O painel de azulejos de composição geométrica do Núcleo Arqueológico da Rua dos Correiros

June 4, 2017 | Autor: Celso Mangucci | Categoria: Ceramics (Archaeology), Tiles, Azulejo
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Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros

7 O PAINEL DE AZULEJOS DE COMPOSIÇÃO GEOMÉTRICA DO NÚCLEO ARQUEOLÓGICO DA RUA DOS CORREEIROS Celso Mangucci

As composições de azulejaria de xadrez25,1constituídas pela alternância de dois azulejos de cores diferentes, são frequentemente consideradas como a unidade mais simples da relação entre o azulejo e a arquitectura, se comparadas, por exemplo, com as dinâmicas composições da azulejaria de padrão seiscentistas ou com a complexidade gerada pela azulejaria figurativa em azul e branco do século XVIII. De facto, essas composições geométricas com azulejos revelam-nos a simplicidade dos recursos e a eficácia da animação decorativa conseguida pelo movimento rectilíneo da quadrícula e pelo ritmo provocado pela alternância das cores, duas potencialidades inerentes a todos os revestimentos de azulejos. Presentes durante todo o século XVI, os azulejos de uma só cor são também considerados como a unidade mais simples da produção das olarias, exigindo relativamente poucos recursos técnicos, tendo sido importados de Sevilha, mas também produzidos em Lisboa e outros centros regionais, animando uma primeira experiência de produção nacional. Contrariamente ao que se poderia pensar, a única novidade técnica em relação aos vidrados medievais estará na produção de azulejos brancos com a utilização do óxido de estanho como opacificante. Na primeira metade de quinhentos, as composições geométricas de azulejos guarneceram preferencialmente espaços exteriores ou de transição, como as torres e os bancos do nártex das igrejas e as loggias e alegretes de jardins de casas nobres, onde acrescen-

25. Sobre esse tipo de aplicações de azulejaria de carácter geométrico, que mereceriam um estudo sistemático actualizado, veja-se Simões (1990: 90-92) e Meco (1993: 128-133).

tam a resistência de cor e brilho em contraste com a opacidade das cantarias. Para além da aparente simplicidade desse tipo de aplicações, coexiste uma enorme complexidade de soluções decorativas que se adaptam a espaços arquitectónicos com funções específicas mais importantes. É esse o caso dos azulejos em xadrez verde e branco com esgrafitados que decoram várias portas do Paço dos Condes de Sabugal, em Évora, datados de 1551, demonstrando meio século, pelo menos, de longevidade dessa técnica, patente na sua versão mais conhecida e espectacular na Sala dos Cisnes do Paço de Sintra.

59. Azulejos esgrafitados do Paço dos Condes de Sabugal de Évora. Biblioteca de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian. © Celso Mangucci

As decorações cerâmicas do Paço Real de Sintra e da Quinta da Bacalhoa26, em Azeitão, são, aliás, dois marcos cronológicos importantes na utilização de um 26. A importância dos dois conjuntos para a história da azulejaria em Portugal mereceu inúmeros estudos monográficos e parcelares. Veja-se, a título de exemplo, para o Paço de Sintra: Sabugosa (1989-1990), Simões (1990: 57-64) e Meco (1993: 129); e para a Bacalhoa: Simões (1990: 70-71) e a monografia de Joaquim Rasteiro (1895). 67

UMA CASA PRÉ-POMBALINA NA BAIXA LISBOETA

extenso repertório decorativo cerâmico, onde se combinam as mais diversas técnicas de produção de cerâmica vidrada aplicadas à arquitectura civil. No Paço de Sintra coabitam alicatados, azulejos de corda seca e aresta, azulejos relevados e esgrafitados, enquanto na Quinta da Bacalhoa reuniam-se os medalhões escultóricos dos Della Robia, azulejos de aresta sevilhanos e as primeiras majólicas ornamentais e figurativas de produção lisboeta, que contaram provavelmente com a colaboração de artífices portugueses e flamengos. Para além de configurarem encomendas diversas por um período largo de anos, é evidente a intenção de preservarem conjuntos anteriores e de combinarem intencionalmente técnicas mais tradicionais com

61. Painel de azulejos do NARC, in situ.

62. Reconstituição museográfica do painel de azulejos do NARC. 68

60. Azulejos de caixilhos da igreja de Santo Antão de Évora com decorações a ouro. © Celso Mangucci

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63. Azulejo de aresta BCP/Lx 2940. Produção de Sevilha. Primeiro quartel do século XVI.

outras mais modernas, de maneira a construírem um programa decorativo diversificado e erudito. Pelo contrário, a austera simplicidade conotada geralmente com as aplicações geométricas, faz parte de um conjunto restrito de programas do último quartel do século XVI, como é o caso das grandes composições em verde e branco com azulejos recortados que recobrem a nave e a capela-mor da Ermida de São Brás de Évora273(1573), do revestimento em xadrez do refeitório do Colégio Jesuíta de Évora (c. 1579) e, também, na igreja da Misericórdia de Tomar (1594-1595), acompanhando as pujantes cartelas maneiristas do nível superior da nave (Simões, 1990: 137). Só para finalizarmos essa breve abordagem cronológica sobre as composições de azulejos de carácter geométrico, os tratados de arquitectura irão informar as grandes composições de caixilho que decoram as igrejas dos finais do século XVI e do primeiro terço do século XVII, que dificilmente podem considerar-se simples ou desadornadas, já que para além da complexidade estrutural, provavelmente foram complementadas com pinturas a ouro sobre o vidrado, decoração que ainda subsiste numa das capelas colaterais da Igreja de Santo Antão de Évora28.4

64. Azulejo de aresta BCP/Lx 9919. Produção de Sevilha. Primeiro quartel do século XVI. © José Paulo Ruas

Com os azulejos dispostos em linhas diagonais, o fragmento do painel de uma provável residência quinhentista da Baixa lisboeta, que agora apresentamos, combina, de maneira pouco comum, azulejos brancos, verdes e azuis, mas desconhecemos o limite da aplicação em largura e altura, o que dificulta ainda mais a correcta avaliação da importância dessa proposta de revestimento azulejar. Apesar de todas essas circunstâncias e tendo em conta as diferenças na utilização das composições geométricas de azulejaria na periodização proposta, será mais provável pertencerem a uma decoração da primeira metade do século XVI, produzidos pelas olarias de Lisboa, que pretende conferir nobilidade a um espaço residencial da capital do reino. Nesse contexto, os azulejos sevilhanos de aresta igualmente recolhidos no NARC (um dos quais proveniente do entulhamento recente de uma sondagem geotécnica efectuada imediatamente a Sul da casa aqui em estudo) decorados com o tradicional esquema de laçarias hispano-mouriscas, datáveis das primeiras décadas do século XVI, poderão perfeitamente fazer parte de uma outra aplicação inserta no conjunto desta campanha decorativa.

27. Segundo Túlio Espanca (1943: 82) as obras decorreram no ano de 1573, e a colocação dos azulejos foram acompanhadas pela pintura de frescos do tecto e esgrafitos no exterior. 28. Infelizmente a maioria dessas intervenções desapareceu com o tempo ou em virtude de intervenções pouco criteriosas de restauro. Além do exemplo de Santa Antão de Évora, conhece-se o caso da desaparecida igreja de São João Baptista de Alfange, em Santarém (Simões, 1997, vol. II: 157; Meco, 1993: 129). 69

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