O Papel da Midia na Criminalizacao dos Movimentos Sociais

Share Embed


Descrição do Produto

O Papel da Mídia na Criminalização dos Movimentos Sociais: uma Análise de Conteúdo de Estudos realizados entre 2006 e 2011

VICENTE SIMEONI PAVAN FACULDADE DO NORTE PIONEIRO – ESCOLA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

INTRODUÇÃO

Em toda a história brasileira existem episódios de conflitos entre uma parcela da sociedade oprimida, que reivindica direitos básicos como a liberdade e condições dignas de trabalho e a elite conservadora liberal – com apoio ideológico do Estado – que combatia estes movimentos social-reivindicatórios que confrontavam seus ideais econômicos. Lutas indígenas contra o invasor branco, as guerras do Contestado e de Canudos, a resistência dos quilombolas contra o latifundiário escravista são exemplos desta luta que perdura até os dias de hoje. Dentre os exemplos atuais do confronto entre a camada da população excluída do sistema capitalista e os beneficiários – portanto defensores – deste sistema opressor, encontra-se o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que na contemporaneidade é o maior e mais antigo movimento social brasileiro pela luta a favor da efetivação dos direitos normatizados na Constituição Federal. O MST desde seu nascimento, da união entre vários trabalhadores rurais lutando por uma causa comum – a reforma agrária e transformações sociais necessárias para o Brasil (MST: NOSSA HISTÓRIA, 2009) – vem sendo alvo de inúmeros ataques da elite latifundiária brasileira. Estas se utilizam de milícias paramilitares, com forte apoio do Estado na figura da polícia e do poder judiciário de primeira instância e também da sociedade civil por meio da mídia privada (ADISSI, 2011). Baseado nos fatos supracitados, o presente estudo tem por objetivo realizar uma análise de trabalhos publicados no período compreendido entre 2006 e 2011, por meio da Análise de Conteúdo. A problematização norteadora refere-se ao papel da mídia na criminalização dos movimentos sociais, haja vista sua importância na veiculação de informações e também na formação de opinião da massa popular.

Esta publicação torna-se importante no meio acadêmico na medida em que aponta para o papel da mídia, em todas as suas formas e manifestações, na criminalização dos movimentos sociais. Este estudo traz consigo, também, o debate a respeito da liberdade de expressão, garantido na Constituição Federal de 1988 nos artigos 5°, IV, VIII, IX e 220, §1°. Acredita-se que a mídia, num contexto geral, influencia negativamente a população, criando uma imagem criminosa do MST e seus integrantes por meio de veiculação de notícias tendenciosas e “meias verdades”. No primeiro capítulo será discorrido a respeito do MST e sua luta pelo direito à justiça e também pela soberania popular, contando um pouco de sua história e conquistas. Na segunda parte será apontado o papel na mídia no processo de criminalização dos movimentos sociais e a sua importância. No terceiro momento serão analisados alguns trabalhos realizados no quinquênio 2006-2001 que abordam o tema referido. Finaliza-se com as considerações finais acerca do tema.

1 O MST E A HISTÓRIA DA LUTA PELO DIREITO À JUSTIÇA E PELA SOBERANIA POPULAR

Como observado anteriormente, desde o início da história do Brasil, uma parcela da população, descontente com sua situação precária, lutava por melhores condições de vida. Hoje o maior e mais influente destes movimentos sociais é o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que luta acima de tudo pela reforma agrária, por justiça e pela soberania popular (SECRETARIA NACIONAL DO MST, 2010). O MST surgiu no início dos anos 1980 na cidade de Cascavel no Paraná, em uma reunião com centenas de trabalhadores rurais que tinham um objetivo em comum: lutar pela reforma agrária para que pudessem produzir seu próprio alimento (MST, 2009). Ainda, segundo dados retirados do sitio do movimento na internet, esses trabalhadores teriam sido “expulsos por um projeto autoritário para o campo brasileiro, capitaneado pela ditadura militar, que então cerceava direitos e liberdades de toda a sociedade.” Tal projeto se resumia no incentivo financeiro ao grande latifundiário, além da mecanização e utilização abusiva de agrotóxicos, o que aumentava a produção, porém tirava o trabalho do camponês.

Entre as grandes conquistas do MST está o direito à desapropriação de terras que não cumprem com sua função social, normatizada nos artigos 184 e 186 da Carta Maior de Direitos brasileira. Outras conquistas se somam ao árduo trabalho dessa gente tão carente de direitos, dentre elas estão as mais de 2250 escolas espalhadas entre assentamentos e acampamentos, em sua maioria até a quarta série do ensino fundamental. Com a parceria entre o movimento e universidades, integrantes do MST cursam o ensino superior em mais de 50 instituições espalhadas pelo país (SECRETARIA NACIONAL DO MST, 2010). Desde a década de 1990 os sem-terra ganharam inúmeros prêmios nacionais e internacionais por reconhecimento ao seu trabalho, inclusive da ONU e da UNICEF. Porém a sociedade ainda enxerga o MST como um grupo criminoso. Isto devido à forte perseguição por parte da elite latifundiária que inclusive em resposta à criação do MST criou a União Democrática Ruralista (UDR). Tal elite, além de usar de força física – e ilegal – contra o movimento, utiliza-se de sua presença no poder legislativo para enfraquecer o movimento. A elite do agronegócio também criou a CNA – Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária – que por meio de um convênio com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) busca influenciar também o judiciário nacional (FILHO, et AL, 2010). Esta influência do agronegócio e do modelo econômico capitalista atinge a mídia, que apoia os ideais deste modelo econômico (que tem muito a ganhar com isto) e tem importante papel na criminalização do MST. No próximo capítulo, será apontado o papel da mídia neste processo.

2 A MÍDIA E O SEU PAPEL NA CRIMIZALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Após uma breve apresentação dos movimentos sociais e contada parte da história e conquistas do MST, parte-se neste segundo momento para uma contextualização da mídia e sua função na criminalização deste movimento popular. Segundo FERREIRA (2001) mídia é a “designação genérica dos meios, veículos e canais de comunicação”. Sérgio Ximenes (1999) define esta palavra como sendo “o conjunto total dos meios de divulgação das mensagens publicitárias”. Baseando-

se nestas duas definições pode-se concluir que a mídia é toda e qualquer forma de divulgação em massa de determinado conteúdo com a função de torná-lo público. Entendendo o conceito de mídia e sua função, o próximo passo será o de compreender qual o seu papel na criminalização dos movimentos sociais, em especial o MST. A mídia, por seu papel na massificação da informação, tem influência na formação da opinião popular. Com este poder em mãos, os detentores dos meios de comunicação, em alguns casos, veiculam notícias que não condizem com a realidade, omitindo fatos importantes para a compreensão do ocorrido. Haja vista estas informações e objetivo deste trabalho, no capítulo seguinte serão apontados alguns estudos realizados no período compreendido entre os anos de 2006 e 2011 com o intuito de realizar uma análise crítica do papel midiático na criminalização dos movimentos sociais.

3 ANÁLISE CRÍTICA DO PAPEL DA MÍDIA NA CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Dando continuidade ao estudo, neste capítulo serão apontados alguns estudos realizados no quinquênio 2006-2011, os quais abordam o papel da mídia na criminalização dos movimentos sociais. Este trabalho se apoiará no instrumento de pesquisa denominado Análise de Conteúdo. O referido instrumento é “uma técnica para se estudar e analisar a comunicação de maneira objetiva e sistemática”. A Análise de Conteúdo busca a essência de um texto nos detalhes das informações, dados e evidências disponíveis. Não trabalha somente com o texto per se, mas também com detalhes do contexto. O interesse não se restringe à descrição dos conteúdos. Deseja-se inferir sobre o todo da comunicação. Entre a descrição e a interpretação interpõe-se a inferência. Buscam-se entendimentos sobre as causas e antecedentes da mensagem, bem como seus efeitos e conseqüências (MARTINS & THEÓPHILO 2007, p. 96).

Em trabalho a respeito deste tema, Lima Filho (2006) aborda uma série de outdoors, cartazes e notas oficiais com a seguinte frase “Sem-Terra: sem lei, sem respeito e sem qualquer limite. Como tudo isso vai parar?”. Este material midiático foi

divulgado pela Associação de Oficiais Subtenentes e Sargentos da Polícia e Bombeiro Militares de Pernambuco (AOSS). O mesmo autor ainda cita que a mesma associação teria divulgado notas de repúdio em jornais de grande circulação dirigidas a entidades de defesa de direitos humanos, acusando as mesmas de defenderem bandidos e que estas deveriam defender “humanos direitos”. Tal mensagem carrega um conteúdo que criminaliza um movimento social organizado que luta por anda menos do que o cumprimento das leis. Em publicação referente ao tema em caso ocorrido no Município de Pocinhos na Paraíba, Adissi (2011) relata que a mídia local “só divulga as versões da polícia e da proprietária do latifúndio, não mencionando em nenhum momento, por exemplo, o fato da área já ter sido decretada para a reforma agrária.” Tal fato é complementado pela autora: A ação ilegal do grupo “paramilitar” é algo invisível para a imprensa durante esse período inicial de cobertura. É importante dizer que são nesses primeiros dias que se concentram o maior número de matérias jornalísticas sobre o Caso. Será só após as intervenções da sociedade civil em denunciar o Caso, que a mídia local inserirá novas possibilidades de versões quanto ao Caso de Pocinhos, mesmo que mantendo um discurso criminalizador contra o MST e seus dois integrantes presos.

Já Martins (2007) traz o debate para um caso no Paraná, mais precisamente no Município de Quedas do Iguaçu. A autora aponta que o processo de criminalização dos integrantes do MST feito pela mídia e pelo Sistema Penal local “dissemina no senso comum que sujeitos pertencentes a movimentos de luta pela terra são pessoas com certa ‘tendência’ a praticarem crimes, quando não são criminosas por ‘natureza’”. Finalizando, Foscarini (2008) disserta a respeito da escolha da notícia a ser veiculada como sendo: ...uma filtragem realizada não só com a finalidade de vender, de obter sucesso comercial, lucratividade, mas de estabelecer o domínio sobre tudo o que se lê, se vê, se ouve ou se sabe, pois direta ou indiretamente tudo passa pela ditadura comunicacional, que comanda o trânsito, de mão única, das idéias.

Portanto, percebe-se uma tendência da mídia em defender os interesses de uma oligarquia fundiária, tendo em vista interesses econômicos, já que ambas – mídia e elite latifundiária – têm um ponto de vista em comum no que diz respeito à manipulação da opinião popular. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do pequeno número de estudos analisados, pode-se notar uma tendência da mídia brasileira em defender interesses oligárquicos, no caso referido, da elite latifundiária brasileira, frente à manifestação popular que reivindica o direito à reforma agrária. Os estudos observados foram realizados em estados de diferentes regiões brasileiras – Paraíba, Paraná e Pernambuco – mostrando que o problema referente à criminalização dos movimentos sociais pela mídia não é local e sim nacional. Espera-se que o presente trabalho tenha colaborado para o debate acerca da importância da mídia e que a colabore também para a discussão de um maior controle por parte do Estado quanto à veiculação de informações.

5 REFERÊNCIAS

ADISSI, Paula Oliveira. Estado e mídia: o processo de criminalização do MST. Um estudo sobre o Caso de Pocinhos (PB). Disponível em: http://www.sistemasmart.com.br/alas/arquivos/10_8_2011_10_41_1.pdf. Acesso em 10 set. 2011. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar: O minidicionário da língua portuguesa. 4. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. FILHO, Antônio Sérgio, ET AL. A luta por direitos e a criminalização dos movimentos sociais: a qual Estado de Direito serve o sistema de justiça? Disponível em: terradedireitos.org.br › Biblioteca. Acesse em: 10 set. 2011. FOSCARINI, Léia Tatiana. O Discurso Midiático Nos Meandros Da Criminalização: Contemporaneidade e Os movimentos Sociais. Disponível em: http://www.nepe.ufsc.br/controle/artigos/artigo89.pdf. Acesso em: 10 set. 2011. LIMA FILHO, Roberto E. C. Direito Humano À Comunicação: Uma Afirmação Contra A Criminalização Dos Movimentos Sociais. Disponível em: www.direitoacomunicacao.org.br/novo/index.php?option=com_docman&task=doc_do wnload&gid=218. Acesso em: 10 set. 2011.

MARTINS, Daniele Comins. A Criminalização Dos Movimentos Sociais E A Luta Por Terras No Interior Do Paraná – O Caso De Quedas Do Iguaçu. Disponível em: e-revista.unioeste.br/index.php/csaemrevista/article/download/2002/1580. Acesso em 10 set. 2011.

MARTINS, Gilberto de Andrade & THEÓPHLIO, Carlos Renato. Metdologia da Investigação Científica Para Ciências Sociais Aplicadas. São Paulo: Atlas, 2007. MST. Nossa História. Disponível em: http://www.mst.org.br/node/7702. Acesso em: 10 set. 2011. Secretaria Nacional do MST. MST: Lutas e Conquistas. Disponível em: http://www.mst.org.br/sites/default/files/MST%20Lutas%20e%20Conquistas%20PDF.p df. Acesso em: 10 set. 2011. XIMENES, Sérgio. Minidicionário de Língua Portuguesa. São Paulo: Ediouro, 1999.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.