O PAPEL DA PERCEPÇÃO NO ESTUDO DOS RISCOS NATURAIS

September 18, 2017 | Autor: Maria Jose Roxo | Categoria: Perception, Natural Hazards, Natural hazard, Psychometric Approach
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O PAPEL DA PERCEPÇÃO NO ESTUDO DOS RISCOS NATURAIS

Nuno Santos, Maria José Roxo, Bruno Neves e-Geo - Centro de Geografia e Planeamento Regional Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa Avenida de Berna, 26 C, 1069-061 Lisboa

Resumo A avaliação efectiva do risco é vista como um processo de dois sentidos. Sem ouvir as pessoas, é impossível compreender o que sabem e o que pensam. De facto, os leigos não partilham da visão dos cientistas, quer sobre a seca quer de qualquer outro risco. Os investigadores têm as suas percepções sobre o risco, baseadas em critérios científicos, enquanto que o público em geral baseia a sua percepção em conhecimentos que reflectem a sua cultura, educação, situação socio-económica. Por isso é importante, quando se tem de gerir riscos, considerar diferenças de percepção, construindo uma ponte entre o conhecimento dos leigos e o científico. O objectivo deste artigo é dar a conhecer os princípios básicos propostos pela percepção de risco, e o papel que pode desempenhar na gestão dos riscos naturais. Palavras-chave: Riscos Naturais/ Percepção/Abordagem Psicométrica

Abstract The effective assessment of risk is seen as a two-way process. Without listening people, it is impossible to understand what they know and what they think. In fact, lay people do not share the vision of scientists, whether on drought or from any other risk. The researchers have their perceptions about the risk, based on scientific criterion, while the general public base is perception in knowledge that reflects their culture, education, socio-economic situation. So it is important, when you have to manage risks, consider differences of perception, building a bridge between the knowledge of lay people and scientific. The purpose of this article is known the basic principles proposed by the perception of risk, and the role they can play in the management of natural hazards. Palavras-chave: Natural Hazards/Perception/Psychometric Approach

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I. Introdução

Nos últimos anos, tem aumentado cada vez mais os estudos dedicados à percepção dos riscos naturais, com o objectivo de caracterizar o pensamento das pessoas sobre os perigos a que estão expostos, e a forma como essas avaliações moldam os seus comportamentos na hora de tomarem decisões de prevenção. Todos os dias quando abrimos os jornais, somos confrontados com sismos, cheias catastróficas, secas ou deslizamentos de terras, que nos lembram do quanto somos vulneráveis a estes perigos. Desde as decisões mais comuns até às mais complexas que tomamos na nossa vida, somos obrigados a avaliar os riscos que poderemos correr. Lima (2005) refere que não as baseamos em informação credível e isenta (mesmo que seja possível termos acesso a ela), nem são feitas ponderando friamente as vantagens e os inconvenientes de cada opção. Mas quando somos chamados a tomar decisões, elas podem interferir decisivamente no nosso bem-estar, reflectindo a nossa avaliação subjectiva do grau de ameaça de determinado evento. Hoje vivemos num Mundo paradoxal, entre o desenvolvimento tecnológico que contribui para uma vida mais segura e mais saudável, e a incidência de fenómenos extremos. Esse desenvolvimento pode levar-nos a crer que a tecnologia pode destruir ou consertar tudo. É aqui que assume especial importância, no caso do estudo da percepção dos riscos naturais, a forma como as pessoas pensam sobre os perigos e a avaliação dos riscos a ele inerentes, compreendendo a sua forma de agir, quando confrontados com situações de crise. Só com o aumento da consciência das populações acerca dos riscos, é que será possível aumentar os comportamentos de prevenção desses grupos. Neste artigo, começaremos por abordar a evolução histórica do conceito de risco, em seguida apresentaremos as diferentes perspectivas, risco “objectivo” versus risco “subjectivo, e por último apresentaremos um grande domínio da investigação da percepção do risco: a abordagem psicométrica, percebendo até que ponto poderá desempenhar um papel importante na gestão dos riscos naturais.

2. Risco: um conceito de difícil definição

Ao longo dos séculos, a palavra risco tem sofrido profundas mudanças no seu significado, tendo-se tornado comum a sua aplicação em inúmeras situações. As primeiras referência à palavra “risco” datam do século 16, na língua alemã, e na segunda metade do século 17, na língua inglesa. No entanto, o termo em latim “risicum” foi usado muito antes ao aparecimento 2

da palavra na língua alemã ou inglesa. Este conceito teve raízes na antiguidade, associados à interferência de fenómenos naturais extremos na vida das pessoas. As pessoas sempre olharam para essas catástrofes como uma ameaça à sua existência, e sempre foram explicados com base em mitos e lendas. Muitos investigadores relacionam a emergência da palavra com as aventuras marítimas. A noção de risco surge na idade média e designava a possibilidade de um fenómeno objectivo, de um acto de Deus, uma tempestade do mar, que não podia ser imputada qualquer conduta incorrecta ao Homem. Este conceito de risco, portanto excluía a ideia da culpa ou responsabilidade humana. Risco era compreendido como sendo um acto divino, uma tempestade, uma cheia ou uma epidemia, e como tal, os seres humanos pouco podiam fazer para estimar a probabilidade de tais eventos acontecerem e tomar medidas que pudessem reduzir o seu impacto. Mas as mudanças no conceito estão de facto associadas ao início do século 17, ganhando um maior relevo e força no século 18. O Terramoto de 1755 em Lisboa, a grande capital europeia da época, marca uma viragem na abordagem a estes eventos naturais. Para muitos naquela época, acreditavam que aquele terramoto seria uma punição, um acto de Deus. Para Kant e Rousseau, a catástrofe que foi o terramoto foi visto como um fenómeno natural extremo, e enfatizaram a necessidade de construção dos edifícios em zonas de menor risco. Esta catástrofe serviu para despertar a comunidade científica para as reais causas destes fenómenos naturais extremos. De certa forma, o terramoto de 1755 em Lisboa marca a separação de duas formas de ver as manifestações físicas do mundo natural. Até ao momento do terramoto de 1755 em Lisboa, prevalecia uma visão catastrófica, onde todas as manifestações naturais extremas não eram mais que actos de Deus. Mas rapidamente procurou-se substituir esta forma de observar estes eventos, demonstrando que estes processos eram regulados por leis da natureza, contrariando o argumento que tratavam-se apenas de actos divinos que ditavam a natureza. Vai sair do domínio mitológico para entrar no domínio lógico (Kervern:1995). Durante os séculos 18 e 19, os estados europeus começaram a lidar com importantes mudanças sociais derivado de uma urbanização massificada e industrialização, como consequência da Revolução Industrial. A ciência da probabilidade e estatística começa a desenvolver-se, tornando-se importante para a noção moderna de risco. Durante o século 18, o conceito de risco começa-se a tornar objecto científico, desenhado sobre novas ideias da matemática relacionada com a probabilidade. O desenvolvimento de cálculos estatísticos do risco e a expansão da indústria dos seguros significou que o conceito de risco passou a poder 3

ser estatisticamente descrito. A noção de risco é alargada. Não é mais concentrada exclusivamente na natureza, mas também no ser humano, na sua conduta, nas relações entre si, e as suas relações com o meio onde vive. Todos nós no nosso dia-a-dia lidamos com todo o tipo perigos. Esse facto impulsionou um campo de estudo, que passou a preocupar-se na compreensão da forma como as pessoas interpretam o risco. Hoje, existe uma busca incessante para encontrar uma fórmula de prever esses riscos, mas se soubéssemos com toda a certeza que algum fenómeno aconteceria, não estaríamos a lidar com o risco. No ponto seguinte, aprofundaremos o conceito de risco e como tem sido definido de formas muito diferentes pelas mais diversas áreas do conhecimento.

3. Risco: Um Conceito, Duas Perspectivas

Sempre existiu uma diferença fundamental no uso da palavra risco, entre a linguagem científica e a linguagem coloquial. Essas diferenças provocaram dificuldades em encontrar uma definição única, o que por vezes conduziu à sensação de se estar a falar do mesmo, quando na realidade referiam-se a conceitos diferentes. De facto, existe uma grande diferença entre o chamado risco objectivo e o risco subjectivo. No nosso dia-a-dia, quando enfrentamos os mais diversos perigos somos obrigados a fazer uma avaliação dos riscos que corremos. Essa avaliação reflecte a nossa interacção com o evento, o nosso passado e presente, bem como o nosso contexto social. A esse processo podemos chamar de percepção do risco. No lado oposto, encontramos a avaliação objectiva do risco, que não é mais que o procedimento técnico especializado de medição do risco derivado de uma tecnologia, de uma actividade ou situação (Lima, 2005: 204). Para muitos autores, a definição do risco é baseada apenas em função da probabilidade da ocorrência de um desastre, outros incluem também as suas consequências, ou apenas é considerado em caso de morte, ferimentos ou prejuízos materiais. Até aos anos 70, predominaram estes modelos objectivistas que serviram de suporte na tarefa de avaliar riscos e diminuir a vulnerabilidade da exposição das populações ao risco. O problema é que frequentemente existia discórdias dessas análises, entre os leigos e os especialistas, pois uns sobreavaliavam o risco, enquanto que outros o subavaliavam. Um exemplo representativo dessa realidade é o da construção das incineradoras. A análise dos riscos dos técnicos, deliberava um parecer positivo para a construção com base nas suas avaliações, enquanto que os leigos tinham uma opinião contrária e mostravam as suas reservas quanto à construção da incineradora. Essas divergências entre os especialistas e os 4

leigos foram interpretadas como uma reacção emocional, que reflectia a falta de informação e de conhecimento acerca desses riscos, o que levou a um esforço de alertar as populações, através de campanhas de sensibilização, bem como a divulgação das conclusões dos estudos realizados pelos especialistas. Este facto foi o ponto de partida para uma nova conceptualização, uma nova forma de perceber como as pessoas lidam com a incerteza, como tomam as suas decisões, que vai permitir perceber as divergências de fundo que separavam os leigos e os especialistas. Importantes contributos foram desenvolvidos pela Psicologia Cognitiva no domínio do pensamento humano em situações de incerteza, sendo a equipa de investigação do Decision Research Center, Oregon orientada por Paul Slovic e Baruch Fischhoff, uma das pioneiras nesse campo de investigação. Através dos trabalhos desenvolvidos por essa equipa, permitiu demonstrar que avaliação do risco por parte dos leigos em nada se assemelha aos dos especialistas, pois as pessoas no seu dia-a-dia as pessoas não fazem estimativas de probabilidades, portanto o seu pensamento nunca se poderá resumir a uma perspectiva unidimensional. Estes autores demonstraram que a estrutura da forma como os leigos percepcionam os riscos dos leigos é multidimensional, não é determinada unicamente por estatísticas unidimensionais, mas igualmente por uma variedade de características quantitativas e qualitativas reflectidas pelas suas análises. Esta corrente de investigação teve igualmente o mérito de contribuir para a afirmação desta corrente junto dos decisores, influenciando decisivamente as novas estratégias de divulgação de informação e divulgação dos conhecimentos técnicos junto das populações. No próximo ponto iremos caracterizar uma perspectiva da avaliação de riscos, particularmente no domínio da percepção dos riscos.

4. Percepção do Risco

A capacidade de perceber e evitar condições ambientais adversas é necessário para a sobrevivência de todos os organismos vivos (Slovic, 1987: 220). Essa capacidade humana tem tanto o poder de alterar o ambiente, bem como responder a ele, criando ou reduzindo o risco. Nas décadas mais recentes, o profundo desenvolvimento da tecnologia tem sido acompanhado por eventos cada vez mais catastróficos, que tem provocado graves danos às populações e os seus bens. Para a maioria dessas pessoas, esses processos complexos são pouco familiares e incompreensíveis. Até para a ciência, estas consequências negativas têm sido difíceis de avaliar através de dados de modelos estatísticos. A partir dessa dificuldade de gerir os perigos 5

de hoje, nasceu a necessidade de criar uma nova disciplina, a “Avaliação do Risco”, com o objectivo de ajudar na identificação, caracterização e quantificação do risco. Enquanto os cientistas avaliam os perigos através de análises sofisticadas de avaliação do risco, a maioria das pessoas confiam na sua intuição na hora de emitir o seu juízo, sobre o risco, o qual passou a chamar-se de “percepção do risco”. Por “percepção do risco” entende-se então a forma como os não especialistas (referidos frequentemente como leigos ou público) pensam sobre o risco, e refere-se à avaliação subjectiva do grau de ameaça potencial de um determinado acontecimento ou actividade (Lima, 2005: 203). Essa percepção vai para além do individual, é o mundo social e cultural que constrói as percepções, os valores e a ideologia. Durante as últimas décadas, um número crescente de investigadores têm tentado responder a inúmeras questões, examinando as opiniões expressas pelas pessoas quando questionadas a avaliar os perigos a que estão, ou que poderão estar sujeitos no futuro. Com base nestes trabalhos, tentou-se desenvolver técnicas de forma a avaliar as complexas visões que as pessoas possuem em relação ao risco. Através destas técnicas, os investigadores procuraram descobrir qual o significado que as pessoas atribuem, quando dizem que algo é (ou não) um risco, e determinar quais os factores são a base dessas percepções. Percebeu-se que compreendendo as formas como as pessoas pensam e respondem ao risco, se poderia melhorar a comunicação entre os decisores e o público em geral, contribuindo com estratégias efectivas de gestão do risco. Importantes contributos para compreender a percepção dos riscos têm surgido nas mais diversas áreas, desde a geografia, sociologia e psicologia. O estudo geográfico originalmente tem-se focado em compreender o comportamento humano, no enfrentar dos riscos naturais. Estudos antropológicos têm demonstrado que a percepção e aceitação do risco tem as suas raízes em factores sociais e culturais. Outros argumentam que a resposta aos perigos é influenciado por exemplo, pelos amigos, família, ou colegas de trabalho. Como podemos constatar este tema tem sido abordado intensivamente nas ciências sociais, mas é na área da psicologia que nos debruçaremos mais concretamente, analisando a abordagem psicométrica, e o seu papel na compreensão da perspectiva leiga sobre os riscos.

5. A Abordagem Psicométrica

Decorria o ano de 1972, a primeira Conferência da ONU sobre o Ambiente tornava-se um marco na discussão das questões ambientais, as preocupações com os riscos naturais e 6

tecnológicos começavam a surgir um pouco por todo o mundo. É por esta altura que surge o artigo de Chauncey Starr, que ficou designado como a abordagem das preferências reveladas ou do risco aceitável. Com este trabalho, Starr procurou determinar qual era o nível de risco tecnológico que as sociedades consideravam aceitável correr, através de uma análise histórico-económica dos riscos e benefícios das diversas tecnologias (Lima, 2005: 213). O autor assumiu que o número de vítimas anuais em desastres tecnológicos é um bom indicador dos custos das tecnologias, revelando as opções ou preferências de uma sociedade, permitindo a previsão das tendências sociais futuras. Este estudo pioneiro de Starr deu um grande impulso, contribuindo para o desenvolvimento do paradigma psicométrico. Todos os méritos e deficiências da abordagem de Starr, serviu para estimular um grupo de investigadores encabeçados por Slovic, Fischhoff e Lichenstein no Decision Research Center de Eugene, Oregon, que assim procuraram descrever as representações dos diferentes desastres, isto é, a forma como as pessoas pensam, classificam ou valiam os perigos a que estão sujeitos. A abordagem psicométrica foi apresentada pela primeira vez em 1978 por Fischhoff e colaboradores. Foi pedido às pessoas para caracterizar um conjunto de 30 actividades e tecnologias potencialmente perigosas e os avaliarem segundo as seguintes dimensões:

Risco assumido voluntariamente

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Risco assumido involuntariamente

Efeito imediato

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Efeito retardado

Risco conhecido para as pessoas

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Risco desconhecido para as pessoas

Risco conhecido para a ciência

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Risco desconhecido para a ciência

Risco não pode ser controlado

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Risco pode ser controlado

Risco novo

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Risco antigo

Risco crónico

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Risco catastrófico

Risco comum

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Risco assustador

Risco não fatal

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Risco fatal

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Esta metodologia permitiu que as pessoas pudessem dar respostas a questões complexas. A partir de uma análise factorial destas avaliações, permitiu determinar dois factores. O primeiro, foi designado de “risco tecnológico”, que opunha riscos novos, involuntários, tecnológicos e com consequências a longo prazo, a riscos comuns, voluntários, com consequências imediatas a nível individual. O segundo factor extraído foi designado “gravidade do risco”, que opunha acontecimentos potencialmente fatais e catastróficos, a acontecimentos com consequências pouco graves. Estes estudos tiveram o papel decisivo de demonstrar que era possível medir e quantificar a percepção do risco. A partir destas técnicas, passou-se a poder identificar as semelhanças e diferenças entre grupos nas suas percepções dos riscos, demonstrando que o conceito risco pode ter diferentes significados para diferentes pessoas. Mais tarde, os mesmos autores desenvolveram um estudo mais alargado sobre a percepção do risco (Slovic et al, 1980), utilizando a mesma metodologia, mas com um leque maior de desastres (90), e acrescentando mais 10 dimensões:

1. Possibilidade – Impossibilidade de prevenção de adversidades 2. Possibilidade – Impossibilidade de controlar danos 3. Pequeno – Grande número de pessoas expostas 4. Pequena – Grande ameaça para as gerações futuras 5. Pequeno – Grande risco pessoal 6. Benefícios Iguais – Desiguais para as pessoas expostas 7. Possibilidade – Impossibilidade de provocar uma catástrofe 8. Danos Visíveis – Invisíveis 9. Riscos Crescentes – Decrescentes 10. Riscos Facilmente redutíveis – Dificilmente redutíveis

Quando extraída, a estrutura factorial encontrada foi bastante diferente da anterior, o que mostra a importância dos estímulos introduzidos nas dimensões encontradas, o que conduziu a um maior consenso na forma como as pessoas percebem o risco, dado que este estudo engloba um maior número de riscos. Vemos na figura 1 a estrutura factorial encontrada neste segundo estudo:

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Figura 1 – Localização dos 81 perigos nos Factores 1 e 2 derivadas das inter-relações entre as 15 dimensões do risco (Slovic: 1987)

O primeiro factor, denominado por “terror” (dread), mostra uma associação entre a controlabilidade do risco e a sua gravidade. Quando as pessoas pensam num risco que vêem com um alto potencial de destruição, que se afigura como um perigo para as gerações vindouras e as afecta pessoalmente, também consideram que é um risco sobre o qual não têm controlo, e que não pode ser facilmente atenuado. No oposto, temos os perigos menos ameaçadores, e que são percebidos como controláveis e voluntários. Analisando este factor, facilmente percebemos uma certa forma de pensar defensiva, limitando as suas possibilidades de controlo a desastres de pequenas dimensões, descomprometendo-se de desastres com efeitos mais gravosos. O segundo factor, é designado por “Familiaridade” e associa o grau de conhecimento existente sobre o risco á sua imediaticidade. Então os riscos com resultados observáveis e consequências imediatas são também encarados como conhecidos para os próprios e para a

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ciência. Os riscos recentes e pouco conhecidos, pelo contrário, são igualmente percebidos como provocando consequências não observáveis directamente e efeitos retardados. O último factor, que não se encontra reproduzido na figura 1, é denominado por “exposição ao risco”, é o que opõe os riscos a que estão expostas muitas pessoas àqueles que ameaçam poucas pessoas. O trabalho deste grupo de investigadores foi decisivo por diversos motivos. Veio trazer alguma respeitabilidade ao conceito de risco percebido, demonstrando que não eram apenas resultado de formas irracionais de pensamento resultado de um deficit de conhecimento, mostraram que é possível quantificar e prever a forma como as populações pensam sobre o risco, e que o conceito de risco utilizado pelos especialistas difere muito do que é utilizado pelos leigos. Estes estudos abriram novas portas para uma maior compreensão da percepção dos riscos.

6. Direcções para uma Futura Investigação

Em pleno século 21, vivemos num mundo atormentado com a ameaça de ocorrência de todo o tipo de perigos e catástrofes naturais. Todos os danos causados às pessoas e bens estimulou um interesse considerável em perceber e melhorar as respostas aos riscos naturais. Hoje, com todo o desenvolvimento científico que transformou o mundo onde vivemos, temos a perfeita noção que a tecnologia é a solução para todos os nossos problemas, mas começou a ser evidente que essas ditas soluções tecnológicas, por elas mesmas, seriam insuficientes sem o conhecimento das pessoas que serão afectadas. Por isso, existe a necessidade de pesquisar cada vez mais sobre a percepção do risco, desenvolvendo estratégias eficazes que passa tanto por um conhecimento físico do território, como dos processos sociais, psicológicos e económicos que podem afectar as respostas das pessoas às condições adversas dos perigos a que poderão estar sujeitas. Esta gestão dos riscos não pode estar baseada inteiramente nas avaliações objectivas e nas estatísticas probabilísticas do risco. Uma visão integrada do risco, poderá ajudar a compreender como as pessoas percebem o perigo, e contribuir para desenvolver estratégias mais eficazes de prevenção. A ciência sozinha nunca poderá resolver as questões relacionadas com os riscos (Smith, 2007: 45). Os problemas sempre surgirão na gestão dos riscos, a partir do momento que os especialistas esperarem que as suas conclusões sejam aceites por serem “objectivas”, por parte dos leigos, ignorando o seu lado individual, as suas preocupações e medos. Não podemos reduzir a percepção de riscos a meros erros, ou um deficit de conhecimento. Só pelo facto das 10

pessoas não terem um conhecimento aprofundado de todos os riscos, não quer dizer que sejam ignorantes e não saibam nada. A percepção de riscos é uma representação construída com base numa multiplicidade de factores, ela incorpora simultaneamente a experiência pessoal e as dimensões da realidade que transparecem nas avaliações técnicas (Lima, 2005: 237). Todas estas questões são imensamente importantes para o futuro da nossa sociedade e para a vida no planeta, e por isso é essencial tomarem-se decisões correctas. Mesmo com a quantidade de informação científica disponível, a palavra segurança reveste-se de muita incerteza, nada é garantido. Por isso serão necessários cidadãos mais informados, que possam fazer escolhas em consciência de forma a enfrentar a incerteza do mundo. Este artigo serviu fundamentalmente para lançar as bases para uma futura investigação sobre a forma como as pessoas percepcionam os riscos. Esperamos, ter contribuído para que no futuro, outros possam desenvolver esta linha de pesquisa, quer numa perspectiva teórica quer aplicada.

7. Bibliografia

Kervern, Georges (1995), Elementos Fundamentais das Ciências Cindínicas – Compreender e Prever os Acidentes, Catástrofes e Perigos, Instituto Piaget, Lisboa.

Lima, Maria Luísa (2005): “Capitulo 7. Percepção de Riscos Ambientais, em Contextos Humanos e Psicologia Ambiental, Luís Soczka, Lisboa, Edições Calouste Gulbenkian, págs 203-245.

Slovic, P. (1987), Perception of risk, Science, págs. 280-285.

Smith, Keith (2006), Environmental Hazards – Assessing Risk and Reducing Disaster, fourth edition, Routledge, London.

Starr, C. (1969), Social benefit versus technological risk, Science, págs. 1232-1238.

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