O “Novo” e o “Velho”: o trabalho e o processo produtivo em discussão

July 8, 2017 | Autor: L. Alves de Barros | Categoria: Ciencias Sociales, Trabalho, Reestruturação Produtiva, Sociologia do Trabalho
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O “Novo” e o “Velho”: o trabalho e o processo produtivo em discussão The “new” and the “old”: the labor and the productive process in discussion RESUMO – O artigo diz respeito ao debate sobre os paradigmas da reestruturação produtiva. Para isso, foi codificado o taylorismo, o fordismo e as principais estratégias do que se convencionou chamar produção flexível (toyotismo). O texto é didático e busca em linhas gerais evidenciar os principais determinantes do processo de trabalho e organizacional. Apesar de termos dividido arbitrariamente as propostas dos autores, acreditamos que estas não devem ser entendidas como etapas sucessivas e determinadas tanto no espaço quanto no tempo. Tratam-se de processos complexos, que assumiram diferentes perfis conforme o desenvolvimento tecnológico do sistema capitalista. Palavras-chave: trabalho – reestruturação – processos produtivos – tecnologia. ABSTRACT – The article has to do with the debate about the paradigms of the productive reestructuration for that, it was codified the taylorism, the fordism and the main strategies of what it is the so called flexible production (toyotism). The text is didatic and in general terms tries to evidence the determining principles of the labor process and organizational. In spite of having arbitratly divided the author’ s proposals, we believe that those proposals should not be understood as sucessive stages, determinated in space and in time as well. Those are complex processes that have assumed diferent profiles according to the technological development of the capitalistic system. Keywords: labor – reestructuration – productive processes – technology.

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LÚCIO ALVES DE BARROS Licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF; mestre em Sociologia pela UFMG

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INTRODUÇÃO

intensa introdução de novas tecnologias no processo produtivo vem suscitando inúmeros debates no campo das Ciências Sociais. Dentro do processo de adaptação de novas tecnologias, a forma de como se organiza o trabalho e a produção tem assumido grande relevância. A incorporação de novas técnicas e de meios organizacionais que possam garantir maior produção e, com ela, a qualidade passou de necessária a obrigatória, tendo em vista a garantia de competitividade junto ao mercado consumidor. As novas condições de produção das empresas vêm alarmando o mundo do trabalho, trazendo em seu encalço mudanças significativas, tanto em sua natureza quanto na percepção de seu papel pelas gerências, sobretudo no que se refere ao trabalho produtivo na indústria. As implicações dessas mudanças ainda estão em curso e o futuro da gestão do trabalho aponta para uma radical revisão dessa categoria enquanto chave de produção.1 O objetivo deste texto é sistematizar e discutir os principais determinantes dos processos produtivos que, no decorrer da história, elevaram o trabalho vivo de “herói” a “vilão” no chão da fábrica. É nosso interesse delinear as principais características das relações de trabalho, construídas de diferentes maneiras no chão de fábrica. Além disso, cabe ressaltar os principais determinantes que, de uma forma ou de outra, apontam para um novo perfil das organizações. Para isso, dividimos o texto em três partes: a primeira deixa claro ao leitor o nascimento da ciência da administração, mostrando o início da preocupação quanto ao processo produtivo inaugurado por Frederick Taylor. O sistema proposto por esse engenheiro visava aproveitar ao máximo o tempo do trabalho manual; para tanto, centralizou esforços para metodizar e, posteriormente, controlar o trabalho. Na segunda parte, apresentamos o sistema de produção de Henry Ford. Preocupado com o ritmo, esse industrial incorporou ao sistema produtivo a linha de montagem, aumentando enormemente a produção. Na terceira e última parte, descrevemos as recentíssimas modificações produtivas, inauguradas pelo sistema de produção flexível Toyota, que, por meio de novas técnicas de gestão do trabalho e de organização administrativa, vem trazendo uma nova roupagem ao processo de

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Para uma análise dessa temática no caso brasileiro, ver a cuidadosa análise de CARVALHO, 1993. No texto, o autor argumenta que a crise é mais aguda no caso brasileiro, uma vez que, apesar das intensas e complexas inovações tecnológicas no país, ainda persistem relações de trabalho de cunho taylorista, baseadas principalmente na utilização de força de trabalho mal qualificada e mal remunerada.

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trabalho, modificando de maneira extraordinária os lugares, os papéis e as características dos atores presentes na produção.

O TAYLORISMO Em 1878, então com 22 anos, o insistente jovem Frederick Winslow Taylor (1856-1915) empregava-se na oficina de construção de máquinas Midvale Steel Company, na Filadélfia. Nessa fábrica, ocupou diversos cargos, chegando a engenheiro chefe, em 1889. Considerado o fundador da Escola de Administração Científica, contribuiu para a consolidação da Administração como ciência. Oriunda das ciências sociais, a Administração tem por finalidade a tentativa de aplicação dos métodos da ciência empírica aos problemas gerenciais, com o objetivo de alcançar uma elevada eficiência industrial. Taylor teve inúmeros seguidores e provocou uma verdadeira revolução no pensamento administrativo e no mundo industrial de sua época. No entanto, esse autor é de grande importância para os estudos que se direcionam para a categoria trabalho. Ao contrário de outras abordagens,2 esse engenheiro, além de dar ênfase às praticas administrativas, chamou atenção para a “problemática” do movimento humano enquanto trabalho. Dessa forma, buscou racionalizar e metodizar os movimentos do operário, visando a melhoria das condições de rendimento e o aumento da produtividade. O taylorismo – nomenclatura utilizada pelos estudiosos – tinha por objetivo prático solucionar os problemas americanos no início do século XX. Os problemas econômicos por que passavam o país eram delegados por Taylor aos grandes desperdícios e à pequena produtividade norte-americana, que, devido à disparidade de métodos administrativos, não conseguia levar em conta os reais problemas que envolviam o ato produtivo. Na busca da solução, Taylor observou que o trabalho era a chave para solucionar os problemas. Sem reservas, culpou a “vadiagem no trabalho” como causa primeira dos desperdícios e dos altos custos das indústrias americanas. Para Taylor, O trabalhador vem ao serviço, no dia seguinte, e em vez de empregar todo o seu esforço para produzir a maior soma possível de trabalho, quase sempre procura fazer menos do que pode realmente e produz muito menos do que é capaz. 2 O paradigma disponível neste contexto é a obra de FAYOL (1958). Nela, Fayol chama a atenção para a Administração como fator preponderante. A importância não é dada às questões que envolvem a organização do trabalho no chão da fábrica, mas sim aos aspectos administrativos e de negociação. Esta obra, já considerada clássica nos círculos da administração, divide-se em duas partes. A primeira destaca a necessidade e a possibilidade de um ensino administrativo e a segunda refere-se aos princípios e elementos de Administração, ambos tendo por finalidade a busca de maiores rendimentos e produtividade.

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(...) Trabalhar menos, e isto é, trabalhar deliberadamente devagar, de modo a evitar a realização de toda a tarefa diária, fazer cera (...) é o que está generalizado nas indústrias.3 Segundo Taylor, esse era o maior problema para a economia americana, bem como para os próprios trabalhadores. Acreditava que a “perda do tempo mínimo” no trabalho diário acarretava problemas para ambas as partes, tanto para os empregadores quanto para os empregados. Afirmava que: “a administração científica tem, por seus fundamentos, a certeza de que os verdadeiros interesses de ambos são um, único e mesmo” e que a maior prosperidade dependeria do maior esforço e cooperação de ambos. E achava que: “a maior prosperidade decorre da maior produção possível dos homens e máquinas do estabelecimento, isto é, quando cada homem e cada máquina oferecem o melhor rendimento possível”.4 Para evitar a “cera” no trabalho e garantir melhores resultados de produção, construiu sua ciência da Administração. Atento às administrações anteriores às suas, observou que essas tinham por fundamento básico apenas os métodos empíricos provenientes da pura experiência, e não de métodos estritamente racionais e passíveis de cientificidade. Percebeu que, anteriormente, a prática do trabalho manual repousava na tradição pessoal de cada trabalhador e que esse o executava conforme seus desígnios e vontades. Com base em suas experiências pessoais, afirmava que a própria ação do trabalhador estava direcionada a ações coercitivas e contrárias à gerência, numa tentativa explícita de controle da produção, e de variáveis que envolviam o mercado de trabalho. A saída apontada por Taylor será a substituição dos métodos empíricos por métodos mais eficientes, que chamou “científicos”. Em busca de seu objetivo, procurou extrair do trabalhador a sua força criadora, que para ele, além de “coercitiva”, em nada contribuía para o trabalhador; assim afastou o trabalho intelectual do operário frente à natureza de seu trabalho. Desse modo, elaborou o seu principal princípio: a divisão de tarefas entre a gerência e os trabalhadores: “a fim de que o trabalho possa ser feito de acordo com leis científicas, é necessário melhor divisão de responsabilidades entre a direção e o trabalhador”.5 Taylor tinha por finalidade a retirada da iniciativa do operário. Nutria preconceitos quanto a essa iniciativa. Acreditava que o interesse 3 4 5

TAYLOR, 1970, p. 32. Ibid., p. 31. Ibid., p. 41.

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do trabalhador ia de encontro ao das indústrias. Para isso, criou a figura do gerente, indispensável na garantia de maior produtividade: A administração deve planejar e executar muitos dos trabalhos de que até agora têm sido encarregados os operários, quase todos os atos dos trabalhadores devem ser precedidos de atividades preparatórias da direção, que habilitam os operários a fazerem seu trabalho mais rápido e melhor do que em qualquer outro caso.6. Observa-se, então, nos trabalhos de Taylor, uma preocupação quanto ao aumento da produtividade, e um dos pontos principais de sua técnica é a separação entre as funções de preparação e de execução, visando enfrentar todas as variáveis que possam interferir no bom andamento do trabalho manual. Identificada a origem dos problemas, Taylor passará a investigar os movimentos do trabalhador em seu próprio ambiente de trabalho, instituindo o uso da medida e o estudo científico do tempo. A notável economia de tempo e o conseqüente acréscimo de rendimento, possíveis de obter pela eliminação de movimentos desnecessários e substituição de movimentos lentos e ineficientes por movimentos rápidos em todos os ofícios, só poderão ser apreciados de modo completo depois que forem completamente observadas as vantagens que decorrem de um perfeito estudo do tempo e movimento feito por pessoa competente.7 Estabeleceu dessa maneira a utilização da cronometragem, associando-a ao estudo dos movimentos, para verificar quais aqueles que eram executados pelo trabalhador que poderiam ser eliminados por serem prejudiciais, antagônicos ou inúteis no conjunto das atividades que ele é obrigado a fazer no trabalho. Como objeto, observou o carregamento de barras de ferro na Bethlehem Steel Company, onde introduziu a figura do gerente, o cronômetro e o trabalhador passivo e manso, contendo o seguinte estereótipo: Um dos primeiros requisitos para um indivíduo que queria carregar lingotes como ocupação regular é ser tão estúpido e fleumático que mais se assemelhe em sua constituição mental a um boi. Um homem de reações vivas e inteligentes é, por isso mesmo, inteiramente impróprio para tarefa tão monótona.8 6 7 8

Ibid., p. 41. Ibid., p. 40. Ibid, p. 66.

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Taylor não se preocupou em evidenciar os aspectos humanos e subjetivos do trabalhador. No que diz respeito às regras técnicas, buscou e admitiu apenas os operários considerados “mansos” e “fortes”, predominando sempre a preocupação em adaptar o homem ao maquinário. Ainda referindo-se a Schmidt, trabalhador holandês, objeto de suas experiências, assevera que: O único homem entre oito, capaz de fazer o trabalho, não tinha em nenhum sentido características de superioridade sobre os outros, apenas era um homem tipo bovino, espécime difícil de encontrar, e, assim, muito valorizado. Era tão estúpido quanto incapaz de realizar a maior parte dos trabalhos pesados. A seleção, então, não consistiu em achar homens extraordinários, mas simplesmente em escolher entre homens comuns os poucos especialmente apropriados para o tipo de trabalho em vista.9 Taylor procurou delinear seus estudos, apresentando-os com uma estrutura simples e definida, indicando até mesmo os princípios aos quais a organização científica deveria obedecer. Didático, ensinava ao futuro administrador a maneira eficaz de convencer o trabalhador. A cooperação íntima e pessoal entre a direção e os trabalhadores era o ponto central de sua proposta. Para isso, não negou esforços para demonstrar a eficácia do aumento salarial decorrente da intensificação do trabalho. Preocupado com as imensas perdas que a nação sofria, buscava convencer o leitor mostrando que a melhor solução dos problemas que envolviam o trabalho estava na organização científica, baseada em regras, fatos e princípios definidos, e não na procura de homens excepcionais. Autor insistente, defendia que seu método era o caminho para qualquer área que quisesse garantir a produtividade e que todas deveriam se subordinar aos critérios da ciência da organização. Para exercer a ciência e alcançar esses objetivos, Taylor elaborou diversos princípios sintetizados em: • princípio de planejamento: substituir no trabalho o critério individual do operário, a improvisação e a atuação empírico-prática, pelos métodos baseados em procedimentos científicos. Substituir a improvisação pela ciência, por meio do planejamento do método; 9

Ibid, p. 68.

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• princípio de preparo: selecionar cientificamente os trabalhadores de acordo com suas aptidões e prepará-los e treiná-los para produzir mais e melhor, e de acordo com o método planejado. Além do preparo da mão-de-obra, preparar também as máquinas e os equipamentos de produção, bem como o arranjo físico e a disposição racional das ferramentas e materiais; • princípio de controle: controlar o trabalho para certificar de que ele está sendo executado de acordo com as normas estabelecidas e segundo o plano previsto. A gerência deve cooperar com os trabalhadores para que a evolução do trabalho seja a melhor possível; • princípio de execução: distribuir distintamente as atribuições e as tarefas, para que a execução do trabalho seja bem mais disciplinada. O taylorismo encontrou terreno fértil nos Estados Unidos. Os administradores o tinham como uma solução, que permitia diminuir a organização e o poder dos trabalhadores sobre o processo de trabalho. O sistema de Taylor favoreceu a entrada de operários não-qualificados nas fábricas, além dos trabalhos feminino e do menor. O taylorismo, ao supor a “cooperação”, conseguiu abarcar grandes contingentes de trabalhadores, que se submetiam à baixa remuneração; dessa forma, impôs-se como norma “eficaz” de organização do trabalho e da produção. Para finalizar esta parte, é interessante lembrar que o taylorismo não se desenvolveu apenas nos EUA – típico país capitalista. O sistema também foi introduzido na antiga URSS, por Lênin. Sua justificativa era que esse sistema não era utilizado para a exploração do trabalhador, pelo contrário, era direcionado a sua libertação. Afinal, tratava-se de acelerar, o máximo possível, a industrialização, para que fosse possível uma futura sociedade igualitária. Outro aspecto é que o produto do trabalho não seria apropriado por um único capitalista; toda riqueza seria destinada ao Estado, uma vez que a propriedade privada dos meios de produção fora eliminada com a revolução de 1917. O sistema encontrou inspiração em Alexey Stackanov. Apelidado de “Taylor soviético”, surgiu quando a economia russa encontrava-se em plena depressão, por volta de 1920. Tratava-se de um operário mineiro com grande vigor físico, senso de observação e força de vontade. Ele verificou que os operários executavam tarefas com ferramentas desapropriadas e com grande dispêndio de atenção e movimentos. Para solucionar o problema, decidiu aplicar a si mesmo a diminuição dos

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movimentos corporais que se mostravam desnecessários. Além disso, introduziu o uso de ferramentas mais leves para a retirada de carvão das minas. Esse fato aumentou sua produção de 15 para 102 toneladas por dia. Com o aumento da produção, desencadeou-se no país um movimento denominado “stackanovista”, que permitiu a recuperação econômica da URSS por volta de 1929.

O FORDISMO Henry Ford (1863-1947), industrial americano, iniciou sua vida como mecânico de automóveis, vindo depois a ser um dos maiores fabricantes de automóveis do mundo. No final do século XIX, a indústria estava atingindo um novo nível tecnológico e econômico, quando Ford introduziu, em abril de 1913, em sua fábrica Highland Park, em Detroit, seus conceitos de produção, conseguindo reduzir, de maneira relevante, os custos na produtividade. Ford elaborou um novo perfil de produção. Os trabalhadores já não eram mais os únicos atores “privilegiados” da produção. Ford incorporou o consumidor, entendendo ser este todo aquele ator produtivo que, de uma forma ou de outra, compartilha a produção. Dessa forma, o cerne do fordismo seriam as relações entre o operário, o empregador e o consumidor. Para ele, o trabalho industrial tinha como chave a produção – representada pelo empregador e pelo operário – e o consumo – representado pelo público consumidor. O valor dado a essas relações tinha por pressuposto básico o “trabalho para a coletividade”. Essa concepção levou Ford a buscar uma maior produtividade, no intuito de atender o mercado consumidor. A inovação-chave proposta por ele foi o trabalho repetido e em série. Sua idéia original se converterá em um eficaz sistema de produção: “creio que esta estrada móvel foi a primeira que já se construiu com este fim. Veio-me a idéia vendo o sistema de carretilhas aéreas que usam os matadouros de Chicago”.10 Ford introduziu a produção que se movimentava. A finalidade era levar o objeto de trabalho até o operário, não precisando que esse se deslocasse em direção ao objeto produzido. Essa mudança permitiu reduzir o esforço humano na montagem e aumentar a produtividade, diminuindo os custos proporcionalmente à elevação do volume produzido. Além disso, os seus carros eram projetados visando uma maior facilidade em sua construção e manutenção, sem precedentes na história das indústrias. 10

FORD, 1926, p. 85.

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Chamou a atenção, também, para o processo de trabalho dentro da fábrica, introduzindo outro fator importante de produção: o ritmo. Caberia ao trabalhador apenas o ato, o mais simples possível, para a montagem do produto final. O operário era o apêndice da máquina e seu trabalho era necessário apenas naquele momento, determinado pelo ritmo da esteira rolante. Autores críticos a esse sistema, Gramsci (1976), Linhart (1986), Beynon (1995), Silva (1995), Carvalho e Schimitz (1991) chamaram atenção para a grande exploração e a monotonia que decorrem do “trabalho domesticado” baseado na rotinização, na “mecanização” e no controle de tarefas. Além de o operário ser obrigado a executar apenas uma tarefa no tempo mínimo necessário e a estar preso a determinada posição, ele é obrigado a manter um determinado nível de produtividade. Afinal, o nível salarial estava condicionado aos determinantes da produtividade. O fordismo foi capaz de desenvolver ainda mais a mecanização no processo produtivo, vindo mesmo a aumentar sua intensidade. Também radicalizou a separação entre o trabalho manual e o intelectual, submetendo o trabalhador a um duplo controle: o da supervisão e o da produção. Antônio Gramsci é considerado o autor clássico das teorias que se dedicaram a evidenciar as conseqüências oriundas do impacto do sistema fordista. Segundo ele, este sistema adequou-se perfeitamente ao momento histórico em que passava a economia de mercado norteamericana. Um grande público consumidor ansiava por novas mercadorias de fácil acesso e a preços baixos. Autor astuto, Ford delegava grande relevância ao público consumidor. Além do mais, entendia que cada empregado era um consumidor em potencial. Dessa forma, toda a sua produtividade tinha por finalidade oferecer alguma coisa aos consumidores, e estes eram todos os que possuíam, de uma forma ou de outra, o dinheiro para comprá-las. Gramsci percebeu que o controle fabril se estendia por toda a sociedade. A disciplina disseminada nas fábricas de Ford impôs-se como disciplina domiciliar. Para Gramsci, Ford entendeu a “sensibilidade” humana; o homem por si só não poderia submeter-se à coerção, à monotonia e ao stress da linha de montagem. Dessa maneira, seria inevitável o conflito. Gramsci lembra que Ford concluiu que o pagamento de salários elevados garantiria um equilíbrio e um “consenso” entre os operários, no que diz respeito ao aumento da produtividade. Para isso, o fordismo desenvolveu como princípio o critério da racionalidade para o ganho. Para a obtenção de um alto rendimento, intensificou a produtividade. Uma maior produção, direcionada a um

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grande mercado consumidor, suscitou altos índices de vendas, o que permitiu posteriormente o aumento de salários na fábrica. Sobre esses aspectos, Gramsci expressa-se da seguinte forma: Recordar as experiências de Ford e as poupanças feitas pela sua empresa com a gestão direta do transporte e do comércio das mercadorias produzidas, poupanças que influíram sobre os custos de produção, permitiram melhores salários, e menores preços de vendas. Uma vez que existiam estas condições preliminares, já racionalizadas pelo desenvolvimento histórico, foi relativamente fácil racionalizar a produção e o trabalho, combinando habilmente a força (destruição do sindicalismo operário com base territorial) com a persuasão (altos salários, benefícios sociais diversos, propaganda ideológica e política habilidosíssima), e conseguindo deslocar sobre o eixo da produção toda a vida do país.11 Para visualizarmos algumas concepções de Ford, vejamos os seus princípios de montagem: 1º) Trabalhadores e ferramentas devem ser dispostos na ordem natural da operação, de modo que cada componente tenha a menor distância possível a percorrer da primeira à última fase. 2º) Empregar planos inclinados ou aparelhos concebidos de modo que o operário sempre ponha no mesmo lugar a peça que terminou de trabalhar, indo ela à mão do operário imediato, por força do seu próprio peso, sempre que isto for possível. 3º) Usar uma rede de deslizadeiras, por meio das quais as peças a montar se distribuam em distâncias convenientes. O resultado dessas normas é a economia de pensamento e a redução ao mínimo dos movimentos do operário que, sendo possível, deve fazer sempre uma só coisa com um só movimento.12 A combinação desses fatores conseguiu reduzir ao mínimo os movimentos dos operários, bem como o tempo de preparo das máquinas, fazendo com que executassem uma tarefa por vez. Esse fato levou a Ford à condição de maior indústria automobilística do mundo, tornando-a grande exportadora de automóveis para a Europa e para a Ásia. 11 12

GRAMSCI, 1974, p. 144. FORD, 1926, p. 78.

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O princípio que a levou a esse patamar era o da verticalização (integração vertical), quer dizer, o controle direto de cada parte da cadeia de produção do automóvel. A Ford produzia todos os componentes dentro da própria empresa. Assim, atendia com maior rapidez e qualidade o público consumidor. Depois de algum tempo, tornouse apta a produzir em massa todas as peças de que necessitava um automóvel. No entanto, para controlar o aumento de sua planta industrial, Ford introduziu um sistema de controle administrativo, que posteriormente mostrou-se insuficiente e burocrático. As decisões centralizadoras não surtiram efeito no seu modelo gerencial, levando as empresas ao declínio, no início dos anos 30. Quem resolverá os problemas gerenciais da Ford e garantirá as vantagens do sistema de produção em massa é Alfred Sloan, da GM (General Motors), que introduziu três modificações no sistema fordista: • introduziu a idéia das “divisões descentralizadas”. Enquanto que a Ford só produzia o modelo T., a G.M. criou uma linha de cinco divisões de modelos básicos de veículos (cada uma responsável por uma marca), acabando com a produção de um carro único; • descentralizou uma parte da produção de peças para fora da fábrica de montagem, visando dinamizar a organização e a comercialização; • criou funções na área de finanças e marketing. A primeira, visando menores custos; a segunda, o público consumidor. O sistema criado por Ford e aperfeiçoado por Sloan universalizou-se rapidamente, relacionando perfeitamente o modelo gerencial com a produção em massa e levando as empresas americanas a dominarem o mercado até os anos 50.

TOYOTISMO Após falarmos do sistema taylorista e do fordismo, passamos a delinear os aspectos mais importantes da terceira fase do modelo de organização do trabalho. Os novos instrumentos inseridos no campo da produção e da organização dizem respeito às recentíssimas mudanças tecnológicas, baseadas num sofisticado “complexo microeletrônico” e na informática e inseridas no processo produtivo com significativas inovações gerenciais.

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Os autores têm usado as expressões sistema Toyota, modelo japonês ou produção flexível para caracterizar esse sistema de produção, oriundo da empresa Toyota, localizada no Japão.13 No início dos anos 50, o engenheiro Eiji Toyoda viajou para os EUA e, durante três meses, ficou em contato com a Ford, em Detroit. Ao retornar, implementou em conjunto com o engenheiro de produção Taiichi Ohno inúmeras mudanças no sistema, aprendidas na Ford, concluindo que a produção em massa não poderia funcionar da mesma forma no Japão. Após a Segunda Guerra Mundial, a Toyota estaria determinada a partir para uma produção em larga escala, com a finalidade de inserir-se no mercado internacional. O governo japonês apoiou a iniciativa e decretou medidas protecionistas: fechou o mercado para as importações e proibiu investimentos diretos de capital estrangeiro. A proteção do governo foi decisiva para o empresariado japonês, pois permitiu que este investisse grandes somas de capital em tecnologia e garantiu maior proteção em relação à concorrência do mercado internacional. Coriat (1994) identifica quatro fases que marcaram o advento do toyotismo: • primeira – o período entre 1947 e 1950 caracteriza-se pela substituição, no setor automobilístico, das inovações técnicas e organizacionais herdadas da experiência têxtil, cujo ponto central consiste em confiar ao mesmo operário a condução e a gestão simultânea de várias máquinas; • segunda – reflete o choque dos anos 1949 e 1950, bem como a sua significação. Houve o aumento da produção sem o aumento do efetivo dos trabalhadores. Coriat afirma ser este um período de grande crise financeira, que levou a Toyota a buscar o apoio de planos bancários. Período também de greves e de resistência operária, que resultou em inúmeras demissões impossibilitadas de revisão, mesmo com o aumento sensível da produção no final do período; • terceira – os anos 50 dizem respeito às importações na fábrica automobilística das técnicas de gestão dos estoques de supermercados norte-americanos; é o nascimento do kanban. Segundo a lenda, Toyoda teria calculado os seguintes termos: “o ideal seria produzir exatamente aquilo que é necessário, e fazêlo no tempo exatamente necessário”; 13 Os primeiros que chamaram a atenção para o “novo” paradigma baseado na especialização flexível, tendo o Japão como referência, foram os sociólogos PIORE & SABEL, 1984.

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• quarta – extensão do método kanban para as empresas subcontratadas. O kanban era o indicador visual em forma de placas que são utilizadas para transmitir a informação sobre a necessidade de reposição de uma etapa a outra. O objetivo era a produção de pequenos lotes, propiciando a identificação de problemas, que antes eram observados nos estoques. Segundo Ohno, citado por Coriat: O sistema Toyota teve sua origem na necessidade particular em que se encontrava o Japão de produzir pequenas quantidades de numerosos modelos de produtos; em seguida evoluiu para tornar-se um verdadeiro sistema de produção. Dada sua origem, este sistema é particularmente bom na diversificação. Enquanto o sistema clássico de produção de massa planificado é relativamente refratário a mudança, o sistema Toyota, ao contrário, revela-se muito plástico; ele adapta-se bem às condições de diversificação mais difíceis. É porque ele foi concebido para isso.14 Coriat observa que duas especificidades são essenciais para caracterizar o kanban: o defeito zero e o pane zero. O primeiro referese aos produtos; o segundo, ao maquinário. O objetivo no primeiro caso é a manutenção de um pequeno estoque, o que facilita a fabricação de produtos com poucos ou nenhum defeito; caso a peça apresente algum, ele é imediatamente eliminado. No que diz respeito ao segundo caso, não é admissível nenhum problema ou defeito nas máquinas. Para evitar esse problema, Coriat salienta que “isso é assegurado por uma disposição técnica particular dos controles de qualidade. Eles são realizados nos locais de trabalho, posto a posto, e nenhuma peça é liberada sem a qualidade requerida (...). O mesmo aplica-se ao diagnóstico e à reparação de máquinas: nenhum posto de trabalho pode ser deixado sem funcionamento”.15 Cabe destacar que o kanban é um sistema de informações que permite o controle total do just-in-time. Além disso, a essência do sistema apresentado por Ohono consiste na adaptação da produção em séries e restrita a produtos diferenciados e variados. Um dos pontos importantes desse sistema é o just-in-time, que consiste em um instrumento de controle da produção como um todo; o seu objetivo é atender a demanda de produtos com a maior rapidez e flexibilidade possível. Além disso, busca diminuir o 14 15

CORIAT, 1994, p. 30. CORIAT in SCHMITZ & CARVALHO, 1988, p. 52.

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máximo possível aqueles estoques que antes eram intermediários ou finais. Para isso, o sistema é baseado num mecanismo de informações preciso, com o intuito de estabelecer o momento exato, o material exato e a quantidade exata de produção. A produção nesse contexto é sempre mais variada e diversificada, e a empresa está sempre em condições de atender o mercado. Com essas técnicas, a produção aumentou sensivelmente na Toyota, tornando possível a redução dos custos e a observação dos problemas de qualidade, que, antes de sua chegada no mercado, poderiam ser eliminados. Sobre esses dois mecanismos, Salerno salienta que: O controle autônomo dos defeitos e o just-in-time materializado pelo sistema kanban são praticamente inseparáveis. Ao reduzir os lotes em processo, a qualidade de conformação da fábrica fica mais exposta, torna-se mais difícil esconder peças inadequadas e chega-se mais facilmente à origem dos problemas. Quem produz é responsável por aquilo que faz, sendo que quanto menos pessoal não ligado diretamente à produção, à atividade de transformação, melhor. Assim, agregam-se às tarefas dos operários certos tipos de inspeção.16 No entanto, o sistema necessitava de trabalhadores qualificados e motivados. Coriat (1994) argumenta a constituição do “trabalhador multifuncional”, detectando um “movimento de desespecialização” dos operários profissionais e qualificados, que com o passar do tempo tornavam-se, obrigatória ou necessariamente, trabalhadores multifuncionais. A relação homem-máquina também se modificou; se no fordismo, a relação era entre um homem e uma máquina, no toyotismo, dependendo do setor de produção, a relação é de um operário para cada cinco máquinas. Trabalhando com essa mão-de-obra, o toyotismo inovou também quanto ao trabalho grupal. A introdução dos CCQ (Círculos de Controle de Qualidade) trouxe muitas vantagens e tinha por finalidade envolver e utilizar a energia e a criatividade dos trabalhadores situados em níveis hierárquicos mais baixos e que ajudavam na identificação e na solução dos problemas de qualidade. Faria (1984) considera que os CCQ são grupos constituídos por pessoas que “controlam” as atividades do próprio trabalho. Sua dinâmica requer de seus membros a incorporação de valores imaginários oriundos de complexas relações sociais surgidas no chão de fábrica, 16

SALERNO in FLEURY & FISCHER, 1992, p. 195.

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tais como: melhoria do desenvolvimento do pessoal, participação dos funcionários na solução dos problemas relativos a seu trabalho, liberação do potencial humano, aumento das habilidades do pessoal, espírito de íntima cooperação com a gerência, reconhecimento e autorealização dos participantes e melhoria dos produtos para a exportação, dando reputação e prestígio à empresa, aos seus empregados e ao país. Afirma que os empregados “são estimulados” a participar, pois formam um grupo natural de trabalho, inclusive reunindo-se fora do horário normal e sem nenhuma garantia de remuneração adicional.17 Ao contrário do que se pensa, a idéia de qualidade não surgiu no Japão. Os maiores expoentes do que se convencionou chamar qualidade total (TQC – total quality control) são Armand V. Feigenbaum, Joseph Juran, Edwards W. Deming e Philip B. Crosby, todos engenheiros de produção nos EUA.18 Para se ter uma idéia, Valle e Peixoto destacaram os princípios mais relevantes de Feigenbaum. Feigenbaum estabeleceu que o objetivo de uma empresa competitiva deve ser o de prover produtos e serviços nos quais esteja claramente definida a qualidade dos vários aspectos relacionados ao projeto, à produção, ao marketing e à manutenção, de modo a produzir a satisfação plena do cliente, dentro do melhor custo possível. Com isto, ele provocou um duplo redirecionamento dos conceitos até então adotados: (i) o controle de qualidade passa a ser visto como um dos aspectos determinantes da estratégia da empresa; (ii) surge o reconhecimento do papel central do cliente na formulação das questões envolvendo a qualidade.19 Controle da qualidade e reconhecimento do cliente como portador de um juízo valorativo importante para a empresa: estes são os baluartes que intensificarão a concorrência junto ao mercado consumidor. Durante as décadas de 40 e 50, as idéias dos engenheiros americanos foram veiculadas no mercado empresarial japonês. A JUSE (União Japonesa de Cientistas e Engenheiros) incorporou as concepções norte-americanas, rejeitando as que não se adequavam ao país. Para os americanos, o ponto de partida para a aplicação da qualidade era a administração. Preocupados com os possíveis conflitos do “combativo” sindicato norte-americano, defendiam que a responsabilidade da manutenção da qualidade era dos dirigentes empresariais, e 17

O autor faz uma aguda análise da história e da constituição dos CCQs. Para uma abordagem mais consistente, verificar FARIA, 1984. 18 Uma visão crítica a esta estratégia gerencial pode ser encontrada no interessante artigo de ASSMANN, 1994. 19 VALLE & PEIXOTO, 1994, p. 11.

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não de todos os funcionários. Com base em Feigenbaum, Valle e Peixoto destacaram os seguintes princípios: Primeiro princípio: em um negócio, a qualidade é trabalho de todos. (...) Segundo princípio (corolário do primeiro): porque em um negócio a qualidade é trabalho de todos, ela pode se tornar trabalho de ninguém.20 Os princípios são paradoxais, mas subentende-se o poderio dos administradores no que se refere à qualidade. Valle e Peixoto afirmam que Feigenbaum não teve tempo suficiente para aperfeiçoar o seu método. A função ficaria a cargo dos japoneses. A incorporação de conceitos da teoria comportamental pelo TQC japonês, o surgimento de técnicas para realizar o desdobramento da função qualidade (QFD, quality function deployment) e a ênfase no trabalho em equipe como forma ideal de realizar projetos relacionados à qualidade vieram a suprir parcialmente as lacunas deixadas na proposta de Feigenbaum.21 O modelo organizacional japonês reagiu aos desígnios da cultura técnica norte-americana. O impacto das novas técnicas deu-se tanto sobre os operários individualizados quanto naqueles inseridos em sindicatos. Foi criado o “emprego vitalício”, o ganho de produtividade (incentivos e promoções), o operário padrão, a participação da empresa na vida pessoal do trabalhador e a disseminação da cultura do trabalho dentro das empresas. No que se refere ao movimento sindical, o Japão incorporou dos EUA a liberdade e a autonomia sindical. Entretanto, grande é a repressão sobre as lideranças sindicais. Muitos deles são cooptados e recebem a promessa de um emprego vitalício. Outros não são liberados, ou, quando demitidos, praticamente não conseguem retornar ao mercado de trabalho. A cultura sindical japonesa foi marcada pela forte repressão. Durante a década de 40 e 50, foi alvo de constantes ataques. Ataques justificados pelo poderio capitalista contra uma possível onda de comunismo que assolava o país. Com o abate do sindicalismo combativo, a reestruturação produtiva encontrou terreno fértil no país. Muitos trabalhadores foram demitidos e a incorporação de novas tecnologias colaborou para a desqualificação de boa parte dos operários.22 Ibid., p. 12. Ibid., p. 13. 22 Para uma abordagem mais atenta sobre o impacto no movimento sindical, consultar o interessante artigo do líder sindical japonês Ben Watanabe. Dossiê Toyotismo, Revista dos Metalúrgicos, 1993. 20 21

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Mas, retornando aos aspectos concernentes às questões de qualidade, Valle e Peixoto salientaram com pertinência a originalidade do modelo japonês. É justamente no plano organizacional que podemos perceber diferenças significativas entre o enfoque japonês de controle da qualidade total (TQC) e o enfoque de Feigenbaum; a principal delas é o fato de que o TQC envolve todas as áreas da empresa e todos os empregados, nos estudos e promoção do controle da qualidade. Assim, o movimento não fica sob o domínio exclusivo de especialistas.23 Nesse contexto, cabe destacar que, apesar do trabalhador ser coparticipante no controle da qualidade maior, apresenta-se o controle da direção sobre o processo de trabalho. Cada operário é um mestre ou um contramestre em potencial. A autodisciplina vai muitas vezes de encontro à autonomia operária e a coerção se desenvolve entre os próprios trabalhadores, que são condicionados a colaborar em prol de uma maior produtividade. Afinal, em muitas dessas empresas, acontece a participação nos lucros. Em relação aos aspectos organizacionais, ao contrário da verticalização da Ford e da General Motors, que tentaram integrar todas as etapas de organização e de produção num único sistema de comando burocrático, mantendo uma política de vários fornecedores por peça, a Toyota organizou o setor de autopeças distinguindo os fornecedores em vários níveis: o primeiro nível são aqueles que fornecem as peças complexas, o segundo são aqueles que montam as peças menos complexas e vão abastecer partes das peças do primeiro nível, e assim sucessivamente, compondo uma estrutura piramidal. As relações com os fornecedores é de parceria, visando a convivência a longo prazo. Também chamadas “terceiras”, as fornecedoras formam companhias independentes e, muitas vezes, produzem o seu próprio lucro. No entanto, estão intimamente envolvidas com o desenvolvimento da empresa. Examinando esse modelo, Ricardo Antunes diz que: “ao contrário da verticalização fordista, de que são exemplo as fábricas dos EUA, onde ocorreu uma integração vertical à medida que as montadoras ampliaram as áreas de atuação produtiva, no toyotismo tem-se uma horizontalização, reduzindo-se o âmbito de produção da montadora e estendendo-se às subcontratadas, as terceiras, a produção de elementos básicos, que no fordismo são atributo das montadoras”.24 23 24

VALLE & PEIXOTO, 1994, p. 14. ANTUNES, 1995, p. 27.

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A horizontalização das empresas no caso japonês não requer a utilização de contratos que garantem a sociedade empresarial. Valle e Peixoto afirmam que os tratados dão-se num ambiente de livre negociação e de “confiança”, pois se assenta sobre uma tradição cultural onde trabalhadores e terceiros estão subordinados às grandes empresas: a Toyota depende de seus trabalhadores e fornecedores, mas estes dela dependem ainda mais, pois não podem mudar de patrão ou de cliente. Num país ocidental (e com mais forte razão, num país ocidental onde as relações não são suficientemente institucionalizadas, como no Brasil), esta relação de mútua dependência precisa passar por um contrato entre as partes.25 O sistema flexível da Toyota levou mais de 20 anos para se colocar como método eficaz de produção. Porém, o impacto de sua introdução vem suscitando inúmeras transformações. Se, por um lado, há o aumento da produtividade, da qualidade e da rapidez quanto ao produto final, por outro, essas modificações atingem intensamente o universo do trabalhador: sua consciência, sua subjetividade, as formas de representação, de identidade e de organização, que são obrigadas a se adaptar a esse novo modelo. O sistema Toyota também tem conseguido êxito em capitalizar as necessidades do mercado consumidor, bem como na adaptação das mudanças tecnológicas. No final dos anos 60, a Toyota já trabalhava totalmente dentro do modelo de produção flexível, disseminando suas práticas para todo o mundo. Nos anos 80, essa difusão vem assumindo uma nova roupagem nos países em que estão sendo implementadas.

CONCLUSÃO Desde a introdução da máquina a vapor na atividade manufatureira, durante a Revolução Industrial, na Inglaterra, nos séculos XVIII e XIX, o trabalho humano tem sido alvo de constantes adaptações e experimentos. Ao operário coube a resistência para o trabalho diário e a subserviência ao maquinário. O sistema fabril inaugurado com a presença da máquina definiu a fábrica como o espaço privilegiado e único da dimensão humana. O trabalho ascendeu ao nível mais elevado e à mais valorizada das atividades. O princípio de que a fábrica foi feita pelo homem e para o homem é invertido. Procuram-se homens para as fábricas. Estes são logo 25

VALLE & PEIXOTO, 1994, p. 6.

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subordinados às condições de trabalho fabril: adaptados à máquina e aos processos de organização baseados no controle, na rotina e na busca de produtividade. Sobre esta questão, Decca afirma que: “a dimensão crucial dessa glorificação do trabalho encontrou suporte definitivo no surgimento da fábrica mecanizada, que se tornou a expressão suprema dessa utopia realizada, alimentando, inclusive, as novas ilusões de que a partir dela não há limites para a produtividade humana”.26 O trabalho como fato social mais importante da modernidade será tomado como objeto passível de mudança e experimentos científicos. As ciências empíricas da humanidade, libertadas do sono dogmático da Idade Média, desde o século XVII, não vão se furtar desse privilégio. Ávidas do dado empírico, incorporam os métodos das ciências naturais. A busca da verdade a partir de fontes como a intuição, a experiência e a observação propiciaria as condições para a construção de métodos científicos que garantissem a “objetividade” tão necessária aos “tempos modernos”. No entanto, será no século XVIII que Taylor construirá os primeiros passos da Administração enquanto ciência. Apesar de termos codificado os três paradigmas (anexo 1) que têm servido aos estudiosos como instrumental analítico, cabe ressaltar que, antes de Taylor, a preocupação quanto à organização do trabalho e ao aumento da produtividade já se fazia presente. Taylor tratou apenas de colocar no papel suas experiências pessoais. A construção do sistema fabril legitimou o despotismo da fábrica. O trabalhador tornou-se o “vilão” da produtividade; por isso, a necessidade de supervisão e intensificação do trabalho. Sobre esta questão, André Gorz assevera que: O despotismo da fábrica é tão velho quanto o próprio capitalismo industrial. As técnicas de produção e a organização do trabalho que elas impõem sempre tiveram um duplo objetivo: tornar o trabalho o mais produtivo possível para o capitalista e, com essa finalidade, impor ao operário o rendimento máximo através da combinação dos meios de produção e das exigências objetivas de sua execução. O processo de Produção deve ser organizado de tal maneira que a injunção de rendimento máximo seja percebida pelo operário como exigência inerte da própria máquina, como um imperativo intrínseco à matéria, tanto mais inexorável e incontestável quanto parece confundir-se com as leis de funcionamento de 26

DECCA, 1982, p. 18.

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uma complexa maquinaria: leis aparentemente neutras, que escapam a toda vontade e a toda contestação humana.27 Apesar da proposta enunciada, acreditamos que essas divisões não devem ser entendidas como etapas sucessivas e determinadas tanto no espaço quanto no tempo. Acreditamos que se trata de processos complexos e de longa extensão, que refletiram de maneiras diferenciadas os impactos da modernização e da organização do trabalho no sistema capitalista.28 Cabe ressaltar que estamos cientes quanto aos debates que decorrem da inserção dos “novos” modelos de produção. Stephen Wood (1991), por exemplo, tem identificado aspectos fordistas ou neofordistas presentes no modelo japonês. Dessa forma haveria uma continuidade, não uma novidade no processo produtivo. O debate deste tema tem suscitado inúmeras controvérsias, mas o nosso objetivo foi delinear e identificar no plano teórico as possíveis diferenças e similitudes que vêm sendo contempladas pelos autores que se dedicam ao tema. No Brasil, no que tange ao dado empírico, os autores têm demonstrado que a incorporação de novas técnicas de organização do trabalho tem modificado rapidamente o perfil das relações de trabalho. O novo sistema de gerenciamento – o modelo japonês –, de um modo ou de outro descaracterizado, tem demonstrado enorme capacidade de universalização, com conseqüências imprevisíveis para o mundo do trabalho. Este modelo utilizado no Brasil, nos mais variados estilos (Castro, 1993; Humphrey, 1994) vem trazendo em seu encalço um quadro de incertezas. O perfil do mercado, sofisticado pelo fenômeno econômico da globalização, tem obrigado as indústrias brasileiras a concorrerem em nível internacional, onde vêm se deparando com a importância da qualidade e de sua incapacidade de concorrência nesse mercado. Para isso, o patronato brasileiro vem introduzindo de maneira desordenada as técnicas e métodos japoneses em suas organizações de produção, como o just-in-time, o kanban, o CCQ, os sistemas participativos, etc. O atraso tecnológico de alguns setores, ou mesmo a carência de capital para renovar o maquinário, tem impregnado um novo perfil a este modelo. A solução tem sido a diminuição das bases GORZ. O despotismo de fábrica e suas conseqüências, in GORZ, 1989, p. 81. Para uma análise apurada da Revolução Industrial inglesa – desde a criação ao desenvolvimento das novas tecnologias, dos processos produtivos e de seus efeitos sociais na Europa até os nossos dias –, ver a obra clássica de LANDES, 1994. 27 28

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industriais, a diminuição dos salários ou a demissão de parte significativa da categoria, mostrando uma clara diminuição dos investimentos. Para os trabalhadores, a realidade tem sido perversa. Na ânsia da qualidade, a diminuição da planta industrial vem acarretando inúmeras conseqüências: o fim de postos de trabalho e, com ele, o desemprego em massa vem reduzindo drasticamente a base operária das indústrias. Nestas, permanecem apenas os mais preparados, que atendem ao novo perfil exigido pelo mercado. Por outro lado, com menos trabalhadores e melhor “selecionados”, o capital tem conseguido aumentar seu poder frente às demandas do movimento sindical, pintando um quadro de incertezas, expectativas ou resignação para a classe operária. Este quadro de alterações decorrentes do impacto das várias formas de gestão tem nos levado a pensar na formação de novos valores e comportamentos, novas identidades, representações e aspirações culturais, levando-nos a notar o aumento da importância de polemizar o assunto. Dentro de todo este processo, aumenta a importância dos estudos concernentes ao trabalho enquanto dimensão exclusivamente humana. Esta preocupação reside no fato da evidente crise que vive o trabalho como consciência, subjetividade, formas de representação e organização.

ANEXO 1 TAYLORISMO TRABALHO

Parcelarização de tarefas

DIVISÃO

Concepção e execução

QUALIFICAÇÃO

Pouca ou nenhuma

TIPO DE TRABALHO

Manual

CONTROLE

Mestres (administradores)

GESTÃO ADMINISTRATIVA

Escritório + mestres na produção

PROCESSO DE PRODUÇÃO

Produção em série

FORDISMO Parcelarização de tarefas (única e específica) Concepção e execução Média (treinamentos iniciais) Manual/informatizado Administradores e esteira rolante (linha de montagem) Escritório + mestres + gestão informatizada Produção em massa e em série de bens homogêneos

TOYOTISMO Multifuncional (muitas tarefas) Polifuncionalidade Longo período de treinamento Informatizado Oriundo dos próprios operários Feita pelos patrões e operários com assistência de escritório Produção em pequenos lotes

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QUALIDADE

Não há preocupação direta

ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA

Não há

IDEOLOGIA ( 1 )

Maior produção em detrimento da porosidade

IDEOLOGIA ( 2 )

Modernismo

Há preocupação, porém, os defeitos ficam ocultados Integração vertical e horizontal Maior consumo de bens; não há porosidade; “sociedade do consumo” Modernismo

Grande preocupação (rejeição imediata das peças defeituosas) Integração vertical com subcontratação Consumo individualizado; “sociedade do espetáculo” “Pós-modernidade”

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