O Papel do Estado e o Progresso do Brasil

May 30, 2017 | Autor: Roberto Goldstajn | Categoria: Corporate Social Responsibility, Corporate Governance, Sustainable Development, Tax Policy
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ISSN 1981-2221

Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas Ano IX – Nº 49 Mar-Abr 2015 Repositório Autorizado de Jurisprudência Superior Tribunal de Justiça – nº 64/2008 Editores Fábio Paixão Ives Gandra da Silva Martins Pilar Jiménez Tello Walter Diab

Conselho Editorial Hugo de Brito Machado (Coordenação) – Humberto Ávila (Coordenação) Ives Gandra da Silva Martins (Coordenação) Francisco Pedro Jucá (Coordenação) – Régis Fernandes de Oliveira (Coordenação) Ademar Pereira – Alcides Jorge Costa – André L. Costa-Corrêa Antonio Carlos Rodrigues do Amaral – Antonio Jorge Pereira Jr. Carlos Mário da Silva Velloso – Castro Meira – Claudia Fonseca Morato Pavan Cláudio S. Lembo – Edison Carlos Fernandes – Edvaldo Pereira de Brito Eliana Calmon – Fátima Fernandes R. de Souza – Francisco Rezek Gilmar Mendes – Hugo de Brito Machado Segundo – José Augusto Delgado José Maurício Conti – Kiyoshi Harada – Marcos Sacristán Represa – Marcus Abraham Marilene Talarico M. Rodrigues – Misabel Abreu Machado Derzi Monica Herman Salem Caggiano – Nelson Jobim – Newton De Lucca Pedro José Carrasco Parrilla – Regina Helena Costa Rogério Vidal Gandra da Silva Martins – Ronaldo Chadid Roque Antonio Carrazza – Sacha Calmon Navarro Coêlho – Sepúlveda Pertence

Autores colaboradores deste Volume André L. Costa-Corrêa – Cícero de Oliveira Sabino – Dolina Sol Pedroso de Toledo Edison Carlos Fernandes – Ives Gandra da Silva Martins – Nahyana Viott Roberto Goldstajn – Thaís Folgosi Françoso – Thiago Pereira Figueirêdo

Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas – Caderno de Direito Comparado Publicação bimestral da Editora Magister Ltda. em parceria com o Centro de Extensão Universitária aos quais se reservam todos os direitos, sendo vedada a reprodução total ou parcial sem a citação expressa da fonte. A responsabilidade quanto aos conceitos emitidos nos artigos publicados é de seus autores. Artigos podem ser enviados para o e-mail [email protected], ou para o e-mail doutrina@ editoramagister.com. Não devolvemos os originais recebidos, publicados ou não. As ementas e acórdãos aqui publicados correspondem aos seus originais, obtidos junto ao órgão competente do respectivo Tribunal. Esta publicação conta com distribuição em todo o território nacional e poderá ser enviada ao exterior. A editoração eletrônica foi realizada pela Editora Magister, para uma tiragem de 3.100 exemplares. Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas v. 1 (mar./abr. 2007)-.– Porto Alegre: Magister ; São Paulo: Instituto Internacional de Ciências Sociais/Centro de Extensão Universitária, 2007. Bimestral. Coordenação: Hugo de Brito Machado, Humberto Ávila, Ives Gandra da Silva Martins, Francisco Pedro Jucá e Régis Fernandes de Oliveira. v. 49 (mar./abr. 2015). ISSN 1981-2221 1. Direito Tributário. Direito Constitucional. Sistema Tributário Nacional. Imposição Tributária. Tributos. Impostos. Taxas. Contribuições. 2. Finanças Públicas. Direito Financeiro. Direito Econômico. Direito Político. Política Tributária. Direito Administrativo. Preços Públicos. Tarifas. 3. Ética Pública. Moralidade Institucional. Ética Fiscal. Moralidade Administrativa. 4. Sociologia Financeira. Psicologia Financeira. CDU 336.2(05) CDU 342+336.1/.5(05) CDU 336.2:172.1(05) CDU 316.334.2(05) Ficha catalográfica: Leandro Lima – CRB 10/1273 Capa: Apollo 13

Editora Magister Ltda. Diretor-Presidente: Carlos Serra Diretor Executivo: Fábio Paixão Diretor Administrativo: Nelson Colete Diretora de Produção: Ana Maria C. Paixão

Alameda Coelho Neto, 20 / 3º andar Porto Alegre – RS – 91.340-340 www.editoramagister.com [email protected] Serviço de Atendimento – (51) 4009.6160

Sumário Doutrina 1. Reflexos Tributários da Corrupção Edison Carlos Fernandes ............................................................................................. 5 2. Análise da Evolução Jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal sobre a Imunidade Relativa a Livros, Jornais, Periódicos e o Papel Destinado à sua Impressão André L. Costa-Corrêa ............................................................................................. 13 3. O Abusivo Protesto da Certidão de Dívida Ativa Thaís Folgosi Françoso e Nahyana Viott..................................................................... 29 4. Breves Anotações sobre o Princípio da Segurança Jurídica no Âmbito do Direito Tributário Cícero de Oliveira Sabino e Thiago Pereira Figueirêdo................................................ 45 5. A Concomitância entre Demandas Tributárias nos Âmbitos Administrativo e Judicial e seus Efeitos Dolina Sol Pedroso de Toledo ..................................................................................... 65 6. O Papel do Estado e o Progresso do Brasil Roberto Goldstajn ..................................................................................................... 84

Pareceres e Peças Forenses 1. Imunidade Constitucional do ICMS para Exportação de Produção Local para o Exterior. Inteligência do Artigo 155, § 2º, Inciso X, Letra A, da Constituição e Consequências Jurídicas. Parecer Ives Gandra da Silva Martins ................................................................................... 93

Jurisprudência 1. Supremo Tribunal Federal – Contribuições para o Programa de Integração Social – PIS e para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins. Importação. Valor Aduaneiro Acrescido do Valor do ICMS e das Próprias Contribuições. Inconstitucionalidade Relª Minª Cármen Lúcia ........................................................................................ 114 2. Superior Tribunal de Justiça – IPI. Bitributação. Mercadoria Importada. Incidência apenas no Desembaraço Aduaneiro, Não Sendo Viável Nova Cobrança de IPI na Saída do Produto quando de sua Comercialização, ante a Vedação do Fenômeno da Bitributação Rel. Min. Og Fernandes.......................................................................................... 121

3. Superior Tribunal de Justiça – ISS. Arrendamento Mercantil – Leasing Financeiro. Incidência. Inexistência de Ofensa ao Art. 110 do CTN. Competência para se Efetuar a Cobrança do Tributo. Interpretação do Art. 12, A, do DL nº 406/68 (Revogado pela LC nº 116/03) Rel. Min. Mauro Campbell Marques ....................................................................... 128 4. Superior Tribunal de Justiça – Embargos à Execução Fiscal. Taxa de Fiscalização de Localização e Funcionamento – TFLF. Lançamento do Crédito Tributário. Necessidade de Notificação Pessoal e por Escrito do Contribuinte Rel. Min. Benedito Gonçalves ................................................................................. 136 5. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda – PIS/ Cofins. Base de Cálculo. As Receitas Financeiras Não Compõem a Base de Cálculo do PIS e da Cofins, no Caso em que a Pessoa Jurídica Não Exerça Atividade Econômica Tendo estas como Objeto Relª Cons. Carmen Ferreira Saraiva ........................................................................ 141 6. Tribunal de Justiça do Distrito Federal – Repetição de Indébito. Cobrança Indevida de IPTU. Impossibilidade de Uso e Fruição da Propriedade. Ocorrência. Inexistência do Fato Gerador Rel. Des. Sebastião Coelho ...................................................................................... 154 7. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Execução Fiscal. Redirecionamento. Herdeiros. Possibilidade. Hipóteses Relª Desª Laura Louzada Jaccottet........................................................................... 160 8. Tribunal de Justiça de São Paulo – ICMS. Substituição Tributária. Alegação da Fazenda Pública de que a Autora Responde Objetivamente pela Regularidade da Empresa com quem Negocia. Descabimento Rel. Des. Jarbas Gomes ........................................................................................... 164 9. Ementário ........................................................................................................... 167

Sinopse Legislativa .............................................................................................. 188 Destaques do Volume Anterior .......................................................................... 189 Índice Alfabético-Remissivo .............................................................................. 190

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O Papel do Estado e o Progresso do Brasil ROBERTO GOLDSTAJN Advogado em São Paulo.

RESUMO: Aborda-se aqui a possibilidade de união entre sociedade e Estado, sem qualquer ofensa aos preceitos constitucionais e legais, para o desenvolvimento do Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Papel do Estado. Autonomia dos Entes Políticos.

SUMÁRIO: I – Introdução. II – Princípios Fundamentais. III – Autonomia dos Entes Políticos. IV – Ferramentas para o Desenvolvimento. V – Conclusão.

I – Introdução A mídia tem destacado o aumento de arrecadação por parte do Estado, fato que, em muitos casos, inviabiliza novos investimentos, nacionais e/ou estrangeiros, indispensáveis para a geração de empregos, a que se segue o aumento da base de consumo e por aí vai. Tal política está em dissonância com a orientação posta no art. 3º da Constituição Federal. Também vale relembrar que a Constituição, no parágrafo único do art. 1º, dispõe que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Deste modo, a sociedade se encontra devidamente legitimada a exigir de seus representantes o cumprimento dos preceitos constitucionais acima descritos mediante a formulação de políticas públicas, dentre elas as fiscais, que garantam a implementação e a eficácia dos objetivos perseguidos pela Constituição Federal nos preceitos fundamentais. Recentemente, os setores automobilístico e linha branca recorreram a essas regras para pleitear a redução da carga tributária a fim de garantir a manutenção de empregos durante a última grande crise global.

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Com isso, referidas atividades industriais se mantiveram aquecidas e contribuíram para minorar os efeitos da crise de 2008/2009, que decorreu no país sem grandes sustos, mantendo empregos e, pela redução dos preços e alongamento dos prazos de financiamento, associado à redução da carga tributária, permitiu que mais pessoas adquirissem veículos automotores e bens da linha branca, garantindo os níveis de produção e, com isso, o de empregos nos setores. Compreende-se, pois, que a formulação, após amplos debates, de propositura de políticas fiscais, por meio da construção do Sistema Fiscal Nacional, entre as empresas, consumidores, trabalhadores e outros representantes da sociedade civil, juntamente com o Estado, possa contribuir para o desenvolvimento do país. Dita união de esforços implicará em aperfeiçoamento e/ou implantação de políticas dentro das empresas para garantir a ética e a transparência de pleitos desenvolvimentistas. Portanto, ganha força a possibilidade de discussão de inúmeras saídas práticas para garantir a competitividade do Brasil de forma a viabilizar novos investimentos, independentemente da “Reforma Tributária”, através de propositura de políticas fiscais adequadas. A proposta do presente artigo é discorrer, em poucas palavras, sobre a possibilidade de união entre sociedade e Estado, sem qualquer ofensa aos preceitos constitucionais e legais, para o desenvolvimento do Brasil.

II – Princípios Fundamentais A Constituição Federal, em seu art. 3º, reza o seguinte: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

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Como se vê do dispositivo constitucional transcrito acima, o Estado tem bem definido qual é o seu papel perante a sociedade, nesse caso, garantir o “progresso da nação brasileira”. Nesse sentido, vale a pena transcrever trecho do parecer do ilustre jurista Luís Roberto Barroso mencionado no voto do exmo Sr. Dr. Ministro Gilmar Mendes por ocasião do julgamento da ADIn 3.128-7: “Uma das principais características do direito constitucional contemporâneo é a ascensão normativa dos princípios, tanto como fundamento direto de direitos como vetor de interpretação das regras do sistema. Dentre os princípios que vêm merecendo distinção na quadra mais recente está o princípio da solidariedade, cuja matriz constitucional se encontra no art. 3º, I. O termo já não está mais associado apenas ao direito civil obrigacional (pelo qual alguém tem direito ou obrigação à integralidade do crédito ou da dívida), mas também, e principalmente, à ideia de justiça distributiva. Traduz-se na divisão de ônus e bônus na busca de dignidade para todos. A solidariedade ultrapassa a dimensão puramente ética da fraternidade, para tornar-se uma norma jurídica: o dever de ajudar o próximo. Conceitos importantes da atualidade, em matéria de responsabilidade civil, de desenvolvimento sustentado e de proteção ambiental fundam-se sobre esse princípio, inclusive no reconhecimento de obrigações com gerações futuras.”

Dentro desse contexto, insta destacar a definição do conceito de desenvolvimento sustentável de acordo a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento estabelecida no Relatório Brundtland, intitulado “Nosso Futuro Comum”: “O desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer as habilidades das gerações futuras em atender suas próprias necessidades.”

Como se nota do conceito acima, resta claro que o Estado não deve ser o único responsável pelo desenvolvimento socioeconômico (segundo Dicionário Houaiss 2001, Dicionário Aurélio 1999, Novo Manual de Redação da Folha de S. Paulo 1992) e ambiental, pois se assim for, em virtude da alternância de poder, os planos poderiam ser alterados, o que complica a estabilidade dos comportamentos, e o desenvolvimento do Brasil, que deve ser contínuo, não interrompido de quatro em quatro anos. De tal modo, o desenvolvimento sustentável do Brasil, em especial nas regiões mais carentes, somente será possível por meio de ações coordenadas entre Estado e iniciativa privada com a participação de todos os stakeholders (agentes sociais interessados). Algumas empresas têm buscado incorporar o conceito de sustentabilidade em suas estruturas organizacionais.

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Porém, nem todos são felizes no atendimento do conceito acima, porque diversas corporações se voltam para suas necessidades imediatas, adotando política expansionista que pode comprometer o bem-estar de futuras gerações e, consequentemente, seu próprio negócio. Vale dizer que referida postura geralmente não considera a necessidade de conservação dos recursos naturais imprescindíveis para a sobrevivência do homem. Que tipo de comportamento esperar da iniciativa privada sem estímulos corretos? Qual a consequência dessas ações? É preciso promover ações para tornar a comunicação e a educação acessíveis às regiões menos desenvolvidas, sem deixar de lado investimentos por melhores condições habitacionais e a conservação do meio ambiente. Sabe-se que 2.304 municípios possuem PIB per capita menor que R$ 5.000,00, e 2.857 municípios têm IDH – Índice de Desenvolvimento Humano menor que 0,751. Significa aumentar a: a) disponibilidade de mão de obra qualificada; b) criar postos de trabalho; c) estimular o consumo consciente; d) tornar a arrecadação tributária justa; e e) preservar a qualidade de vida. Diversas empresas de vanguarda investem em desenvolvimento sustentável, fato que, em alguns casos, pode representar aumento da receita equivalente a 1% sobre o Produto Interno Bruto. Por isso a importância de ações coordenadas voltadas para aperfeiçoamento do processo de desenvolvimento sustentável, dentre as quais a utilização de incentivos fiscais do Estado como forma de viabilizar investimentos estruturais (educação, emprego, habitação, saúde, etc.) sem riscos para a operação futura. Frise-se a importância da adoção dos conceitos de sustentabilidade, regulação e fiscalização para cumprimento de metas socioambientais como forma de viabilizar a concessão de incentivos para o desenvolvimento regional através de processos industriais baseados na utilização de energia limpa e cuidados com o meio ambiente em sintonia com as metas socioambientais estabelecidas pelo Poder Executivo. Nesse enleio, vale a pena transcrever os ensinamentos de Marcelo Caetano: “À falta de melhor orientação, deverá o interprete voltar-se para as finalidades mais elevadas do Estado, que são a segurança, a justiça e o bem-estar social.” (In: Direito constitucional. 1987. p. 181-6)

Indiscutível a função essencial do Estado e a atitude construtiva/proativa da sociedade para o desenvolvimento sustentável da nação.

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III – Autonomia dos Entes Políticos O art. 1º c/c o art. 18, ambos da Constituição Federal, estabelecem autonomias dos entes políticos, tal como transcrito a seguir: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

Consoante se depreende dos dispositivos constitucionais, a política fiscal de um ente político jamais poderá interferir na de outro, sob pena de invadir sua competência. Dito raciocínio está em consonância com o entendimento sufragado pelo Ministro Sepúlveda Pertence transcrito a seguir: “2. As normas constitucionais, que impõem disciplina nacional ao ICMS, são preceitos contra os quais não se pode opor a autonomia do Estado, na medida em que são explícitas limitações.” (ADI 2.377-MC; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; DJU 27.11.03)

Nessa seara, vale a pena transcrever os ensinamentos do ilustre jurista José Afonso da Silva: “A Constituição de 1988 modifica profundamente a posição do Município na Federação, porque os considera componentes da estrutura federativa. Realmente, assim o diz em dois momentos. No art. 1º declara que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios, e do Distrito Federal. No art. 18 estatui que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

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Acolhe-se, assim, a reivindicação de municipalistas clássicos, como Hely Lopes Meirelles e Lordelo de Melo, que pleitearam com insistência e veemência a inclusão dos Municípios no conceito de nossa Federação. Esses autores, aliás, já sustentavam que o Município é peça essencial da nossa Federação, desde a Constituição de 1946 que o erigiu em entidade estatal de terceiro grau, integrante e necessária ao nosso sistema federativo. Nos termos, pois, da Constituição, o Município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação, como entidade político-administrativa, dotada de autonomia política, administrativa e financeira. Essa é uma peculiaridade do Município brasileiro. A inclusão do Município na estrutura da Federação teria que vir acompanhada de consequências, tais como o reconhecimento constitucional de sua capacidade de auto-organização mediante cartas próprias e a ampliação de sua competência, com a liberação de controles que o sistema até agora vigente lhes impunha, especialmente por via de leis orgânicas estabelecidas pelos Estados. A característica básica de qualquer Federação está em que o poder governamental se distribui por unidades regionais. Na maioria delas, essa distribuição é dual, formando-se duas órbitas de governo: a central e as regionais (União e Estados federados) sobre o mesmo território e o mesmo povo. Mas, no Brasil, o sistema constitucional eleva os Municípios à categoria de entidades autônomas, isto é, entidades dotadas de organização e governo próprios e competências exclusivas. Com isso, a Federação brasileira adquire peculiaridade, configurando-se nela realmente três esferas governamentais: a da União (governo federal), a dos Estados Federados (governos estaduais) e a dos Municípios (governos municipais), além do Distrito Federal, a que a Constituição agora conferiu autonomia. E os Municípios transformaram-se mesmo em unidades federadas? A Constituição não o diz. Ao contrário, existem 11 ocorrências das expressões unidade federada e unidade da Federação (no singular ou no plural) referindo-se apenas aos Estados e Distrito Federal, nunca envolvendo os Municípios.” (Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 618-619)

Com isso, resta claro que o Texto Magno assegurou a cada ente político o direito de formular sua própria política pública desde que observados, em especial, os seguintes princípios constitucionais: – Sistema Federativo; – Separação dos Poderes; e – Legalidade. Destaca-se, por oportuno, os princípios administrativos a serem observados:

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– Impessoalidade; – Moralidade; – Publicidade; – Proporcionalidade; e – Razoabilidade. A respeito desses princípios, o grande jurista Hely Lopes Meirelles preleciona o quanto segue: “(...) o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o bem do mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto.” (Direito administrativo brasileiro. 22. ed. p. 83)

IV – Ferramentas para o Desenvolvimento Os incentivos fiscais são tidos como uma das mais importantes ferramentas e amplamente utilizada pelos entes políticos para o desenvolvimento nacional e regional, dentre eles a isenção tal como disciplinada pelos arts. 176 e seguintes do Código Tributário Nacional, in verbis: “Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. Art. 177. Salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva: I – às taxas e às contribuições de melhoria; II – aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão. Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104. Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para concessão.

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§ 1º Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção. § 2º O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicandose, quando cabível, o disposto no art. 155.”

Diante desse quadro, a concessão de benefícios de isenção é vista como excelente alternativa para atrair novos investimentos capazes de gerar empregos, melhorar a infraestrutura, ampliar a rede de saúde e aprimorar a educação para toda uma região. Para tanto, a Administração Tributária deve obedecer ao estabelecido nos arts. 198 e 199 do Codex Tributário Nacional como forma de garantir a segurança e o sigilo dos novos projetos propostos por seus contribuintes, tal como se verá a seguir: “Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. § 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. § 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. § 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a: I – representações fiscais para fins penais; II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;

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III – parcelamento ou moratória. Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio. Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.”

Do ponto de vista jurídico, a Administração Pública brasileira está apta a desempenhar o seu papel para promover o desenvolvimento, restando à sociedade se socorrer dessa parceria de forma ética, lícita e transparente para garantir o sucesso de seus pleitos relacionados ao progresso da nação.

V – Conclusão Diante das considerações aqui tecidas e a despeito da falta de perspectivas de reformas no sistema tributário brasileiro, as empresas necessitam atentar para: a) buscar alternativas lícitas, seguras e viáveis para suprir os gargalos decorrentes da carga tributária como forma de torná-las competitivas perante o mercado; b) manter relacionamento ético e transparente com os órgãos públicos para garantir a fruição de eventuais benefícios/incentivos financeiros e fiscais advindos dessa postura construtiva; e c) pensar em políticas tributárias sólidas com o fito de viabilizar parceria público-privada na direção de um sistema tributário mais justo. TITLE: The role of the State and the progress of Brazil. ABSTRACT: This text addresses the possibility of union between Society and State, without contradicting constitutional and legal principles, for the development of Brazil. KEYWORDS: Role of the State. Autonomy of Political Entities.

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