O PAPEL DA SORTE NA REVOLUÇÃO AMERICANA

June 7, 2017 | Autor: Lília Finelli | Categoria: Direito, Hannah Arendt, A Revolução Americana (1763-1787)
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O PAPEL DA SORTE NA REVOLUÇÃO AMERICANA LÍLIA CARVALHO FINELLI1 SUMÁRIO: 1 Introdução – 2 Desenvolvimento – 3 Conclusão – 4 Referências bibliográficas RESUMO: A partir do livro de Hannah Arendt, Da revolução, e do segundo capítulo do livro de Cristiano Paixão e Renato Bigliazzi, História constitucional inglesa e norteamericana: do surgimento à estabilização da forma constitucional, este artigo desenvolverá as circunstâncias que propiciaram à Revolução Americana seu êxito e fará a crítica às conseqüências desse sucesso. PALAVRAS-CHAVE: Hannah Arendt; Cristiano Paixão; Renato Bigliazzi; Revolução Americana; Sucesso. ABSTRACT: From Hannah Arendt’s book, On revolution, and the second chapter of Cristiano Paixão and Renato Bigliazzi’s book, História constitucional inglesa e norteamericana: do surgimento à estabilização da forma constitucional, this article will develop the circumstances that maide the American revolution suceed and will make a critic to the consequences of this success. KEY-WORDS: Hannah Arendt; Cristiano Paixão; Renato Bigliazzi; American revolution; Success.

1 INTRODUÇÃO No segundo capítulo do livro “História constitucional inglesa e norte-americana: do surgimento à estabilização da forma constitucional”, Forma da Constituição nos Estados Unidos da América, Cristiano Paixão e Renato Bigliazzi dão grande enfoque às circunstâncias peculiares que resultaram tanto na Declaração da Independência como na Constituição norteamericana. Recupera-se historicamente a experiência imediatamente anterior a esses eventos, ressaltando a mentalidade, não revolucionária, mas de mudança de postura em relação ao Império. Passa-se à ocorrência dos Congressos Continentais à revolução propriamente dita, até chegar à construção da Constituição. Finalmente, o texto se conclui com as conseqüências geradas pela experiência constitucional norte-americana.

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Graduanda em Direito na Faculdade de Direito da UFMG

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No livro de Hannah Arendt, Da revolução, a autora compara as revoluções 2 americana e francesa, primeiramente definindo o significado de revolução, para logo após passar às questões que diferenciam estas duas revoluções (e por vezes também as subseqüentes), como a questão social e a felicidade pública. Este artigo buscará relacionar estes dois textos, de forma a melhor caracterizar a inovação de circunstâncias nas quais a Revolução Americana se desenvolveu e como esse desenrolar resultou em uma exultação parcial dos resultados da revolução, bem como num esquecimento de muitas características e conquistas desse evento.

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2.1 A experiência anterior às insatisfações Primeiramente, é preciso compreender que a Revolução Americana é evento único na História, sendo considerada a única revolução a ter êxito em suas proposições, no sentido de que realmente alcançou o objetivo maior de uma revolução, a constituição da liberdade, e também a meta do governo revolucionário, a fundação da República, embora não tenha conseguido perpetuar o espírito que a inspirou. Em segundo lugar, deve ser lembrado o fato de que as revoluções dos séculos XVII e XVIII pretenderam ser apenas restaurações e que os homens das primeiras revoluções – isto é, aqueles que não apenas fizeram uma revolução, mas introduziram as revoluções no cenário da política – não estavam absolutamente ansiosos por coisas novas. [...] o pathos de uma nova era [...] só veio à tona depois que chegaram, muito contra sua vontade, a um ponto sem retorno. (ARENDT, 1990, p. 33)

Estes homens estavam convencidos de que iriam apenas restaurar uma antiga ordem que foi perturbada pelo abuso do poder colonial e uma das muitas “ironias” do processo revolucionário norte-americano é o fato de os colonos terem insistido em lutar “contra a pátria-mãe com o objetivo de preservar seus direitos naturais à liberdade inglesa, nos termos da lei”. (PAIXÃO; BIGLIAZZI, 2008, p. 116)

Segundo Paixão e Bigliazzi, embora se possa pensar que a experiência norteamericana é uma mera continuação da inglesa ou, o oposto, é uma total ruptura, com a herança inglesa como obstáculo a ser superado, deve-se evitar esse tipo de compreensão. Ao

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Ressalve-se o fato de que foi na Revolução Francesa, com a frase do Duque de Liancourt ao rei Luís XVI, na ocasião da Queda da Bastilha, que se cunhou o termo “revolução”.

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entender esse processo, do qual resultou o constitucionalismo, devem ser considerados três pontos de partida: saber que a Constituição não foi construída do nada; que ela não tem precedentes; e que deve-se questionar o significado da construção moderna da inovação dessa revolução: a nova fundação para a normatividade. Relembrando a história imediatamente anterior a esse evento, percebe-se que, apesar de não haver padrão para a fundação das Treze Colônias, havia dois aspectos comuns que se destacavam, já que contribuíram para a formação de uma identidade local e sentimento de autonomia que foram a chave para o sucesso da revolução: a celebração de um pacto para a fundação de uma nova comunidade e a noção de auto-governo e autonomia do poder central. Segundo Hannah Arendt, esses dois antecedentes foram parte da grande sorte da Revolução Americana, já que, como os habitantes das colônias já estavam organizados em sistemas de auto-governo, a revolução não os lançou num estado de Natureza e o poder dos que deram forma às constituições estaduais e, por fim, à Constituição dos Estados Unidos, nunca foi contestado seriamente. Outro fato que Arendt caracteriza como integrante dessa grande sorte foi a herança histórica da monarquia limitada. A autora coloca que a diferença mais óbvia entre as Revoluções Americana e Francesa consistiu nessa herança, já que a revolução é predeterminada pelo tipo de governo que ela baniu e “quanto mais absoluto esse governo, tanto mais absoluta será a revolução que o substituir” (ARENDT, 1990, p. 124). Como a revolução foi conseqüência de um conflito com a Inglaterra, monarquia limitada, na qual não havia nenhum poder isento de leis, os idealizadores das constituições americanas, embora entendessem que tinham que estabelecer uma nova fonte de lei e novo sistema de poder, não foram tentados a atribuir a mesma origem à lei e ao poder: Para eles, o fundamento do poder era o povo, mas a fonte da lei devia ser a constituição, um documento escrito, uma coisa objetiva durável, a qual, certamente, podia ser abordada de diferentes ângulos e estar sujeita a muitas interpretações diferentes, e que podia ser mudada ou reformulada segundo as circunstâncias, mas que, no entanto, jamais seria um estado de espírito subjetivo, como a vontade. (ARENDT, 1990, p. 125-126)

A partir da Revolução Gloriosa, cresceu entre os colonos o sentimento de orgulho dos direitos e liberdades ingleses, vinculando-se a idéia de liberdade e de preservação dos direitos associada a um corpo representativo. Assim, a prática colonial anterior à revolução se inspirou no modelo constitucional da Inglaterra pós-Revolução Gloriosa. No Novo Mundo, combinaram-se as idéias de autonomia local e filiação a um império, o que só foi possível por conta da política britânica de tolerância religiosa e limitação monárquica. Segundo Paixão e

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Bigliazzi, a combinação entre pacto fundante, exercício de auto-governo e defesa da imposição de limites ao governo se somou a novidades na experiência colonial.

2.2 Rumo à independência A partir de 1748, algumas medidas foram adotadas pela metrópole, trazendo a reação dos colonos, apesar a negligência salutar já ter começado a incomodar o poder central desde 1640. Com o insucesso das políticas iniciais, em 1760, novas medidas mais duras foram aplicadas. Paixão e Bigliazzi colocam como motivos da mudança de postura o crescimento da colônia, com aumento de produção e comércio; a percepção pela metrópole do crescente perigo de derrota em território norte-americano; o enfraquecimento do poder da metrópole nos assuntos políticos; e o enfraquecimento dos governadores ingleses como conseqüência do aumento de poder dos líderes locais. A nova política controlaria as assembléias locais; no entanto, com a Guerra dos Sete Anos, em 1756, a metrópole foi novamente atraída pelo cenário internacional, dando início a outro período de negligência. Com o fim da guerra, em 1763, com a conquista de territórios canadenses, volta-se a atenção às colônias. As medidas anteriores ao fim da guerra adotadas, regulamentadoras do comércio e que utilizavam como instrumento os tributos, foram vistas como uma ameaça às liberdades adquiridas, bem como a continuidade do comércio dos colonos, o que levou ao Congresso do Stamp Act, em 1756. A petição elaborada pelas oito colônias participantes foi deixada de lado e, em 1767, novas disposições foram aprovadas (Townshend Acts), em vista dessa nova volta dos olhares da metrópole sobre a colônia, após a guerra. Esses atos aprofundaram a crise da Inglaterra, já que levaram ao boicote de seus produtos. Durante esse distanciamento, dois incidentes ocorreram: o Massacre de Boston e o incêndio de um navio da marinha britânica, em Rhode Island. Nomes importantes começaram a se manifestar nas colônias e setores da comunidade colonial se agruparam sob a liderança de políticos (Filhos da Liberdade). Com a proximidade de falência da Companhia das Índias Orientais, o Parlamento impôs a regulamentação do comércio do chá, um mecanismo sutil de fixação de tributos. Mesmo sutil, foi percebido, tendo sua motivação implícita um resultado: o Boston Tea Party, reação dos colonos à imposição de tributos por um Parlamento no qual não estavam representados.

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Londres utilizou o episódio para a adoção de medidas mais severas, denominadas Coercive Acts, ou para os colonos, Intolerable Acts, implementadas entre março e junho de 1774. A partir desses atos, os colonos se reuniram em setembro, na Filadélfia, no primeiro Congresso Continental. A petição feita foi desconsiderada pela metrópole. Quando o segundo Congresso iniciou suas sessões, em maio de 1775, procurou-se nova saída conciliatória. A petição não foi sequer aceita pelo rei e, em dezembro, o Parlamento aprovou o Prohibitory Act, banindo o comércio com as colônias. Os colonos norte-americanos combinaram duas mentalidades: o orgulho quanto à tradição inglesa e uma orientação à vigilância e defesa dos direitos e liberdades. Porém, quando a metrópole se tornou a corporificação da opressão, a segunda suplantou a primeira. A tomada de consciência de que a estrutura conceitual que os motivara a esse orgulho não mais existia na Inglaterra naquela época, bem como que a metrópole não estava disposta a tratar os colonos como ingleses, foi o que conduziu à independência. Um dos sintomas evidentes da ruptura foi a determinação do segundo Congresso de que todas as colônias aprovassem novas constituições, sendo essa a decisão que Paixão e Bigliazzi consideram a verdadeira declaração de independência. Com a mudança de postura das colônias em relação à Inglaterra, passando a enxergá-la como símbolo da tirania e injustiça, entre 1763 e 1776, os colonos britânicos não mais sentiam ter as mesmas liberdades que os súditos britânicos. Thomas Paine publica seu panfleto “Senso Comum” e observa-se a tendência dos delegados em prol da separação, o que culminou na Declaração de Independência, em 4 de julho de 1776. Como os habitantes das colônias estavam congregados, possuindo direitos de se reunirem para deliberar sobre negócios públicos, foi formado um sentimento de nação a partir dessas assembléias de cidades e distritos, tendo a revolução entrado em ação antes da guerra com a Inglaterra começar.

2.3 A revolução Consolidada a independência, os EUA ainda teriam que decidir uma série de questões e esse processo só seria concluído entre 1787 e 1789, com a promulgação e ratificação da Constituição. O campo de experimentação constitucional seria os Estados, já que as colônias estavam acostumadas com a independência relativa desses, sem a existência de nenhuma

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instituição que os unisse. A elaboração foi plural, mas foram linhas comuns a supremacia do poder Legislativo e a desconfiança no Executivo. Com dificuldades de concordância, na década de 1780, houve a convocação de uma Convenção Constitucional, com o desenvolvimento dos Artigos da Confederação. Já no segundo Congresso se havia percebido a necessidade de algo que unisse as colônias, prevendo a possibilidade de uma guerra longa contra a metrópole, mas não se chegou a um consenso sobre essa união à sua época. A ratificação dos Artigos foi tão lenta que no momento da entrada em vigor já estavam ultrapassados pelas crises, como a fiscal que se iniciou em 1770, e pela ênfase na política interna dos Estados. Após o caso de Maryland vs Virgínia3, ficou claro que os Artigos deveriam ser refeitos e foi convocada uma nova Convenção, a da Filadélfia. Foram tratados assuntos polêmicos, como a representação e a instituição da presidência, o que acabou por resultar nas idéias de federalismo dual e de liberalismo. A convenção tratou também da declaração de direitos inserta na Constituição, idéia que foi descartada neste momento. Finalmente, o que desviou essa revolução do destino que as outras tiveram foi que a vitória sobre a Inglaterra não teve como conseqüência um grande número de nações, o que levaria as províncias ao exaurimento e, enfim, a sucumbir a alguém mais forte. A febre de constituições que tomou conta do país após a Declaração de Independência foi também fator para o sucesso, já que evitou o aparecimento de um vazio de poder. Além disso, Arendt coloca que o papel da revolução foi o de expandir o poder de pacto e de elaborar constituições que já existia nos primeiros dias da colonização, adicionando a soberania. Isso porque a autoridade dos que receberam o poder de constituir veio de baixo, tendo a doutrina da soberania do povo emergido das municipalidades e tomado conta do Estado.

2.4 As conseqüências da experiência constitucional norte-americana: o esquecimento Embora Paixão e Bigliazzi coloquem que a Revolução Americana trouxe como principais contribuições à noção moderna de constituição a supremacia constitucional e o controle de constitucionalidade, com o deslocamento da perspectiva do passado e futuro, que permite o desenvolvimento da idéia de direitos fundamentais, em “Da revolução”, Hannah

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Também conhecido como o conflito sobre o rio Potomac.

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Arendt coloca um ponto enfático nesta revolução, um outro lado. É sua faceta de esquecimento, inclusive pelos próprios americanos. A Constituição Americana brotou da confiança na descoberta de um princípio de poder suficientemente forte para fundamentar uma união perpétua e, por isso, é muito superior às outras, vindas da desconfiança do poder em geral. O curso dessa revolução nos dá lição sem precedentes, pois não eclodiu simplesmente; foi antes conduzida por homens que tomaram juntos uma decisão e se comprometeram, mostrando, como insistira Hamilton, que os homens “são realmente capazes [...] de estabelecer um bom governo, com base na reflexão e na escolha”, que eles não estão “para sempre destinados a depender, para suas constituições políticas, do ocidente e da força”. (ARENDT, 1990, p. 171)

Além disso, como coloca Nádia Souki, Hannah Arendt atribui a boa sorte da Revolução ao fato dela ter se concretizado sem violência, já que o fundamento do poder era o povo e a fonte devia ser a Constituição. O problema da autoridade, recorrente nas outras revoluções, foi resolvido com a Suprema Corte, uma espécie de assembléia constitucional em sessão permanente. Segundo David Lopes, como as revoluções que se seguiram se basearam na Revolução Francesa, entendeu-se que o problema social está acima do político, devendo sempre ser resolvido primeiro. No entanto, nenhuma revolução conseguiu ultrapassar a fase de supressão das carências materiais para chegar à liberdade política, sendo que os que ficaram com o papel de libertar o povo se mantiveram no poder sob essa desculpa. Sendo esta uma revolução tão importante, tendo atingido seus objetivos e formado conceitos novos que guiariam o mundo moderno, como poderia ela ser esquecida? Como Hannah Arendt coloca, A triste verdade da questão é que a Revolução Francesa, que redundou em desastre, tenha feito história no mundo, ao passo que a Revolução Americana, tão triunfantemente vitoriosa, tenha permanecido um acontecimento de importância quase que apenas local. (ARENDT, 1990, p. 45)

A cientista política entende que as revoluções vieram a ficar sob a influência da Revolução Francesa e sob o domínio da questão social porque nada nem remotamente comparável em qualidade, ao nível do pensamento, resultou da Revolução Americana. Essa idéia deve, porém, ser repensada, tendo em vista as longas discussões e produções que advieram desta revolução, que se mantiveram em análises do período até os dias de hoje, como a crítica “The radicalismo of the American Revolution”, de Gordon Wood ou o também crítico “How democratic is the American Constitution”, de Robert Dahl.

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Apesar da revolução ter obtido sucesso, ele se deveu em parte ao fato de que estava ausente do cenário americano a miséria e a escassez, presente em todo o resto do mundo. Já que não existia nenhum sofrimento que pudesse despertar suas paixões e afastar sua razão, os homens da Revolução Americana permaneceram homens de ação do princípio ao fim e foi como se a Revolução Americana tivesse se encerrado numa torre de marfim, na qual o tenebroso espetáculo da miséria humana e as vozes fantasmagóricas da pobreza abjeta jamais penetraram. (ARENDT, 1990, p. 75)

Segundo Gordon Wood, é exatamente a grande prosperidade, a não-existência da pobreza em massa, a falta de descontentamento social e a opressão não tão forte, tendo experimentado a liberdade e a independência, que fez com que os indivíduos ficassem em um estado de ansiedade: The society was becoming more unequal, but its inequalities were not the source of the instability and anxiety. Indeed, it was the pervasive equality of American society that was causing the problems. (WOOD, 1992, p.170)

Ao perceberem o que acontecia no mundo a seu redor, os americanos foram cada vez mais tentando esquecer ou modificar mentalmente seu processo e, quando a América emergiu de seu isolamento, no início do século XX, achou que deveria reproduzir o que os outros escreveram, a sangue, na tinta e no papel, ficando a historiografia obcecada pelo desmascaramento dos Pais Fundadores e pela busca de motivos ocultos na Constituição. A meta do governo revolucionário colocada por Hannah Arendt como sendo a República foi, segundo Gordon Wood, o que finalmente destruiu a sociedade monarquista americana, embora não em um único momento, como na Declaração de Independência ou na Promulgação da Constituição. Como um conceito em formação, o republicanismo se misturou com a monarquia, tendo até mesmo John Adams afirmado que ele podia significar qualquer coisa, tudo ou nada. Os laços entre Novo e Velho Mundo se romperam com a concepção de que a Revolução Americana foi a culpada pelo advento da Revolução Francesa, levando à perda parcial de relevância política do Novo Mundo e a classificação dos EUA como terra não dos livres, mas dos pobres. O país pagou um alto preço pela não-incorporação total da Revolução Americana à tradição revolucionária, incluindo um esquecimento, em menor nível, dos próprios americanos sobre esse evento. Porém, como já demonstrado, o pensamento de Hannah Arendt de que, como essa revolução não conseguiu manter o interesse em assuntos políticos após a instauração da República, ela permaneceu estéril na política mundial, não é de todo real, embora os princípios da revolução, originalmente políticos, tenham sido transformados em valores sociais.

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3 CONCLUSÃO Embora tanto a partir do texto de Hannah Arendt como do texto de Paixão e Bigliazzi possa ser entendida a importância da Revolução Americana, é notável que há um desprezo pelos fatos que ocorreram nas colônias, durante o século XVIII. É raro que se façam referências à forma como se constituiu o Estado norte-americano, no sentido de sua conquista da liberdade, tida por Hannah Arendt como a participação nas coisas públicas, ou admissão no mundo político, apesar da supralegalidade e do controle de constitucionalidade serem recordados com mais freqüência. Arendt afirma esse entendimento, embora se possa colocar em xeque sua idéia de que nenhuma obra qualificada resultou da Revolução Americana: [...] uma vez que nada nem remotamente comparável em qualidade, ao nível do pensamento, resultou do curso da Revolução Americana, as revoluções vieram a ficar definitivamente sob a influência da Revolução Francesa, em geral, e sob o predomínio da questão social, em particular. (Isso é verdade mesmo para Tocqueville, cujo principal interesse foi estudar, na América, as conseqüências daquela longa e inevitável revolução da qual os eventos de 1798 representaram apenas o primeiro estágio. No que diz respeito à própria Revolução Americana e às teorias dos fundadores, ele permaneceu curiosamente desinteressado). (ARENDT, 1990, p. 49)

Mas não seria exatamente a sorte, ou seja, os fatores que só existiam nas Treze Colônias e possibilitaram esses eventos, o que fez com que o resto do mundo se identificasse com a Revolução Francesa, ao invés de essa não-identificação com os americanos se dar pela falta de pensamento e obras sobre o assunto? Por isso, é necessário uma reflexão acerca dessas características individuais das colônias da América no período tratado, já que ainda hoje esse país em muito difere de todos os outros. A partir de uma análise de suas características, seria possível então melhor compreendê-lo, bem como com ele aprender a importância da criação da liberdade, tida aqui como participação política e que leva a uma felicidade pública, bem como que a preparação para assumir o poder, mesmo quando o que se quer é uma restauração, é uma grande força, já que une as pessoas, que agem em favor de uma causa comum. 4 BIBLIOGRAFIA ARENDT, Hannah. Da revolução. São Paulo: Ática, 1990. (Série Temas. Volume 5: Estudos políticos) BIGLIAZZI, Renato; PAIXÃO, Cristiano. História constitucional inglesa e norte-americana: do surgimento à estabilização da forma constitucional. Brasília: UnB, 2008.

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LOPES, David Francisco. A atividade legislativa e o exercício de liberdades público-políticas como locus de emancipação e desenvolvimento social. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2009. SOUKI, Nádia. Da crise da autoridade ao mundo invertido. In: DE MORAES, Eduardo Jardim; BIGNOTTO, Newton (orgs.). Hannah Arendt: diálogos, reflexões, memórias. Belo Horizonte: UFMG, 2001. WOOD, Gordon S. Radicalism of the American Revolution. New York: A.A. Knopf, 1992.

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