O orgulho dos artistas do corpo: entre doenças do ideal, techne e poiesis [TRADUÇÃO]

September 22, 2017 | Autor: R. Charafeddine B... | Categoria: Sociology, Art, Anthropology of the Body
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O orgulho dos artistas do corpo: entre doenças do ideal, techne e poiesis, Stéphane Héas Revista Proa, n°02, vol.01, 2010. http://www.ifch.unicamp.br/proa

O orgulho1 dos artistas do corpo: entre doenças do ideal, techne e poiesis2 Stéphane Héas Tradução de Rodrigo Charafeddine Bulamah Stéphane Héas é sociólogo e professor-pesquisador da Universidade Europeia da Bretanha, França, é membro do LARES LAS, da Universidade de Rennes 2. Publicou neste ano Les discriminations dans les sports (PU Nancy, 2010) e Les Virtuoses du corps (Maxmilo, 2010). É co-criador da revista eletrônica International Review on Sport and Violences (www.irsv.org). Dirigiu a publicação em dois da obra Variations sur la peau (L’Harmattan, 2007/2008). Resumo: Os artistas do corpo, tais como os cantores, os mímicos, os contorcionistas, os imitadores etc. são populações pouco estudadas pelas ciências sociais. Aqui, são analisadas as maneiras pelas quais esses profissionais vivenciam o fato de ter desenvolvido capacidades físicas extraordinárias, específicas. As entrevistas realizadas com esses artistas do corpo (N = 21) enfatizam esse foco “êmico” e permitem entrever seu orgulho profissional. A análise de conteúdo acentua que ser bem sucedido, inovador e reconhecido por seus pares, ou seja, tornar-se célebre, representa as facetas dessa consciência artística de si. Os corpos modificados e refinados ao longo dos anos de trabalho tornam-se a pedra fundamental das relações com o mundo, com os outros e consigo mesmos. Palavras-chave : Sociologia, técnicas do corpo, simbolização, experiência

Abstract: Artists such as Mime, Contortionists, Imitators, Beat Boxers, ventriloquists, and so on., are few studied by Social Sciences. Here are analyzed with 21 interviewees the ways in which these professionals have developed extraordinary and specific physical abilities. Content analysis underlines this “emic” lens and allows a glimpse of the pride of these artists. Be efficient, be innovative and recognized by his peers and become famous are all facets of self-consciousness Artist. The body changed and refined over the years of work became the cornerstone of their reports in the world, to others and to themselves.

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Os artistas colocam sempre seus próprios corpos em jogo. No mundo plural das artes, certos números e, por vezes, certas obras inteiras (como os espetáculos presenciais3, por exemplo) repousam sobre verdadeiros exercícios corporais: mímica, dança, contorcionismo, malabar, equilíbrio, canto, imitação etc. Com base em entrevistas compreensivas realizadas com 16 artistas homens e 5 artistas mulheres, meu objetivo é o de precisar sua “emicidade” (OLIVER DE SARDAN, 2008, p.21), i. e., as vivências pessoais dessas situações artísticas, e, particularmente, seu orgulho profissional4. Os

artistas,

homens

ou

mulheres,

desenvolvem

capacidades

corporais

excepcionais (HÉAS, 2008, 2009). Nesse sentido, sua profissão/paixão os distingue do comum dos mortais. Seu cotidiano engaja-os em exercícios corporais que, exigentes nos bastidores, aparentam surpreendente facilidade quando apresentados em cena. Seus espetáculos confirmam a cada ano um pouco mais do seu engajamento na carreira artística. Existem inúmeras diferenças entre os experts do corpo. As estrelas são, por sinal, bastante inacessíveis. Algumas vezes, não pudemos entrar em contato, tampouco despertar o interesse dos que encabeçam a cena atual por nossa pesquisa sobre a excelência. Não conseguimos atrair o interesse de imitadores como N. Canteloup, que reproduz a voz e os gestuais de personalidades francesas da política e do esporte, como o presidente N. Sarkozy e o ciclista R. Virenque, recordista em vitórias do trecho de escalada no Tour de France5; e menos ainda de Ph. Gagnon, talvez o único imitador do mundo capaz de reproduzir as vozes de centenas de cantores ou cantoras ao longo de um mesmo espetáculo; nem do funâmbulo P. Petit, que se tornou célebre, involuntariamente, por ser o primeiro e o único expert a ter atravessado, sobre um fio, as duas torres gêmeas de Nova Iorque (o famoso World Trade Centre), destruídas em 2001 no célebre atentado. Obter as coordenadas de seus agentes, ou mesmo as suas próprias e explicar-lhes as motivações e os objetivos do estudo não foi suficiente para persuadi-los, menos ainda para conseguir uma entrevista. Ora, “as mídias se aquecem à luz das estrelas”6 e, nesse sentido, a singularidade corporal consegue interessá-los. De fato, as façanhas são por vezes acompanhadas diretamente por equipes de filmagem e cada vez com mais frequência, reportagens e filmes são consagrados a tal ou tal expert corporal. A visibilidade na mídia pode explicar em parte nossas dificuldades em entrar em contato com os artistas mais visados e mais vistos. Sua vida atual é bastante carregada e as solicitações, numerosas. Torna-se difícil nesse quadro “vender” o interesse por uma entrevista de

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pesquisa que visa a analisar sua vivência profissional, sem disfarces nem atenuações. A celebridade resulta em reviravoltas na vida dos artistas do corpo, nos planos econômico, social, cultural, etc. Como eles vivem essa notoriedade mais ou menos repentina, e o que retêm, no final, em termos de sucesso profissional? Existe uma diferença entre esse vasto reconhecimento público e a satisfação pessoal de ter tentado algo inovador ou, mais simplesmente, a satisfação do dever cumprido?

Elementos do método Esta pesquisa apoia-se sobre quatro fontes principais. Os artigos de imprensa que relatam suas proezas e espetáculos, os conteúdos dos blogs pessoais e professionais dos artistas, por vezes suas obras, particularmente sua biografia e, sobretudo, entrevistas realizadas à distância, por telefone (N=21; de 24 à 68 anos, com idade média de 41 anos). Como todo trabalho científico, essas análises decorrem e, por assim dizer, dependem muito da população inquirida. Múltiplos contatos foram realizados a partir de junho de 2008, quando iniciamos a enquete original. Na França, dezenas de profissionais teriam condições de fazer parte de nossa população de investigação. Cantores de ópera, malabaristas, mímicos, contorcionistas, equilibristas, imitadores etc. parecem numerosos à primeira vista, mas os melhores podem ser contados com os dedos da mão ou quase. Em cada profissão, em cada especialidade corporal,

destaca-se

menos

de

uma

dezena

de

experts

verdadeiramente

reconhecidos(as) na França. Mas a análise das trajetórias desses profissionais foi mais delicada do que o inicialmente previsto. Com efeito, de modo geral, as tentativas de contato não produziram um eco favorável. Seis entrevistados mostraram-se encantados por obter um espaço para sua fala, a tal ponto que a regra deontológica do anonimato – inerente a toda empreitada científica – foi por eles considerada absurda. Aderiram à enquete, com a condição de que lhes oferecêssemos alguma publicidade em troca7.

Essa

reivindicação é inédita para mim que trabalho, com certa frequência, com populações outsiders, depreciadas, distanciadas da possibilidade de reivindicar, nessa situação, uma visibilidade pública ou social! Essa reação da parte de alguns inquiridos é lógica, considerando-se

seu

estatuto

e a

dificuldade, particularmente

na

França, de

desenvolver determinadas atividades artísticas, como a mímica, o malabarismo e mesmo o funambulismo. Essa adesão à entrevista contradiz, por outro lado, as propostas de Dubas e Tripier (2005), que se referem sobretudo ao trabalho de

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Sutherland (1937), indicando que os que respondem às enquetes sociológicas costumam ser os mais bem sucedidos em sua especialidade. Nesse caso, alguns grandes expoentes não permitiram nenhum tipo de aproximação e mantiveram distância. Outros artistas reconhecidos não hesitaram, ao contrário, em apontar as próprias dificuldades pessoais e financeiras, por exemplo... Diferenças nacionais e/ou culturais importantes se mantêm: o tapete vermelho estendido em certos países do norte ou leste da Europa (Alemanha, Dinamarca, Noruega) ou mesmo nos EUA dá lugar, na França, às dificuldades concretas de vida para esses mesmos profissionais. Desse modo, muitos entrevistados compartilham de uma situação potencialmente delicada: retorno após uma falência financeira, uma lesão ou um acidente, retomada profissional difícil após uma gravidez e uma licença maternidade ou paternidade, aumento das rupturas de contrato etc. Estes artistas estavam, então, mais inclinados a aceitar a oportunidade de serem ouvidos, além do fato de que minha iniciativa representava uma forma de destaque... No final, a maioria das minhas solicitações mostraram-se infrutíferas. Os artistas não viam com interesse a apresentação de suas trajetórias e, menos ainda, o relato de suas experiências pessoais... a um desconhecido. Essas dificuldades de acesso ao campo relembram minimamente que ao menos uma parte dos próprios inquiridos não se considerava “interessante”, nem mesmo de um ponto vista profissional. Em meios mais valorizados culturalmente, como a dança clássica ou o canto lírico, essa reticência assume outro contorno; ela conjuga provavelmente, ao mesmo tempo, o medo de ser amalgamado a profissionais marginais e menos legítimos, mas também o pouco benefício à sua própria carreira. A investigação de um sociólogo provinciano, parecia como algo completamente sem importância. Certos nomes célebres da ópera recusaram com veemência prestar-se ao exercício da entrevista... já que não havia nenhuma contrapartida financeira. Segundo eles, é impossível consagrar uma hora de seu tempo tão precioso no mercado da arte lírica. Para alguns artistas contactados, o medo da exposição não controlada ao olhar exterior, sem remuneração nem publicidade, torna-se ridículo, até mesmo perigoso em termos de prestígio. Por exemplo, um barítono célebre não disfarça um acesso de humor frente à minha insistência em contestá-lo em um de seus emails: “Quanto aos meus amigos cantores, efetivamente de alto nível (sic), eles rirão da minha cara se eu lhes pedir para trabalhar por nada!”. O amálgama entre a atuação do artista diante de um público que paga para vê-lo e ouvi-lo e a circunstância de dialogar com um pesquisador é difícil de

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ocorrer, a não ser como oportunidade para revelar uma incrível má fé, um contexto profissional particularmente estressante, dificuldades reais do próprio percurso profissional, ou até mesmo para revelar as carências, a parte obscura... Ao menos mais um terceiro elemento interveio na aproximação delicada dessas carreiras mais clássicas: o peso de instituições de tutela (escolas, conservatórios, academias etc). Elas filtram com eficácia os contatos com pessoas exteriores. Assim, as barreiras de acesso são inúmeras e quase insuperáveis para uma pessoa alheia a esses meios que se mantém fechados ou mesmo elitizados. A análise do conteúdo dessas entrevistas compreensivas responde a uma lógica clássica dos relatos ou histórias de vida. Os momentos de ruptura, as continuidades no seio das trajetórias individuais foram precisas. A ênfase foi dada particularmente à vivência do percurso profissional e às repercussões em seu entorno. A relação ao corpo dos “excelentes” foi o fio condutor da análise. Ela funciona como o suporte da expressão de si-mesmo. Isso na medida em que se trata de artistas solicitados a, de alguma forma, confirmar sua expertise corporal cotidianamente. Particularmente, o processo de individualização foi apontado com enfoque no sentido das ações dos artistas do corpo para si e para os outros. Foi o caso, por exemplo, das emoções sentidas e compartilhadas (Le BRETON, 1998), das referências tutelares por exemplo privilegiadas ou, ao contrário, afastadas. Algo que sintetizo, há alguns anos, como a expressão de individualização simbólica (HÉAS, 2005). Por fim, o sistema da “bola de neve” – uma enquete que permite entrar em contato com outros inquiridos – não funcionou... o que não ocorre quase nunca durante enquetes em ciências humanas e sociais.

Entre doenças do ideal, techne e poies Alcançar o auge ou tentar atingí-lo é desde há muito tempo um objetivo ao mesmo tempo louvável e impossível para a maioria das pessoas. Seja nas artes reconhecidas como tais ou aqui, no nível das expressões excepcionais e corporais de si, esse objetivo e, em síntese, essa impotência para alcançar o resultado programado ocorreram, apesar do esforço do pesquisador. Desde Mallarmé, pelo menos, essa quase impossibilidade é denominada “doença do ideal”8. Diferentes acepções foram propostas (HUGUET, 1984, p. 167; KRISTEVA, 2007, p. 45). Uma delas enfatiza que nossa sociedade ocidental, mercadológica, produz esse mal-estar na medida em que modelos propostos pelas mídias, pelas instituições simplesmente irrealistas, logo irrealizáveis.

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culturais como

o

cinema

etc, são

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Justamente no livro “Le Coût de l’Excellence” (O custo da excelência), essa doença sempre atual é apresentada em sua versão mais extrema, o burn out, como a “doença da exaustão dos recursos físicos e mentais quando nos dedicamos demais a atingir um objetivo irrealizável que tínhamos estabelecido ou que os valores da sociedade nos tinham imposto” (AUBERT e GAULEJAC, 1991, p. 178). Essa concepção da doença do ideal, referida aqui, indica dois vetores principais, ligados entre si. Ao mesmo tempo, os valores sociais impõem um certo modo de conduta, por exemplo, em nossa sociedade, a excelência é proposta como objetivo a ser atingido em todos os compartimentos da vida (atividade profissional, família, lazer etc). Essa excelência ganha com frequência os contornos de uma corrida em um contexto hiper-competitivo. Esse quadro socioeconômico e axiológico é o nosso, há, pelo menos, vinte anos (EHRENBERG, 1991; DURET, 2009). A um só tempo, os indivíduos interiorizam ou assumem essa injunção, impondo a si próprios esse ideal. Uma proposta recentemente apresentada por uma deputada, na França, tenta controlar ao menos em parte o primeiro vetor. Ela apresenta a possibilidade de se adicionar uma mensagem específica sobre as imagens retocadas por computador9, a fim de contrapor esse recurso, de alguma forma, às imagens idealizadas das figuras ali representadas (atrizes, manequins etc), e, consequentemente, de induzir menos ao erro os expectadores e o público. Essa proposta visa principalmente às representações de mulheres nas mídias ou em propagandas. Essa esteriotipização das imagens pode induzir garotas ou mulheres a reduzir bastante sua alimentação, em busca da magreza veiculada pelas modelos. Mostramos em outro texto que essa esteriotipização das imagens comerciais e publicitárias não tratam somente do peso das mulheres, mas de muitos outros aspectos da humanidade: a presença ou não de pêlos, a cor da pele, as relações entre homens e mulheres etc. (HÉAS et al., 2007). No que concerne à população dos artistas entrevistados, a problemática do idealismo induz a diversos elementos. Dentre eles, o uso de tecnologias que permitam eventualmente decuplicar as ações humanas. Esse uso multiplica a própria techne corporal, o que não é tratado aqui. Senão, essa noção de idealismo estaria ligada não à transformação artificial de uma proeza, mas à maneira pela qual os próprios experts apreendem suas performances. O idealismo mobiliza uma análise de seus desejos e tentativas para atingir esse ideal, assim como sua possibilidade ou impotência para atingir tal ideal e até mesmo o luto necessário desse ideal. Em função disso, precisemos como as exigências de excelência corporal ressoam diferentemente na população envolvida. A evocação dessa doença do ideal ilustra diretamente uma

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hipótese formulada na origem deste trabalho, a partir da constatação de que uma performance excessivamente exigente pode conduzir a doenças do ideal, e mais ainda à fadiga de ser si mesmo sob a forma de uma “implosão depressiva” ou, ao contrário, de uma “explosão aditiva” (EHRENBERG, 1998). Como nem todo mundo pode manter essa exigência de excelência, tudo se passa como se nossa sociedade produzisse a depressão massiva (LACROIX, 200710). Ora, os inquiridos não estão submersos na massa, pois fazem o trabalho de distinguir-se corporalmente. Em razão desse compromisso profissional particular, seria possível dizer que os artistas estão ainda mais do lado da explosão aditiva? Muitos elementos destacados na proposta mantida por esses experts e as biografias recolhidas levam-nos a pensar dessa forma. Mas

para

além

dessa

categorização

médica

e

do

valor-trabalho

que

subentendido na lógica da techne, ao menos no sentido contemporâneo do termo, podemos também nos questionar se esse compromisso corporal/profissional não assumiria os contornos de uma poiesis. Essas noções heideggerianas podem ser úteis para precisar os arcanos do orgulho corporal desses artistas singulares/excelentes. Atkinson lembra a herança grega dessa noção, mas sobretudo sua utilização por Heidegger (1954): “a antiga noção grega de techne (é) um ato ou um processo que permite uma descoberta prática”, enquanto a poiesis reúne “as experiências vividas ou as expressões identitárias” (2008, 78). De um lado, a ação, uma produção, de outro um processo de mudança de estatuto, de forma, ou seja, a criação de “alguma coisa” de novo. Aqui, a poiesis refere-se a um corpo novo, ou, ao menos, a uma novidade corporal que impacta a própria identidade do artista. Contudo, para Heidegger, technè e poiesis são tradicionalmente complementares, o que não corresponde em absoluto à leitura feita por Atkinson . Somente a técnica moderna com a revolução industrial pôde separar essas duas facetas da ação humana. A technè torna-se então manipulação da natureza11. Com as expertises corporais, parece que a conjugação das duas, poiesis e technè, participa do orgulho profissional. Essa conjugação intervém notadamente aqui, no âmbito de uma atividade por vezes não-remunerada, o que concerne mais de dois terços dos entrevistados. Se adicionarmos a isso os assalariados que exercem sua singularidade corporal num quadro lúdico ou semi-profissional, perto de três quartos dos experts entrevistados funcionam como se fossem independentes. Ora, ser contratado eventual ou atuar de forma independente implica uma exposição pessoal, portanto um risco de desapontar, ou mesmo de falhar no âmbito individual. Fazer com arte (technè) e realizar-se corporalmente é uma empreitada exigente. Nesse quadro,

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considerem-se dois aspectos: por um lado, a proteção do grupo e a valorização por parte dos outros membros dele tornam-se fatores menos presentes; por outro, a manipulação ou a instrumentalização do orgulho profissional por parte de um superior hierárquico também se torna menos forte, ainda que os empregadores - ou mesmo as mídias

- possam exercer pressão sobre os contratados eventuais do espetáculo.

Logicamente, o expert constata essencialmente em seu foro intimo, em cada performance, e ao longo do tempo, aquilo que reforça ou não, sua segurança física e, complementarmente, sua imagem profissional. O artista não conta com a possibilidade de se ocultar atrás de seus colegas ou de uma equipe. Ele permanece sempre em evidência sob o olhar do Outro (clientes, público, pares, próximos), o que é essencial. Por essa razão o orgulho expresso pelos experts corporais ganha pleno sentido. Eles consideram os sentimentos de respeito e de dignidade comprometidos com o seu exercício corporal singular e também sua empreitada profissional de valorização. Na medida em que as práticas corporais apresentadas não são sempre legitimas, e, parcial ou pontualmente, não estão em ascensão midiática, o orgulho e a vaidade não aparecem constantemente nos depoimentos recolhidos. Com exceção de dois ou três casos, foi necessário insistir muito para conseguir que os artistas falassem de orgulho profissional. A análise do conteúdo das entrevistas destaca particularmente um orgulho. Ele é mencionado por quase metade dos artistas do corpo. O orgulho concerne à estranheza ou à novidade das proezas realizadas (13 entrevistas exprimem-no claramente). Esse caráter outsider ou inovador das proezas confirma esse ideal concretizado aos olhos dos próprios experts. Eles se distinguem, com efeito, pela sua própria efetuação tanto do jogo quanto do eu corporais12. Em seguida, três outros tipos de orgulho reúnem duas vezes menos indicações (7 vezes cada uma13). São evocados o fato de ser célebre ou de aproximar-se da celebridade, de alcançar recordes ou performances extraordinárias que marcam uma real diferença entre eles e os outros14, e a independência reivindicada por seu compromisso profissional. Esta última, a independência, remete a um dos valores de excelência. Dois outros motivos de orgulho aparecem cinco vezes em nosso corpus. O primeiro remete ao fato de elaborar essas proezas para muitos; o segundo recobre uma postura ideológica para sustentar esse orgulho, por exemplo, a preocupação com a democratização da técnica corporal, ponta de lança da empreitada profissional iniciada. Para um mímico, o orgulho não se refere a nenhuma dessas categorias, mas simplesmente à interiorização profunda de suas capacidades técnicas. Por fim, uma

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das contorcionistas recusa-se a pensar sua atividade sob esse ângulo do orgulho; para ela, esta não é a palavra mais adequada para descrever sua situação e o apogeu da sua trajetória. Precisemos aqui dois dos quatro principais tipos de orgulho: a novidade corporal e a celebridade.

A novidade corporal O orgulho dos artistas é então frequentemente orientado para a própria novidade de sua proeza corporal ou, mais ainda, de sua evolução profissional. Cada um cristaliza, de alguma forma a sua singularidade. Nesse sentido, os artistas reivindicam um ideal realizado, uma singularidade assumida e levada ao ponto mais alto, em resumo. O movimento, a voz ou o som inédito investem-se de um valor essencial nessa longa e difícil busca corporal. O ideal atingido resume a própria expressão corporal dos artistas. Mais de um terço dos entrevistados falam disso abertamente, como se essa minoria já tivesse efetivamente atingido seu ideal profissional:

Você viu meu espetáculo no Le plus grand cabaret du monde1516, tinha algo que eu inventei, que foi andar sobre um fio em cima de cilindros. Você viu, tem minha prancha que se desdobra e depois eu estendo um fio; assim, eu sou o único que faz isso no mundo, me orgulho disso. Aprendi que há... muito, muito tempo, um cara tinha um sistema como esse e que fazia a mesma coisa. Não é tão difícil assim, mas há um bom número de pessoas que diz “ah, uau, o cara está sobre um fio em cima de cilindros!”. Isso é uma imagem que é bela de verdade, que é magnífica, que agrada muito e que é verdadeiramente pessoal, que é verdadeiramente uma invenção pessoal; você entende, eu fabriquei duas pontas de sucata que saem da minha prancha e isso é uma bela invenção, de verdade, que funciona bem... P. Rousseau, equilibrista, malabarista.

Os objetivos recolhidos nas falas dos principais atores da excelência corporal ainda podem ser complementados. Eles enfatizam ao mesmo tempo a singularidade profissional e, sobretudo, as diferentes facetas de seu nível de expertise. Nesse caso específico, a inovação técnica (o fio estendido sobre a prancha de sua “invenção”) é acoplada imediatamente à técnica corporal conhecida (o equilíbrio sobre os cilindros americanos). Essa conjunção relembra que a humanidade é indissociável da cultura material que ela produz sem cessar (WARNIER, 2006). Impossível evocar a técnica sem referirse aos materiais, às matérias, aos instrumentos etc. O corpo do artista exterioriza-se

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nas ferramentas inventadas à sua medida. A eficácia corporal adiciona-se então à eficácia da ferramenta disponível. A técnica e a excelência corporais não estão nunca totalmente nuas, elas repousam sobre um conjunto de materiais adquiridos: as roupas, os tapetes, as máscaras, os frascos, os copos, as câmeras, mas também as ruas, os imóveis etc. Mesmo se priorizarmos aqui a análise das excelências corporais que não necessitam de ferramentas, estas estão sempre presentes, mesmo que minimamente, pelo próprio contexto da prática ou pelas roupas especiais usadas pelo expert. Por exemplo, ao longo das proezas contorcionistas, a roupa leve, ajustada perfeitamente ao corpo, pode revelar-se importante, em termos de conforto, de estética, de aparência, e também de pudor17. Uma contorcionista pode assim utilizar um collant imitando a pele de cobra para estilizar seu número. Seus promotores ou as mídias podem, em seguida, propor um apelido que cole à sua pele, tal como snake girl. Por outro lado, a imagem é suscetível de tornar-se embaraçosa para a principal interessada. Nokulunga Buthelezi, uma jovem sul-africana, não ficou contente com essa associação com o animal que, para além de sua elasticidade, veicula imagens mais negativas18... Após um período positivo, a imagem da serpente atrapalha essa contorcionista essencialmente em razão dos símbolos de predação, de veneno. A imagem da elasticidade foi esquecida e tornou-se secundária, o que perturba essa artista do corpo. A inovação e a técnica precisam, pois, ser compreendidas igualmente sob o ângulo da própria estética da figura corporal. A atualidade esportiva mobiliza regularmente essa associação: os recordes batidos em corrida de velocidade em 2008 e 2009 por U. Bolt foram marcantes também em razão do ritmo descontraído e tranquilo

do

corredor

jamaicano,

mesmo

em

situações

estressantes

de

alta

competitividade. Essa descontração corporal estetiza os recordes mundiais do jovem jamaicano, enquanto os outros corredores parecem sofrer e contorcer-se. Não esqueçamos que a definição proposta por Marcel Mauss indica enfaticamente a dificuldade em distinguir – sob a ótica do corpo – técnica e estética. “As técnicas definem-se como atos tradicionais agrupados em vista de um efeito mecânico, físico ou químico, atos conhecidos como tais. Será, por vezes, difícil distinguir as técnicas das artes e das belas-artes, a atividade estética sendo tão criativa quanto a atividade técnica...” (MAUSS, 1947, p. 22). Essa difícil distinção é repetida diversas vezes por Mauss (p. 69). No caso do equilibrista, o fio estendido sobre uma prancha em equilíbrio sobre cinco cilindros (rola bola), eles próprios também em equilíbrio, prende a atenção do

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público e dos telespectadores. O estilo de vestimenta do equilibrista (cabelos longos amarrados, torso nu, musculatura fina, botas de couro, collants) compõe a impressão que será memorizada. O vídeo e o comentário de P. Sébastien sublinham também outro elemento estético notável: a atitude tranquila e serena desse equilibrista em plena ação. Enquanto os outros equilibristas se mobilizam rapidamente, com movimentos bruscos, ele parece dominar o tempo, brincar com a música, com o público e seus acessórios de cena. Essa atitude reforça o impacto da apresentação. O valor adicionado a esse material é relativo, como o próprio equilibrista honestamente destaca. Resta o orgulho de ser o único no mundo, atualmente, a propor tal proeza. Associando à novidade técnica um certo maneirismo: um gestual sutil, tranquilo... A importância da originalidade acoplada à impressão visual é igualmente um recurso essencial das proezas de um acrobata urbano, caso de Mister Puma cujos vídeos

na

internet

são bastante

visitados (às

vezes

com

mais de 150 000

19

visualizações !). Ao escutá-lo, percebemos que a performance não é o fio condutor de sua atividade de acrobata: “eu sou parte de um caminho que é verdadeiramente mais original do que performático, mesmo que eu faça, às vezes, um pouco de performance”. Como na cena de um filme célebre (Subway, 1985, com J. H. Anglade no papel do patinador), na qual um praticante de patinação salta por sobre os trilhos do metrô parisiense, esse acrobata urbano será o primeiro a tentar e a conseguir o salto de puma sobre os trilhos que se tornou sua marca registrada:

Sim, o salto de puma entre as plataformas do metrô. É um desafio que eu me propus e é isso, estou contente, eu consegui. Tenho outros desafios que gostaria de realizar, mas esse me é muito caro; não é uma façanha física excepcional, mas sou o primeiro a tê-la conseguido, logo, resta esperar para saber se isso vai passar adiante ou não. Ser o primeiro, ora!. Mister Puma, acrobata urbano.

Esse salto por sobre os trilhos do metrô parisiense é realizado sem instrumento, enquanto, no filme citado, o salto, feito com ajuda de patins, já parece muito difícil. O corpo torna-se então o suporte essencial da novidade. Mais ainda, a imitação do animal, - ocorrência que amplia a dificuldade do salto-, reforça seu caráter inédito e surpreendente. Essa imitação animal participa do desvio estético que o artista busca. Além disso, nesses vídeos, ele joga com o princípio de surpresa visual. Ele mobiliza um princípio de inversão quase sistemático. Ele aparece, por exemplo, em equilíbrio sobre as mãos (“plantando bananeira”, como se diz no Brasil) sobre bancos, assentos e

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degraus de escadas rolantes. Essas posturas invertem a ordem corporal (a posição em pé), usual nos espaços públicos. Ele se endireita, fica parado ou passeia de cabeça para baixo enquanto os passantes caminham. A referência animalesca, neste caso o puma, permite igualmente sustentar uma argumentação ideológica anti-social, até mesmo anti-humana, algo que não desenvolveremos aqui (HÉAS, 2010). A novidade assume o caráter de uma estranheza cultivada, como algo reafirmado por vários experts entrevistados. O mundo animal, mais uma vez, é tomado como modelo. Distinguir-se enquanto exceção humana significa, às vezes, como curiosa provocação antropológica, assemelhar-se a um animal, no caso mencionado antes, a serpente, mas também um animal saltitante não-identificado:

E isso se parece a que? A muitos animais rastejantes, que levantam do solo, eu caio muito, e assim chego a fazer tudo isso com uma fluidez e uma impressão de desenvoltura para as pessoas, que parece um pouco extraordinário. O que impressiona muito as pessoas e me permite ficar bem à vontade, rolar, subir, rastejar, dando a impressão de uma grande facilidade; acho que é isso que impressiona muito as pessoas. I. Le Marec, dançarina. A novidade pode ser proveniente da defasagem entre o visual e o auditivo. Assim, imitar as mulheres quando se é um homem, e cultivar essa defasagem sem pintar-se de mulher torna-se uma vantagem maior:

Na verdade, aquilo foi bem simples. Eu vi um desconhecido aparecer no programa de rádio de Michel Drucker, e pensei: “se ele faz isso, por que eu não conseguiria?”. Eu enviei uma carta e uma fita cassete. Entrei numa brecha que não era ruim... que ninguém tinha trabalhado na época, que era: o primeiro imitador a fazer voz de mulheres. E eu faço também a voz de alguns caras. Patrick Adler, imitador. Em conclusão, para além da novidade característica, nota-se que minimizar a exploração é um dado frequente no discurso dos artistas do corpo. Pois eles sabem, de maneira pertinente, que proezas podem ser sempre superadas. Daí a importância de ser o primeiro ou o único a ter experimentado tal ou tal acrobacia, tal ou tal performance. Ser um pioneiro não é visto com indiferença. Abrir os caminhos de experiências ou de exercícios corporais é uma busca infinita. Face à multiplicidade de usos corporais, gabar-se de praticar um deles ou até mesmo de tê-lo iniciado, resulta tornar-se um “pai simbólico” para os demais artistas. Essa evocação não deixa de ter implicações, mesmo sem apelar para a compreensão psicanalítica do mundo dos

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Homens.

A

expressão

“individualização

simbólica”

caracteriza

essa

postura

desenvolvida por alguns para se caracterizar/distinguir individualmente a partir de símbolos fortes. Em situações dramáticas da vida na rua ou em um abrigo, sem esperança de voltar a viver de maneira autônoma, declarar ter “a coluna vertical FS” (fora de serviço) simboliza essa morte social e essa decadência física (HÉAS et al., 2006). A coluna vertebral não é mais um apoio, ela reflete, de certa forma, a declinação das performances físicas, ou seja, uma individualização extremamente negativa. Com a expertise corporal, observamos tentativas de tornar-se alguém de eminente

singularidade

no

sentido

positivo

do

termo.

Em

suma,

passar

da

singularidade exigida pela ideologia ambiente ao “Grande Singular”, para retomar a fórmula de N. Heinich (1993, p. 29)... Para os artistas inquiridos, a novidade provém também da associação de diferentes expertises corporais. Assim, o cuspidor de fogo-ventríloco pode vangloriarse de ser “normalmente, o único cuspidor de fogo a poder falar ateando fogo na boca” (dixit). O vídeo disponível na internet permite verificar essa associação inédita. Ela acrescenta um valor adicional ao número, mesmo não estando evidente logo ao primeiro olhar20. Ela complica também o trabalho corporal a ser realizado. O fakir destaca uma mesma lógica, insistindo na importância da mágica associada ao seu próprio número. O escultor em pedra também reitera esse ponto, algo que se manifesta na prática, todos os dias, nas oficinas. Sua expertise, junto ao museu do Louvre durante anos, e sua experiência, junto a monumentos históricos, permitem-lhe intervir em oficinas, associando o tamanho das pedras à pintura da tela e à pintura de afrescos. A polivalência, no seio de um mesmo espetáculo, permite assegurar a renovação do exercício corporal. Associar malabarismo, magia, música e equilibrismo torna-se uma marca de fábrica e confirma a busca da criação completa, para além da exclusiva proeza do corpo:

(De que você se orgulha mais?)... talvez da manutenção do trabalho de mágico, eu gosto muito do trabalho de mágico; eu gosto da performance em magia; eu gosto disso; eu gosto... eu me orgulho, na verdade, de um almálgama de coisas que eu faço e que constituem meu espetáculo. Eu trabalho com um espetáculo de uma hora com monociclos etc. Existem idéias, coisas a que eu desenvolvi e das quais me sinto orgulhoso. O fakir aponta que se trata de “sair um pouco daquilo que vemos. Bom, na época eu não via isso em lugar algum!”. Ele fala de seu desafio do esmagamento do

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próprio corpo, ao empilhar sobre ele sacos de cimento. No total, ele suporta 1,8 toneladas sobre si! Quando o expert mantém por vários anos sua busca de excepcionalidade, a novidade às vezes decorre de sua idade. Ser capaz de realizar com 40 ou 50 anos certas proezas representa um orgulho. Algo observado, sobretudo por dançarinas e contorcionistas, mas também por cantores, conscientes da evolução do seu timbre vocal ao longo do tempo. Continuar praticando no mesmo alto nível de expertise tornase uma motivação suplementar. O yogi, Maurice Daubard, relembra tais fatos corporais como troféus, destacando sua idade com frequência, o que enfaticamente distingue seus feitos dos feitos dos outros:

Você viu no site?! Eu fiz Dakar/Katmandou de mountain bike. Você conhece muitas pessoas que fazem isso aos 70 anos? Aos 71? Já é uma prova extrema. É verdade, eu me vangloriao mas, quer dizer, a atividade física, o trabalho corporal, o treinamento etc. é toda uma cultura. Eu sempre troquei de esporte, de atividade esportiva, não é?! Entre mergulhador de grandes alturas, eu fui salva-vidas, faixa preta de judô, fui goleiro, não consegui me tornar profissional etc etc. E depois, em seguida, permaneci uma hora no gelo. É o recorde do mundo, enfim, foram os jornalistas que disseram, os tibetanos conseguem fazer melhor que isso. Eu fiz a maratona das areias21, eu corri com 68 anos. Manter a exigência sobre seu próprio corpo, transformado em alter ego, produzir o novo sempre, torna-se, ao mesmo tempo, uma corrida desenfreada e asseguradora. De fato, a experiência corporal acumula-se. De algum modo, ela permite a realização das economias de escala, ou seja, o capital das experiências facilita a realização de proezas e a própria possibilidade de buscar novos desafios. A criação, ao mesmo tempo technè e poiesis, é o graal procurado por muitos dentre os artistas. O orgulho está logicamente no momento em que o projeto culmina em algo e recebe elogios de seus pares, e à vezes do público que pode assistir a essas novidades e beneficiar-se delas. A novidade ou a raridade corporal é marcada com o selo do expert, quase que infinitamente. A denominação específica e, por vezes, nominativa de um movimento, de um perfume, de um prato, de um som etc. cristaliza essa personificação da excelência. Nada nem ninguém poderá tirar-lhes esse primor corporal... que é o que dá todo o seu perfume, todo o seu valor aos olhos dos profissionais.

Acompanhar as celebridades, formar e participar da celebridade A celebridade singulariza esses Excelentes, ao menos durante o período de

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exposição midiática. Essa presença nas mídias é o que distingue os profissionais da excelência corporal uns dos outros. A celebridade recobre também sobretudo o fato de viajar ao exterior e de ter marcado uma técnica corporal com seu próprio selo. Esses artistas não são insensíveis à celebridade, e muitos a evocam como elemento de orgulho profissional integralmente voltado para eles mesmos ou para seus próximos. Ser célebre permite viajar pelo mundo graças à excelência corporal. Estar engajado fora das fronteiras comprova o interesse do trabalho corporal desenvolvido por muitos anos. Sobretudo quando, por exemplo, é desvendada a falta de possibilidades profissionais nos países francófonos. Tudo ocorre como se os experts se sentissem outsiders em seu país. P. Dupont também declara que: “na França, a dança não atrai o interesse da mídia. E mesmo que a cultura francesa impregne e irrigue o mundo da dança por toda parte – em alguns países, alguns termos técnicos só existem em francês –, essa mesma arte, na França, permanece espantosamente ausente da vida pública” (2003, p. 227). Muitos experts corporais também apontam tal fato. Os mímicos, funambulistas ou até mesmo os imitadores de animais estão conscientes desse baixo reconhecimento profissional na França ou na Suiça. Logo, conhecer o sucesso internacional torna-se um motivo de orgulho não-dissimulado:

Eu tenho orgulho do número que fiz com as Mandragores22, minha parceira. Esse... esse é um número que funcionou muito, muito bem, a gente trabalhou muito, em toda parte, no exterior, na França, sobre grandes espetáculos. Claire Joubert, contorcionista dos Mandragores23

A execução de um “número” (nesse caso, um encadeamento de exercícios de contorção) que atrai público no exterior legitima a trajetória do expert . O duo permitiu que as duas contorcionistas fossem particularmente valorizadas. Essas singularidades se uniram, para compor apenas um tempo da performance artística. Ora, essa singularidade não era tão corrente no mundo do circo. Durante muito tempo, os circos privilegiaram a lógica do grupo, da insígnia patronímica (Gruss, Fratellini, Zavatta) mais do que a das individualidades... sobretudo quando elas são exteriores ao mundo circense. Essas duas contorcionistas são tão conhecidas que se tornaram guias e exemplos, inclusive para outros artistas entrevistados. A exposição midiática e o sucesso permitem, então, presumir sua aura e tornar-se, ao menos por um tempo, referência da profissão. Um mímico também destaca a importância do sucesso internacional que

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contrabalança seu relativo insucesso na França. Ser célebre em um lugar diverso do seu país de origem permite que se encare melhor o fraco reconhecimento nacional:

Na Suécia, na Dinamarca , quando temos a impressão de ter trabalhado bem, de maneira séria, com todo coração e há um estrondo de aplausos de 1500 pessoas, é verdade que nesse momento afundamos em lágrimas. Quando vemos uma pequena criatura de 5 anos que te traz um buquê de rosas em cena, não dá pra ficar insensível... Sime, mímico, 67 anos24. A emoção é palpável nos nesses pontos. Ela é associada à performance, reconhecida num quadro de prestígio em um país que respeita essa prática corporal. Esse tapete vermelho desenrolado para os mímicos no norte da Europa contrasta com o fraco reconhecimento no solo da França. Tal emoção aumenta o orgulho, ao mesmo tempo em que pode aprofundar a amargura desses experts face às condições apresentadas pelo seu próprio país. Enquanto existir tal defasagem, os experts desenvolverão então uma argumentação política e cidadã em torno da própria importância da cultura, notadamente da cultura corporal na vida humana. Nada menos que isso! O sucesso internacional é então uma prancha de adeus para certos Excelentes. Uma vez no corpus, trabalhar no exterior não chega a ser condierado como um grande desafio. Persistir em deixar “sua marca” na França e ter sucesso, alternando com turnês no exterior constitui um equilíbrio interessante. Os ecos da atividade profissional no exterior aparecem de forma clara somente para outros experts:

Escuta, sua carreira artística você pode defini-la um pouco. Você pode definir um quase nada,, eu tenho amigos artistas que trabalham somente no exterior; que ficam 6 meses na Alemanha, 3 meses na Austrália. Eu não me esforcei nesse sentido. Então, de tempos em tempos tenho viagens ao exterior; tenho um agente no Japão que possibilitou que eu trabalhasse muito no Japão, fui muitas vezes; fiquei 4 meses em 2005. Cada ano, faço duas, três ou quatro viagens ao exterior, como a Espanha, Marrocos, Itália, Alemanha. Vou de tempos em tempos ao exterior. Nesse momento, tenho uma proposta para 4 meses na Rússia em 2010. Eis aí, recebo propostas de tempos em tempos. Fui à Argentina, à Eslovênia. Sim, mas é pontual. Duas ou três vezes por ano. Não é uma carreira internacional como alguns que fazem isso o ano todo, como você vê.. Pascal Rousseau, equilibrista.

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O prestígio do lugar também conta muito. As capitais européias, os grandes palcos etc, elevam a grandeza dos experts, e consequentemente seu orgulho profissional. Paris, por exemplo, permite estar no centro dos holofotes. O magnetismo da capital francesa é reconhecido por grande parte dos entrevistados, dos quais alguns são estrangeiros:

(Agora que você possui uma carreira consagrada, como é que eles vêem sua trajetória?) Bem, eles esperam com impaciência para me aplaudir em Paris, vir me ver em Paris, por exemplo, vir me ver. Eles me desejam coragem. Helena Ferra, mímica profissional. O itinerário de certas atividades profissionais não exclui o interesse pela demonstração das qualidades corporais em lugares reservados à alta cultura. Ao contrário. Produzir-se em um desses lugares míticos marca o profissional, e permite que o artista se venda melhor em outros locais. A passagem por lugares importantes impregna a trajetória profissional do artista com um selo quase indelével:

Eu sou em parte itinerante, mas já trabalhei de muitas maneiras; ou sou contratada para me inserir num espetáculo, como quando trabalhei no teatro de Chatelet, por exemplo - e foi um orgulho, já que o entrevistador quer que falemos de orgulho; ou senão eu trabalho sozinha: recentemente elaborei um número meu... Emma Richard, contorcionista. “Fazer” (poiesis) tal cena ou tal emissão, como Le plus grand cabaret du monde na televisão francesa ou mesmo apresentar-se no Olímpia, cenário mítico de Paris, por exemplo, constituem passagens marcantes em uma carreira. Às vezes, o orgulho repousa sobre a novidade, como vimos, à qual se adiciona a própria celebridade dos modelos. É o caso da imitação, seja ela humana ou não. Imitar um animal obscuro que não pertence ao panteão animalesco é uma lógica pouco vantajosa do ponto de vista simbólico. É necessário todo o brio e toda a animação e a imaginação desenfreada de um Michel Leeb (1988) para permitir que o zangão e a mosca sejam elevados na escala dos valores animalescos. A imitação é mais fácil quando a pessoa imitada possui um certo renome:

(E de qual performance você mais se orgulha?) Ah, não sei (tom de irritação). No começo, com certeza das mulheres, porque éramos poucos a fazer isso, e depois para o resto; eu não sei quantos aos caras como Poelvoorde. Eu sou muito bom em tudo o que é relacionado à voz desafinada, é verdade que

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nesse registro eu não me dou mal. P. Adler, imitador, principalmente de mulheres. O sucesso do modelo de imitação reflete, de alguma forma, no performer vocal. A carreira de B. Poelvoorde não pára de florescer. O leque de papéis cinematográficos constitui uma benção para o imitador que pode jogar com diferentes facetas da personagem pública: inquietante, satírico, paspalho, sentimental etc. Esse extrato do entretenimento ao vivo não é um caso isolado sublinhando a vantagem de inspirar-se em uma personagem célebre. Na França, Yves Lecoq, por exemplo, imita desde já faz décadas as mesmas personagens25. Seu reconhecimento profissional há muito tempo está relacionado com o sucesso de seus modelos, para além de suas idades técnicas: Patrick Poivre d’Arvor (apresentador de jornal televisivo), Jacques Chirac (antigo prefeito de Paris e presidente da República) ou Johnny Halliday (cantor “nacional” por excelência). A longevidade excepcional das carreiras do jornalista-escritor, do homem político e do cantor garantem o interesse pela imitação de suas vozes. O expert tornase inevitável, ao menos enquanto os modelos atraírem o público. Jacques Chirac chega até mesmo ao desafio de fazer com que falem dele ainda mais agora, quando está oficialmente fora da política do que no momento em que estava diretamente no poder. Provavelmente, a influência da marionete e do trabalho de imitação de Yves Lecoq não sejam totalmente independentes dessa aura (humorística) mantida há mais de trinta anos. Nesses dois casos, o imitador não estabelece uma relação direta com seus modelos (em todo caso, não em cena nem vida pública). Às vezes, o orgulho profissional redobra no contato com os modelos imitados, e, de alguma forma, com seu acordo e benção. Assim, Michael Gregorio, apresentado há pouco tempo como o herdeiro digno de Thierry Le Luron26, não se manteve insensível ao elogio de Lara Fabian quando ela elogiou suas qualidades de imitador, e sobretudo as de cantor: “Isso supera a imitação, é uma verdadeira proeza. Magnífico!”. O imitador e a cantora original apresentaram-se logo em seguida juntos em duos televisionados. O imitador tornou-se cantor e parceiro de cena, ultrapassando o papel por vezes limitado de simples imitador. É necessário dizer que ele também toca diferentes instrumentos musicais, o que certamente permite

que ele passe de uma categoria à outra de

maneira mais fácil. Ele tornou-se célebre também pela sua imitação bocal de guitarra com forte distorção... sobre o modelo mítico de um Carlos Santana ou de um Jimmy Hendrix27. Mas a celebridade que coloca em evidência o artista do corpo não provém unicamente de modelos vivos ou recentes. Podem ser figuras antigas, muito antigas

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até. Elas ilustram uma certa herança histórica, nacional, quase-mítica. É o caso de personagens da comedia dell’arte no teatro em geral e no mímico em particular:

Bom, acho que em minhas peças de teatro, nas minhas três peças de teatro de mímica, eu fico bastante dividido. Tem o Augustinho, que é um personagem relativamente aparente, mas que é técnico, Pierrô, talvez, que é técnico e histórico também. Assim, dos dois, talvez seja Pierrô o que teria minha preferência; quanto ao público, sem dúvida eles gostam mais do Augustinho que está mais próximo deles, não tem histórico, não tem referência. Para Pierrô, é necessário conhecer um pouco a comedia dell’arte, há a utilização de máscaras, há a mímica pura de Pierrô. No nível qualitativo, eu coloco o Pierrô acima de tudo aquilo que eu faço, sabe... Sime, mímico, 67 anos. A historicidade do modelo atinge todo seu valor e reforça o prestígio do expert contemporâneo. “Ter um histórico e uma referência” permitem assentar o personagem retomado em mímica séculos mais tarde. Tal referência confirma o estatuto artístico do expert contemporâneo que o retoma por sua conta, modificando-o. Mobilizar tal herança teatral torna-se um vetor de reconhecimento profissional, e, no momento em que o espetáculo corporal funciona, ele nutre e cristaliza o orgulho sentido pelo principal interessado. A mesma competência profissional, no caso do escultor e do pintor, manifesta-se em nome dos monumentos históricos:

Não, não, eu acho-a interessante. Há uma outra que eu faço, era para Nancy, quando eles renovaram a praça Stanislas, para o aniversário da morte do rei. E então, eu trabalhei na escada de honra, e havia no alto um efeito de ilusão de ótica arquitetônico, teatral; e no meio dessa escada, uma grande porta tinha sido perfurada para dar acesso ao museu de Belas Artes que estava atrás. Nessa operação, eles decidiram tapar os buracos dessa porta, recriando a decoração de origem. D. H., antigo copista do Louvre, pintor, escultor em pedra.

A celebridade pode permitir também viver melhor situações menos gloriosas, de modo pessoal. Acompanhar os valores ascendentes da cena como o slamer Grand Corps Malade permite compensar o descomprometimento progressivo na própria carreira. Ser o amigo das estrelas torna-se um substituto da vida profissional que teria sido possível. Ou melhor, quando um aluno torna-se célebre, o orgulho age por procuração sobre o antigo professor:

Particularmente, eu tenho uma parceira que é, de fato, um clown, e ela

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queria incluir Beat Box no seu show. Eu a vejo na TF1 ou no Attention à la marche28 no France2, e ela faz um pouco de Beat Box. É um orgulho para mim pensar que fui eu que a ensinei. T. K., beat boxer amador.

Essa transferência é corrente no meio artístico, mas também no meio esportivo entre o treinador e o treinado. O mentor é realçado pelo sucesso de seu “pupilo”. O mais jovem valoriza o trabalho do ancião, e às vezes, do ascendente. A celebridade adquirida pelo corpo desenvolve tais tipos de transferências simbólicas. Quando a trajetória do expert do corpo é dificilmente aceita pela família de origem, o acesso à celebridade permite, de certa forma, melhorar as coisas, restabelecer os contatos entre pais e filho. Após golpe da desilusão paterna, a celebridade do filho atenua os rancores, as incompreensões passadas por parte dos pais:

Minha família, sim, eu sou, de fato, a antítese da minha família. É um drama para eles, mas eles são obrigados a aceitar. E, ao mesmo tempo, quando amigos dos meus pais ouviram falar de mim, meus pais ficaram bem orgulhosos do que faço; no momento, eu me apresento em Bordeaux, e eles estão orgulhosos, mas é mais perigoso do que ser farmacêutico, é menos seguro, digamos assim. Jean Boucault, imitador de pássaros, 30 anos.

A celebridade atua como um unguento, um bálsamo, que permite aos pais desse imitador de pássaros fazer o luto daquilo que eles tinham projetado para seu filho do ponto de vista profissional: ser farmacêutico como seu pai e como seu avô, antes dele. O trabalho na farmácia é substituído por uma peregrinação artística ao longo de encontros e cenas. À estabilidade e ao reconhecimento local é tentado ou preferido um reconhecimento nacional que não possui as mesmas seguranças financeiras, mas permite aberturas insuspeitadas...

À guisa de conclusão Com esses temas do orgulho profissional, confirma-se uma certa dissimetria destacando

a

singularidade

dos

Excelentes

face

aos

Outros,

a

massa

dos

desconhecidos. A singularidade artística é especificada e hiperbolizada em certos casos, visto que alguns entrevistados são os únicos no mundo a conseguir esta ou aquela proeza. Outro orgulho é destacado pelos inquiridos. A ênfase é colocada

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sobretudo no diálogo e na co-construção das proezas; o que transforma esse orgulho em uma lógica mais partilhada, menos egocêntrica. Certos artistas, embora muito singulares, priorizam

uma abordagem coletiva, para além de própria existência

corporal há muito reconhecida. Prova de que o artista singular não se deixa encapsular facilmente em uma única categoria, mesmo sendo ela a da singularidade. A emoção partilhada diretamente no contato do corpo é, sem dúvida, o vetor principal dessas trajetórias de artistas. Desse modo, esses percursos profissionais são artísticos do começo ao fim. Eles encantam e reecantam o mundo (GELL, 1994), e mais amplamente, as relações humanas. As proezas artísticas tranquilizam o público quanto à capacidade humana de viver em bom entendimento e harmonia, consigo próprio e com os outros. Elas cristalizam figuras humanas positivas, que visam ao bom humor, ao relaxamento, ao lazer. Será que ao menos algumas dessas técnicas artísticas não possuem uma real função antropológica? Não será possível estabelecer um paralelo entre essas situações estatutárias e o papel social fundamental de certas figuras? O imitador, o clown, o humorista, o equilibrista, até mesmo o fakir, não simbolizam ou não incarnam figuras sociais particulares ao olhar do poder social? Andar sobre pregos, manter-se em equilíbrio (“sobre a corda bamba”), tornar piada os personagens importantes, a vida humana em geral, são figuras muito fortes e muito próximas. Elas violam a ordem, valorizam a marginalidade, o prazer associado ao sofrimento etc. Elas instituem mudança subvertendo os quadros estabelecidos (BALANDIER, 1988), incluindo os quadros corporais e estéticos. Essas práticas refletem uma inclinação entusiasta, uma desordem salutar, em todos os casos uma desordem corporal, no sentido em que a maioria é incapaz de agir daquela maneira, àquele ponto, com um tal comprometimento de todos os instantes... Mais amplamente, elas violam o ambiente geopolítico mundial preenchido por dramas, catástrofes e por vezes atrocidades. Essas análises circunscritas e originais buscam completar, enfim, com eficácia, as empreitadas científicas que tendem à desencantar o mundo sublinhando os obstáculos, os efeitos perversos, as dominações e as lutas de poder...

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Como citar esse artigo HÉAS, S. O orgulho dos artistas dos corpos: entre doenças do ideal, techne e poiesis. Tradução de Rodrigo Charafeddine Bulamah. IN: Proa – Revista de Antropologia e Arte [on-line].

Ano

02,

vol.01,

n.

02,

nov.

2010.

Disponível

em: http://www.ifch.unicamp.br/proa/ArtigosII/stephanePT.html , acesso em: dd/mm/aaaa.

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Notas 1 N.T.: Optamos pela tradução do termo fierté, em francês, para orgulho, em português. Deve-se levar em conta que a tradução é aproximativa, visto que o termo em francês recobre significados mais amplos do que o correspondente. Fierté pode ser entendido ao mesmo tempo como vaidade, nobreza, brio e orgulho, sendo não só um sentimento adquirido, mas algo que motiva ações e delimita posturas. Além disso, no artigo em francês o autor algumas vezes utiliza o termo no plural dando a entender que existem vários tipos de “orgulho” que são construídos nas trajetórias artísticas do grupo em questão. 2 Este trabalho de pesquisa contou com o apoio da ANR-08-VULN-001-PRASGEVU que focaliza as vulnerabilidades ligadas ao gênero nas atividades físicas, esportivas e artísticas. 3 N.T.: O termo em francês spectacle vivant não encontra tradução precisa em português, sendo uma expressão que agrega práticas de teatro, dança, circo, improvisação corporal e cênica, tais como o malabarismo, o canto, a mímica, o teatro de rua, a pirofagia, o teatro de sombras, o teatro de bonecos etc. 4 Não é apresentado aqui o orgulho coletivamente reivindicado sob o modelo da manifestação pública ou aquele do Gay Pride por exemplo. 5 N.T.: Trata-se de competição muito popular na França em que ciclistas eventualmente enfrentam obstáculos e trechos diversos. 6

J. C. Guillebaud, 2009. “On vous voit partout”, Téléobs, nº2344, p.50.

7 Essa foi uma das razões que me incitaram a não preservar totalmente seu anonimato. No mais, o pedido da revista PROA de apresentar links de vídeos disponíveis de seus espetáculos reduziu, de fato, as precauções habituais de pesquisa. 8 A evocação de uma “doença do ideal” está presente em um conto de Mallarmé, Igitur, o.c., I, p.148. Mais recentemente, essa problemática reapareceu em 1973 em um número da Revue Française de Psychanalyse, volume 37, n. 4-6, p. 1007. 9 A deputada do UMP (União por um movimento popular, partido fundado em 2002 na França [N.T.]) V. Boyer e outros cinquenta signatários fizeram essa proposta em setembro de 2009. Segundo o cronista R. Revel, “a fim de evitar as representações errôneas da imagem do corpo que ‘podem conduzir as pessoas a crer em realidades que frequentemente não existem’, a fim de também ‘colocar um fim às representações esteriotipadas da mulher’, todo retoque a uma imagem comercial de mulher deverá ser assinalada, tudo que camuflar rugas, pneus. Sendo visadas as revistas, os cartazes políticos, as propagandas, as embalagens”. http://blogs.lexpress.fr/media/2009/09/ubu-loi-image-retouchee-mentio.php 10 Citado por F. Danvers (2009). S’orienter dans la vie: une valeur suprême?, Lille, Presse universitaire du Septentrion, p. 241. 11 M. Cacciari, “Salut eclat.net/lyber/cacciari/dran/1salut.html

qui

25

tombe”,

http://www.lyber-

O orgulho dos artistas do corpo: entre doenças do ideal, techne e poiesis, Stéphane Héas Revista Proa, n°02, vol.01, 2010. http://www.ifch.unicamp.br/proa

12

N.T. : No original, “mise en jeu/je corporelle”.

13 Resposta à múltipla escolha. I.e., em que os s indicaram por vezes seu orgulho em ter batido um recorde, mas também seu comprometimento na difusão de sua técnica, por exemplo. 14 Não desenvolveremos aqui tal ponto, já que esse orgulho trata sobretudo dos experts corporais mais próximos de meios esportivos do que do mundo das artes corporais tradicionais... 15 Esse espetáculo pode http://www.youtube.com/watch?v=Psf70qby4PA

ser

visto

em:

16 N.T.: Emissão de TV transmitida pelos canais France2 e TV5MONDE, em que alternam-se apresentações de malabarismo, mágicos, acrobatas, equilibristas etc e discussões diversas, apresentada por Patrick Sébastien. 17

Existem espetáculos de contorção nudista.

18 http://www.dailymail.co.uk/news/article-508700/Meet-Snake-girl-contortionist-getting-circus-audiences-twist.html. Diferentes vídeos dessa artista são visíveis, por exemplo, em : http://www.youtube.com/watch?v=Qz4bX9fJ1FQ

19

Por exemplo em: http://www.youtube.com/watch?v=rxCZz2r1SoU

20 http://www.dailymotion.com/video/x5nuxp_highest-flame-blown-by-a-firebreat_sport 21 N.T.: A maratona das areias é uma competição anual realizada no sul do Marrocos em que corredores fazem normalmente um percurso de 230km. 22

N.T.: Grupo de mulheres que realizam apresentações de contorcionismo.

23 Mandrágora é um nome associado a uma planta frequentemente relacionada ao mundo da bruxaria. 24 Como exemplo de vídeo http://www.youtube.com/watch?v=WG5o5aqX3TY

desse

mímico,

temos:

25 No outono de 2009, ele dedicou-se a uma relativa diversificação das personagens públicas que ele imita. Esteve em cartaz, do 01 ao 30 de outubro de 2009, Yves Lecoq em L’impolitic show, na sala Gaveau, Paris. 26 N.T.: Imitador, cantor, humorista e apresentador de rádio na França, faleceu jovem, aos 36 anos, no auge de sua carreira. 27

http://www.youtube.com/watch?v=ORT-1sTu85A

28 N.T.: Attention à la marche é um programa televisivo, apresentado por JeanLuc Reichmann, em que os participantes têm de passar por provas diversas.

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