O outro lado da família brasileira: mulheres chefes de família

June 28, 2017 | Autor: Marcelly Souza | Categoria: Social Sciences
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE DUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE TEORIA E PLANEJAMENTO DE ENSINO ESTUDO DA FAMÍLIA Marcelly Santos de Souza 15 de setembro de 2015 Fichamento nº3 TEXEIRA, Paulo Eduardo. Mulheres chefes de família. In: O outro lado da família brasileira. Campinas: Ed. Unicamp, 2004.

RESUMO O papel da mulher por muitas vezes foi descriminado perante a sociedade, porém as dificuldades de seu cotidiano fizeram com que esta mulher submissa viesse a se posicionar perante a sociedade para chefiar a sua família. Neste artigo, o autor perpassa pelas questões que ocasionam esse posicionamento da mulher, que até então era delegado ao homem. Essas questões são abordadas em três tipos de mulheres, as solteiras, as abandonadas pelos maridos ausentes e pelas viúvas, e ao decorrer do texto iremos compreender como cada uma dessas mulheres com características diferentes se comportam perante este desafio de chefiar uma família. FICHAMENTO A emancipação da mulher foi marcada por diversos fatores até chegar aos dias hoje, “mulheres com marido ausente, viúvas, mães solteiras são imagens de mulheres que elaboraram a independência feminina, mescladas em certo caso, pela solidão” (TEIXEIRA, p.141, 2004). A imagem feminina por muito tempo foi ligada a submissão, no entanto, os acontecimentos que se desenrolavam em meio à vida, fazem com que esta mulher submissa venha se posicionar como chefe de família, levando em si

responsabilidades e atribuições que outrora não pertenciam ao seu papel dentro de uma estrutura familiar. Começaremos então a investigar como a mulher solteira se posicionava perante a sociedade, segundo Teixeira (p.142, 2003) “Essas mulheres, solteiras e chefes de famílias de domicílios, tinham ao menos uma diferença em relação às suas colegas viúvas ou abandonadas pelos maridos: constituíam um grupo – não homogêneo, sem dúvida – que teria a condição de optar ou não pelo casamento, isto é, de livremente decidir sua união com um homem.”.

Essa situação enfrentada por essas mulheres em meio uma sociedade “machista” é bastante complicada, pois enfrentavam julgamentos e eram marginalizadas devido ao seu estado social, por muitas vezes eram tratadas como “prostitutas”, segundo Laura de Melo e Souza, e sofriam com preconceitos oriundos da família, vizinhos e da própria sociedade. (1986 apud TEIXEIRA, 2004) Em um pequeno relato de mulher solteira em 1848, em seu testamento, vemos que Maria da fé de Jesus, “(...) era uma mulher de firmes propósitos, resoluta, com amplo conhecimento em seus direitos (...)” (TEIXEIRA, p.144, 2004), isto nos remete a uma reflexão de que as mulheres casadas nesta época sofriam grande opressão por parte dos seus maridos, visto que ao contrário de Maria, grande parte das mulheres casadas não detinha este esclarecimento, pois eram privadas devido o machismo exercido pelos maridos. Outro fator era a sua condição econômica, dado que o seu sustento era garantido pela sua independência. Nesta época “a maioria das mulheres dependia de seu próprio trabalho e o resultado deste correspondia em ganhos modestos, que muitas vezes permitiam apenas o sustento pessoal e um abrigo humilde nas vilas” (TEIXEIRA, p. 145, 2004). Um dado importante é que igualdade entre a mulher e o marido começou a ser iniciada entre as classes mais ricas, Segundo Stone (1979 apud TEIXEIRA, p.145, 2004),

(...) entre a camada rica, a igualdade do casal começou a se caracterizar a partir do momento em que os dotes foram mais bem regulamentados, indicando o declínio do pátrio poder entre essa camada social na Inglaterra. Porém, entre os pobres, o poder masculino permaneceu até o fim do século XIX.

Esta imagem da mulher submissa retrata “(...) uma construção do ideal feminino do positivismo” (TEIXEIRA, p.145, 2004), que concebe a mulher como um ser inferior ao homem, já que as questões que envolvem o seu cotidiano são voltadas aos afazeres domiciliares. Sua natureza feminina era considerada categoria inferior. Logo, dentro desta perspectiva, o homem era considerado um ser cultural e a mulher um ser natural.

Em 1744, segundo Teixeira (2004), os domicílios com mulheres solteiras eram bastante reduzidos, só havia dois neste período. “Diversas mulheres não declaravam o estado conjugal, mas a presença de filhos nos fogos traduzia relações ilícitas e mesmo de concubinato” (TEIXEIRA, p.147, 2004). Esses relacionamentos eram ocultos, pois não eram aceitos pela sociedade e eram combatidos pela igreja, pois o casamento possuía grande valor social perante a sociedade. Muitos desses relacionamentos ocorriam entre senhores e escravas, que eram submissas aos seus donos. “Portanto, a diferença seria em relação à propriedade, classe, estado conjugal e raça” (TEIXEIRA, p.147, 2004). Segundo Teixeira (2004) casos deste tipo vão se desenvolvendo ao longo do século XIX, e a maioria das pessoas que vivenciam este tipo de relacionamento são da camada mais baixa da população. O autor alerta que entre 1814 e 1829 há uma predominância de brancos como chefes de família e, Seguindo esta tendência da população em geral, entre os chefes de domicílios solteiros houve também um predomínio dos brancos sobre os demais; porém, entre os pardos na condição de solteiros, as mulheres eram em quantidade três vezes superior aos homens, proporção esta que atesta a maior exclusão das mulheres mestiças, porque entre os brancos houve uma igualdade. (TEIXEIRA, p.151, 2004)

Este panorama nos mostra que assim como o preconceito social que estas pessoas sofriam por não terem uma família completa segundo as normas sociais, havia um componente racial, pois neste período vivenciávamos a escravidão, e como consequência deste fato muitos relacionamentos ilegítimos ocorriam na época. Diante desses acontecimentos, vemos que “25% das mulheres eram solteiras eram mães de pelo menos um filho. Dentre essas, 46% tinham menos de 30 anos” (TEIXEIRA, p.152, 2004). Devido a esta situação essas mulheres se veem sozinhas e com a responsabilidade de chefiar os seus domicílios, dado que não havia a presença masculina para ajuda-lás com o sustento e a criação de suas famílias. As mulheres com maridos ausentes são mulheres marcadas pelo desamparo, visto que foram deixadas pelos seus maridos com seus filhos, segundo Teixeira “para a mulher abandonada essa opção era retratada pela esperança de regresso do esposo ou pelo recebimento de uma nota de falecimento” (p.152, 2004). Essas mulheres são as que mais sofriam com a falta do marido, muitas eram casadas há pouco tempo e tinham a responsabilidade de cuidar dos filhos, que muitas das vezes eram pequenos, “essas mulheres tiveram que procurar maneiras de sobreviver sem o auxílio de seus maridos” (TEIXEIRA, p.152, 2004), em razão de serem dependentes de seus cônjuges, as suas vidas seriam modificadas drasticamente, pois deveriam ser responsáveis pela manutenção de sua casa e pelo alimento necessário a sobrevivência. Algumas mulheres além de terem a responsabilidade sobre os seus filhos, tinham a incumbência de supervisionar seus agregados e escravos, segundo Teixeira (p.153, 2004).

Esse modo de viver, de participarem da luta pelo pão de cada dia, de se levantarem e deitarem sob o mesmo teto no decorrer de muitos anos possivelmente levou essas pessoas a criam vínculos afetivos entre si, laços de amizade e solidariedade que quebraram barreiras de cor e condição social, permitindo-lhe uma vida mais branda que, sem dúvida, não se enquadrava nos moldes do mundo masculino da época.

Diversos fatores contribuíam para a saída desses maridos de seus lares, havia alguns fatores forçados como as guerras do Sul, onde os homens serviam com soldados. “O próprio recrutamento levou muitos homens a fugir com destino ao interior e as regiões de Minas” (TEIXEIRA, p.152, 2004). Alguns homens aproveitavam para fugir e acabavam formando outra família, constituindo-se, portanto de poligamia (TEIXEIRA, 2004). Outros casos de poligamia ocorriam entre os portugueses que adentravam na colônia brasileira que, “(...) para mais facilmente se casarem, adotavam nomes falsos, deixando para suas mulheres a tarefa de sustentar e educar os filhos” (TEIXEIRA, p.154, 2004). Entre as mulheres abandonadas a diferença de filhos entre uma mulher viúva era maior, pois as que tinham o marido falecido tiveram uma oportunidade maior de conviver ao lado de seus companheiros, “enquanto as viúvas apresentavam uma média de quase dois filhos por fogo, entre as casadas com marido ausente a média era de um” (TEIXEIRA, p.158, 2004). Essas mulheres abandonadas tinham que arcar com os afazeres para cuidar de suas famílias e algumas delas exerciam a profissão de costureira, porém esta atividade era relacionada com a prostituição, já que, Para os preconceituosos “machistas” uma mulher que recebia em sua casa clientes para fazer encomendas, tirar medidas, provas, ou que saía para compras e entregas forçosamente deveria ser uma prostituta. (TEIXEIRA, p.159, 2004)

Quanto à questão racial nesta época, 65% das mulheres abandonadas eram brancas, “sete eram pardas e apenas uma negra” (TEIXEIRA, p.159, 2004). Enfim, apesar de todas as dificuldades, essas mulheres não poderiam se deixar abater pelo abandono, pois deveriam assumir a responsabilidade de chefiar uma família, isto nos remete a inicialização da mulher no trabalho, mesmo que de uma forma modesta esta mulheres batalhavam pelo o seu e pelo o sustento de suas famílias. Com o avanço da agricultura em Campinas, muitas famílias adentravam neste território para garantir um sustento, neste período à predominância de mulheres que chefiavam os seus lares eram de viúvas, “havia quatro viúvas em 1774, todas vivendo na companhia de seus filhos” (TEIXEIRA, p.162, 2004). A vida dessas mulheres muitas das vezes era precária, pois a vida no campo era difícil, principalmente para uma viúva que já não tinha mais a ajuda de seu marido. “A viuvez caracterizava um estado em que a mulher passava a ser mais independente, o que não significava que elas seriam mais bem-sucedidas” (TEIXEIRA, p.162, 2004), algumas mulheres eram deixadas por seus maridos em uma boa condição de vida, outras já não tinham a mesma sorte,

principalmente as mais pobres, que eram deixadas em condições precárias. Neste caso essas mulheres se viam na responsabilidade de chefiar as suas famílias, e a responsabilidade da criação dos filhos estava totalmente sob os seus cuidados. Algumas mulheres dividiam a responsabilidade da casa com os filhos mais velhos, que serviam de grande ajuda nestes afazeres. Contudo, existiam mulheres mais jovens que eram deixadas pelos seus maridos, e não poderiam contar coma ajuda de filhos, pois eram pequenos, e algumas dessas mulheres ás vezes não chegavam a ter filhos, o que piorava a situação. Segundo Sheila de Castro Faria, “o mais importante para uma viúva pobre se tornar a casar era que tivesse filhos em idade produtiva” (apud TEIXEIRA, p.165, 2004). Para essas mulheres, engatar um novo relacionamento era uma situação complicada, pois um novo marido poderia trazer desavenças com a família do primeiro casamento. “No entanto, os maus-tratos, além de serem uma preocupação que pesava sobre a vida das mulheres, também poderiam recair sobre a vida dos enteados” (TEIXEIRA, p.166, 2004). Casar novamente era uma questão que deveria ser pensada com bastante cautela. Algumas mulheres tinham uma situação confortável, pois eram herdeiras de propriedades e escravos, o que possibilitava uma ampliação em seus bens, outras mulheres não conseguiam gerenciar os seus bens e perdiam todo o seu patrimônio. No período estudado, as viúvas formavam o maior grupo de mulheres chefes de família. Algumas delas eram privilegiadas economicamente, pois haviam recebido uma herança que lhes possibilitava diferenciarse tanto das viúvas quanto das suas companheiras abandonadas pelo marido, e mesmo daquelas que não tinham contraído matrimônio. (TEIXEIRA, p.178, 2004).

Como podemos observar este universo vivenciado por essas mulheres está marcado por dificuldades, já que tiveram de assumir a responsabilidade por suas famílias em um contexto histórico completamente patriarcal e machista. Mesmo com todos os desafios e preconceitos enfrentados essas mulheres contribuíram para a construção de uma independência que só viria a existir séculos depois, porém essas questões nos permite compreender como se desenvolvia o universo feminino e os aspectos da chefia feminina nas famílias.

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