O NOVO CPC NÃO É A PANACEIA DE TODOS OS MALES E PODERÁ MELHORAR A ATIVIDADE JURISDICIONAL

August 4, 2017 | Autor: Alexandre Camara | Categoria: Direito Processual Civil, Processo Civil, Novo Código De Processo Civil Brasileiro
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O NOVO CPC NÃO É A PANACEIA DE TODOS OS MALES E PODERÁ MELHORAR A ATIVIDADE JURISDICIONAL POR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA

Por Alexandre Freitas Câmara Na coluna Novo CPC

A recente aprovação do novo CPC, que ainda não foi sequer sancionado, tem reavivado a ideia de que agora todos os problemas da atividade jurisdicional se resolverão.[1] Não se pode, porém, e com todas as vênias devidas, concordar com esta ideia. É que o novo Código de Processo Civil é, apenas, uma lei. E assim sendo, dele só se pode esperar solução para os problemas que podem ser resolvidos através de mudanças legislativas. Evidentemente, há uma série de graves problemas da atividade jurisdicional brasileira contemporânea que deverão (ao menos se espera) ser resolvidos a partir da entrada em vigor do novo Código. Alguns exemplos podem ser apresentados. Em primeiro lugar – e aqui talvez esteja o ponto fulcral do novo Código –, com a entrada em vigor do novo CPC o processo passará a desenvolverse com observância do princípio do contraditório de forma substancial, e não meramente formal. Em outras palavras, deixar-se-á de observar o contraditório formal, que consiste tão somente na exigência de que às partes se assegure a possibilidade de se manifestar nos autos, e se passará a um modelo de contraditório substancial, efetivo, em que as partes terão assegurada a possibilidade de influir verdadeiramente na formação do resultado do processo (contraditório como garantia de participação com influência e não-surpresa).[2] O contraditório, então, deixará de ser simplesmente o “direito de falar” e passará a ser o “direito de ser ouvido” (right to be heard). A rigor, já é assim que o princípio do contraditório deve[ria] ser compreendido, e isto por força da Constituição da República.

Lamentavelmente, porém, em pouco mais de um quarto de século da Constituição, ainda não se conseguiu formar na prática forense brasileira uma cultura do contraditório. Augura-se que o novo CPC seja capaz de fazê-lo, uma vez que vai além de meramente enunciar a necessidade de observância do contraditório, chegando ao ponto de descrever como o juiz deve fazer para produzir decisões que sejam o fruto do respeito a tal princípio constitucional.[3] O mesmo pode dizer-se da exigência de fundamentação das decisões judiciais. Embora tal exigência já conste do art. 93, IX, da Constituição da República, até hoje convivemos com absurdos como “presentes os requisitos, defiro” ou “indefiro por falta de amparo legal”. Mais uma vez o novo CPC “desenhou” o que a rigor sequer precisava ser dito, pois resulta diretamente da Constituição, ao afirmar, por exemplo, que é nula por falta de fundamentação a decisão judicial – seja de que natureza for – que se limite a reproduzir ou parafrasear textos normativos, ou que seja redigida de forma a poder justificar qualquer decisão (ou, ainda – e este é ponto que merece todo o destaque por sua transcendental importância no Estado Democrático de Direito –, a nulidade da decisão que deixa de enfrentar todos os argumentos deduzidos pela parte capazes de, em tese, infirmar as conclusões alcançadas pelo órgão julgador). De outro lado, o novo CPC busca construir um sistema de produção de decisões judiciais que, especialmente para as causas repetitivas, observe a existência de precedentes aos quais expressamente se atribui eficácia vinculante. Isto deverá ser capaz de eliminar umacacofonia jurisprudencial com que todos convivemos no Brasil, deparando-nos a todo instante com casos rigorosamente iguais recebendo decisões completamente diferentes, como se isto fosse normal ou correto. Casos iguais devem receber idênticas soluções (to treat like cases alike), e o novo Código se encarrega de estabelecer mecanismos destinados a assegurar que isto ocorra. Não obstante isso (e outros pontos, que aqui não são abordados, mas que poderiam receber equivalente análise, como é o caso da eliminação do juízo de admissibilidade do recurso especial e do recurso extraordinário pelo Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem),

o novo CPC só é capaz de solucionar problemas que através de modificações legislativas possam ser sanados. E muitos – talvez a grande maioria – não podem ser. É preciso, em primeiro lugar, reconhecer a existência de uma prática (especialmente das grandes empresas, como são as concessionárias de serviços públicos e as instituições financeiras) de estimular o processo judicial. O desrespeito aos mais comezinhos direitos do consumidor, a péssima qualidade dos serviços prestados, a ausência de meios de informação adequada, faz com que os consumidores muitas vezes optem por aceder ao Judiciário em vez de buscar a solução consensual para o conflito. O Judiciário tornou-se – de alguns anos para cá – uma espécie de SAC (serviço de atendimento ao consumidor) de diversas empresas, como se fosse um mero balcão de reclamações.[4] E para assegurar a melhoria da qualidade dos serviços no Brasil impõe-se uma atuação segura e comprometida com o Estado Democrático das agências reguladoras, de modo que os prestadores de serviços sujeitos à regulação sejam efetivamente capazes de atuar de forma eficiente. Outro ponto a considerar é a necessidade de estimular o acesso aos meios consensuais de resolução de conflitos. Respeitadas as garantias constitucionais, os mecanismos consensuais (como a mediação e a conciliação) são capazes de viabilizar a produção de resultados preventivamente alcançados, o que evita o assoberbamento do Judiciário com causas que não precisariam ser judicializadas. Impõe-se uma transformação cultural (a começar inclusive pelas Faculdades de Direito, que não deveriam mais produzir em massa profissionais treinados (e muitas vezes mal treinados) para o conflito, mas têm o dever de formar pessoas habilitadas a conduzir negociações. Passa esta transformação, inclusive, por uma modificação terminológica: chega de dizer que os meios consensuais são “alternativos”! Os meios consensuais de resolução de litígios são, isto sim, os meios adequados para solucionálos. Nada é mais adequado (e civilizado) do que ver duas pessoas em conflito buscando negociar uma solução consensual para seu problema. Naqueles casos, porém, em que não se alcance a solução consensual, reconhece-se a existência de uma alternativa: a via jurisdicional. O

processo jurisdicional é que deve ser visto como solução alternativa, a ser usada quando não tiver sido possível a obtenção de solução consensual para o litígio. É preciso, também, uma reforma estrutural do Judiciário, especialmente dos órgãos de primeira instância, sua porta de entrada. De nada adianta reformar a legislação processual e continuar a ter serventias sem material e pessoal em quantidade adequada; servidores que – não por culpa sua, evidentemente – não têm capacitação adequada; cartórios que levam meses para promover a juntada de uma petição; tribunais que levam anos para julgar um recurso. Nada disso se altera com a aprovação e entrada em vigor de um novo Código de Processo Civil. Mas tudo isso precisa ser alterado. E se tais alterações não ocorrerem, correrse-á o risco de que todo o esforço para a aprovação do novo CPC tenha sido em vão, e na prática nada se altere substancialmente. Caso isso ocorra, só faltará alguém se aproximar daqueles que tanto acreditaram na importância de um novo Código de Processo Civil e dizer, sarcástico: “Sabe de nada, inocente”! Alexandre Freitas Câmara é Desembargador no TJRJ. Professor emérito e coordenador de direito processual civil da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e da Associação Internacional de Direito Processual. Doutorando em Direito Processual na PUCMINAS. Junto a Marcelo Ribeiro escreve quinzenalmente ao Justificando. [1] Basta lembrar que, em entrevista, o Min. Luiz Fux, do STF, que presidiu a comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do novo CPC, afirmou que a duração dos processos, com o novo Código, seria reduzida em até 70%. Confira-se a entrevista em . [2] Sobre o ponto, Dierle Nunes e Humberto Theodoro Júnior, Princípio do contraditório como influência e não surpresa, disponível em meio eletrônico no endereço . [3] É que o novo Código tem o cuidado de “desenhar” algumas coisas que não eram bem compreendidas na prática. Desde o início dos debates sobre o novo Código de Processo Civil tenho tido oportunidade de dizer que é preciso usar uma técnica legislativa baseada na máxima “entendeu ou quer que desenhe?”, expressão que

tenho visto muitos outros usarem depois que eu a empreguei (e não vai aqui qualquer reivindicação sobre a autoria da frase, mas mera constatação de que muitos outros perceberam isto no novo CPC). [4] O Min. Luis Felipe Salomão, do STJ, afirmou certa vez em entrevista que as empresas transferiram seus call centers para o Judiciário: .

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