O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL

June 5, 2017 | Autor: D. Baleeiro Neto | Categoria: Direito Processual Civil, Novo Código De Processo Civil Brasileiro, Execução Fiscal, Novo CPC
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DIREITO PÚBLICO: Revista Jurídica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, n.1, jan./dez., 2015.

O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL

DIÓGENES BALEEIRO NETO PAULO FERNANDO CARDOSO DIAS

___________________ SUMÁRIO ___________________ 1. Introdução. 2. A Competência territorial para execuções fundadas em títulos extrajudiciais e a nova disciplina da matéria quanto às execuções fiscais. 3. Desarmonia do sistema e necessidade de interpretação sistemática da nova regra. 4. Conclusão.

RESUMO: O Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) disciplina a competência territorial para execuções fiscais de maneira diversa da realizada pelo CPC revogado. Partindo da ideia de que o sistema deve guardar coerência e considerando a previsão, no Novo CPC, de normas que ampliam o rol de opções para ajuizamento de execuções fundadas em títulos extrajudiciais, o presente trabalho buscará propor a interpretação que se considera adequada à regra de competência para execuções fiscais prevista no Novo Código. Palavras-chave: Direito Processual Civil. Execução Fiscal. Competência territorial.

1 INTRODUÇÃO As regras de competência jurisdicional territorial, para além de dar concretude ao princípio do juiz natural, têm por objetivo viabilizar o acesso à justiça e conferir maior efetividade ao processo, na medida em que se busca, no campo normativo, a aproximação entre os órgãos jurisdicionais e a demanda. Tendo tais objetivos como norte, o legislador deve fixar regras de competência adotando o local do exercício da jurisdição como critério. O Código de Processo Civil disciplina a competência territorial para a execução da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias, visto que a Lei que rege as execuções fiscais (Lei nº 6.830/1980) não contém  Procurador do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor de Direito Processual Civil da Escola Superior Dom Helder Câmara.  Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador-Chefe da 1ª Procuradoria da Dívida Ativa. 69

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disposição específica a esse respeito, além de prever, em seu art. 1º, a aplicação subsidiária do CPC. O Código de Processo Civil de 1973 tratava expressamente da competência para o processamento da execução fiscal, em seu artigo 578: Art. 578. A execução fiscal (art. 585, VI) será proposta no foro do domicílio do réu; se não o tiver, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado. Parágrafo único. Na execução fiscal, a Fazenda Pública poderá escolher o foro de qualquer um dos devedores, quando houver mais de um, ou o foro de qualquer dos domicílios do réu; a ação poderá ainda ser proposta no foro do lugar em que se praticou o ato ou ocorreu o fato que deu origem à dívida, embora nele não mais resida o réu, ou, ainda, no foro da situação dos bens, quando a dívida deles se originar.

Vê-se, portanto, que o legislador de 1973 concedeu ao ente público exequente um amplo rol de opções no que tange ao foro para a propositura de execuções fiscais, não o limitando à regra geral que confere competência ao foro do domicílio do réu. O CPC/73 viabilizava ao credor público a opção pela propositura da execução fiscal no foro do “lugar em que se praticou o ato ou ocorreu o fato que deu origem à dívida, embora nele não mais resida o réu, ou, ainda, no foro da situação dos bens, quando a dívida deles se originar”. Tratava-se de norma especial, que conferia um rol de opções mais extenso do que o atribuído ao credor/exequente privado, este submetido, no regime do CPC/73, à disciplina do disposto em seu art. 941, que impunha, como regra, o domicílio do réu como foro competente para as demandas fundadas em direito pessoal, não dando margem, portanto, a que o credor privado optasse, por exemplo, por propor a execução no foro do lugar em que se praticou o ato ou ocorreu o fato que deu origem à dívida. Todavia, o Novo Código de Processo Civil parece, em uma primeira leitura, ter adotado postura diametralmente oposta, ao prever, no seu art. 46, § 5º, a competência do “foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado” para as execuções fiscais e, no art. 781, um amplo rol de opções de foros competentes para execuções cíveis fundadas em títulos extrajudiciais, dentre eles o “do lugar em que se praticou o ato ou em que ocorreu o fato que deu origem ao título, mesmo que nele não mais resida o executado”. O presente trabalho terá por escopo examinar as aparentes antinomias decorrentes das alterações previstas no Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), especialmente no que respeita à competência para processamento da execução fiscal e o cotejo com o que se prevê para as execuções cíveis fundadas em títulos extrajudiciais em geral. 2 A COMPETÊNCIA TERRITORIAL PARA EXECUÇÕES FUNDADAS EM TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS E A NOVA DISCIPLINA DA MATÉRIA QUANTO ÀS EXECUÇÕES FISCAIS

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Em razão da referência feita pelo art. 576 ao Livro I, Título IV, Capítulos II e III. 70

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Ao dispor acerca da competência territorial para execuções cíveis fundadas em títulos extrajudiciais, o CPC/73 remetia às regras previstas para o processo de conhecimento. A priori, não havendo previsão legal ou contratual de local para a realização do pagamento, as execuções de obrigações pecuniárias haveriam de ser propostas no foro do domicílio do devedor, em atenção à regra geral prevista no art. 94 do Código revogado, sendo possível, ainda, a opção pelo foro de eleição. Para as execuções em geral, não havia, contudo, a possibilidade de ajuizamento em foro diverso do local do pagamento, do domicílio do devedor ou do foro de eleição. Por outro lado, para as execuções fiscais havia a previsão de regra especial, conferindo ao ente público a possibilidade de propor a ação no foro do local em que ocorreu o fato ou em que se praticou o ato que deu origem ao título. Em outras palavras, uma execução fiscal que tivesse por objeto, por exemplo, o crédito decorrente de imposto não pago por um devedor que não mantinha mais residência, sede, agência ou filial no local em que ocorreu o fato gerador, não precisaria, por expressa previsão legal, ser necessariamente proposta no foro do novo domicílio do executado. O foro do local onde ocorreu o fato gerador seria igualmente competente, e o ente público credor poderia optar por nele ajuizar a execução fiscal. O Novo CPC, em seu art. 781, V, torna tal opção viável às execuções cíveis em geral: passa a ser possível optar, dentre outros, pelo foro do lugar em que se praticou o ato ou em que ocorreu o fato que deu origem à obrigação prevista no título executivo extrajudicial, ainda que este não seja o foro de domicílio do executado. No que respeita às execuções fiscais, contudo, parece ter o Novo Código caminhado no sentido inverso: a opção antes existente deixa de ter amparo legal, diante do disposto em seu art. 46, § 5º. Inicialmente, convém observar que, à exceção do disposto no aludido § 5º, o art. 46 do Novo Código trata de regras de competência territorial aplicáveis ao processo de conhecimento. Com efeito, o Novo CPC trata especificamente da competência territorial para processos de execução no art. 781, dispositivo situado no Livro II da Parte Especial (ao passo que o art. 46 encontra-se inserido na parte geral). Como bem observa Salomão Viana, o enunciado normativo previsto no § 5º do art. 46 do Novo CPC “estaria muito melhor alojado no contexto dos artigos que versam sobre execução do que no local em que se encontra entranhado, e no qual é um completo estrangeiro”2. A equivocada localização topográfica do dispositivo no Novo Código talvez seja um dos fatores determinantes da reduzida atenção que a doutrina, de forma geral, tem dado à alteração da disciplina legal da competência territorial das execuções fiscais. De todo modo, como se passará a demonstrar no tópico seguinte, não nos parece adequado interpretar o dispositivo literalmente, dissociado da disciplina do próprio código no 2

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 186 71

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que tange às execuções fundadas em títulos extrajudiciais, seara na qual a execução fiscal está inserida. 3 DESARMONIA DO SISTEMA E NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA NOVA REGRA Muito se questiona, em sede doutrinária, a previsão de normas que conferem tratamento processual diferenciado para os entes públicos. Não raro, afirma-se que as prerrogativas processuais fazendárias atentariam contra a garantia constitucional da isonomia. Em sentido oposto, há quem afirme que “sendo a Fazenda Pública desigual frente ao particular, somente estará atendido o princípio da igualdade se lhe for conferido tratamento desigual”3. A par de tal discussão, fato é que não se pode conceber um sistema em que a Fazenda Pública tenha prerrogativas reduzidas em relação ao tratamento processual dado aos particulares. Assim procedendo, o legislador estaria, a um só tempo, contrariando os postulados constitucionais da isonomia e da supremacia do interesse público. Em suma, o tratamento processual da Fazenda Pública há de ser, no mínimo, o mesmo conferido indistintamente a todos. Partindo-se de tal premissa, é possível concluir pela impossibilidade de coexistência, no sistema, de normas que colocam os credores particulares em um patamar de acesso à justiça superior ao dos credores públicos. Não infirma tal tese uma eventual alegação de que a estrutura dos entes públicos lhes permitiria demandar com facilidade em qualquer foro, ao contrário do que ocorreria com os particulares. Isso porque, mesmo sem dados estatísticos precisos, é possível afirmar, com alguma segurança, que a pujança econômica e estrutural é característica que não se revela presente na maior parte das milhares de pessoas jurídicas de direito público espalhadas pelo Brasil. Além disso, há de ser considerado o atual contexto em que se inserem as reformas processuais no direito brasileiro. Tem-se buscado, mais do que a tão alardeada celeridade, a previsão de mecanismos que conduzam a uma prestação jurisdicional justa e efetiva. Dentro de tal contexto, especificamente no que respeita à atividade jurisdicional executiva, a Lei tem conferido aos credores um leque cada vez maior de opções de foros competentes. Tal movimento tem alcançado, inclusive, as execuções fundadas em títulos judiciais, para as quais a competência, historicamente, sempre se considerou funcional (e, portanto, absoluta): o parágrafo único do art. 475-P, do CPC/734 (reproduzido, mutatis mutandis, no parágrafo único do art. 516 do Novo Código), permite que se requeira o cumprimento de sentença no foro do novo domicílio do executado ou o do local em que se encontram bens sujeitos à expropriação.

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CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 9.ed. São Paulo: Dialética, 2011. p. 37. Inserido pela Lei nº 11.232, de 2005. 72

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Seguindo a mesma tendência, o Novo Código permite, também para a execução de títulos extrajudiciais, o forum shopping, ao prever, no art. 781, V, a possibilidade de se ajuizar a demanda executiva “no foro do lugar em que se praticou o ato ou em que ocorreu o fato que deu origem ao título, mesmo que nele não mais resida o executado”. Ora, destoaria radicalmente de tal tendência um movimento no sentido contrário no que respeita às execuções fiscais, antes passíveis de serem propostas em foro relacionado com os fatos que deram origem à dívida, ainda que não fosse o do domicílio do devedor. Nesse sentido, não há de se compreender o art. 46, § 5º, do Novo CPC senão como um detalhamento da norma geral prevista no inciso I do art. 781. Em outras palavras, haveria de se entender, para fins de definição da competência territorial para execuções fiscais, como “foro de domicílio do executado” (art. 781, I, primeira parte) também o de sua residência ou o do lugar onde for encontrado (art. 46, § 5º). Excluir a possibilidade de se ajuizar execuções fiscais nos foros previstos em todos os incisos do art. 781 do Novo CPC resultaria num comprometimento da coerência do sistema. Assim, pode-se afirmar que as execuções fiscais, no regime do Novo CPC, poderão ser propostas no foro de domicílio do devedor (no de qualquer deles, havendo mais de um), no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado, no da situação dos bens a ela sujeitos, ou, ainda, no foro do lugar em que se praticou o ato ou em que ocorreu o fato que deu origem ao título, mesmo que nele não mais resida o executado. 4 CONCLUSÃO Do que se expôs, conclui-se que o enunciado normativo previsto no § 5º do art. 46 do Novo Código de Processo Civil não comporta interpretação literal e restritiva, devendo dele se extrair norma complementar ao regramento geral da competência para as ações de execução fundadas em título extrajudicial, em especial ao disposto no art. 781 do novo CPC. Do contrário, estar-se-ia consagrando uma ostensiva violação aos princípios da isonomia e da supremacia do interesse público, eis que a amplitude de escolha do foro competente estaria exclusivamente nas mãos do credor privado, não se estendendo tal prerrogativa processual (legítima) aos entes públicos. Além disso, tal interpretação significaria a sobrevalorização da literalidade de um enunciado normativo posto topograficamente no código de maneira visivelmente equivocada, em detrimento da harmonia do sistema, cujas normas devem interpenetrar-se, de sorte a viabilizar uma eficiente tutela jurisdicional executiva, conferindo aos credores públicos, no mínimo, igualdade de possibilidades relativamente aos credores privados.

THE NEW CIVIL PROCEDURE CODE AND THE POWER TO INITIATE TAX ENFORCEMENT ABSTRACT: The new Civil Procedure Code (Law 13105 of March 16, 2015) regulates the territorial jurisdiction for tax plays differently from that of the CPC repealed. Starting from 73

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the idea that the system should keep consistency and considering the weather in New CPC rules that expand the list of options for filing of executions based on extrajudicial bonds, this paper aims to propose the interpretation of what is considered appropriate to rule jurisdiction to tax foreclosures expected in the New Code. Keywords: Civil Procedural Law. Fiscal execution. Territorial jurisdiction.

REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: . BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em: . BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 9.ed. São Paulo: Dialética, 2011. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

Recebido em 04/09/2015. Aceito em 30/11/2015.

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