O NOVO CPC E O PROCESSO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO

June 7, 2017 | Autor: Vitor Malta | Categoria: Direito, Direito Processual Civil, Novo Código De Processo Civil Brasileiro, Novo CPC
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NUNES, Dierle; SILVA, Natanael Lud Santos e (organizadores). CPC Referenciado - Lei 13.105/2015. Florianópolis: Empório do Direito Editora, 2015, p. 20.
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Ibid., p. 175
Idem
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SICA, Heitor. Preclusão Processual Civil, 2 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 324 apud MITIDIERO..., p. 48
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NUNES, Dierle. A função contrafática do Direito e o Novo CPC. Revista do Advogado n. 126 - O Novo Código de Processo Civil. Ano XXXV, maio de 2015. São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, 2015, p. 53
Ibid., pp. 53-54
Ibid., p 54
Ibid., pp. 54-55
THEODORO JÚNIOR..., p. 56
NUNES, Dierle. A função contrafática do Direito e o Novo CPC. Revista do Advogado n. 126 - O Novo Código de Processo Civil. Ano XXXV, maio de 2015. São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, 2015, p. 55
MITIDIERO…, p. 48
THEODORO JÚNIOR..., p. 87
Ibid., p. 56
Idem.
FLEXA... p. 49
NUNES, Dierle. A função contrafática do Direito e o Novo CPC. Revista do Advogado n. 126 - O Novo Código de Processo Civil. Ano XXXV, maio de 2015. São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, 2015, pp. 55-56
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O NOVO CPC E O PROCESSO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO
VITOR SANTIAGO MALTA

O Novo Código de Processo Civil, aprovado e sancionado enquanto Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, trouxe importantes mudanças para o ordenamento jurídico brasileiro, inaugurando um novo paradigma para o nosso direito processual. Quando entrar em vigor, aos 18/03/2016, será responsável pelo pano de fundo necessário para que se estabeleça um sistema processual inovador, capaz de romper com inúmeros dogmas consagrados na vigência do Código de Processo Civil de 1973 e que têm afastado os tribunais de premissas constitucionais fundamentais.
Aprovado no final dos chamados "Anos de Chumbo" da Ditadura Militar, durante o governo Médici, o código processual civil de 1973 passou por inúmeras reformas, inclusive a fim de adequá-lo ao novo paradigma de Estado Democrático de Direito esculpido na Constituição da República de 1988. Como resultado, o CPC em vigor perdeu sua coesão e funcionalidade, enquanto "consequência natural do método consistente em se incluírem, aos poucos, alterações no CPC, comprometendo a sua forma sistemática" e promovendo, sobremaneira, a insegurança jurídica, conforme explicitado pela comissão de juristas responsáveis pelo Anteprojeto do Novo CPC em sua Exposição de Motivos.
Não bastasse a desorganização e o insucesso das reformas e emendas pontuais, o Código de 1973 sofria ainda com a pujante necessidade de adequação às garantias fundamentais, das quais a prática forense se afastava cada vez mais. Isso, em razão das práticas socioeconômicas típicas dos anos 1990, do congestionamento do Poder Judiciário, do despreparo e desinteresse de muitos aplicadores do direito e do formalismo burocrático, voltado apenas para o esvaziamento das estantes de processos nas secretarias judiciais, sem qualquer apego à busca pela satisfação dos direitos das partes e em falsa aparência de celeridade.
É nesse contexto que surge o Novo Código de Processo Civil, seguindo a tendência latino-americana, sob a premissa de um processo civil moderno, efetivamente democrático, com abandono concreto do ritualismo acentuado, que dirigia o processo civil "antigo" em direção oposta ao ideal democrático amadurecido nas primeiras décadas de uma nova era, inaugurada em 1988.
Nesse contexto, surge o modelo constitucional de processo, decorrência direta da Constituição da República de 1988. Com a Carta Magna, a interpretação de todos os ramos do sistema jurídico brasileiro, dentre os quais o direito processual civil, foi submetida à persecução e defesa dos chamados direitos fundamentais:

"Reconhece-se hodiernamente a existência de um modelo constitucional de processo comprometido com a concreção dos direitos fundamentais. Tal responsabilidade não mais se limita a instrumentalizar a proteção oriunda do plano material em sentido estrito. Segundo concepção que adotamos, um passo à frente foi dado. Admite-se contemporaneamente a existência de um rol de direitos (igualmente fundamentais) que, ainda que tenham valia apenas no e em razão do processo, compõem o núcleo das posições jurídicas mínimas do cidadão, devendo, em tudo e sempre, orientar interpretações, bem como a regulamentação de qualquer regime processual, seja ele de que natureza for".

Ocorre que, conforme exposto, o Código de Processo Civil de 1973 se mostrou incapaz de efetivar o paradigma inaugurado pela Constituição de 1988, diante do caminho trilhado pelo processualismo nacional desde o liberalismo, passando pelo processo socializante e pelo atual modelo neoliberal, em direção ao necessário arquétipo constitucional democrático. Situação agravada, ainda, diante dos comportamentos não cooperativos das partes e advogados – que em grande medida mantém o padrão liberal no processo, atuando como em um "jogo de estratégia" – e do magistrado – seja por despreparo, intransigência ou seu distanciamento da realidade social, seja pelo enorme influxo diário de processos e a necessidade de aplicação também da celeridade e eficiência como um dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Com isso em mente,

"(...) percebe-se a tendência de superação tanto do modelo liberal, de esvaziamento do poder do juiz, quanto do modelo social autoritativo, de exercício solitário de aplicação compensadora do direito pelo juiz, que reduz os espaços de discussão endoprocessual e a função técnico desenvolvida pelas partes e seus advogados, impondo, muitas vezes, a estas uma mera posição de sujeição (CIVININI, 1999, p. 3). Mostrou-se, ainda, ser completamente incompatível com uma perspectiva democrática a busca meramente funcional de produtividade e redutora do papel processual, típica do neoliberalismo processual".

O intuito do Novo Código de Processo Civil, então, é adequar todas vertentes do procedimento judicial cível a um novo paradigma, na intenção de efetivar o processo como instrumento realizador dos direitos fundamentais previstos na Constituição da República de 1988. Foi esse objetivo que dirigiu a redação do códex de 2015, e que se pretende dirija a atuação dos sujeitos processuais a partir de março do próximo ano.
Qualquer análise da Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015 deve se iniciar pelos institutos que fundamentaram e dirigiram sua criação. Conforme exposto, o modelo constitucional democrático de processo civil que o Novo CPC propõe parte de algumas premissas essenciais, sendo em primeiro plano a comparticipação e o policentrismo processual, e, paralelamente, princípios já consagrados pela Constituição da República de 1988, como o devido processo legal e sua nova interpretação enquanto processo justo, ético e moral, o contraditório e a ampla defesa, a boa-fé subjetiva e tantos outros, todos submetidos a uma leitura guiada pelo novo paradigma.
De início, questiona-se: o que é o modelo de processo constitucional democrático? Trata-se de mais uma etapa da evolução que teve início com o processo liberal, no qual as partes e seus advogados eram os protagonistas de um jogo perante o judiciário, vencido por quem detivesse as melhores armas e a estratégia mais inteligente, atuando o juiz como mero responsável pela indicação do vencedor do duelo.

Do processo constitucional democrático
Percebidos os efeitos nefastos do modelo liberal de processo, um movimento de socialização típico do paradigma do Estado de Bem-Estar Social alçou o magistrado ao protagonismo antes ocupado pelas partes e causídicos, pautado na presunção da hipossuficiência do cidadão e na ingerência do Estado nas relações jurídicas. Nos dizeres de THEODORO JÚNIOR, NUNES, BAHIA e PEDRON,

"Essa perspectiva teórica, idealizada e sistematizada por autores como Menger, Klein e Bülow, tendeu, a partir desse momento, a enfraquecer o papel das partes e a reforçar o papel dos magistrados, de forma que a tensão jurídica interna idealizada com a criação de um novo modelo processual (socialização processual) surge na busca de um novo horizonte interpretativo, de modo a suplantar as deficiências do anterior, mas conduzindo a novos equívocos".

Já em 2008, Dierle José Coelho Nunes pregava "o resgate da participação no espaço público processual de todos os envolvidos (cidadãos ativos), na perspectiva policentrica e comparticipativa". O autor ensina que o cenário atual é reflexo direto da socialização processual típica da década de 1980 em terras brasileiras, posteriormente apropriada e desnaturalizada por uma perspectiva neoliberal de processo, nos anos 1990.
Nesse sentido, de acordo com o modelo do processo social, defendia-se o protagonismo judicial como mecanismo realizador de escopos metajurídicos, aqueles sociais, políticos e econômicos, em decorrência direta do movimento pelo acesso à justiça peculiar à época. Ocorre que, na década de 1990, como decorrência direta do Consenso de Washington, pacote de reformas e ajustes impostos por organismos financeiros internacionais e potências econômicas mundiais aos países latino-americanos, inaugurou-se o que Dierle Nunes chama de perspectiva neoliberal de processo:

"Falar-se-ia necessária a criação de um modelo processual que não oferecesse perigos para o mercado, com o delineamento de um protagonismo judicial muito peculiar, em que se defenderia o reforço do papel da jurisdição e o ativismo judicial, mas não se assegurariam as condições institucionais para um exercício ativo de uma perspectiva socializante ou, quando o fizesse, tal não representasse um risco aos interesses econômicos e políticos do mercado e de que o controla".

Sob esse ponto de vista, o jurisdicionado passa a cumprir o papel de mero espectador, consumidor da juris dictio, desnaturalizando-se o discurso socializante. Em apertada síntese, "percebe-se que os dois modelos processuais primordiais na história seriam o liberalismo processual e a socialização processual":

"O primeiro garantiria o domínio das partes sobre um procedimento escrito e governado amplamente pelo princípio dispositivo. O segundo garantiria o ativismo e o protagonismo judiciais, que trabalharia, na direção de um procedimento oral e concentrado, com inúmeras mitigações e flexibilizações do princípio dispositivo. O magistrado passaria a exercer uma engenharia social solitária na aplicação (ou 'criação') do direito, compensando desigualdades sociais entre as partes (WASSERMAN, 1978, p. 89-90). No entanto, defende-se que parcela do movimento de socialização no Brasil se desnaturou para uma perspectiva pseudo-social (neoliberal) que garantiria uma aplicação do direito em larga escala (decisões padronizadas), não pormenorizada, sem se valer de possíveis benesses da oralidade e sem exercer ingerências a partir do processo, reputadas nefastas aos modelos de dominação atual (...)".

NUNES, então, aponta a necessidade de se quebrar o protagonismo do juiz e rechaçar o que chama de solipsismo (decisões judiciais solitárias), pregando um ideal fazzalariano de negação da submissão das partes ao Estado-juiz e promoção de uma interdependência entre os sujeitos processuais. É, sobremaneira, a defesa desse processo democrático que, inserido no cenário imposto pela Constituição da República de 1988, deve ser dirigido à efetivação de direitos fundamentais, dando forma ao chamado modelo de processo constitucional democrático.
É imperioso ressaltar que o paradigma proposto pelo Novo Código de Processo Civil induz à tensão permanente entre o pensamento socializante e o liberal. Prova disso é a necessidade de se manter o perfil ativo do juiz, nos termos propostos pelo processo social, mas adequado ao Estado Democrático de Direito e ao perfil imposto pela Constituição de 1988. Nesse sentido,

"A moderna concepção da relação processual requer a presença de um juiz ativo e a efetiva participação das partes. A atuação do juiz na condução do processo é fundamental, pois a maior parte da responsabilidade pela entrega da tutela jurisdicional é do julgador. Contudo o magistrado não é o único responsável pela efetividade do processo, Todos os demais sujeitos devem participar ativamente para conseguir a solução mais adequada ao conflito que se apresenta".

O novo modelo e o novo Código de Processo Civil
Com isso em mente, o Novo Código de Processo Civil foi criado como instrumento efetivamente realizador do modelo constitucional de processo. A par disso, propõe um procedimento pautado em dois eixos centrais, quais sejam, a comparticipação e o policentrismo processual, bem como fundamentado paralelamente em direitos constitucionais, também essenciais, como o "devido processo legal (formal e substantivo), o contraditório – em uma versão dinâmica (art. 10, Novo CPC), a ampla defesa e uma renovada fundamentação estruturada e legítima das decisões judiciais".
Nas palavras de eminente doutrina, o processualismo constitucional democrático

"(...) passa a se preocupar com um viés mais panorâmico da aplicação do Direito, de modo a suplantar a mera análise das legislações processuais e investindo na compreensão dos fundamentos estatais e paradigmáticos de problemas envolvendo a própria concepção do processo e da jurisdição, mas, também, do Estado Democrático, das litigiosidades e da leitura dos direitos fundamentais. Não se olvida, ainda, da problemática da ocorrente crise do Estado brasileiro e das possíveis soluções dos descaminhos".

A princípio, tem-se que a Comparticipação "induz a assunção do processo como um locus normativamente condutor de uma comunidade de trabalho", comunidade esta "na qual todos os sujeitos processuais devam atuar em viés interdependente e auxiliar, com responsabilidade, na construção dos pronunciamentos judiciais e em sua efetivação". De acordo com THEODORO JÚNIOR, NUNES, BAHIA e PEDRON, trata-se de uma releitura do processo e do papel de seus sujeitos, adequando-os à visão contemporânea democrática, mas que não se refere simplesmente à colaboração das partes entre si e com o juiz, que revela uma visão estatalista, e muito menos da visão romântica de uma "solidariedade processual":

"E aqui importa desde logo deixar claro: a colaboração no processo não implica colaboração entre as partes. As partes não querem colaborar. (...) as partes continuam conduzindo o processo a fim de ganhar o caso, cada qual exercendo seus direitos, desempenhando seus ônus e cumprindo seus deveres sob o influxo dessa finalidade. A diferença fundamental para as partes é que devem fazê-lo de boa-fé".

O modelo comparticipativo "(...) visa a dar feição ao aspecto subjetivo do processo, dividindo de forma equilibrada o trabalho entre todos os seus participantes - com um aumento concorrente dos poderes do juiz e das partes no processo civil", caracterizado pela "busca tanto quanto possível da verdade". Configura, assim, "concepção mais pluralista e consentânea à feição democrática ínsita ao Estado Constitucional".
Nesse sentido, conforme ensina Dierle José Coelho Nunes, o Novo CPC assume uma função contrafática, eis que "uma das funções primárias do Direito é a de impedir comportamentos 'inadequados' que as pessoas assumiriam dentro da busca de seus interesses pessoais":

"Com o sistema jurídico se busca coibir comportamentos injurídicos que ordinariamente seriam desempenhados, salvo, em contraponto, quando se adote uma determinação normativa que os coíba, o que poderíamos denominar de função contrafática. (...) Ao se perceber uma série de vícios e descumprimentos à normatização (inclusive constitucional), a nova legislação tenta, contrafaticamente, implementar comportamentos mais consentâneos com as finalidades de implementação de efetividade e garantia de nosso modelo processual constitucional. Este é um de seus grandes pressupostos ao se buscar corrigir problemas sistêmicos".

Atento a esse aspecto, o legislador buscou atacar as práticas injurídicas no âmbito do processo. Como exemplo, NUNES cita a fixação de honorários irrisórios:

"Uma situação recorrente na prática (no mundo fático) que vivenciamos é a de o magistrado, no momento de fixar honorários sucumbenciais em causas de grande relevância econômica, especialmente em face da Fazenda Pública, estabelecer um valor irrisório em prol do advogado, que desconsidera todo o empenho, zelo e esforço empreendido pelo profissional ao longo da tramitação processual. Tal hipótese fomenta o uso de recursos e muitas vezes conduz, ao final, a um resultado indevido com a chancela dos valores anteriormente fixados. O NCPC, contrafaticamente, ao constatar tal fenômeno, cria critérios normativos que limitam a determinação judicial a parâmetros que atendam ao grau de trabalho empreendido pelo patrono na causa, em seu art. 85".

Outro exemplo é a chamada "jurisprudência defensiva", em face da qual,

"em sua função contrafática, desde a parte geral (art. 4º do NCPC), a nova lei impõe premissas interpretativas e um novo formalismo que induz o máximo aproveitamento da atividade processual e a regra da primazia do julgamento de mérito (...). Determina-se, assim, nos moldes do art. 932, a impossibilidade de o relator dos recursos inadmiti-los antes de viabilizar a correção dos vícios, como, por exemplo, de ausência de documentação ou de representação. Ainda estabelece, em seu art. 218, §4º, que um recurso praticado antes do termo inicial do prazo seja considerado tempestivo. Ou seja, busca-se limitar o comportamento não cooperativo dos tribunais de impedir atividades processuais por rigorismos formais desprovidos de fundamento constitucional adequado".

O Policentrismo, por sua vez, é instituto que caminha ao lado da comparticipação, também fruto da adoção de um modelo constitucional de processo, atinente a um novo perfil dialógico entre todos os sujeitos processuais. Conforme comentários de FLEXA, MACEDO e BASTOS, "Todos aqueles que praticam atos de qualquer natureza no processo são sujeitos processuais", dentre os quais se inclui o magistrado. Assim, sob o ponto de vista policêntrico, o papel de todos os sujeitos processuais é reforçado, constituindo-se uma "comunidade de trabalho" entre juízes e partes, afastando qualquer tipo de protagonismo processual: seja das partes e dos advogados, conforme o modelo liberal de processo, seja do juiz, conforme construção da socialização processual. Dierle Nunes explica:

"Aqui se trata de uma concepção normativa contrafática que delimita ferramentas de controle de todos os sujeitos processuais ao se perceber a interdependência entre suas atividades fazendo com que todas ofertem um importante papel dentro do sistema processual (divisão de papeis)".

O policentrismo, assim como a comparticipação, vem estampado no artigo 6º do Novo Código de Processo Civil: "Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva". Esta é uma das normas que o legislador denominou fundamentais, conforme Capítulo I do Título Único do Livro I, presente na Parte Geral do Novo CPC. Nesse sentido, Daniel Mitidiero ensina que

"desde o início, o legislador entorna normas fundamentais que servem para densificar o direito ao processo justo previsto na Constituição (art. 5º, inciso LIV) e dar as linhas-mestras que o estruturam. Dentre essas normas, consta o art. 6º: 'todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva'. Se adotada uma chave de leitura apropriada, trata-se de norma da mais alta importância que ao mesmo tempo visa a caracterizar o processo civil brasileiro a partir de um modelo e fazê-lo funcionar a partir de um princípio".

Destarte, o policentrismo diz respeito ao "perfil dialógico entre todos os sujeitos processuais" afastando qualquer tipo de protagonismo para que todos os sujeitos processuais construam os provimentos judiciais conjuntamente, como mecanismo de persecução e efetivação da justiça. Sobre esse aspecto, confira-se:

"Não podemos tolerar um processo judicial não dialógico e cooptado tão somente por imperativos de máxima produtividade e de qualidade zero, até pela percepção óbvia de que esta concepção não vem trazendo bons resultados. Só uma nova racionalidade de uso do sistema pode auxiliar na resolução de nossos problemas. O NCPC busca, assim, dentro de seus estritos limites, por ser tão somente uma lei, e não uma panaceia, ofertar um balizamento contrafático que possa otimizar a atividade processual e melhorá-la qualitativamente. Resta-nos agora compreendê-lo e aplicá-lo sempre sob a melhor luz e em conformidade com sua parte geral, sua unidade e suas premissas norteadoras".

Estudados os eixos principais do Novo CPC, deve-se atentar para a posição de destaque do contraditório, que se encontra perante o policentrismo e a comparticipação em relação de interdependência, de causa e efeito em via de mão dupla. A Lei 13.105/2015 aplica uma releitura do princípio, enquanto direito de influência e não surpresa, "de modo a garantir a influência de todos na formação e satisfação das decisões e inibir aqueles atos praticados em má-fé processual".
O contraditório deve ser entendido como participação na construção do provimento judicial. Nesse sentido, fala-se em um contraditório construído sob quatro pilares, formando um quadrinômio de informação, reação, influência e cooperação, entendido como "o direito de a parte ter ciência de todos os atos e termos do processo, manifestar-se sobre todos esses atos e termos, influenciar no conteúdo da decisão judicial e viabilizar a cooperação entre as partes e o juiz".
Trata-se do abandono de seu caráter formal, entendido historicamente como mero direito de falar, para a adoção de seu perfil substancial enquanto garantia de influência e não-surpresa, nos termos dos artigos 9º e 10º do novo códex:

Art. 9º. Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;
III - à decisão prevista no art. 701.

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Com isso em mente, conclui-se que o legislador buscou consagrar o abandono do princípio do contraditório como mera garantia de bilateralidade de audiência, positivando aquilo que já vinha sendo apontado pela doutrina processualista:

"Há muito a doutrina percebeu que o contraditório não pode mais ser analisado tão somente como mera garantia de bilateralidade da audiência, mas sim como uma possibilidade de influência sobre o desenvolvimento do processo e sobre a formação de decisões racionais, com inexistentes ou reduzidas possibilidades de surpresa. Tal concepção significa que não se pode mais acreditar que o contraditório se circunscreva ao dizer e contradizes formal entre as partes, sem que isso gere uma efetiva ressonância (contribuição) para a fundamentação do provimento, ou seja, afastando a ideia de que a participação das partes no processo possa ser meramente fictícia, ou apenas aparente, e mesmo desnecessária no plano substancial"..

Nesse particular, deve-se ressaltar também o papel da boa-fé processual, alçada ao patamar de norma fundamental do processo civil, consoante tipificação no artigo 5º do Novo Código, verbis: "Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé". Trata-se de premissa que impõe a reprimenda do abuso do direito processual, presente por exemplo no formalismo processual exacerbado e na formação de jurisprudência defensiva, do ponto de vista do magistrado, e das figuras da supressio, surrectio, tu quoque e do venire contra factum proprium.
A boa-fé a que se refere o art. 5º do Novo CPC é a objetiva, entendida como norma de comportamento, e não como a intenção do sujeito processual (boa-fé subjetiva). Trata-se de princípio processual que pauta as expectativas de confiança e lealdade e apresenta função hermenêutica positivada no artigo 322, §2º do Código de Processo Civil de 2015, conforme art. 322: "O pedido deve ser certo. (...) §2º. A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé".
Destarte, diante dos eixos assumidos pela Lei 13.105/2015 e seus princípios correlatos, conclui-se que os objetivos da reforma processual perpetrada pelo novo Código ultrapassam os ajustes e alterações procedimentais, em direção a uma proposta de verdadeira conformação teórica do processo civil aos preceitos democráticos e constitucionais, ainda que tardiamente.
Expostas as premissas teóricas do Novo Código de Processo Civil, retomem-se as indagações propostas. Seria possível afirmar que o paradigma do processo constitucional democrático se faz presente nas alterações empenhadas pelo Novo Código? Por outro lado, essas alterações são capazes de adequar o "novo" processo civil ao paradigma processual que a Lei 13.105/2015 busca efetivar? Para além disso, é possível empreender uma comparação entre os regramentos do recurso para, ao final, determinar com precisão se o "novo" é melhor que o "atual"/"antigo"?
Em primeiro lugar, não se deve perder de vista que o Poder Legislativo não tem o condão de afastar, por si só, todas as mazelas atribuídas ao Judiciário brasileiro. Muito embora a adoção de um Novo Código de Processo Civil seja, sim, capaz de assegurar vários avanços, principalmente no que diz respeito à organização da Justiça no Brasil, é essencial entender que nenhuma das premissas fundantes da Nova Lei constitui inteiramente uma novidade. Conforme exposto, todo o processo civil já deveria ser lido e conduzido na esteira da Constituição da República de 1988, sendo que, nesse ponto, a Lei 13.105 de 2015 terá por principal virtude o fato de tipificar uma vez mais os preceitos fundamentais da Carta Magna, em atendimento à cultura legalista que permeia o Direito brasileiro.
Com isso em mente, em um primeiro momento, apenas é possível afirmar que o paradigma de processo constitucional democrático se fará presente no dia-a-dia dos profissionais de direito em nível de intenção legislativa, eis que os reflexos das mudanças empreendidas pela nova legislação só poderão ser verificados na prática com sua entrada em vigor e posterior aplicação pelos tribunais. A Lei 13.105/2015, nesse sentido, é apenas um passo em direção a uma necessária mudança cultural, afinal a comparticipação dificilmente será imposta de maneira unilateral às partes e causídicos, bem como o policentrismo apenas de modo árduo será imposto ao magistrado solipsista.
Destarte, somente a prática revelará se o modelo de processo proposto efetivamente resta adequado ao paradigma processual imposto pela Constituição da República e pelo Novo Código de Processo Civil. Caberá aos operadores do Direito adotarem um novo comportamento, lançando mão do Novo CPC como um efetivo instrumento de efetivação de direitos constitucionais e em ambiente processual verdadeiramente comparticipativo e policêntrico.
Como conclusão, impõe-se a constatação de que a condição em que se encontra o processo civil e o Poder Judiciário como um todo depende em maior medida de uma mudança cultural, e não somente a iniciativa legislativa. As alterações impostas pela Lei 13/105/2015 fogem ao campo meramente prático, levando-se em conta todo o pano de fundo teórico que se propõe venha a assumir o papel o paradigma interpretativo do processo civil.
Assim, se o paradigma de processo constitucional democrático finalmente será efetivado, só a prática dirá. No mesmo sentido, caberá à práxis forense nos fornecer subsídios para dizer se o "novo" processo será melhor ou pior que o que vige atualmente, ou mesmo se serão diferentes. Seja como for, é certo que foram dados os primeiros passos em direção a um novo processo civil brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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