O papel do vídeo turístico na produção do lugar como mercadoria: análise do discurso imagético como aporte metodológico nos estudos sobre as Geografias das Imagens.

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ISSN: 1982-1956 http://www.revistas.ufg.br/index.php/atelie

O papel do vídeo turístico na produção do lugar como mercadoria: análise do discurso imagético como aporte metodológico nos estudos sobre as Geografias das Imagens The touristic video’s role in the production of the place as a merchandise: imagetic discourse analysis as a methodological approach in the study about the Geographies of the Images Le rôle de la vidéo touristique dans la production de le lieu comme une marchandise: analyse du discours imagetic comme approche méthodologique dans l’étude sur les Géographies de les Images Fabianne Torres Oliveira da Silva

Universidade Federal do Espírito Santo [email protected]

Antônio Carlos Queiroz Filho

Universidade Federal do Espírito Santo [email protected]

Resumo Este artigo apresenta os resultados obtidos por meio de análises sobre a campanha publicitária da Secretaria de Turismo do Estado do Espírito Santo: “Descubra o Espírito Santo”, onde buscamos compreender o papel da produção e circulação de vídeos turísticos como uma dada “imaginação espacial” (MASSEY, 2000). Ao estudar esses aparatos de visualidade, procuramos compreender o papel que o discurso imagético exerce na relação lugar-mercadoria. A problemática que nos mobilizou trata da seguinte questão: que outras possibilidades espaciais nos restam quando temos o lugar sendo propagandeando exclusivamente em suas excentricidades e submetido à uma narrativa videográfica que mais se vale de uma estética padronizada das paisagens e experiências? A análise dessas “políticas

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visuais” (QUEIROZ FILHO, 2010) são apresentadas ao longo deste artigo e servem como aporte metodológico para outros trabalhos que busquem estudar a relação entre visualidade e espacialidade, cerne do contexto contemporâneo ao se pensar a produção do espaço. Portanto este trabalho é uma Geografia das Imagens. Palavras-chave: Turismo, Imagem, Políticas Visuais, Imaginação espacial.

Abstract This article presents the results obtained from the analysis of the advertising campaign of the Department of Tourism of the State of Espírito Santo: “Descubra o Espírito Santo”, where we aim to understand the role of production and circulation of tourist videos as a given “spatial imagination” (MASSEY, 2000). By studying these apparatuses of visuality, we seek to understand the role that imagetic speech plays in place-merchandise relationship. The issue that mobilized us deals with the question: what other spatial possibilities are left to us when the place is being touting exclusively on his eccentricities and submitted to one videographic narrative that most relies on a standardized aesthetics of landscapes and experiences? The analysis of these “visual politics” (QUEIROZ FILHO, 2010) are presented throughout this article and serve as methodological support to other research works that seek to study the relationship between visuality and spatiality, core of the contemporary context of thinking about Space production. So this work is a Geography of Images. Keywords: Tourism, Image, Visual policies, spatial imagination.

Résumé Cet article présente les résultats obtenus à partir de l’analyse de la campagne de publicité du Département de Tourisme de l’État de l’Espírito Santo: “Découvrez l’Espírito Santo”, qui vise à comprendre le rôle de la production et la circulation des vidéos touristiques comme une “imagination spatiale” donnée (MASSEY, 2000). En étudiant ces appareils de la visualité, nous cherchons à comprendre le rôle que le discours imagetic joue dans la relation lieu-marchandise. La problématique qui nous a mobilisé traite de la question: Quelles autres possibilités spatiales ont quitté quand le lieu est vantant exclusivement sur ses excentricités et soumis à un récit vidéographique qui repose plus sur une esthétique standardisés de paysages et d’expériences? L’analyse de ces “politiques visuels” (QUEIROZ FILHO, 2010) sont présentés dans cet article et servent de soutien méthodologique à d’autres œuvres qui cherchent à étudier la relation entre la visualité et la spatialité, le noyau du contexte contemporain en considérant la production de l’espace. Donc, ce travail est une géographie de les Images. Mots-clés: Tourisme, Image, Politiques Visuels, Imagination Spatiale.

Introdução Essas representações visuais e sonoras são imagens e palavras que, ancoradas na memória do espectador, passam a constituir um repertório de “História e Verdade” com o qual ele opina e age sobre a sociedade em que vive. (Milton José de Almeida)

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Ao lançar essas palavras, Almeida (2000) não só reconhece as imagens audiovisuais como potentes objetos de estudos para o mundo contemporâneo, mas as vê como linguagens, isto é, como grafias reguladoras de pensamento. Isso porque “[...] são as imagens e sons a língua “escrita” da realidade, artefatos da memória, habitados por imagens em movimento” (ALMEIDA, 2000, p. 2). Seguindo a mesma linha de pensamento, Oliveira Jr. (2009) desvia a participação das imagens do mero papel figurativo ou ilustrativo de uma dada realidade para tratá-las como obras materiais palpáveis aos olhos, uma vez que as imagens compartilham “muito do que nos educam os olhos e muito do que temos disponíveis para educarmos a nós próprios e aos nossos próximos e distantes acerca do espaço geográfico” (OLIVEIRA JR. 2009, p.19). O educar pelos olhos, descrito por Oliveira Jr. (2009), não é somente fazer os olhos ver certas coisas, mas construir um pensamento sobre o que se vê diante da imagem. Com o tempo, segundo o autor, passamos a acreditar que o que vemos nas imagens é o único real. Desta maneira, “entendemos que essas imagens não só nos dizem de nosso mundo, mas também nos educam a ler este mundo a partir delas. Legitimam, acima de tudo, a si mesmas como obras que dizem do real.” (OLIVEIRA JR., 2009, p.20). Para a escritora e crítica de arte Susan Sontag, as imagens agem como “[...] depósitos fartamente informativos deixados no rastro do que quer que as tenha emitido, meios poderosos de tomar o lugar da realidade ao transformar a realidade numa sombra” (SONTAG, 2004, p.196). Ao tentar assumir o papel de tradução do real, as imagens acabam por promover, quase que de forma inquestionável, uma verdade daquilo que se quer dizer. É para ela que recorremos quando queremos legitimar ou destituir certo discurso. Diante delas nos tornamos, de certa maneira, seres passivos para refletir a compreensão da realidade que nos rodeia. Sendo assim, buscamos nesse artigo analisar, a partir do vídeo turístico da campanha “Descubra o Espírito Santo”, da Secretaria de Turismo do Espírito Santo, como as imagens apresentam uma dada compreensão da realidade, isto é, uma “imaginação espacial” (MASSEY, 2008). Confere-se também como objetivo refletir e analisar a “política visual” (QUEIROZ FILHO, 2010) inserida no vídeo turístico escolhido, haja vista que essas linguagens utilizam-se de recursos editoriais e simbólicos para ofertar um “efeito de verdade” (PELLEJERO, 2009), ou seja, um discurso legitimador que suscita um meio de imaginarmos o lugar-turismo. Nossa preocupação assemelha-se ao da geógrafa Doreen Massey quando esta nos diz que “o modo que imaginamos o espaço tem seus efeitos” (MASSEY, 2008, p. 22). Assim, uma dada imaginação espacial, tomada pela égide da verdade, interfere direta ou indiretamente nas práticas humanas sobre os lugares e pessoas, podendo, por sua vez, limitar nossa possibilidade de deslocar, desconstruir e experimentar as diversas imaginações espaciais sobre os lugares. A escolha do vídeo do lugar-turismo Espírito Santo é por entendê-lo como mensagem que quer dar visibilidade a algo, apontando um jeito específico de contar e

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dizer sobre o espaço. Nele, suas narrativas e estéticas fílmicas aparecem vinculadas a determinados propósitos que querem incluir ou excluir coisas da imaginação espacial. Em uma linguagem cujos discursos e política visual aparecem comprometidos com a venda do habitual, do consumo e da exposição dos lugares como uma mercadoria. Portanto, as imagens do turismo discutidas, nesse estudo, são aquelas subordinadas a uma vertente hegemônica que organiza os lugares sob a lógica da mercadoria. Para Peralta (2003), esses são modelos interessados em atender, quase sempre, o turismo de massa cujo público alvo, mesmo que atraídos por anúncios de passeios reveladores e únicos, são conduzidos a roteiros repetitivos e de difícil abertura para novas experimentações dos lugares. Ao falarmos também de políticas visuais buscamos Queiroz Filho, em seu artigo A edição dos lugares: sobre fotografias e a política espacial das imagens (2010), pois esse nos diz que as políticas dirigidas as imagens não são as referidas ao normativo ou institucional, mas sim as envolvidas com as marcas das negociações e tensões que, uma vez também inseridas ao desejo hegemônico, permitem-se selecionar e registrar somente um frame a partir da “edição” e enquadramento das imagens dos lugares. Para o autor, a essa política visual há um conjunto de intencionalidades que naturalizam o objeto, produzem um pensamento e, sobretudo, assumem uma “versão sobre” que “[...] carregam consigo um modo de apontar para as coisas, de dizer sobre elas, evidenciando intencionalmente determinados aspectos, apagando outros” (QUEIROZ FILHO, 2010, p. 36). Na linguagem videográfica, a política visual apresenta-se nos movimentos de câmera, uso de cores, iluminação, participação de atores, enquadramentos, escolhas de cenários, metáforas e simbologias que participam da construção narrativa dos lugares, apontando como devemos experimentar consumir e sentir o mundo. Assim sendo, o primeiro capítulo desse estudo busca situar o leitor sobre o que estamos falando de ficções hegemônicas. Nele demos destaque aos estudos de Eduardo Pellejero (2008 e 2009) para questionar a subordinação acostumada do pensamento à noção de verdade apontada por uma ficção hegemônica. O segundo capítulo é a análise diagnóstica da campanha “Descubra o Espírito Santo”. É nele onde fazemos a decupagem de cada sequência fílmica apontando como as políticas visuais estabelecem uma realidade ficcional. Por fim, o último capítulo busca aprofundar alguns pensamentos, lançar proposições e refletir sobre as produções das ficções hegemônicas e as políticas visuais. Imagens: ficções e verdades A potência das imagens se faz pelo convencimento, pela naturalização de sensibilidades e memórias. Fazem isso dando forma figurativa e representacional ao pensamento e a imaginação, provocando um certo entorpecimento das ideias e ações. Assim, elas nos levam a crer que estão a nos apresentar a realidade das coisas e do mundo. Mas de onde vem tamanha força? Para a filosofia pós-estruturalista, essa força está nos processos que constituem o chamado “efeito de verdade” e “ficção hegemônica”.

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O filósofo Eduardo Pellejero, explica que “a ficção trava uma relação complexa com a verdade e atravessa a realidade no seu conjunto, determinando aspectos centrais das nossas sociedades contemporâneas.” (PELLEJERO, 2009, p. 16). A maneira encontrada para legitimar-se com tal intensidade é o realismo implicado na produção destas imagens para o olho. O seu propósito mais importante é o de fazer com que essas imagens tenham o efeito de verdade sobre as pessoas através da sensação de realidade sensorial passivamente percebida; e não fruto da ação engajada do olhar na própria produção da realidade que “escolhe ver”. O que assim vale é que os efeitos de verdade ressoem com a mais pura verdade para aqueles aos quais se dirigem. Para um melhor entendimento sobre essas discussões de produção de uma ficção, versões de uma realidade e efeitos de verdade, Eduardo Pellejero em A Postulação da Realidade (2009) inicia os seus escritos apontando o quanto Platão temia os danos que os falsários pudessem provocar na vida da Polis grega, ou seja, aqueles que apregoavam o caráter ficcional e que em nada podiam contribuir para a fundação de uma cidade: “o filósofo teme nestes falsários um inimigo poderoso, e na ficção uma força subversiva irredutível” (PELLEJERO, 2009, p. 9). Platão, desta maneira, acredita que a arte ficcional tem a força de nos afastar da razão e da verdade, pois criam aparências inteiramente apartadas da verdade e que, em percepções apressadas, passam pela verdade e “em geral ameaçam causar estragos nas almas dos homens e induzir a desagregação do corpo social” (PELLEJERO, 2009, p. 9). Distantes da verdade e carregadores da potência do falso, uma saída seria expulsar os falsários da fundação das cidades. Para Pellejero, devemos à contemporaneidade e à Nietzsche o questionamento da verdade como valor rígido. Nas suas palavras (PELLEJERO, 2009), Nietzsche irá desfazer a subordinação acostumada do pensamento à noção de verdade, vontade de verdadeiro, ao propor a problemática da relatividade da verdade, ou seja, que ela só faz sentido, só tem efeito de verdade, com relação aos modos em que é pensada e querida. Nesse ponto, já não faz sentido falarmos da verdade enquanto coisa universal ou absoluta, mas passageira, marcada pelo efêmero e diverso. Criticar a vontade de verdade fez abrir na história do pensamento uma série de interrogações quanto ao seu valor. Passou-se, desde então, a perceber o quanto os seus efeitos impuseram uma série de sistemas de exclusões, exercendo uma espécie de pressão sobre os discursos. Pellejero (2009), nesse caso, cita os escritos de Foucault quando este diz que a literatura ocidental foi forçada a adotar uma forma verdadeira de escrita apoiada por práticas pedagógicas, sistemas de edição, biblioteca e laboratório. A vontade de verdade também trouxe, segundo Foucault, a criação de um discurso legitimador de direito, desdobrando-se em efeitos corrosivos ao longo da história material e intelectual do ocidente. Mais do que isso, a crítica à vontade de verdade, debatida na obra Postulação da Realidade (2009), fez levantar a quebra de um paradigma de pensamento conceitual: “Não há a busca pelas verdades, porque tudo é produção de ficções (regulativas, heurísticas,

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críticas, vinculadoras, etc.)” (PELLEJERO, 2009, p. 12). Explicando melhor, o autor diz que foi a procura racional de uma verdade objetiva que fez constituir, mais adiante, qualquer coisa de duvidoso a respeito da identidade entre o real e a verdade. A partir do momento em que a verdade é contingente, produto de um determinado momento e lugar, e não mais uma vontade inalterada contra o falso, ela não é mais idêntica à realidade, mas uma possibilidade de que, naquele momento, algo da realidade possa ser compreendido, transmitido e experimentado. Nessa lógica, a verdade é vista como uma produção localizada no tempo e no espaço. É fruto de várias versões sobre o real, em que todas são ficções que permitem não a solução para a descoberta da verdade, - e assim a solução de um problema e aplacamento do real - mas a possibilidade de abertura do real para os sujeitos, a experiência e o devir em seus desdobramentos. Assim, as ficções seriam como os enganos necessários da vida. Enganos por não poderem prometer a uma versão definitiva do real, por não capturá-lo. Necessários porque se trata de toda relação possível entre os sujeitos e o real, ao menos de toda relação perceptível, subjetivável e transmissível, evitando os rigores existentes no tratamento da verdade e evidenciando o caráter complexo do mundo em que vivemos. Ressalta-se, ainda nesta discussão, que relativizar a verdade não implica a negação da realidade, até porque “pôr a ficção no lugar de verdade em si, não é negar o seu valor para a vida; é, simplesmente, afirmar que a verdade é segunda, que não está dada mas deve ser criada, que não é princípio, mas produto: produto do trabalho criativo e ficcional” (PELLEJERO, 2009, p. 12). Todavia, o filósofo pontua que entre essas ficções, uma parte delas acaba se assumindo como propósito vital constituinte de uma ficção hegemônica da realidade; que mesmo não possuindo uma justificação filosófica, participa da construção, por exemplo, de uma nação/nacionalidade, não mais como critério de valoração absoluto e universal, mas como ficção privilegiada que busca sobrepor suas “verdades” diante das demais. Os vídeos turísticos, portanto, foram objetos de análise da nossa pesquisa para entendermos como algumas ficções hegemônicas se estabelecem, isto é, legitimam uma determinada maneira específica de saber sobre o mundo, naturalizando a constituição de uma determinada imaginação espacial. Dessa forma, quando falamos de ficções hegemônicas e ou vídeos hegemônicos estamos buscando entender os “efeitos de verdade” produzidos por um discurso que nos faz crer que aquela dada ficção é a única que funciona sob o timbre da verdade, atuando, assim, como uma realidade necessária para nossas vidas. Revestidos pela “aura de verdade irrefutável” (OLIVEIRA JR., 2008), a credibilidade dessas imagens são acrescidas quando envolvidas por escolhas e construções de órgãos oficiais e políticas públicas voltadas a alimentar uma dada prática estabelecida.

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A análise da campanha publicitária “Descubra o Espírito Santo” Dotadas desses efeitos de verdade as imagens dos lugares, aqui as do turismo, são expostas na rede midiática como produtos de uma realidade ficcional cujas construções partem de recortes espaciais escolhidos e delimitados para narrarem os lugares em campanhas publicitárias que atendem ao modelo mercadológico e aos seus anunciantes. Entendemos que ao reduzir os lugares em imagens, essas campanhas acabam direcionando um conjunto de ideias espaciais. Isso porque, diferente da linguagem escrita que se dedica páginas e páginas para descrever os efeitos subjetivos de um sujeito, a linguagem imagética vai usar simbologias expressivas para fazer o espectador penetrar na interioridade dos seus cenários e personagens, atraindo a atenção, os sentidos e os impulsos corpóreos em torno de um objeto privilegiado. Sobre essa discussão, o autor Milton de Almeida (2000) nos diz que a estética visual descrita nas câmeras, cenografia, processo de edição e roteirização são os elementos construtores de educação da memória por extrapolarem o campo meramente visual e participarem da elaboração de um pensamento político e cultural. Segundo ainda esse autor é importante fazermos uma interpretação política das imagens para entendermos como funciona a ideologia e a educação cultural regida pela inteligência visual. Desta interpretação devemos: Ver as imagens, identificar com anteriores e imaginação - ligar mentalmente uma à outra e ao assunto e, ao mesmo tempo, imaginar os elementos que as constituem, entender as proporções (e as desproporções) e as pessoas e coisas que nelas aparecem para percebê-las como uma história. (ALMEIDA, 2000, p. 2)

Logo, entendendo a produção imagética como linguagem capaz de criar um pensamento sobre o mundo buscamos metodologicamente, a partir da videografia “Descubra o Espírito Santo, campanha da Secretaria de Turismo do Espírito Santo, compreender o modo como uma dada política visual se configura na linguagem videográfica, entretanto, antes de chegarmos à análise do discurso videográfico propriamente dito explicaremos a construção metodológica escolhida para nossos estudos. Sobre a metodologia Para a análise do campo audiovisual da campanha publicitária partimos de dois pontos importantes. O primeiro, não necessariamente seguindo essa ordem numerológica, procura entender as próprias etapas da produção videográfica, ou seja, seus códigos, ferramentas, roteirização e narrativa visual que, segundo Milton Oliveira (2000), garantem o status de credibilidade e os efeitos de verdade a partir da natureza físico-química dos processos de montagem, do comprometimento com cor e luz e da movimentação da câmera. Essa confiabilidade é ratificada com o uso de falas escritas e sonoras agindo como integradoras texto-imagem que reforçam, ampliam e direcionam para uma interpretação dando maior veracidade à imagem e ao pensamento anunciado.

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O outro ponto importante da pesquisa refere-se à estrutura analítica discursiva da videografia utilizada neste artigo. Como meio de melhor compreender a estética dos lugares imagéticos e sua educação visual utilizamos a própria leitura narrativa verificada nas agências publicitárias, assim o vídeo da campanha teve seu discurso imagético e conceitual estudado e descrito na mesma estética grafada na produção dos roteiros comerciais. Se a construção de um vídeo turístico publicitário parte de recortes dos lugares, ou pensamento sobre eles, para a elaboração de um roteiro midiático, aqui fizemos o caminho inverso: Acolhemos as imagens da campanha para delas fazermos a decupagem da sua linguagem via “roteirização”, modo, que busca observar o vídeo dentro da sua própria linguagem. Melhor explicando, o processo de dissecação inicia-se com a reconstrução do roteiro videográfico em que todo o texto fílmico é decupado em partes, separando cada sequência da história narrativa em uma escrita que permite observar as imagens e compreender melhor os aspectos da linguagem, estética e políticas visuais que tanto interferem diretamente na produção de sentido dos lugares e suas paisagens. Comumente, o roteiro publicitário é formatado por duas colunas. A faixa da direita é para descrição do áudio (narração, ruído, diálogo e músicas), enquanto o lado esquerdo é utilizado para a descrição da imagem e dos movimentos de câmera, ou seja, tudo que visualizamos na tela e o modo como isso acontece. Para melhor entendimento de como se constrói um roteiro televiso nas agências publicitárias, ver Figura 1. Além da utilização da escrita na forma de roteiro de vídeo, há a construção de storyboards, estética também conferida na elaboração das campanhas publicitárias. Nas agências de publicidade ou estúdios de cinema, essa técnica é utilizada com o propósito de pré-visualizar, na forma de quadrinhos, a narrativa videográfica. É a primeira etapa de adaptação em forma visual daquilo que, até então, era apenas texto. Ele é uma espécie de roteiro desenhado onde saem às etapas mais significativas para a leitura visual e sonora de algo que será construído no enredo fílmico, em outras palavras, são fotogramas dispostas em colunas que permite o leitor verificar visualmente os elementos descritos e analisados no vídeo. Uma vez descrevendo e dissecando toda a linguagem em movimentos de câmera e suas estéticas, acrescentamos entre cada espaço/tempo de corte do roteiro um campo para interpretar e entender as estéticas, as linguagens fílmicas, seus efeitos de verdade e as construções das ficções. São discussões que aproximam o debate entre a estética videográfica e a produção de uma imaginação espacial para o Espírito Santo, mas que pode ser incorporada como instrumento analítico de qualquer obra videográfica. Sobre o discurso analítico “Descubra o Espírito Santo” Uma vez entendido o método de análise vamos ao roteiro analítico da Campanha “Descubra do Espírito Santo”, storyboards e análises do discurso videográfico, ver Figuras 2, 3, 4, 5, 6 e 7:

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Figura 1. Modelo de Roteiro Publicitário

Fonte – http://roteirodecinema.com.br/roteiros/liberdade_total_moto_fym.pdf

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Figura 2. Sequência 1

Fonte - Imagens: https://www.youtube.com/atch?v=0wB1qjeQ1rs e Layout do roteiro: Grupo de Pesquisa Rasuras.

Primeira sequência do vídeo e a câmera faz uma descrição do espaço com um travelling vertical. Esse movimento de cima para baixo chama o espectador para a cena como uma metáfora de um colonizador chegando a terra via oceano. Para Ismail Xavier, em seu livro O discurso cinematográfico (2012), esse deslocamento da câmera em queda livre permite acompanhar o cenário paisagístico em movimento para então encontrar seu objeto, isto é, seu ponto de vista. A locução masculina com uma entonação formal e solene convida a todos a conhecer as paisagens exuberantes do estado. A próxima cena é aquela que convida o espectador a ler de modo sintético todo o cenário paisagístico do Espírito Santo. Essa

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é formada por colagens de curtos planos, são as sucessões das principais imagens que serão explanadas e descritas ao logo do vídeo. A presença da trilha sonora é marcada pelo ritmo da Casaca, instrumento tradicional das bandas capixabas, liga-se a essas imagenscartões-postais para compor uma só unidade fílmica.

Figura 3. Sequência 2

Fonte - Imagens: https://www.youtube.com/atch?v=0wB1qjeQ1rs e Layout do roteiro: Grupo de Pesquisa Rasuras.

Nessa segunda sequência a sucessão de planos e a narrativa do locutor tomam um ritmo mais lento. A cada plano são enquadrados em close up e em plano médio os rostos e bustos daqueles que possivelmente formam a identidade capixaba. Para Xavier, “o close up acentua ao máximo a ação emocional do rosto e [...] pode muito bem contar

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o que se passa no coração dos seus donos” (XAVIER, 1983, p. 47), a ideia é aproximar o espectador à tela e colocá-lo diante daqueles que compõem o povo capixaba. Desta maneira, expõe-se a paisagem humana dita miscigenada a partir das misturas de “raças” de um histórico colonial e neocolonial europeu: africanos, portugueses, índios, italianos, alemães, suíços e austríacos; que em nada anuncia as atuais misturas e migrações inter-regionais. Além disso, embora se enfatize a diferença, seus sujeitos são apresentados estereotipados e em figuras estáticas, roupas típicas e autênticas. O locutor anuncia a origem e a nacionalidade de cada rosto mostrado na tela. Suas fisionomias são aquelas correspondentes à estética conhecida nos livros didáticos e sites de pesquisa. Cabe ao close up e voz do locutor ratificar o selo de originalidade e tradição dadas as essas imagens.

Figura 4 . Sequência 3

Fonte - Imagens: https://www.youtube.com/watch?v=0wB1qjeQ1rs e Layout do roteiro: Grupo de Pesquisa Rasuras

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Bastante atrelada à cena anterior dos estereótipos identitários, nessa sequência é destacada a estrutura arquitetônica que ainda mantém-se preservada desde o seu período colonial e neocolonial. O plano inicial faz-se mais uma vez do artifício de um travelling vertical para levar o espectador até as fachadas dos casarios antigos e igrejas. Ao som de um piano, são mostrados vários cenários ambientados em municípios do Espírito Santo que mantêm cristalizada a estética arquitetônica que garante a releitura de símbolos e a reconstrução temporal-espacial da construção histórica. Na última cena a câmera faz uma panorâmica enquadrando a Baía de Vitória – local de entrada dos colonizadores.

Figura 5. Sequência 4

Fonte - Imagens: https://www.youtube.com/watch?v=0wB1qjeQ1rs e Layout do roteiro: Grupo de Pesquisa Rasuras

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Depois de narrar a paisagem humana estereotipada e a valorização dos patrimônios coloniais, a videografia prossegue ao som da mesma trilha sonora do piano, mas desta vez narrando uma imaginação espacial atrelada ao desenvolvimento e progresso. O ponto de partida para essa sequência é a tomada da câmera em panorâmica sobre a ponte Deputado Darcy Castello de Mendonça, popularmente conhecida como Terceira Ponte. Essa que ainda é considerada a maior obra já realizada no estado e, assim, um dos marcos do desenvolvimento capixaba. Além disso, por cortar a Baía de Vitória, sua imagem também alude aos fluxos das exportações e importações via oceano. Na próxima cena, a câmera enquadra em plano médio as imagens de indústrias, aviões cargueiros, shoppings e hotéis. A escolha por ângulos mais fechados possibilitam a valorização de uma pequena área delimitada – as fachadas das indústrias e hotéis. Nessa situação, foram evitados os planos gerais e as imagens áreas em escalas pequenas, que dariam uma maior possibilidade de visualização da rede urbana e dos possíveis elementos simbólicos citadinos. Ao apontar essas imagens de cunho econômico e desenvolvimentista, o vídeo responde ao chamado nacional de inserção do Brasil no cenário do turismo internacional. As demandas internacionais, por sua vez, agem como força maior que, entre seus critérios, anseiam que o Brasil atinja seu projeto desenvolvimentista sustentável participando, em conjunto como aqueles que também estão almejando uma boa classificação, do quadro dos países ricos. Há, na quinta sequência (Figura 6), uma nítida quebra entre a transição das sequências. A videografia parece entrar em uma espécie de segundo capítulo da narrativa. É a partir dessa sequência que observamos um caráter objetivo e didático mais forte e explícito desenvolvido em toda a filmagem. Mais uma vez, destaca-se a voz firme e pedagógica do locutor; sua fala cola-se à imagem permitindo uma melhor organização e apresentação do estado segundo as suas regiões e rotas turísticas. Nessa sequência é disposta uma série de mapas temáticos e animados que permitem ao espectador – que nunca “descobriu” o Espírito Santo – localizar espacialmente as praias e a sua proximidade com a região serrana, as reservas naturais e os principais centros de partidas e chegadas como aeroportos, estação de trem e suas ligações com as mais importantes rodovias. As câmeras movimentam-se sobre os mapas permitindo alinhar o olhar do espectador aos pontos de interesse de localização e variando suas escalas cartográficas – a transição das suas lentes em aberto e fechado permite o aumento ou a diminuição dos detalhes. Veiculada na internet e com mais visualizações em sua versão traduzida em inglês, uma das preocupações com a linguagem descritiva e cartográfica é também levar ao público estrangeiro – aquele que nunca visitou o estado – as possíveis facilidades de localização geográfica e o que o capixaba reserva como destino turístico diferente dos demais.

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Figura 6 . Sequência 5

Fonte - Imagens: https://www.youtube.com/watch?v=0wB1qjeQ1rs e Layout do roteiro: Grupo de Pesquisa Rasuras

Última sequência do vídeo (Figura 7), mais longa, marcada por um fundo musical instrumental – recurso auditivo que delimita uma homogeneidade por não propor mudanças radicais na sua sonoridade e por também não querer identificar nenhum ritmo musical peculiar (típico) dos lugares narrados.

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Figura 7. Sequência 6

Fonte - Imagens: https://www.youtube.com/watch?v=0wB1qjeQ1rs e Layout do roteiro: Grupo de Pesquisa Rasuras

A essa última sequência é valorada a promoção das rotas turísticas do estado. Faz-se esclarecer que essa construção de passeios guiados por rotas já traçadas marcase como um produto ficcional, cujo modelo segue a tendência nacional e estrangeira. Vejamos essas palavras escritas no Plano de Desenvolvimento: O Estado, através da participação do Programa de Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil, procedeu à organização territorial e à definição dos roteiros que serão comercializados. Com esse programa, o Ministério do Turismo objetiva estruturar, qualificar e diversificar a oferta turística brasileira, ordenando-a em roteiros, com o objetivo de aumentar a competitividade dos produtos turísticos em todas as unidades da Federação. (ESPÍRITO SANTO, Governo do Estado, 2010, p. 61)

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Marcante na elaboração dessa narrativa videográfica é a permanência do modelo estratégico desenvolvimentista já conhecido na história da política governamental brasileira: a descentralização-integração baseada em um molde estrangeiro, promovida por investimentos empresariais e industriais tanto nacionais como internacionais. Para consagrar esse modelo, o estado foi dividido em dez regiões turísticas, cada uma com um produto potencialmente atrativo e comercialmente rentável para atrair tanto o turista capixaba quanto o nacional e o internacional. Atrelada a essa ideia de regionalização e com verbos no imperativo, o locutor convoca, nessa última sequência, os espectadores a viajar pelas rotas turísticas do Espírito Santo. Há uma sincronia instrutivo-educativa entre cada logotipo e imagem escolhida, cujo ritmo temporal harmônico e pausado, dado a cada plano, auxilia a compor uma melhor memorização dos sentidos que se pretende mobilizar em meio à fala, símbolo e imagem. Making of - o discurso das rotas turísticas e o papel da câmera Mesmo diante de tais exposições sobre as análises do roteiro e movimento visual e político das imagens, partimos, nesse momento, para o making of da análise videográfica. Inspirados no significado desse termo nas produções fílmicas, o making of sugere o estudo do processo de fazer alguma coisa, ele revela os “bastidores” e entrelinhas do processo de feitura videográfica. Para nós, esse termo será usado como uma extensão do pensamento reflexivo visto entre as sequências do roteiro acima. Essa ampliação se dá por um pequeno desprendimento das análises descritivas vistas até então e um maior aprofundamento nas construções reflexivas e questionadoras dirigidas as produções de ficções da realidade. Centro das discussões políticas e não meras cópias representativas dos cenários dos lugares, temos das imagens do turismo o próprio discurso das ficções hegemônicas, nelas as lentes das câmeras querem, a partir dos seus efeitos de verdade, parecer mais reais que a própria realidade. Haja vista que dificilmente conseguiremos encontrar in loco um céu tão azul, águas tão cristalinas e um frio tão acolhedor como os vistos na videografia. Nessa ideia, as ficções hegemônicas utilizam-se da linguagem cinematográfica para dela discursarem um espaço mediado pela compra dos lugares e por produções imagéticas dirigidas estruturalmente em leituras espaciais passeadas nas decupagens clássicas do cinema. Segundo Xavier, as decupagens clássicas são aquelas estabelecidas pela ordem da leitura e que impõem ao espectador uma direção e unidade de sentidos. Nela, as montagens das cenas [...] funcionam justamente para estabelecer uma combinação de planos de modo que resulte em uma sequência fluente de imagens, tendente a dissolver a “descontinuidade visual elementar” numa continuidade espaço-temporal reconstruída (XAVIER, 2012, p. 32).

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A imagem final é um pensamento pronto, uma forma já dotada de sentido e um produto finalizado para o consumo. Nessas montagens, há a escolha por narrativas e representações, em que [...] tudo caminha em direção ao controle total da realidade criada pelas imagens – tudo composto, cronometrado e previsto. Ao mesmo tempo, tudo aponta para a invisibilidade dos meios de produção desta realidade. Em todos os níveis, a palavra de ordem é “parecer verdadeiro” (XAVIER, 2012, p. 41).

Temos aqui uma dupla simbiótica: construções marcadas por montagens cronometradas e previstas, como também apresentações espaciais baseadas no controle da realidade, cuja linguagem fílmica terá que se fazer o mais verdadeira possível. Tudo deve se mostrar natural, verdadeiro e contínuo. Assim, muito do que visualizamos no discurso turístico do Espírito Santo são ficções hegemônicas que em favor dos efeitos de verdade utilizam-se das câmeras e da narrativa de um locutor para propagação de experiências sensoriais em rotas turísticas inéditas e inesquecíveis. Para a construção dessa narrativa, a câmera deixou de ser testemunha passiva para tornar-se um elemento dotado de partido diante das implicações morais e visuais do cenário fílmico. Suas escolhas em atuar na expressividade, estática ou dinâmica estão entrelaçadas nas escalações do enquadramento, tipos de planos, ângulos de filmagem e movimentos de câmera. Para o estudioso de cinema Marcel Martin (2011), a história da técnica cinematográfica pode ser considerada com a história da libertação das câmeras. Por muito tempo a câmera permaneceu fixa, assistindo a uma representação teatral; na atualidade, contudo, a câmera libertou-se da sua posição estática, tornando-se móvel como o olho. Esses efeitos aparecem no vídeo quando os movimentos de câmera procuram atuar utilizando o recurso da câmera subjetiva, nesses recursos espera-se que as lentes estejam na posição de quem observa a paisagem. Ocupando-se de um maior movimento de câmera, travellings e panorâmicas sobre as paisagens, a ideia é “[...] adquirir um efeito dramático inesperado, para que o espectador se sinta diretamente atingido” (MARTIN, 2011, p. 37). A câmera ocupa o lugar do ator, deixando de ser testemunha passiva para tornar-se um elemento dotado de partido diante das implicações morais e visuais do cenário fílmico. Suas escolhas em atuar na expressividade, estática ou dinâmica estão entrelaçadas nas escalações do enquadramento, tipos de planos, ângulos de filmagem e movimentos de câmera, isso reforçará “a impressão de que há um mundo do lado de lá, que existe independentemente da câmera em continuidade ao espaço da imagem percebida” (XAVIER, 2012, p. 22). Assim, esse vídeo utiliza-se de movimentos de câmera e simbologias para que o espectador faça a interpretação da imagem a partir de um gesto e um símbolo dotado de valoração e sentimento. Neles, seus planos sequências optam por descrever a imagem enquanto produto pronto para ser consumido por uma nova classe econômica que está se formando ou que se deseja formar. Ao fazer essas escolhas para compor suas cenas, muitas outras possibilidades foram descartadas do “catálogo de vendas”.

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Considerações finais Frutos de escolhas e intencionalidades vimos que as imagens, aqui em destaque a audiovisual, não agem meramente como uma ilustração ou explicação de uma dada realidade. Voltamos a Almeida (2000) por este nos apontar as imagens visuais não apenas como formas plásticas, mas como mensagens políticas e culturais das quais a geografia atual se apropria para analisar como seu conteúdo, estética e simbologia são utilizados para delimitar uma imaginação espacial e para “construir um repertório de ‘história e verdade’” (ALMEIDA, 2000, p. 5), uma educação da memória que faz o espectador entender que tal sentido e prática (colocado nas lentes da câmera) são necessários à vida. Sua dimensão é pedagógica, uma potência subjetivadora do pensamento que se faz construir a partir de um conjunto da produção visual em cores, luz, edição, escolha de atores, cenários... por isso, suas interpretações metodológicas, no campo das humanidades, devem iniciar-se do próprio estudo da sua linguagem descrita nessas ferramentas editoriais de imagens e sons. Almeida (2000) fala da necessidade da educação cultural da inteligência visual, nela o que é importante é a interpretação referida à imagem que “deve ser verbal e visual ao mesmo tempo. Não deve contentarse com explicações fechadas em teorias e irá buscá-las no universo interdisciplinar da cultura, da arte e da ciência” (ALMEIDA, 2000, p. 5). Logo, partimos da elaboração da roteirização e decupagem da campanha “Descubra o Espírito Santo” preocupados em interpretações que discutissem a estética, a constituição de políticas visuais ao tempo em que também analisassem as imaginações espaciais difundidas a partir do interesse econômico e político oriundo da atividade turística. Do vídeo, vimos que a base da construção de uma determinada identidade visual, pautada pela estética do turismo, parte essencialmente de dois aspectos: 1) da venda de uma singularidade e originalidade inventada e encenada como algo natural; 2) de uma paisagem dita como única, onde o espectador encontra em um só lugar tudo aquilo que ele deve consumir enquanto experiência. Mantenedoras de mensagens de fácil identificação e memorização, essas imagens difundem-se como imagens-souvenirs. Em que agregadas a um produto e seus serviços, sua simples iconografia nos intermedeia uma série de experiências que possivelmente teremos ao visitar o lugar. Isto, pois, ao aproximar seus espectadores a uma cartela de possibilidade de viver diferentes sensações dos lugares as imagens acabam, de certo modo, a antecipar uma possível experiência. A expectativa daqueles que as cumprem é a de encontrar exatamente as mesmas sensações e conhecimentos propagandeados nas suas cenas. O outro ponto de análise é que mesmo propagandeando as excentricidades dos lugares as sequências fílmicas e seus slogans videográficos baseiam-se em estéticas, propostas de consumo e sensações igualmente percebidos em diversas videográficas e roteiros turísticos do Brasil. Assim, o que temos por final são imagens que mobilizam

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imaginações espaciais da pluralidade, mas que vendem as repetições de experiências automatizadas, roteirizadas e que pouco produz a diferença. Essas são estéticas que acabam comprometendo nossa forma de pensar os lugares na medida em que nos distancia do entendimento, segundo Massey, de viver o espaço enquanto uma esfera de possibilidade de conexões abertas e imprevistas. Para essa autora, “[...] há conceitos de espaço que precisam ser questionados. Pois eles, mais uma vez, são meios de evitar o verdadeiro desafio lançado pelo espacial; são, certamente, meios dissimulados de legitimar sua supressão” (MASSEY, 2008, P. 97). Nessa ideia, reiteramos o espaço pela existência da multiplicidade, em construção e fruto da simultaneidade e de entrecruzamento de histórias conexas e desconexas, sendo, com isto, um “espaço múltiplo”. Referências DESCUBRA o Espírito Santo. Secretaria de Turismo do Estado do Espírito Santo. Disponível em: . Acesso em: 03/06/2013. ALMEIDA, Milton José de. A educação visual na televisão vista como educação cultural, política e estética. In: Rev. Online Bibl. Prof. Joel Martins, Campinas, Sp., v. 1, n. 4, p.1-6, out. 2000. ESPÍRITO SANTO, Governo do Estado. Plano de Desenvolvimento Sustentável do Turismo do Estado do Espírito Santo. Secretaria Estadual do Turismo: Vitória, 2010. MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2011. MASSEY, Doreen. Pelo Espaço: uma nova política da espacialidade. Trad. Hilda Pareto Maciel e Rogério Haesbaert. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. OLIVEIRA JR, Wenceslao Machado. Fotografias falam alto que vem a ser (nosso) mundo: o caso do encarte “Megacidades”, do jornal “O Estado de S. Paulo”. In: O ensino de Geografia e suas composições curriculares. Org. TONINI, Ivaine. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011. ______.Realidades Ficcionadas: imagens e palavras de um telejornal brasileiro. In: ANPED Anais, 2008. Disponível em:. Acesso em: 03/06/2013. ______.Imaginação e Pesquisa: apontamentos e fugas a partir d’A poética do espaço. Educ. Soc., Campinas, v. 29, n. 105, p. 1237-1245, set./dez, 2008. ______. Grafar o espaço, educar os olhos: Rumo a geografias menores. Pro-Posições, Campinas, v. 20, n. 3 (60), p. 17-28, set./dez. 2009. OLIVEIRA, Fabianne e QUEIROZ FILHO, Antonio Carlos. Geografias na espacialidade contemporânea: narrativas da feira Nossa Senhora da Glória-SE. In: Geografia, Associação de Geografia Teorética. Rio Claro: AGETEO v. 37, n 1, jan./abr. 2012, p. 147-159.

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Fabianne Torres Oliveira da Silva

Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe, especialização em Educação Ambiental pela Universidade Castelo Branco e mestrado em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente é professora efetiva de geografia do Estado do Espírito Santo e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Rasuras (UFES/CNPq). Av. Vitória 3044. Bairro: Bento Ferreira. CEP: 29050-760. Vitória (ES) - Brasil. Email: [email protected]

Antônio Carlos Queiroz Filho

Doutor e Mestre em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é Professor do Curso de Geografia e dos Programas de PósGraduação em Geografia (Mestrado e Doutorado) e Comunicação e Territorialidades (Mestrado) da Universidade Federal do Espírito Santo e Líder do Grupo de Pesquisa Rasuras (UFES/CNPq). Av. Fernando Ferrari 514. Bairro Goiabeiras. CEP: 29060900- Vitória, (ES) – Brasil. Email: [email protected]

Recebido para publicação em fevereiro de 2015 Aprovado para publicação em agosto de 2015

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