O PAPEL DA LINGUAGEM METAFÓRICA NO DISCURSO JORNALÍSTICO

June 4, 2017 | Autor: Roberta Vieira | Categoria: Análise do Discurso, Metafora, Lingüística Cognitiva
Share Embed


Descrição do Produto

Revista Icarahy Edição n.04 / outubro de 2010

O PAPEL DA LINGUAGEM METAFÓRICA NO DISCURSO JORNALÍSTICO Roberta da Costa Santos1

RESUMO: O objetivo desse estudo é evidenciar e caracterizar a relevância da linguagem metafórica nos textos jornalísticos a partir do diálogo entre a Análise do Discurso e a Linguística Cognitiva. Constituímos o corpus com textos dos jornais O Globo e Jornal do Brasil, e os analisamos conforme as teorias citadas. Verificamos que as metáforas são utilizadas como meio de persuasão. PALAVRAS-CHAVE: metáfora; análise do discurso; linguística cognitiva.

ABSTRACT: The aim of this study is to make explicit and characterize the relevance of the metaphoric language in journalistic texts. The theoretical basis combines Discourse Analysis and Cognitive Linguistics. The corpus includes texts published in two newspapers, O Globo and Jornal do Brasil. We identified the metaphorical language found in the data as persuasive strategies. KEYWORDS: metaphor; discourse analysis; cognitive linguistics.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende promover um diálogo entre duas teorias da área da linguagem, a Análise do Discurso e a Linguística Cognitiva. Procuramos investigar de

1

Roberta da Costa Santos é especialista em Linguística Aplicada e mestranda em Letras e bolsista do CNPq.

que forma a metáfora, sendo um fenômeno cognitivo-social, apresenta-se no discurso jornalístico e qual sua relação com a formação discursiva e a formação ideológica. Por conseguinte, pretendemos apresentar conceitos fundamentais das teorias, caracterizar as metáforas no discurso jornalístico e explicitar a pertinência da criação de metáforas novas. A partir dessa proposta, reconhecemos a importância dos estudos realizados na Análise do Discurso de linha francesa, doravante AD, derivada de Michel Pêcheux (1975) e da Metáfora Conceptual de George Lakoff e Mark Johnson (1980). De acordo com os primeiros, o discurso jornalístico apresenta-se como materialidade linguística onde podemos perceber as imbricações sócio-ideológicas. Os outros, por sua vez, incitam uma análise da metáfora para além do limite literário. Assim, a AD será brevemente apresentada como teoria linguística, para em seguida priorizarmos o conceito de metáfora conceptual e, por fim, promovermos um diálogo entre esses estudos, procedendo com a análise do corpus.

ANÁLISE DO DISCURSO

Em virtude dos avanços dos estudos linguísticos, conforme argumenta Orlandi (1999), a linguagem deixou de ser vista como mero instrumento de comunicação ou suporte do pensamento, concepção essa vigente até então no interior da linguística estrutural, e passou a ser considerada um ato social. Fazendo a crítica ao esquema elementar da comunicação, o circuito da comunicação, em que se acredita que há uma relação linear entre enunciador e destinatário, Pêcheux (1969) traz para o interior da linguística, mais especificamente da semântica, reflexões do marxismo e da psicanálise,

o que rompe com a concepção de linguagem como instrumento de comunicação, vigente até então. Ainda de acordo com a autora brasileira, a linguagem está amalgamada nos processos histórico-sociais não podendo, dessa forma, ser dissociada da sociedade que a produz. Por conseguinte, ao estudar-se a linguagem, mister se faz considerar sua materialidade, que é linguística e, ao mesmo tempo, reconhecer as condições de produção às quais é submetida. A autora (2006) ainda afirma que

A análise do discurso tal como a conhecemos no Brasil – na perspectiva que trabalha o sujeito, a história, a língua – se constitui no interior das consequências teóricas estabelecidas por três rupturas que estabelecem três novos campos do saber: a que institui a linguística, a que constitui a psicanálise e a que constitui o marxismo. Com a linguística ficamos sabendo que a língua não é transparente; ela tem sua ordem marcada por uma sua materialidade que lhe é própria. Com o marxismo ficamos sabendo que a história tem sua materialidade: o homem faz a história, mas ela não lhe é transparente. Finalmente, com a psicanálise é o sujeito que se coloca como tendo sua opacidade: ele não é transparente nem para si mesmo. São, pois, essas diferentes formas de materialidade – de não transparência – que vão constituir o cerne do conhecimento de cada um desses campos de saber. (ORLANDI, 2006: 13)

Michel Pêcheux e outros (1981) ressaltam, no entanto, que embora a AD pressuponha os três campos do saber mencionados acima, ela, definitivamente, não se confunde com eles, ou seja, eles não representam a mesma coisa, visto que a AD tem seu método e seu objeto próprios. Na verdade, a AD constitui-se como disciplina de entremeio, reterritorializando conceitos da linguística, da psicanálise e do marxismo, apresentando o seguinte quadro epistemológico:

1 – teoria de sintaxe e de enunciação; 2 – teoria das formas sociais e suas transferências; 3 – teoria do discurso que analisa relações semânticas em seu aspecto material.

Tudo isso é atravessado por uma teoria do sujeito da psicanálise.

DISCURSO

Pêcheux (1995) afirma que, quando se diz algo, alguém o diz de algum lugar da sociedade, para outro alguém, também em algum lugar da sociedade, e é isto que constitui o sentido. Na verdade, constitui o efeito de sentido entre interlocutores, visto que a linguagem humana é opaca, ou seja, o sentido não está na palavra, não está no objeto e nem na intenção do falante. Também o ideológico e o inconsciente, de acordo com o referido autor, não podem mais ser pensados como elementos “à margem” da linguagem, mas sim como elementos constitutivos de todo e qualquer discurso e, por conseguinte, de todo sujeito. Dessa forma, também o sujeito torna-se elemento constitutivo da linguagem. Assim, a teoria do discurso proposta por Pêcheux promove uma ruptura no interior da linguística, na medida em que incorpora conceitos exteriores ao estritamente linguístico. Dessa forma, o discurso é a linguagem como prática social determinada por estruturas sociais, às quais é sujeitada. Percebemos, nos mecanismos da formação social, regras de projeção que solidificam a relação entre as situações concretas e as representações dessas situações no interior do discurso. Todo discurso nasce de outro discurso e remete a outro, tornando evidente o processo discursivo, no qual há o funcionamento da língua e sua relação com a ideologia. Nesse contexto, destaca-se o discurso jornalístico em virtude de ser este um meio de comunicação em massa a atingir todas as camadas da sociedade. Por meio desse veículo, que se pretende completo e imparcial, é que as informações chegam ao

público-leitor. Entretanto, levando-se em consideração os estudos linguísticos mencionados no início do texto e dada a não transparência da língua, abandona-se o mito da imparcialidade dos jornais, para motivar uma discussão acerca de seu caráter persuasivo e de sua construção singular em meio às produções textuais. Não obstante a pretensão de neutralidade deste meio de comunicação, que tem se autopromovido como isenta de conteúdos ideológicos e interesses particulares na divulgação das notícias, reconheceu-se a ideologia – subjacente a todo e qualquer discurso – demonstrando, assim, a parcialidade na linguagem jornalística. Focalizando a mídia impressa, chama-nos a atenção o uso de metáforas linguísticas na veiculação da informação, desfazendo a crença de que a metáfora é um recurso utilizado apenas no texto literário ou poético, como defendido pela visão tradicional. Passaremos, então, para uma breve introdução ao conceito de metáfora conceptual de George Lakoff e Mark Johnson (1980).

A METÁFORA CONCEPTUAL: UM NOVO PARADIGMA

De acordo com a visão tradicional, a metáfora é vista como uma simples figura de linguagem utilizada para conferir qualidades poéticas ou ornamentais a um determinado texto. Ela seria encontrada principalmente na literatura, trazendo um efeito estético para a linguagem utilizada. A metáfora também é vista, tradicionalmente, como o oposto do sentido literal e considerada possivelmente enganosa. De fato, ela é considerada a linguagem da manipulação e, de acordo com Vereza (2006), essa visão ainda é muito comum.

Pollio, Smith & Pollio (1990) explicitam os pressupostos desse modelo tradicional por intermédio dos seguintes postulados que se referem à linguagem figurada, em especial à metáfora:

a) figuras de linguagem como a metáfora, metonímia símile, oxÍmoro, ironia etc. – elementos linguísticos especiais – não ocorrem frequentemente quando falamos, escrevemos ou pensamos; b) o uso figurado não é conceitualmente útil, porque é utilizado para enganar o pensamento racional e embelezar ideias comuns ou vulgares; c) a linguagem figurada, anomalia, nonsense e uso literal são categorias de linguagem psicologicamente distintas; d) a paráfrase de uma figura de linguagem tem o mesmo significado da figura original e a linguagem figurada depende ou é derivada da linguagem literal. (POLLIO, SMITH & POLLIO, 1990: 3)

A partir do estudo de Lakoff e Johnson (1980), a metáfora deixa de ser uma simples figura de linguagem para se tornar uma figura do pensamento. Eles demonstraram que não se trata de uma linguagem literária ou especial, mas sim uma linguagem cotidiana que permeia todo tipo de interação, utilizada não por indivíduos dotados de especial talento intelectual, mas sim por todos nós. Para esses autores, a metáfora nos ajuda a entender conceitos abstratos, os quais são, muitas vezes, difíceis de serem entendidos literalmente, mas fundamentais para o funcionamento da mente humana. Eles argumentam ainda que, sem a atuação constante da metáfora, o pensamento seria impossível. De acordo com esses autores...

A metáfora é, para a maioria das pessoas, um recurso da imaginação poética e um ornamento retórico – é mais uma questão de linguagem extraordinária do que de linguagem ordinária. Mais do que isso, a metáfora é usualmente vista como uma característica restrita à linguagem, uma questão mais de palavras do que de pensamento ou ação. Por essa razão, a maioria das pessoas acha que pode viver perfeitamente bem sem a metáfora. Nós descobrimos, ao contrário, que a metáfora está infiltrada na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação. Nosso sistema conceptual ordinário, em termos do qual não só pensamos, mas também agimos, é fundamentalmente metafórico por natureza. (LAKOFF & JOHNSON, 1980: 45)

Por essa razão, não faria sentido, para esses autores, falar na frequência da linguagem figurada somente por sua dimensão linguística, já que nosso próprio sistema conceptual seria fundamentalmente metafórico. Em sua argumentação, George Lakoff e Mark Johnson apontam que a metáfora cognitiva DISCUSSÃO É GUERRA2, por exemplo, é uma metáfora comum na linguagem cotidiana. Ela nos ajuda a conceptualizar o conceito abstrato de discussão em termos do conceito, mais concreto, de guerra.

Por exemplo3: “Seus argumentos são indefensáveis.” “Ele atacou todos os pontos fracos da minha argumentação.” “Suas críticas foram direto ao alvo.” “Destruí sua argumentação.” “Jamais ganhei uma discussão com ele.” “Se você utilizar essa estratégia, ele vai esmagá-lo.”

Todas as palavras e expressões em destaque referem-se a guerra, não a discussão. Contudo, percebe-se claramente que não só falamos sobre discussão em termos de guerra, como conceptualizamos o primeiro em termos do segundo. Essa é uma metáfora que vivenciamos em nossa cultura e ela guia nossas ações. Os exemplos dados não devem ser considerados metáforas diferentes, mas expressões linguísticas que fazem parte de uma mesma metáfora conceptual, qual seja, DISCUSSÃO É GUERRA. Como nos sugerem Lakoff e Johnson, se concebêssemos discussão em termos de

2 3

A convenção geral é grafar as metáforas conceptuais em caixa alta. Todos os exemplos foram retirados de Lakoff & Johnson (1980).

qualquer outro conceito concreto que não fosse o de guerra, nossa forma de falar e agir seriam totalmente diferentes e experienciaríamos discussões também de forma diversa. Mais uma vez, é importante deixar claro que os exemplos de expressões metafóricas discutidos acima não são exemplos de linguagem literária ou poética, e sim de linguagem cotidiana utilizadas por pessoas comuns sem nenhum tipo de talento linguístico especial.

ANÁLISE DO CORPUS

A fim de verificarmos a relevância de nossos objetivos, realizamos um estudo de textos jornalísticos retirados dos jornais O Globo e Jornal do Brasil entre os dias 22 e 30/06/2009. Esta seleção aborda a crise no Senado brasileiro, em que foram descobertos atos secretos na administração da Casa, tais como parlamentares que teriam filhos morando em apartamentos pagos pelo Senado, nomeação de parentes em cargos de confiança, um mordomo da família Sarney enquadrado como um de seus funcionários, entre outras atividades ilícitas. Uma sindicância instalada descobriu a existência de 663 atos secretos no Senado. Por essas e outras razões, havia uma pressão muito grande para que José Sarney, presidente do Senado, deixasse o seu cargo. Os jornais selecionados possuem grande circulação pública e têm como públicoalvo, em sua maioria, leitores com um nível de escolaridade superior. Numa primeira investigação, acreditamos que o jornal possui e exprime uma ideologia, de modo que as metáforas empregadas poderão ser utilizadas como meio de persuasão. Se por um lado as metáforas refletem uma forma de conceptualizar conceitos, por outro, podem construir o modo como se conceberá as questões apresentadas. Tais ideias partem dos

estudos da AD, os quais motivam a uma abordagem sócio-ideológica, uma vez que, conforme Foucault (2002), o discurso é entendido “como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua coerência”, ultrapassando, assim, a ideia de limitação do indivíduo falante. Além disso, segundo Pêcheux (op. cit.), “todo processo discursivo se inscreve numa relação ideológica de classes” e acrescenta que “a língua está a serviço da sociedade concebida como um todo” (grifos do autor). Diante desse material, propomos a composição de um campo semântico garantido a partir das metáforas, do qual fizemos uma breve análise, conforme os estudos de Lakoff e Johnson (op. cit.). Na constituição dos campos semânticos, baseamo-nos no conceito de metáforas estruturais que diz respeito à estruturação do sistema conceptual. Sendo assim, reconhecemos o seguinte grupo a partir da metáfora em destaque. Vale ressaltar que as manchetes, principalmente, são as que mais evidenciam a metáfora estrutural.

CRISE INSTITUCIONAL É GUERRA

1 – “Com frases como “A crise não é minha, é do Senado”, “Eu não sei o que é ato secreto” e “Nós não temos nada a ver com isso”, o senador José Sarney tenta se defender das denúncias que atingiram a Casa, da qual é presidente pela terceira vez.” (O Globo – 22/06/2009) 2 – “Os parlamentares já foram alertados de que a caixa-preta da instituição esconde muito mais do que já foi divulgado, e que a investigação deve atingir todos os grupos de senadores, inclusive os integrantes do chamado grupo ético. Os atos secretos não ficaram centrados apenas na contratação de parentes e aliados do grupo político do

presidente da Casa, senador José Sarney (PMDB-AP). Por isso, instalou-se nos bastidores um clima de ameaça e intimidação”. (O Globo – 22/06/2009) 3 – “Os atos secretos vão atingir todo o Senado”. (O Globo – 22/06/2009) 4 – “O alcance explosivo dos atos secretos da era Agaciel Maia”. (O Globo – 22/06/2009) 5 – “Mesmo com a blindagem do Palácio do Planalto, a avaliação feita por integrantes do governo é que o presidente do Senado,... precisará ter uma postura mais ofensiva e anunciar medidas práticas esta semana”. (O Globo – 22/06/2009) 6 – “Ao ser alvo de ataques, o locatário de cargo poderoso costuma se defender de duas formas nada críveis: ou diz que querem atingir a instituição que ele representa ou...” (O Globo – 22/06/2009) 7 – “Fogo no Senado” (Jornal do Brasil – 23/06/2009) 8 – “Agaciel é acusado de intimidar parlamentares e nega denúncias.” (Jornal do Brasil – 23/06/2009) 9 – “O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) também avaliou que tem sofrido intimidações nos últimos dias após ter assumido o comando do grupo que cobra mudanças...” (Jornal do Brasil – 23/06/2009) 10 – “Trazer o conteúdo desses atos a luz do sol é imprescindível para a instituição do próprio congresso. Sem considerar o efeito adicional de desarmar chantagistas.” (O Globo – 23/06/2009) 11 – “Amigos de Lula detonam o aliado Sarney.” (O Globo – 23/06/2009) 12 – “É uma questão de sobrevivência desta Casa.” (O Globo – 23/06/2009)

13 – “Para evitar constrangimento ainda maior, Sarney saiu do plenário estrategicamente antes que Cristovam Buarque (PDT-DF) sugerisse que ele se licencie do comando da instituição...” (O Globo – 23/06/2009) 14 – “Acuado com as cobranças, o presidente Sarney ensaiou uma reação ontem,...” (O Globo – 23/06/2009) 15 – “Como muitos aqui, eu fui alvo de insultos, de calúnia.” (O Globo – 23/06/2009) 16 – “Tribuna é transformada em palanque de defesa.” (Jornal do Brasil – 24/06/2009) 17 – “Desse modo, cada senador e deputado terá responsabilidade na decisão dos nomes que vão ocupar cargos estratégicos no Congresso.” (Jornal do Brasil – 24/06/2009) 18 – “Esta questão (crise) vai ser enfrentada.” (Jornal do Brasil – 24/06/2009) 19 – “Este é um momento crítico. Não se pode errar, só se pode dar um tiro.” (Jornal do Brasil – 24/06/2009) 20 – “Agaciel tem direito à defesa feita pela Advocacia do Senado.” (Jornal do Brasil – 25/06/2009) 21 – “... cargo em que este (Agaciel Maia) permaneceu até que os escândalos... do Senado estourassem irremediavelmente,...!” (O Globo – 25/06/2009) 22 – “A munição do ex-diretor do Senado.” (O Globo – 30/06/2009) 23 – “Presidente tenta neutralizar ameaça do DEM e manda aliados apoiarem senador.” (O Globo – 30/06/2009)

24 – “A estratégia de reforçar a blindagem de Sarney foi avaliada ontem como a mais correta,...” (O Globo – 30/06/2009) 25 – “Virgílio se defende, ataca Sarney e diz que há ‘um bando de corruptos’” (O Globo – 30/06/2009) COMENTÁRIOS Pelos exemplos destacados, percebemos claramente que crise institucional equivale a guerra. Assim, os candidatos tomam uma posição de conflito, na qual, como se fossem soldados em combate, atacam seus inimigos e defendem-se deles. As armas passam a ser as ideias que objetivam o acerto do alvo do inimigo e sua subsequente derrota. Desta forma, encontramos a sistematicidade proposta por Lakoff e Johnson. A metáfora estrutural, que guiaria todos os conceitos apresentados, seria CRISE INSTITUCIONAL É GUERRA. Assim, a crise no Senado manifesta-se num sentido bélico, quando se tem nações guerreando. Ressaltamos que há a representação do conceito que temos culturalmente de crise. Sendo assim, há uma aproximação do enunciador (jornalista que produziu o texto) com o co-enunciador (leitor do jornal) na medida em que ambos partilham de uma mesma metáfora estrutural que guia nossa concepção de crise. De acordo com T. B. Sardinha (2007)

... podemos dizer que a (metáfora) da guerra se distingue porque pressupõe um comportamento agressivo, que visa à destruição de um inimigo. Além disso, porém, essa metáfora permite expressar outros elementos importantes da vida..., como a necessidade da luta pela sobrevivência e a do sacrifício próprio e de outros pela conquista de um território. (SARDINHA, 2007: 104)

Como vimos, nesses exemplos, a metáfora conceptual manifesta-se no nível cognitivo sendo reconhecida a partir de metáforas linguísticas presentes nos textos. Verifica-se que a maioria das metáforas utilizadas nesses exemplos é literal, visto que de tão enraizadas na nossa linguagem cotidiana, torna-se difícil apreender sua metaforicidade. Ressalta-se, portanto, que o uso de metáforas é extremamente relevante para o texto jornalístico, na medida em que suscitam a atenção do leitor e auxiliam, como mencionado anteriormente, na construção de mundo dos leitores, além de refletir as perspectivas já existentes. Sendo assim, comprova-se a existência de metáforas linguísticas para além do universo poético e literário, podendo manifestar-se em qualquer produção escrita ou oral. No uso de metáforas, o enunciador cria um processo interativo com o coenunciador na medida em que parte de uma manifestação cognitivo-social constituinte da linguagem. E no caso do uso de metáforas novas (criativas), por parte do enunciador, permitem-no persuadir sua audiência e transmitir sua ideologia. Pode-se relacionar essa questão à noção de sujeito da AD, em que há a interpelação dos indivíduos em sujeitos de seus discursos por meio das formações discursivas correspondentes às formações ideológicas. Dessa forma, na medida em que o discurso é determinado por coerções ideológicas e a consciência é constituída a partir dos discursos assimilados por cada membro de um grupo social, onde cada homem é limitado por relações sociais, não há individualidade discursiva absoluta. De acordo com Pêcheux (1995)

Podemos agora precisar que a interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso se efetua pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina (isto é, na qual ele é constituído como sujeito): essa identificação, fundadora da unidade (imaginária)

do sujeito, apoia-se no fato de que os elementos do interdiscurso (sob sua dupla forma, descrita mais acima, enquanto “pré-construído” e “discurso de sustentação”) que constituem, no discurso do sujeito, os traços daquilo que o determina, são reinscritos no discurso do próprio sujeito. (PÊCHEUX, 1995: 163 – grifos do autor)

Observa-se, então, que as metáforas estão presentes na formação discursiva, a qual, por sua vez, está amalgamada com a formação ideológica. As metáforas não surgem de um vazio, mas sim de uma experiência concreta que temos com a realidade. De fato, vivemos de acordo com as metáforas existentes em nossa cultura, uma vez que fazemos parte de uma dada sociedade e precisamos interagir, ser entendidos, compreender o mundo etc., precisamos nos submeter às metáforas que nossa cultura coloca à nossa disposição.

Conclusões

Iniciamos este trabalho dizendo que a metáfora é um fenômeno cognitivo-social. Cognitiva por constituir o pensamento e ser reconhecida a partir dele; social por estar associada à forma como cada sociedade elabora conceitos metafóricos a partir de sua experiência em uma dada cultura. Dessa forma, o diálogo entre duas teorias da linguagem, Linguística Cognitiva e Análise do Discurso, faz-se necessário, visto que a metáfora encontra-se justamente entre o linguístico e o social. Na medida em que conceitos metafóricos, sobretudo estruturais, são utilizados pelo enunciador, este promove uma interação com o co-enunciador, visto que partilha com ele uma visão de mundo que é construída socialmente. Relaciona-se, dessa forma, a formação discursiva com a formação ideológica, as quais interagem entre si no discurso.

Justifica-se a relevância desse tipo de estudo, principalmente por meio do discurso jornalístico, por mostrar a presença da metáfora para além do universo poético e literário e afastar a visão tradicional de figura de linguagem apenas como artifício para embelezar a linguagem. Ao constatarmos que há metáforas conceptuais em manchetes e artigos de jornal, percebemos que sua presença pode ser utilizada como recurso para atrair a atenção do leitor para a reportagem e tentar persuadi-lo a adotar determinada posição política defendida pelo jornal em questão. Finalmente, gostaríamos de ressaltar a imprescindibilidade dos estudos de metáfora nos mais diversos tipos de contexto, a fim de se compreender cada vez mais a sua relevância para a linguagem cotidiana como figura de pensamento que reflete aspectos sócio-culturais em que está amalgamada.

Recebido em setembro de 2010 Aprovado em outubro de 2010

BIBLIOGRAFIA

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 8ª edição. São Paulo: Editora Loyola, 2002. LAKOFF, G. & JOHNSON, M. Metáforas da Vida Cotidiana. Traduzido pelo grupo GEIM. Campinas, SP: Mercado de Letras: EDUC, 2002. LAKOFF, G. & JOHNSON, M. Metaphors We Live by. Chicago: Chicago University Press, 1980. ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. São Paulo: Cortez, 1999. ORLANDI, Eni P. & LAGAZZI-RODRIGUES, S. Discurso e Textualidade. Campinas: Pontes, 2006.

PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso: Uma Crítica à Afirmação do Óbvio. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp, 1995. Edição original: 1975. PÊCHEUX, M. e outros. Matérialités dicursives. P.U. de Lille, 1981. POLLIO, H. P.; SMITH, M. K. & POLLIO, M. R. Figurative Language and Cognitive Psychology. Language and Cognitive Processes, [S.I.], v. 5, n. 2, 1990. SARDINHA, T. B. Metáfora. São Paulo: Parábola, 2007. VEREZA, S.C. Literalmente Falando. Niterói: EdUff, 2007.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.