O NOVO REGRAMENTO DA AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS

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O NOVO REGRAMENTO DA AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS Mayara de Carvalho Araújo152 Sumário 1. A conciliação e a mediação no Código de Processo Civil de 2015. 2. Dos conciliadores e dos mediadores judiciais. 3. Da audiência de conciliação ou de mediação. 4. CPC/2015 e inovações da Lei n.º 13.140/2015, como conciliar? 5. Considerações finais.

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A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Mais do que diferentes regulamentações específicas, o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) veicula novos paradigmas para o processo brasileiro. Uma de suas principais marcas é a ênfase atribuída à participação dos interessados no processo. Além de reforçar o contraditório como poder de influência e de não ser surpreendido por novos argumentos presentes na decisão judicial, o CPC/2015 trabalha o processo como um ambiente de trabalho, co-participativo e colaborativo, e trata as partes como agentes capazes de compreender e resolver os próprios conflitos. Por essa razão, o código prioriza os métodos consensuais de resolução de conflitos, que devem ser oportunizados a qualquer tempo do processo. Com isso, distancia-se do autoritário viés heterocompositivo que estava sendo enfatizado até então e rompe com a imagem do processo como jogo153 ou guerra154 entre as partes. Nesse sentido, o art. 3o estabelece como norma fundamental do processo que Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

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Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestra em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Advogada e professora, com formação e pesquisa em resolução de conflitos. CALAMANDREI, Piero. Il processo come giuoco. Rivista di diritto processuale, anno V, n. 1, Padova, 1950, p. 3-31. GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Barcelona: Editorial Labor, 1936. Colección Labor, Sección VIII, Ciencias juridicas, n. 386.

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§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. A audiência de conciliação ou de mediação é cabível, a qualquer tempo, inclusive no processo de execução. Sobre o tema, o Fórum Permanente de Processualistas Civis aprovou o Enunciado n.º 485, segundo o qual: “É cabível a audiência de conciliação e mediação no processo de execução, na qual é admissível, entre outras coisas, a apresentação de plano de cumprimento da prestação”. A mudança repercute na democratização do processo, à medida que reforça o policentrismo decisório, rompe com o autoritarismo da decisão solipsista e oferece possibilidades para o empoderamento e a autonomia das partes. O art. 3o, §2o também norteia a atuação dos três poderes estatais, que devem priorizar a autocomposição dos conflitos. Essa norma fundamental repercute tanto nos conflitos nos quais o Estado é parte, quanto naqueles em que ele atua direta ou indiretamente através de sua estrutura ou de suas instituições. Assim, a previsão do código expande a Resolução n.º 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A solução consensual dos litígios passa a pautar também as políticas públicas estatais, sendo meta do Estado a prática de atos e a adoção de posturas que estimulem a resolução consensual dos litígios. Dentre as principais inovações do código a respeito da autocomposição de conflitos, pode-se destacar: a ampla regulamentação sobre a mediação e a conciliação judiciais (arts. 165 ss.); a dispensa do pagamento de custas suplementares quando houver transação (art. 90, § 3o); a redução pela metade dos honorários advocatícios quando o réu, simultaneamente, reconhece a procedência do pedido e cumpre a prestação reconhecida (art. 90, § 4o); o estabelecimento de audiência de conciliação e mediação como ato inaugural após a instauração do processo (art. 334); a determinação de incumbência ao juiz de promover, em qualquer momento do processo, a autocomposição, o que deve ser feito preferencialmente com o auxílio dos conciliadores e mediadores judiciais (art. 139, V); a possibilidade de extensão do acordo para além do objeto e das partes do processo (cláusula geral de negociação processual – art. 190); a previsão dos mediadores e conciliadores judiciais como auxiliares da Justiça (art. 149); e a adição de poderes ao relator que passa a ser incumbido de, quando for o caso, homologar a autocomposição das partes (art. 932, I). Sem pretender cair em um dos mitos sobre o futuro da Justiça,155 pode-se afirmar que o código oferece oportunidades de livre exercício e negociação para as partes, afastando-se de autoritarismos de estadania156 e tentando aproximar-se de ambiente favorável ao desempenho da cidadania. 155 156

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da Justiça: alguns mitos. In: ______. Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1-14. (8ª). Pretende-se, com isso, abandonar a perspectiva da “estadania” a que se refere José Murilo de Carvalho e desvincular a produção de decisões justas àlimitante figura do Estado-provedor. Assim, defende-se que uma

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Esse fato repercute diretamente na autocomposição de conflitos, que passa a ser priorizada e vista de forma mais contundente. Com isso, o novo código insere a autocomposição como oportunidade efetiva para a cooperação endoprocessual, afastando-se de regulamentações e práticas anteriores que, por vezes, tratavam a conciliação como espaço de conivência com violações de direitos ou de simples oferecimento de tempo do processo que atua mais a serviço do Estado do que do jurisdicionado.157 A dificuldade de lidar com o novo e de modificar rotinas e procedimentos sedimentados exige algum tempo para a acomodação de realidades. É esse, inclusive, um dos fundamentos da vacatio legis. Ocorre que, nesse interstício, foi aprovada nova legislação específica sobre o tema, a Lei n.º 13.140/2015, já vigente, que tem alguns pontos de impacto frente ao CPC/2015. Para além de questionamentos sobre a necessidade de marco regulatório para métodos autocompositivos, pode-se afirmar que o momento da aprovação da lei foi inoportuno, uma vez que trata de forma específica e, por vezes, diferente sobre ponto nodal do novo procedimento comum que ainda estava em vacatio legis no momento em que a lei especial começou a viger. Nesse artigo, serão abordadas as principais modificações sobre a matéria trazidas pelo CPC/2015, assim como as novidades e inconsistências da lei de mediação (Lei n.º 13.140/2015). 2

DOS CONCILIADORES E DOS MEDIADORES JUDICIAIS

No capítulo específico sobre os conciliadores e mediadores judiciais, o CPC/2015 diferencia ambos nos seguintes termos: Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. [...] § 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

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perspectiva democrática do processo e do acesso àjustiça exige a observância da autonomia dos cidadãos tanto na instituição do direito, quanto no momento da sua aplicação. Cf. CARVALHO, JoséMurilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. CARVALHO, Mayara de; SILVA, Juliana Coelho Tavares da. Ser conivente éconveniente: uma perspectiva das conciliações judiciais como forma de dissimular a crise do judiciário e de perpetuar a subcidadania no Brasil. In: SILVA, Artur Stamford; MELLO, Marcelo Pereira de; PIRES, Carolina Leal. (Org.). Sociologia do direito em prospectiva: para uma cultura de pesquisa. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2013, p. 805-819.

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§ 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. O código aborda pontos sensíveis à profissionalização e à capacitação dos mediadores e conciliadores judiciais, embora não regule com exaustação os aspectos nodais da carreira. De acordo com o CPC/2015, os mediadores e conciliadores são agentes auxiliares da justiça que devem atuar de forma remunerada, conforme previsto pelo tribunal, segundo os parâmetros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (art. 169, caput). No entanto, também é permitido o exercício voluntário da mediação e conciliação (art. 169, §1o). Os profissionais podem ser concursados, ou não. Caso o tribunal opte por criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, o concurso público deverá ser de provas e títulos, conforme previsão do art. 167, § 6o. Ainda sobre a regulamentação profissional, o CPC/2015 trata do impedimento, da exclusão e da impossibilidade dos conciliadores e mediadores judiciais nos seguintes termos: Art. 170. No caso de impedimento, o conciliador ou mediador o comunicará imediatamente, de preferência por meio eletrônico, e devolverá os autos ao juiz do processo ou ao coordenador do centro judiciário de solução de conflitos, devendo este realizar nova distribuição. Parágrafo único. Se a causa de impedimento for apurada quando já iniciado o procedimento, a atividade será interrompida, lavrando-se ata com relatório do ocorrido e solicitação de distribuição para novo conciliador ou mediador. Art. 171. No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o conciliador ou mediador informará o fato ao centro, preferencialmente por meio eletrônico, para que, durante o período em que perdurar a impossibilidade, não haja novas distribuições Art. 172. O conciliador e o mediador ficam impedidos, pelo prazo de 1 (um) ano, contado do término da última audiência em que atuaram, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes. Art. 173. Será excluído do cadastro de conciliadores e mediadores aquele que: I - agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob sua responsabilidade ou violar qualquer dos deveres decorrentes do art. 166, §§ 1o e 2o; II - atuar em procedimento de mediação ou conciliação, apesar de impedido ou suspeito. § 1o Os casos previstos neste artigo serão apurados em processo administrativo. 94

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§ 2o O juiz do processo ou o juiz coordenador do centro de conciliação e mediação, se houver, verificando atuação inadequada do mediador ou conciliador, poderá afastá-lo de suas atividades por até 180 (cento e oitenta) dias, por decisão fundamentada, informando o fato imediatamente ao tribunal para instauração do respectivo processo administrativo. O CPC/2015 também regula a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, órgãos vinculados à Justiça com duas diferentes competências: realizar as audiências de mediação e conciliação; e desenvolver programas (políticas públicas) para estimular a autocomposição de conflitos (art. 165, caput). Câmaras privadas de conciliação e mediação podem requerer credenciamento nos tribunais, desde que se comprometam a prestar determinado percentual de audiências não remuneradas, a ser definido pelos tribunais, com a finalidade de atender aos processos em que a gratuidade da justiça for deferida (art. 169, § 2o). Para o exercício profissional, o CPC/2015 exige capacitação mínima em escola reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) ou pelos Tribunais, de acordo com os requisitos mínimos estabelecidos pelo CNJ, em conjunto com o Ministério da Justiça (167, § 1o). O código faculta a escolha consensual do conciliador ou mediador ou da câmara privada de conciliação e de mediação pelas partes (art. 168, caput), assim como ocorre na arbitragem. O conciliador ou mediador escolhido, inclusive, pode não estar cadastrado no tribunal (art. 168, § 1o). Na inexistência de acordo quanto ao facilitador, haverá distribuição entre os profissionais registrados no tribunal, observada a formação necessária (art. 168, § 2o). Além disso, quando for o recomendável, será designado mais de um mediador ou conciliador para o mesmo caso (art. 168, § 3o). De forma a facilitar a escolha dos profissionais, o CPC/2015 regula o cadastro de mediadores e conciliadores tanto a nível nacional, a ser gerido pelo CNJ, quanto em âmbito local, vinculado a cada tribunal. O cadastro deve ser atualizado ao menos anualmente (art. 167, § 4o) e nele constarão todos os dados relevantes para o exercício profissional, dentre eles: a área de atuação do profissional (art, 167, caput); a quantidade de processos em que participou; a quantidade de acordos obtidos; as matérias sobre as quais versaram as controvérsias (art. 167, § 3o). Nos termos do art. 167: Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional. § 1o Preenchendo o requisito da capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o 95

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Ministério da Justiça, o conciliador ou o mediador, com o respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no cadastro nacional e no cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal. § 2o Efetivado o registro, que poderá ser precedido de concurso público, o tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome passe a constar da respectiva lista, a ser observada na distribuição alternada e aleatória, respeitado o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional. § 3o Do credenciamento das câmaras e do cadastro de conciliadores e mediadores constarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número de processos de que participou, o sucesso ou insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como outros dados que o tribunal julgar relevantes. § 4o Os dados colhidos na forma do § 3o serão classificados sistematicamente pelo tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e para fins estatísticos e de avaliação da conciliação, da mediação, das câmaras privadas de conciliação e de mediação, dos conciliadores e dos mediadores. § 5o Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na forma do caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções. § 6o O tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas as disposições deste Capítulo. Com o cadastro, será possível que as partes identifiquem e escolham o mediador ou conciliador mais adequado para o seu caso, o que facilita a aderência e confiança dos envolvidos em relação à autocomposição do conflito. O CPC/2015 também regula a criação de câmaras de mediação e conciliação pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, visando a proporcionar a solução consensual dos conflitos administrativos (art. 174, caput). A esse respeito, o código exemplifica a atuação para dirimir conflitos que envolvam órgãos e entidades da administração pública (art. 174, I); avaliar a admissibilidade de pedidos de solução autocompositiva de conflitos na administração pública (art. 174, II); e promover, quando for o caso, a celebração de termo de ajustamento de conduta (art. 174, III). 3

DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU DE MEDIAÇÃO

Ato inaugural do procedimento comum, após instaurado o processo, a audiência de conciliação ou de mediação deve ser designada com antecedência mínima de trinta dias, devendo o réu ser citado ao menos vinte dias antes (art. 334). 96

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Segundo o CPC/2015, a audiência é parte integrante do rito comum, mas ninguém será obrigado a submeter-se a ela. Isto é, não sendo do interesse das partes participar da audiência inaugural de conciliação ou de mediação, basta que informem em momento oportuno e o ato não ocorrerá. O autor deve informar sua opção pela realização ou não da audiência na petição inicial (art. 334, § 5o), sendo esse um dos requisitos da petição inicial (art. 319, VII). Não havendo informação expressa, presume-se a concordância tácita do autor com a regularidade do procedimento, tal qual previsto no código, razão pela qual será realizada a audiência. Como a audiência antecede a contestação (art. 335, I), ao réu cabe informar seu desinteresse por petição avulsa, apresentada com pelo menos dez dias de antecedência da data da audiência (art. 334, § 5o). Nesse caso, o réu poderá oferecer contestação no prazo de quinze dias do protocolo do pedido de cancelamento de audiência de conciliação ou de mediação (art. 335, II). A audiência não será designada apenas se a petição inicial não preencher os requisitos essenciais (art. 334, caput); se o caso não admitir autocomposição (art. 334, § 4o, II); ou se ambas as partes se manifestarem expressamente nesse sentido (art. 334, § 4o, I). Sendo caso de litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes (art. 334, § 6o). Desse modo, a manifestação contrária à realização da audiência exclusivamente por uma das partes não afasta a sua realização. Aqui, compartilha-se do receio de que o instituto possa ser utilizado de forma inadequada por uma das partes para protelar o julgamento de mérito, aumentando o custo processual e afetando negativamente o resultado útil do processo.158 O não comparecimento injustificado de qualquer das partes é ato atentatório à dignidade da justiça, pelo o qual cabe multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, que deve ser revertida em favor da União ou do Estado, conforme o caso (art. 334, § 8o). Sobre o tema, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) entende que, na citação, sob pena de inaplicabilidade da punição, o réu deve ser advertido de que sua ausência injustificada à audiência inaugural configura ato atentatório à dignidade da justiça, penalizável com a referida multa. Nesse sentido: Enunciado 273, FPPC. (art. 250, IV; art. 334, § 8º) Ao ser citado, o réu deverá ser advertido de que sua ausência injustificada à audiência de conciliação ou mediação configura ato atentatório à dignidade da justiça, punível com a multa do art. 334, § 8º, sob pena de sua inaplicabilidade.

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CARVALHO, Mayara de; SILVA, Juliana Coelho Tavares da. Ser conivente é conveniente: uma perspectiva das conciliações judiciais como forma de dissimular a crise do judiciário e de perpetuar a subcidadania no Brasil. In: SILVA, Artur Stamford; MELLO, Marcelo Pereira de; PIRES, Carolina Leal. (Org.). Sociologia do direito em prospectiva: para uma cultura de pesquisa. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2013, p. 805819.

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A intimação do autor para a audiência deverá ser feita na pessoa do seu advogado (art. 334, § 3o). Na audiência, as partes devem estar acompanhadas de seus advogados ou defensores públicos (art. 334, § 9o), conforme o caso, embora possam constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir (art. 334, § 10o). Com a finalidade de promover o acesso à justiça, o CPC/2015 faculta a realização da audiência de conciliação ou de mediação por meio eletrônico (art. 334, § 7o). O código também prevê que a audiência será presidida por conciliador ou mediador (art. 334, § 1o) e que, se necessário à autocomposição das partes, poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação ou mediação, desde que não exceda a dois meses da data da primeira sessão (art. 334, § 2o). A pauta das audiências de conciliação ou de mediação deverá ser organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de vinte minutos entre cada audiência (art. 334, § 12o) e a autocomposição obtida deverá ser reduzida a termo e homologada por sentença (art. 334, § 11o). 4

CPC/2015 E INOVAÇÕES DA LEI 13.140/2015, COMO CONCILIAR?

Como dito alhures, o CPC/2015 apresenta diferentes diretrizes para o processo brasileiro. O novo código foi aprovado em março de 2015, com previsão de vacatio legis de um ano, passando a viger em março de 2016. A lei de mediação (Lei n.º 13.140/2015), a seu turno, foi aprovada em junho de 2015, com vacatio legis de 180 dias, começando a viger em dezembro de 2015. Com isso, a lei de mediação, embora tenha sido publicada posteriormente ao CPC/2015, é a ele anterior quanto à vigência. É ela lei especial, o que deve ser também considerado para sanar eventuais antinomias entre as duas leis. A lei de mediação surgiu, como se pode perceber, em momento inoportuno, regulando, por vezes, de forma diferente certos aspectos sobre a solução autocompositiva de conflitos quando esse ponto essencial do novo procedimento comum ainda necessitava de eventuais acomodações até ser devidamente implementado. Embora se trate de “lei de mediação”, a lei especial, ao definir sua abrangência, utiliza o termo “mediação” com conteúdo diferente daquele veiculado no novo CPC. Segundo a Lei n.º 13.140/2015: Art. 1o, Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia Como se pode apreender do texto normativo, a Lei n.º 13.140/2015 emprega o termo “mediação” como gênero do qual a mediação e a conciliação são espécies. Abrange, portanto, tanto os métodos previstos no artigo 165, §§ 2o e 3o, do CPC/2015, quanto outras formas de solução autocompositiva de conflitos, judiciais 98

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e extrajudiciais, inclusive no âmbito da administração pública (art. 32 ss., Lei n.º 13.140/2015). O conteúdo do termo “mediação” utilizado pela lei especial contempla, à exceção dos trabalhistas (art. 46, Lei n.º13.140/2015), os conflitos que envolvam tanto direitos disponíveis, quanto direitos indisponíveis transigíveis. Neste último caso, é necessária a homologação pelo juiz (art. 3o, § 2o, Lei n.º 13.140/2015) e, havendo interesse de incapaz, a oitiva do Ministério Público. Além disso, a lei admite que o acordo contemple todo o conflito ou parte dele (art. 3o, § 1o, Lei n.º 13.140/2015). Uma aparente antinomia que se pode apontar de início entre a Lei n.º 13.140/2015 e o CPC/2015 se refere à obrigatoriedade da audiência de conciliação ou de mediação. Note que, em ambos, não se discute a obrigatoriedade da audiência em si dentro do procedimento comum, uma vez que é parte integrante do rito. A questão diz respeito ao caráter mandatório ou não de se submeter ao procedimento de mediação. Isso porque a redação inicial do art. 2o, § 2o, da lei de mediação foi modificada, trocando o verbo “submeter” para “permanecer”. A redação atual informa que “ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação”. A questão que surge é, iniciado o procedimento de mediação, é seguro que ninguém é obrigado a permanecer nele contra a sua vontade, mas é necessário que esteja no seu início, submetendo-se ao procedimento? A fim de evitar antinomia entre as duas previsões normativas, acredita-se que a melhor interpretação seja no sentido contrário. Analisando a lei de mediação em conformidade com o CPC/2015, defende-se que, caso ambas as partes se manifestem expressamente em contrariedade à audiência inaugural, esta não deve acontecer (art. 334, § 4o, I, CPC/2015). É necessário, portanto, pensar em como conciliar os dois instrumentos normativos. Nos parágrafos seguintes, serão apresentadas algumas previsões da lei de mediação que complementam àquelas do CPC/2015 sobre o tema. A Lei n.º 13.140/2015 prevê a obrigatoriedade da presença de advogado ou defensor público nas mediações judicias (art. 26, Lei n.º 13.140/2015), ressalvado quando legislação especial dispensa. Para as mediações extrajudiciais, a presença do causídico é facultada (art. 10, caput, Lei n.º 13.140/2015), mas, por questão de igualdade entre as partes, caso uma delas tenha assistência de advogado, ambas devem tê-lo (art. 10, parágrafo único, Lei n.º 13.140/2015). No caso da presença de advogado, em razão dos princípios informativos do CPC/2015, assim como da própria finalidade da autocomposição de conflitos, entende-se que seu papel deve ser colaborativo – e não combativo –, auxiliando o rapport e lidando com o processo como comunidade de trabalho. Em qualquer dos casos, a audiência poderá ser realizada por meio eletrônico, garantindo a existência de transações à distância, sendo necessário que as partes estejam de acordo a respeito dos meios utilizados (art. 46, Lei n.º 13.140/2015). O termo final, quando houver acordo, constitui título executivo extrajudicial e, se homologado judicialmente, título executivo judicial (art. 20, Lei n.º 13.140/2015; art. 784, IV, CPC/2015). 99

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Tanto o código (art. 166, CPC/2015), quanto a lei de mediação (art. 2o, Lei n.º 13.149/2015) apresentam os princípios informativos da conciliação e da mediação. No entanto, o fazem de forma diferente. Os dois textos normativos estão de acordo sobre os princípios da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade e da informalidade. São mencionados apenas pelo CPC/2015 os princípios da independência e da decisão informada. Por sua vez, apenas a Lei n.º 13.140/2015 traz expressamente os princípios da isonomia, da busca do consenso e da boa-fé. Embora cada uma vincule um especifico rol de princípios, a diferença entre as duas leis quanto a esse aspecto é mais formal do que material. Os princípios da isonomia, da busca do consenso e da boa-fé, por exemplo, podem ser facilmente encontrados no sistema doCPC/2015. Aqui, há de se falar mais em imprecisão do que propriamente em antinomia. Tema sobre o qual os dois diplomas normativos diferem é a respeito dos requisitos de capacitação para o mediador judicial (gênero). A lei específica fala em capacidade; capacitação em escola reconhecida pelo ENFAM ou pelos tribunais, conforme os requisitos mínimos estabelecidos pelo CNJ, em conjunto com o Ministério da Justiça; e tempo mínimo de dois anos de formado em curso de graduação em instituição reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) (art. 11, Lei n.º 13.140/2015). Embora não haja qualquer novidade quanto aos dois primeiros requisitos – sendo o primeiro implícito e o segundo expressamente previsto no CPC/2015 -, pode-se questionar não só sobre a necessidade, mas também sobre a constitucionalidade da última exigência. Ainda que seja relativamente comum tempo mínimo de experiência, devidamente provado o desempenho de atividades profissionais, para os concursos públicos de certas carreiras, é importante destacar duas diferenças essenciais na previsão constante na lei especifica. A distinção mais óbvia é que não se trata necessariamente de cargo preenchido através de concurso público, sendo o requisito genérico aplicável inclusive aos mediadores e conciliadores judiciais que apenas solicitarem cadastramento nos centros judiciários. A segunda diferença diz respeito ao fundamento da exigência. Normalmente, esse requisito vem acompanhado da necessidade de efetiva comprovação do desempenho de alguma atividade com conhecimento prático essencial à carreira. Assim, tenta garantir um mínimo de experiência na formação do profissional. Não é o caso, todavia, da previsão normativa da lei de mediação, uma vez que não só não exige efetiva comprovação de desempenho de atividade, quanto não menciona se o indivíduo necessitava ter desempenhado qualquer atividade correlata durante esse tempo. Sendo assim, não passa de uma exigência inócua. Formado há mais de dois anos em curso reconhecido pelo MEC, o só passar do tempo, independentemente de qualquer desempenho de atividade específica, garantiria ao graduado o direito de cadastrar-se como mediador judicial. Assim, confere-se ao elemento tempo uma importância para aquisição de faculdade de desempenho de direito para o qual o passar dos anos não tem repercussão necessária. 100

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O CPC/2015 propõe-se a democratizar o processo – e o procedimento – por intermédio da participação dos interessados na decisão do conflito. Nesse aspecto, as formas autocompositivas de resolução dos litígios têm grande impacto para o processo judicial democrático, policêntrico e cooperativo. Não por acaso, os meios de resolução autocompositiva ganham destaque, podendo ser utilizados a qualquer tempo do processo, mesmo na execução ou no segundo grau de jurisdição; e iniciando o procedimento comum após a instauração do processo. No entanto, é importante não cair em um dos mitos do futuro da justiça159: mudanças na legislação, por mais importantes que sejam, não impactam em equivalente mudança de realidade. É necessário algum tempo – e também algum esforço – para que a cultura de delegação da resolução de conflito para a autoridade e que a “guerra entre as partes” sejam transformados. Nesse sentido, a aprovação da Lei n.º 13.140/2015 não aconteceu no momento mais oportuno, ainda menos por veicular algumas incongruências que necessitam ser acomodadas a partir de uma interpretação conforme a Constituição Federal e o CPC/2015. Nem por isso deixa de ser notória a ênfase que o legislador tem dado à autocomposição de conflitos. Espera-se que esses atos sinalizem o futuro do processo brasileiro, e que ele seja mais democrático, participativo e efetivo.

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BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da Justiça: alguns mitos. In: ______. Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1-14. (8ª).

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