encontrada por Charles Xavier, que a deu consciência da verdadeira origem de seus poderes. (BASILIO, 2005). Ela é um expoente que se posiciona no meio termo dessa luta pela sobrevivência (é mutante e afroamericana), ou seja, torna-se um símbolo nessa ideologia apresentada por Stan Lee, qualificando ainda mais seu posicionamento diante da luta de classes dos anos 1960. A série também apresenta o mutante Magneto, como citado anteriormente, segundo De La Roque e Camel, sua formar de pensar, assemelha-se a de Malcoln X. Nesse sentido, pode-se dizer que a série se assemelha, não só na maneira de pensar do ativista negro, mas também na forma como ela é estruturada. Malcoln foi

líder dos movimentos afro surgidos nos anos anos 60, como o Black Power, que por sua vez, desencadearam o surgimento do partido dos Panteras Negras na Califórnia. Na série, Magneto possui dois lados que lhe são fieis. A Irmandade de mutantes, apresentada com maior ênfase na série da TV criada em meados dos anos 2000, e os mutantes que fazem parte de seu grupo pessoal. Em ambas as situações, todos eles pensam semelhantes a seu líder, ou seja, os mutantes somente poderão se impor com uso da força, da mesmas forma que o ativista negro Malcoln X posicionou-se na luta pelos direitos civis. A única diferença, no caso da série, é o de Charles Xavier ser o responsável por frear os impulsos do Magneto. Os movimentos dos direitos civis estenderam-se até 1975, com intensas batalhas violentas, e aos poucos a luta pelos direitos foram incorporando-se ao cotidiano social dos Estados Unidos, dando resultado a luta pelo seu espaço do afrodescendente na sociedade. A série “X-Men”, portanto é um dos principais trabalhos em quadrinhos que refletem as lutas de classes daquele período. 2 O CRESCIMENTO DOS AFRO DESCENDENTES NOS QUADRINHOS AMERICANOS: ANOS 90 E A MILESTONE MEDIA COMO MARCO DA CONSAGRAÇÃO DOS NEGROS NOS QUADRINHOS Em 1990 o mundo estava passando por uma série de transições. Era o fim da guerra fria, um ano antes havia caído o muro de Berlin, era o inicio de uma nova era. Nos Estados Unidos, os negros estavam conquistando cada vez mais espaço com diversos expoentes, atletas e artistas, e possuía um crescimento cada vez mais continuo. Nos quadrinhos, surgiram vários personagens negros, alguns já existentes tiveram sua ascensão, como “Blade” que possuía sua própria série publicada. Contudo, ainda não havia surgido um marco para os negros nos quadrinhos. Ainda faltavam expoentes nesse sentido. Sendo assim podemos destacar Dwayne McDuffie, nascido em Detroit em 1962, afro-descendente, foi roteirista de séries como “Homem Aranha”, “Capitão Marvel”, “Hulk”, “Vingadores”, e entre as mais recentes “Liga da Justiça” e “Ben 10”. Ele era editor chefe da Milestone Media até inicio de 2011, quando veio a falecer no dia 23 de fevereiro. Ele foi um dos grandes expoentes na luta das minorias por espaço no mercado dos quadrinhos. Com a idéia da Milestone, McDuffie planejava criar personagens latinos, negros, asiáticos criados pelos negros, latinos e asiáticos,

a fim de promover o trabalho de artistas pouco valorizados devido ao pouco espaço que era dado as minorias sociais. Portanto, não somente lutou pelo espaço dos negros, que era seu objetivo principal, mas deu oportunidade a artistas pertencentes a outras ramificações étnicas. Sendo assim em 1993, juntamente com Denys Cowan, Michael Davis, Derek Dingle e mais roteiristas e desenhistas negros, latinos e asiáticos, fundaram a empresa Millestone Media, editora de quadrinhos que eram publicados pela DC Comics. Ela foi responsável por personagens como “Hardware” e “Icon”, ambos negros, e “Xombi”, personagem asiático. Mas um de seus personagens mais conhecidos é de fato o super herói adolescente “Super Choque” que possui um enredo incomum. A história começa quando a cidade de Dakota é atingida pela explosão de gases nas docas, apreendidos pelo governo dos Estados Unidos, esse foi o chamado “Big Bang”. Esse gás ao atingir seres humanos ows fazia possuir dons, e o jovem Virgil Hawkins foi um desses atingidos. Com os inúmeros meta humanos causando caos em sua cidade, o jovem de 15 anos assumiu a responsabilidade de ser o novo herói, assumindo a identidade de “Super Choque” devido aos poderes elétricos que possuía. O ápice para o trabalho de McDuffie foi quando está série foi transformada em desenho animado em meados do ano 2000. A Warner patrocinou a série, que teve enorme sucesso e criou uma legião de fãs. Era interessante notar na série, que acima de ser uma série que conta a história de um herói, possui uma intensa carga social em seu enredo. O pai do protagonista da série trabalha em um centro comunitário para jovens, sua mãe era medica e morreu salvando vidas em uma rebelião de gangs quando ele ainda era criança. Ela trás uma carga de realidade muito grande, problemas que jovens negros enfrentam muitas vezes como violência e racismo, como é retratado em alguns episódios da série. Problemas familiares, armas, gangs, toda essa realidade dos subúrbios americanos é trazida a tona. McDuffie reflete como um jovem afro-americano lida com os problemas que o cerca dentro da sua vida pessoal no seu cotidiano, e não somente em sua vida de herói. Devido a essa visão social presente na série, o personagem torna-se mais humano. Graças a abordagem da violência nas escolas feita por ele na série, McDuffie venceu o premio “Humanitas” em 2003 por um dos scripts da série. Também já concorreu a diversas premiações como o “Eisner Awards” e o “Writens Guild Awards” ao qual venceu por duas vezes devido a série.

Sendo assim, a Milestone é um marco simbólico na luta pelo espaço das minorias sociais nos EUA. Uma outra grande conquista para isto, é o fato da editora ser uma das lideres de vendas na ultima década, o que está firmando cada vez mais o trabalho feito pela empresa. Ela é um verdadeiro icone na história negra dentro das artes. O mercado dos quadrinhos influencia gerações desde o inicio de sua existência, e pode ser usado como mecanismo social para abolir o racismo ou qualquer outra forma de repreensão étnica. Dwayne McDuffie foi capaz de criar algo que firmasse a cultura negra nos quadrinhos, dando ápice a uma luta por espaço que surge desde os anos 1960, onde os afro-descendentes conseguiram-se firmar dentro de vários espaços culturais e sociais. Alem de seu trabalho dentro da Milestone, o autor roteirizou séries como “Liga da Justiça” onde outro personagem negro possui enorme destaque, John Stuart, o “Lanterna Verde”, personagem criado nos anos 70, mas que ficou conhecido nos anos 2000 com essa série. Depois de ser co-roteirista de “Liga da Justiça” foi Roteirista-chefe da continuação da série “Liga da Justiça Sem Limites” em que vários heróis foram incorporados na série, dentre eles muitos latinos e negros estão inclusos. O fato é que após décadas de luta pelos direitos, de repreensão nas ruas, hoje os negros conseguem seu espaço dentro da cultura também, embora claro, ainda falte muito para se conquistar. Entretanto pode-se dizer que hoje vive-se uma era em que vemos muitos expoentes sociais negros, artistas de grande renome, atletas, políticos, professores, hoje estão tendo mais oportunidade. A luta social não para, não foi um processo fácil até hoje, e nunca será. Os estereótipos estão sendo derrubados, os novos mecanismos aos quais os jovens têm acesso devem ter o intuito de instruir os jovens para abolir preconceitos. Ou seja, acima de entretenimento, quadrinhos, desenhos animados, são mecanismos, que como citado antes, influenciam gerações a décadas. Portanto, quadrinhos não são meras historias, e sim uma linguagem artística capaz de revolucionar a sociedade em que vivemos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

BASILIO, Claudio Roberto. Os Negros nas Histórias em Quadrinhos. Materia

Publicada

em

3

de

março

de

2005;

Disponível

em:

<

http://hqmaniacs.uol.com.br >. Acesso em: 31 de agosto de 2011. MCDUFFIE, Dwayne. Biography. Disponível em acesso em 28 de janeiro de 2012. KAMEL, Cláudia; DE LA ROCQUE, Lucia; X. Men e a dimensão do preconceito nas histórias em quadrinhos; Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz; UERJ, 2007. SARAIVA, Felipe. Homenagem a Dwayne McDuffie; Matéria publicada em 11 de abril de 2011; Disponivel em . Acesso em 31 de Agosto de 2011. SCHLOREDT, Valerie; BROWN, Pam; Martin Luther King; São Paulo, Globo, 1993.

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