O papel do profeta

May 31, 2017 | Autor: Arthur Cabrera | Categoria: Biblia, Profetismo, Justiça, Antigo Testamento, profetas menores
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O papel do profeta
Falar do papel do profeta é falar sobre sua função e missão na sociedade em que se vive. Assim sendo partimos do pressuposto que o profeta conhece as demandas do seu contexto, e sofre junto com os oprimidos de sua terra, seja direta ou indiretamente. Alem de conhecer sua realidade o profeta também compreende a plenitude da vontade de Deus, e convergem estes conhecimentos em ações cotidianas.
Para o profeta a vontade de Deus se cruza com sua realidade e com seu modo de agir (ética-ethos). Desse modo a vontade de Deus provoca a atuação dos profetas como instância critica, pois, a missão do profeta é levar o povo a se submeter ao direito (Vitorio 2012 pag 29). A ética inspirada por Deus, na revelação da sua vontade é o principio norteador de toda ação profética, desde o direito, até a esperança. A submissão ao direito está intrinsecamente ligada com a consciência de misericórdia na relação mutua, que por sua vez efetiva-se com a justiça. É totalmente adequado aqui a idéia do papel do profeta em Mazzarolo onde diz que "o profeta é a consciência da dignidade do ser humano e sua dupla relação com Deus e o outro".
O profeta é aquele que não fica imóvel diante da corrupção da sociedade onde está inserido, A opressão, a injustiça e o sofrimento dos menos favorecidos é a inspiração de angustia que o leva a ser defensor do direito divino. A tradução de direito provem do vocábulo hebraico mispat, e indica a vontade de Javé para o povo, o querer divino para a população. Em seu clássico da doutrina jurídica, A luta pelo direito o doutrinador Rudolph von Ihering afirma que o direito "é a ordem legal da vida", que basicamente é a transformação do direito abstrato e ideal, em um direito concreto, e real. Esse direito concretiza-se na batalha diária da Lei que é a justiça.
Para o profeta, a justiça vai além da concepção platônica de dar a cada um o que é seu; visto que apesar de ser uma definição objetiva, ela é um tanto quanto utópica e conflitiva, até porque o profeta não pensa na justiça exclusivamente como objeto de estudo, mas como uma pratica a ser buscada diariamente. A palavra justiça, do hebraico sedaqah, transmite a ideia de precisão, exatidão própria, possivelmente de perfeição e justeza.
Compreendemos enfim que a justiça é efetividade do direito. A justiça é o direito expresso e manifesto pelas ruas, no meio dos oprimidos. "Justiça é a situação na qual toda a comunidade esta articulada no respeito a cada um, sem exclusão de ninguém." (Vitório 2012, pag 30)
A misericórdia é o elo que faz a ligação entre o direito e justiça à ética inspirada por Deus, pois a efetividade da justiça só é possível, na medida que sentimos compaixão pelo sofrimento dos menos favorecidos. A palavra misericórdia é traduzida dos termos hebraicos hesed e rahamin que pode significar: amor, piedade, benevolência, bondade. O segundo termo por sua vez transmite a ideia de um amor que provem das entranhas. Amor sentido, e, tão entranhado ao ponto de sentir-se afetado "de maneira especial" pela dor dos oprimidos. Aqui se faz efetivo a ética dos profetas, uma ética expressa no direito e na justiça.
O diálogo entre direito, misericórdia e justiça pode ser melhor compreendido no método que Freitas Faria chama de tripé-analise. A tripé-analise são projetos, que reconduz o povo ao caminho, e estes são resultados da analise critica da realidade e sinal de esperança de um tempo novo, e o profeta é o responsável por apresentar estes projetos. Esta tripé-analise é composta pela denuncia, solução e esperança.
A denuncia parte da percepção do profeta ao compreender as injustiças cometidas no meio do seu povo; essa sensibilidade tem como ponto de partida o Deus libertador, que libertou o povo de Israel do Egito e que é contrario a todo tipo de opressão. Dessa maneira o êxodo é a chance de fazer valer a experiência da justiça e do direito, sem espaço para a exploração e para a opressão. Assim compreendemos também que o modo de agir do profeta ( ethos e o tripé-analise) é um ato de liberdade.
Já a solução e a esperança são inerentes, de forma que a esperança é o resultado obtido através das atitudes de solução. Por exemplo, profetas como: Amós, Isaias, Jeremias, Zacarias, entre outros, apresentaram a conversão do povo como uma solução, ou seja, a solução tinha como base as propostas da aliança feita com Javé. Para alguns profetas, como Amós e Isaias, tinham como esperança o "dia de Javé", ou dia do Senhor, Isaias conforme sua realidade era mais otimista, já Amós era mais desacreditado, devido a grande corrupção do povo, mas ainda sim tinha sua esperança no "dia de Javé". Ainda assim como a critica de cada profeta a esperança de cada um estava condicionada à solução para o seu povo. "A esperança é, pois realista e condicionada ao Deus que liberta. Onde não há justiça, também não há paz". (Farias 2000 pag 41)
Diante do que foi dito, compreendemos enfim que o profeta é a figura da práxis social enquanto expressão de fé, e não está no seu foco as praticas religiosas vazias, e condições imposta por elas. Ele não busca o conhecimento só pelo mero saber, mas a finalidade deste conhecimento o leva a conseqüências praticas, a ações que de fato revelam seu conhecimento de forma libertadora. Seu discurso não é vazio, e seu conhecimento não é para beneficio próprio, mas tem como finalidade o bem comum daqueles que estão sendo oprimidos em sua volta. Visando sempre o direito e a justiça para seu povo. O profeta é um arauto da justiça e um embaixador de Deus.
O profeta Amós
O profeta Amós é um sinônimo de luta e perseverança pelo direito e pela justiça aos menos favorecidos da sociedade. Amós é um exemplo mais que adequado para compreendermos o que foi descrito no inicio da nossa discussão, ele era uma pessoa que tinha uma sensibilidade precisa para as necessidades da sua época. Dialogava o direito ideal com a pratica da justiça na medida do seu modo de agir, a denuncia era seu estilo de vida, mas não era pesaroso e pessimista, e sim trazia uma solução que gerava esperança, O fim para a denuncia, não era a critica pela critica, mas um saída para uma transformação eficaz.
Amós era um pastor de ovelhas e tinha como origem a cidade de Técua (cidade próxima a Jerusalém), exerceu seu ministério por volta do século oitavo a.C no período em que Jeroboão ll reinava em Israel e Azarias em Judá. Grande parte do seu ministério foi exercido dentro das fronteiras de Judá, especificamente em Betel, onde foi proibido de continuar a falar com o povo dali. Neste período as fronteiras de Israel e Judá juntos eram quase tão grandes quanto as do período de Salomão; visto que se trata de um período após a divisão do reinado é de se surpreender a forma que os reinos se comunicavam, e mantinham a paz durante um bom período.
Esta comunicação dos reinos estava diretamente ligada ao comercio internacional, e as rotas comerciais estavam sempre bem movimentadas, aumentando assim a atividade comercia e o giro de capital nos dois Reinos. Talvez seja por isso que este período foi caracterizado por ser um dos períodos de mais prosperidade nos dois reinos. O historiador J. Bright diz que era "uma prosperidade tal que nenhum israelita podia lembrar-se de ter visto algo assim em toda a sua vida".
Os dois governantes se ocupavam e se preocupavam em aperfeiçoar e desenvolver os recursos econômicos, através por exemplo, dos sistemas agrícola e industrial. Este aperfeiçoamento dos recursos fez com que os dois Reinos fortalecessem um índice de desenvolvimento humano elevado, a população crescia e se enriquecia. Porém enquanto uns enriqueciam ainda mais outros empobreciam tanto quanto. Ricos se enriquecendo a custa dos pobres e os pobres se tornando moeda de troca para benéfico das classes superiores.
Da mesma forma que a riqueza material se multiplicava a desgraça moral submergia à sociedade. O contraste de riqueza e pobreza era gritante pelas ruas, de forma que as injustiças também davam as caras. Pequenos agricultores eram encurralados diante o monopólio de grandes fazendeiros, sendo muita das vezes cumplice do sistema, onde os juros subiam de forma ilícita. Fazendo assim com que os pobres da terra servissem de degrau para a ganancia dos ricos.
A estrutura social estava esfacelada e não se restavam saídas para os pobres, enquanto os ricos se enriqueciam cada dia mais. Aqui entra o personagem de profetas como Amós e Oséias, que eram contemporâneos, em especial o profeta Amós. Sua mensagem servia de alerta, como um grito de socorro daqueles que não tinham voz e não tinham vez na sociedade, o profeta falava como quem buscava a submersão da classe oprimida, e como saída a pratica da justiça pelos opressores que significaria uma transformação nas atitudes, adverso a isto o juízo de Deus, que tinha como principal característica a troca de papeis, onde os opressores se tornariam os oprimidos e os oprimidos libertos e exultantes. Assim a mensagem do profeta era sempre, de alguma forma uma esperança para quem já não tinha mais o que esperar.
A mensagem do Profeta
É certo que Amós possuía uma compaixão singular com os pobres, o profeta fala deles diante todo o seu livro, assim, é certo afirmar também que os pobres da terra eram aqueles que o profeta amparava diante toda sua mensagem protegendo-os das injustiças, da violência, dos juros abusivos, dos opressores, da escravidão, e de inúmeras fatalidades do seu contexto. Do que dependesse do profeta, seus direitos não seriam mais violados, Amós expressava enfim, não a parcialidade de Deus para com os pobres, pois também rogava-lhe aos opressores a pratica da justiça, logo Amós expressava a primordialidade com que Deus tratava a dignidade humana.
Em sua mensagem Amós detem de certos tipos de especificações, ou seja, falava com certos grupos específicos, desde nações inteiras até aos pequenos grupos genéricos (pobres, gravidas, pais e filhos, etc), caracterizando a práxis social do profeta, como bem sabemos na figura linguística da tripe-analise (critica, solução e esperança) e o ethos profético (direito, misericórdia e justiça). Podemos enfim compreender como se da esta relação casuística do ethos profético e da tripé-analise no texto bíblico, em especial o texto de Am 2, 6-8.
Luis Sicre ao citar Amsler afirma que Amós, neste texto, denuncia a opressão em quatro âmbitos diferentes: no tribunal, na vida social, na família, no culto (Sicre 1990 pag. 130). Esta com certeza é a maneira mais simples e didatica possível de uma tentativa de compreensão do texto, visto a complexidade das afirmações que os trechos nos remetem. Em razão disto veremos com mais objetividade as expressões do texto bíblico, no que referem-se respectivamente ao que vimos acima.
Em Amós 2, 6-8 podemos testemunhar o profeta tratando especificamente da classe menos favorecida, tratando diretamente com a opressão. O pobre sendo vendido por quantias insignificantes em consequência de suas dividas, o desprezo e o abandono dos pobres, o crime sexual em razão da fragilidade das criadas, e por fim mas não menos importante, o desinteresse dos ricos, em beneficio próprio, usurpando os juros diante do altar de Deus.
A primeira expressão: "porque vendem o justo por dinheiro" (v.6), esta se referindo a um âmbito socioeconômico, onde os credores por imporem uma inflação abusiva no empréstimo, vendem seus devedores como escravos. Dando continuação no trecho, há a expressão: "e o pobre por um par de sandálias"(v.6), indicando a insignificância do valor pelo qual os senhores vendem os pobres. Comparando as expressões Sicre comenta que "no primeiro, a escravidão poderia ter justificativa, mas é inumana, no segundo, não há justificativa alguma" (Sicre 1990 pag. 134).
A próxima expressão: "pisoteiam os pobres e evitam o caminho dos humildes"(v.7) descreve com clareza o total desprezo que os ricos tratam as classes pobres da sociedade, de forma que não vende-os como escravos mas pisoteiam e muitas vezes aniquilam a classe menos favorecida. Outra expressão também é bastante discutida entre os autores do assunto. A expressão: "Um homem e seu pai vão à moça", tem sua discussão conserva-se no sentido da palavra moça, que pode significar prostituta, prostituta cultual, moça que faz parte da família e criada. Assim se seguirmos a logica das denuncias de Amós é mais conveniente usar o termo "criada", por consequência da ideia que esta se passando sobre a opressão aos pobres.
As duas ultimas expressões que Amós utiliza para proferir suas denuncias são inerentes, pois usam o mesmo termo para descrever o ambiente em que se ocorre a negligencia. Quando o profeta diz para os opressores: "Estendem-se sobre roupas deixadas em fiança junto a qualquer altar e bebem vinhos de impostos", ele continua enfatizar a questão da opressão e o mal uso das coisas do povo em beneficio da classe dominante. Amós ainda expressa seu zelo, ao cuidar dos direitos materiais dos pobres e denunciar o mau uso dos impostos. Todas as expressões verificadas só nos levam a certeza do papel que o profeta exerce no meio do seu povo, sua luta pelo direito e a tentativa de implantar a justiça na sociedade é somente a forma do profeta traduzir para o povo a vontade de Deus.

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