\"O Outro e as Outras\": Discutindo a Condição de Subalternidade em Niketche

July 15, 2017 | Autor: Luciene Rêgo | Categoria: Identidade, Feminismo Negro, Relações de Gênero, Subalternidade
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“O OUTRO E AS OUTRAS”: DISCUTINDO A CONDIÇÃO DE SUBALTERNIDADE EM NIKETCHE Luciene do Rêgo da Silva1 Fabiana Viana Cruz2 Alcione Corrêa Alves3

Introdução Este trabalho propõe uma análise da condição de subalternidade da mulher negra na obra Niketche (2004) de Paulina Chiziane. Verifica-se a posição subalterna presente no desenrolar da trama e a tomada de consciência por parte do Outro e da protagonista juntamente com as Outras personagens. Há uma sugestão estratégica de enfrentamento a esta condição na narrativa. Destaca-se a importância das relações de gênero para a articulação do Feminismo Negro em Moçambique. Nosso objetivo é analisar a condição de subalternidade da mulher negra na obra Niketche (2004), enfatizando a importância da noção de identidade e das relações dialógicas para a mudança desta situação da mulher.

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Graduanda no curso de licenciatura plena em letras - língua e literatura portuguesa e francesa da Universidade Federal do Piauí. Colaboradora no Projeto de Pesquisa Teseu, o labirinto e seu nome. Email: [email protected] 2

Graduanda no curso de licenciatura plena em letras - língua e literatura portuguesa e francesa da Universidade Federal do Piauí. Colaboradora no Projeto de Pesquisa Teseu, o labirinto e seu nome. Email: [email protected] 3

Orientador. Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí. Coordena o Projeto de Pesquisa Teseu, o labirinto e seu nome, além de integrar a rede internacional de pesquisadores Diálogos en Mercosur. Email: [email protected]

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Metodologia Durante esta pesquisa foi feito um levantamento bibliográfico, leitura e fichamentos de textos teóricos que discutem as construções identitárias, tais como: Identidade, Cultural e Educação (1987) de Maria de Lourdes Teodoro e A Identidade Cultural na Pós-Modernidade (2011) de Stuart Hall. Os sujeitos subalternos são estudados a partir de:Pode o Subalterno Falar? (2010) da autora Gayatri Chakravorty Spivac. As relações dialógicas entre os sujeitos são compreendidas a partir do texto, Reformulação do livro sobre Dostoievski. In: Estética da Criação Verbal de Bakthin (2003) e a análise da suposta sugestão estratégica de enfrentamento à condição subalterna vivenciada pelas personagens toma como pressuposto teórico, Enegrecer o Feminismo: A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma Perspectiva de Gênero de Sueli Carneiro (2003).

Resultados e discussões Em Niketche a protagonista, Rami, percebe que não é a única mulher que passa pela situação de desprezo e abandono de seu homem e observa que esta é uma realidade das mulheres pobres da sua localidade. “Um desfile de mulheres vem ao meu encontro. Consolam-me. Dona Rami, as crianças são assim. Elas falam das crianças e do vidro partido. E falam também dos maridos ausentes que nem cuidam dos filhos.” (CHIZIANE, 2004, p. 12). Nesse sentido, ao abordar-se a condição subalterna da mulher, na obra, constatase que a protagonista sai da condição de inferiorizada e a partir desta tomada de consciência há um auto reconhecimento de sua identidade como mulher e a conscientização das outras mulheres envolvidas pelo seuesposo em um relacionamento poligâmico. Rami promove um encontro entre essas mulheres, que formam,ao seu modo, uma família e partilham juntas dos seus sofrimentos. Juntas essas mulheres confrontam a condição do protagonista masculino e discutem suas situações. “ Obrigado, meu Deus, o meu plano deu certo. Todas estavam traiçoeiras como serpentes. Suaves como a música da alma.(...) No rosto de Tony surpresa, vergonha, lágrimas e raiva. (CHIZIANE, 2004, p.108). O reconhecimento dos processos de construções identitárias do eu lírico, na obra, ocorre através da escrita ficcional ou autobiográfica da autora e caracteriza-se

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como uma forma inovadora constante em suas narrativas. Essas narrativas possuem um caráter de crítica ao Cristianismo, a qualse percebeque, de certa forma, é disfarçada,porém profundamente arraigada na sociedade moçambicana. Evidencia-se o papel da protagonista em relação a crítica àsrelações de gênero que permeiam sua sociedade,mostrando o pensamento bíblico sobre as mulheres,questionamentos sobre a existência de Deus e da igreja remontando a idéia de que as mulheres são nutridoras de maldades e injustiças: Até na Bíblia a mulher não presta.Os santos,nas suas pregações antigas,dizem que a mulher nada vale,a mulher é um animal nutridor de maldade,fonte de todas as discussões,querelas e injustiças.É verdade.Se podemos ser trocadas,vendidas,torturadas,mortas,escravizadas,encurraladas

em

haréns

como gado,é porque não fazemos falta nenhuma. (NIKETCHE,2003,P.68).

Diante desse jogo de identidades,as diferenças culturais são confrontadas,as mulheres constroem na sua própria fala, há a conscientização da submissão do gênero feminino ao masculino. Ao patriarca é atribuído um caráter dominador da figura feminina e detentor do poder cultural. Partindo da definição

dada por

Chiziane(2003,p.96), de que a poligamia é uma nova forma de “escravatura”,nota-se que a situação da

mulher em

Moçambique continua a ser

influenciada

predominantemente pela tradição,por atitudes e estruturas do passado,demonstrando que esse romance dialoga com o contexto sociocultural Moçambicano. O trecho a seguir mostra uma comparação entre os hábitos culturais do norte e do sul,contribuindo para uma melhor compreensão das individualidades existentes entre as duas regiões de Moçambique: As mulheres do sul acham que as do norte são umas frescas,uma falsas.As do norte acham que as do sul são umas frouxas,umas frias.Em algumas regiões do norte,o homem diz:querido amigo,em honra da nossa amizade e para estreitar os laços da nossa fraternidade,dorme com a minha mulher esta noite.No sul o homem diz:a mulher é meu gado,minha fortuna.Deve ser pastada e conduzida com vara curta. (NIKETCHE,2004,p.36).

Sobre o conceito de subalternidade,Spivak afirma que o processo de fala se caracteriza por uma posição discursiva,por uma transação entre falante e ouvinte.De acordo comSpivak (2010, p.13)considera-se que este espaço dialógico de interação não se concretiza para o sujeito subalterno que, desprovido de poder de agenciamento,de

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fato, não pode falar.Através da análise desse trecho,percebe-se,também que o romance se articula ideologicamente,ou seja, a consciência do Outro e das Outras é evidenciada na narrativa,onde as relações dialógicas entre os sujeitos podem ser compreendidas e investigadas e colaboram para as re-significações e construções identitárias das personagens. As relações dialógicas podem ser verificadas através das falasdos personagens, bem como das comparações entre as mulheres do Norte e as mulheres do Sul e suas identificações e diferenciações, como no trecho a seguir: “ – Mulheres bonitas só no norte, seus machanganas! As nortenhas são livres. As nortenhas são belas As vossas mulheres pesadas e grossas , têm o rabo grande de comer tanto amendoim! (CHIZIANE, 2004, p. 206).

Considerações finais Considerou-se neste trabalho a condição de subalternidade da protagonista e das outras mulheres da obra e suas identificações através das relações dialógicas existentes ao longo da narrativa.Esta condição vai sendo modificada pelas mulheres através dos constantes diálogos e confrontos. A protagonista, Rami, encabeça estas mudanças perguntando-se por vários momentos sobre sua própria condição e tomando consciência de sua desvantagem em relação ao esposo, promove discussões entre as mulheres envolvidas. Posteriormente estes questionamentos são levados ao protagonista, que de lugar de controle passa a ocupar um lugar de questionado e se depara com mulheres que antes subalternas passam a ser protagonistas de suas vidas e relacionamentos.

Referências BAKHTIN, Mikhail. , Reformulação do livro sobre Dostoievski.In: Estética da Criação Verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 333-357. CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o Feminismo:A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma Perspectiva de Gênero.In:ASHOKA EMPREENDIMENTOS

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SOCIAIS; TAKANO CIDADANIA (Orgs.). Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora, 2003, p. 49-58. CHIZIANE, Paulina. Niketche. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. SPIVAC, Gayatri Chakravorty. Pode o Subalterno Falar?. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, p.19-47. TEODORO, Maria de Lourdes. Identidade, Cultural e Educação. In: Raça negra e educação. São Paulo:Cadernos de Pesquisa/ Fundação Carlos Chagas, n.º 63, nov., 1987, p. 46-50.

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