O papel dos movimentos sociais na introdução e uso de mecanismos de democracia direta em Brasil, Venezuela e Bolívia.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Pedro Capra Vieira

O papel dos movimentos sociais na introdução e uso de mecanismos de democracia direta em Brasil, Venezuela e Bolívia.

CAMPINAS 2016

Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

C174p

Capra, Pedro, 1980CapO papel dos movimentos sociais na introdução e uso de mecanismos de democracia direta em Brasil, Venezuela e Bolívia / Pedro Capra Vieira. – Campinas, SP : [s.n.], 2016. CapOrientador: Bruno Wilhelm Speck. CapCoorientador: Yanina Welp. CapTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Cap1. Democracia direta. 2. Movimentos sociais. 3. Democracia direta - Brasil. 4. Democracia direta - Venezuela. 5. Democracia direta - Bolívia. I. Speck, Bruno Wilhelm,1960-. II. Welp, Yanina. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: The role of social movements in the introduction and use of mechanisms of direct democracy in Brazil, Venezuela and Bolivia Palavras-chave em inglês: Direct democracy Social movements Direct democracy - Brazil Direct democracy - Venezuela Direct democracy - Bolivia Área de concentração: Ciência Política Titulação: Doutor em Ciência Política Banca examinadora: Adrian Albala Maria do Socorro Braga Wagner Romão Andrea Freitas Data de defesa: 31-03-2016 Programa de Pós-Graduação: Ciência Política

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 31/03/2016, considerou o candidato PEDRO CAPRA VIEIRA aprovado. Professor Dr. Bruno Speck Professor Dr. Adrian Albala Professora Dra. Maria do Socorro Braga Professor Dr. Wagner Romão Professora Dra. Andrea Freitas

A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.



Agradecimentos: Esta tese contou com o apoio de diversas pessoas ao longo dos anos de doutorado. Com certeza não poderei agradecer a todos que de alguma forma contribuíram para o trabalho. Ao Programa de Pósgraduação em Ciência Política da UNICAMP e seus funcionários e professores que sempre estiveram prontos a ajudar em tudo que fosse possível. Ao Professor Bruno Speck por me aceitar como aluno, pelo apoio incondicional às minhas ideias e por sua orientação sempre calma e direta. Sua ajuda me levou a lugares que não imaginava. A Dra. Yanina Welp, que me recebeu em Aarau, na Suíça, com muita atenção e carinho, viu minha vida dar uma reviravolta e ainda assim teve paciência para ajudar a pensar cada detalhe do meu trabalho.Obrigado por seu olhar acurado e suas orientações sempre elaboradas e diretas. Ao Centre for Research on Direct Democracy e a todos do Zentrum für Demokratie Aarau – University of Zurich por terem me recebido tão bem. Uwe Serdult, Jonathan Wheatley, Fernando Mendez, Tomislav Milic, Lea Heyne e Martin Nitsche. À ESKAS pela oportunidade e financiamento. Aos colegas do Prodoc e do Centro Latinoamericano-Suizo da Universidade de St. Gallen. E à Gestora do Programa, Vanessa Boanada Fuchs, especialmente, obrigado pelas conversas e camaradagem. Ao Dr. Nikos Passas e à Northeastern University por terem me recebido, Boston é parte essencial dessa trajetória. Aos amigos, destacar poucos se mostra uma atividade bastante custosa, peço desculpas por deixar alguns de fora. Roberto Mosca Júnior e Isabel Ostrower, casal sempre unido e que enche qualquer casa de alegria com seu pequeno ‘mosquitinho’ e a meiga Manu. Luis Felipe e ‘Lolô’, sempre juntos e preparados para todas as batalhas que vierem. Rafael Duarte, muitos anos de estrada, não é fácil me aturar mas seguimos tentando. Meu camarada de discussões Rodrigo Dolandeli. André Amud Botelho e Flora Lobosco e seus lindos rebentos, Francisco e Joaquim, família que ganhei da vida. Aos colegas de IFCH-UNICAMP, Hmberto Meza, Vitor Sandes, Rony Coelho, Maryanne Galvão, Patrícia Lemos Rocha, Luiz Fernando Miranda e todos os outros com quem me encontrei, obrigado. Gostaria de agradecer à minha família: minha mãe, Luciana Maria Capra, sempre atenta e firme no apoio; meu pai, José Eduardo Campos Vieira, obrigado pela parceria e ajuda nas idas e vindas constantes da minha vida; às minhas irmãs, Rita e Ana Capra Vieira, sempre

presentes na minha vida; ao meu sobrinho e sobrinhas, Felipe, Lia e Maria, pessoas lindas que vão aos poucos conquistando todos os corações do mundo. Minhas primas, primos, tias e tios, vocês estão aqui presentes. Às minhas avós Anita e Dora, firmes nessa trajetória linda que é a vida. A Micaela pelo carinho e companheirismo, essenciais para fazer essa trajetória ainda mais rica. Aqueles com quem debati e refleti que direta ou indiretamente me ajudaram a pensar e concluir esse trabalho. Obrigado.

“O Dina Teu menino desceu o São Carlos Pegou um sonho e partiu Pensava que era um guerreiro Com terras e gente a conquistar Havia um fogo em seus olhos Um fogo de não se apagar

Diz lá pra Dina que eu volto Que seu guri não fugiu Só quis saber como é Qual é Perna no mundo sumiu” Gonzaguinha – Com a Perna no Mundo

Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar de que maneira a atuação dos movimentos sociais está relacionada à introdução e ao uso dos mecanismos de democracia direta que hoje figuram nas constituições dos três países estudados: Brasil, Venezuela e Bolívia. Dessa maneira, buscase identificar se estes são instrumentos de luta utilizados pelos movimentos sociais por maior poder decisório no processo político. Para tal, investiga-se a trajetória do debate sobre participação popular direta até a implementação dos mecanismos de democracia direta. Assim, analisa-se também a utilização de referendo, plebiscito, revocatória de mandato e iniciativa popular nesses três países. Palavras-chave: Mecanismos de democracia direta, Movimentos Sociais, Participação Popular, Brasil, Venezuela e Bolívia.

Abstract: The objective of this work is to analyze how the actions of social movements are related to the introduction and use of mechanisms of direct democracy that currently appears in the constitutions of the three analyzed countries, Brazil, Venezuela and Bolivia. In this way, the work seeks to identify whether these are struggle instruments used by social movements to increase decision-making power in the political process. To this aim, it investigates the debate on direct popular participation until the implementation of mechanisms of direct democracy. Thus, it also analyzes the use of referendum, plebiscite, recall and popular initiative in these three countries. Keywords: Mechanisms of Direct Democracy, Social Movements, Popular Participation, Brazil, Venezuela and Bolivia.

Resumo: El objetivo de este trabajo es analizar de qué manera la actuación de los movimientos sociales está relacionada con la introducción y usos de mecanismos de democracia directa que actualmente figuran en las constituciones de tres países estudiados: Brasil, Venezuela y Bolivia. De esta manera, se busca identificar si estos son instrumentos de lucha utilizados por los movimientos sociales por mayor poder decisorio en el proceso político. Para ello, se investiga la trayectoria del debate sobre participación popular directa hasta la implementación de los mecanismos de democracia directa. Así, se analiza también la utilización de referendo, plebiscito, revocatoria de mandato e iniciativa popular en los tres países de estudio. Palabras-claves: Mecanismos de democracia directa, Movimientos Sociales, Participación Popular, Brasil, Venezuela y Bolivia.

Sumário INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14 CAPÍTULO I: MODELO TEÓRICO .................................................................................. 17 1.

2.

3.

Marco Teórico ................................................................................................................. 17 1.1

Novos Espaços Decisórios? ....................................................................................... 17

1.2

Processo de mudança institucional ............................................................................ 19

1.3

Mecanismos de democracia Direta ............................................................................ 20

1.4

Por que Introduzir ...................................................................................................... 23

1.5

A representação em crise ........................................................................................... 26

1.6

Protesto social e demanda cidadã .............................................................................. 28

Estado da arte ................................................................................................................. 30 2.1

Estados Unidos .......................................................................................................... 30

2.2

Europa ........................................................................................................................ 33

2.3

América Latina .......................................................................................................... 37

Métodos de Pesquisa....................................................................................................... 44 3.1

Relevância do estudo ................................................................................................. 44

3.2

Pergunta e Hipóteses .................................................................................................. 46

3.3

Metodologia ............................................................................................................... 47

3.3.1

Seleção de casos ................................................................................................. 47

3.3.2

Movimentos, atores sociais e outcomes .............................................................. 49

CAPÍTULO II. BRASIL ........................................................................................................ 53 1.

Apresentação ................................................................................................................... 53

2.

Uso e formalização de mecanismos de democracia direta .......................................... 63

3.

2.1

Precursores da democracia participativa: Diretas já! ................................................. 63

2.2

A discussão sobre a participação popular na elaboração da nova Constituição ........ 66

2.3

A participação popular da nova Constituição por meio de emendas ......................... 68

2.4

Os plebiscitos pré-agendados sobre Monarquia a e Parlamentarismo ....................... 72

2.5

Referendos realizados pós-constituição 1988 ............................................................ 74

2.6

Iniciativas populares sob a nova Constituição ........................................................... 75

Considerações Finais ...................................................................................................... 85

CAPÍTULO III. VENEZUELA ............................................................................................ 87 1.

Apresentação ................................................................................................................... 87

2.

Uso e formalização de mecanismos de democracia direta .......................................... 98

3.

2.1

A Constituição Bolivariana ........................................................................................ 98

2.2

Referendos sobre a constituição .............................................................................. 101

2.3

Consultas populares ................................................................................................. 103

Considerações finais ..................................................................................................... 108

CAPÍTULO IV. BOLIVIA .................................................................................................. 110 1.

Apresentação ................................................................................................................. 110

2.

Uso e formalização de mecanismos de democracia direta ........................................ 114

3.

2.1

Referendo sobre os Hidrocarbonetos ....................................................................... 114

2.2

O referendo sobre a autonomia departamental ........................................................ 117

2.3

Nova lei do referendo .............................................................................................. 121

2.4

Referendo Revogatório ............................................................................................ 124

2.5

A nova constituição e os mecanismos de democracia direta ................................... 127

2.6

Referendo Constitucional ........................................................................................ 130

Considerações Finais .................................................................................................... 133

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 135 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 143

Sumário de quadros e tabelas Quadro 1: Iniciativas populares ................................................................................................ 76 Tabela 1: Plebiscito, forma de governo, Brasil - 1963 ............................................................. 54 Tabela 2: Representação partidária na Câmara dos Deputados, Brasil, 1966-1978 ................. 59 Tabela 3: Representação partidária no Senado Federal, Brasil, 1966-1978. ............................ 59 Tabela 4: Plebiscito, Forma de Governo, Brasil, 1993 ........................................................... 73 Tabela 5: Plebiscito, Sistema de Governo, Brasil, 1993 ........................................................ 73 Tabela 6: Referendo, Proibição do comércio de armas, Brasil, 2005 ..................................... 75 Tabela 7. Referendos ocorridos, Venezuela, 1950-2015 ........................................................ 100 Tabela 8: Referendo de convocatória da ANC, Venezuela, 1999 .......................................... 102 Tabela 9: Referendo, Proposta constitucional ,Venezuela, 1999 ........................................... 103 Tabela 10: Referendo Consultivo, suspenção de lideranças sindicais, Venezuela, 2000 ....... 104 Tabela 11: Iniciativa Popular, Revocatória do mandato presidencial, Venezuela, 2004 ....... 106 Tabela 12: Referendo, reforma constitucional, Venezuela, 2007........................................... 107 Tabela 13: Referendo, reforma constitucional, Venezuela, 2009........................................... 108 Tabela 14: Referendos, politica energética, Bolivia, 2004 ..................................................... 117 Tabela 15: Referendo, Autonomia departamental, Bolívia, 2006 .......................................... 118 Tabela 16: Referendo, voto de confiança na política do Presidente, Bolivia, 2008 ............... 125 Tabela 17: Composição da constituinte. ................................................................................. 128 Tabela 18: Referendo, Constitucional, Bolívia, 2009 ............................................................ 131 Tabela 19: Referendo sobre latifúndio, Bolívia, 2009............................................................ 132

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INTRODUÇÃO A introdução de mecanismos de democracia direta em Brasil, Venezuela e Bolívia ocorreu através da aprovação de novas constituições redigidas por Assembleias Nacionais Constituintes e que buscavam através do novo texto romper com estruturas políticas presentes nas cartas anteriores. Diante disso, é importante ressaltar que nos três casos discutidos há um discurso anterior à aprovação da constituição que defende a introdução de mecanismos de democracia direta. Entretanto, é importante entender quem apoiava a inserção de mecanismos que ampliassem a participação popular e de que maneira estes atuaram para garantir que a nova constituição reconhecesse estes direitos. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo investigar a atuação de movimentos sociais em relação à introdução de mecanismos de democracia direta, assim como analisar de que maneira estes mecanismos vem sendo utilizados em cada um dos países observados. Dessa forma, busca-se responder à seguinte questão: como a atuação de movimentos sociais pode ter influenciado na introdução de mecanismos de democracia direta e participativa em cada um destes três países? Partiremos da afirmação de que houve participação prévia de movimentos sociais em todos os três casos no debate sobre a introdução de mecanismos de democracia direta. Essa atuação precisa ser analisada desde seus momentos iniciais, nos quais se debatia de maneira mais genérica as formas de participação popular direta até os processos constituintes onde através da participação ativa buscavam contribuir para a inclusão de mecanismos de democracia direta. Dessa forma, buscava-se novos mecanismos que passassem a fazer parte do repertório de lutas destes organismos, que percebem nestas ferramentas oportunidades de institucionalizar sua luta política. Esta hipótese está relacionada com condições preexistentes para que movimentos sociais pudessem interferir de maneira crítica no debate político nos três países analisados. Essas condições residem principalmente na capacidade de associação e de formação de organizações sociais, assim como no sucesso de suas ações através de luta. Dessa forma, compreende-se aqui este processo como uma forma de empoderamento dos movimentos sociais que, ao acrescentarem aos seus tradicionais métodos de lutas mecanismos institucionalizados que permitam reivindicar direitos, avançam em direção a uma nova forma de relação com outros atores políticos, influenciando, dessa forma, cada vez mais partidos políticos, eleições e processos decisórios.

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Assim, buscamos analisar se este processo resulta numa inovação dentro destas democracias representativas, aumentando a capacidade de participação popular direta. Pois, ao introduzir e utilizar mecanismos que aprofundam os espaços de participação direta em processos decisórios, estabelecem-se também novos canais entre sociedade e o processo político institucional, o que resulta emnovas respostas a conflitos. Essa lógica permite que o confronto de interesses e ideias aconteça em outras esferas, indo além do combate entre forças sociais e o Estado, tradicionalmente encontrado em greves, protestos, desobediência civil, ocupações de prédios públicos e de terras não produtivas, por exemplo. Portanto, este trabalho compreende que o repertório de ações coletivas é também alargado diante da introdução e utilização de mecanismos de democracia direta por movimentos sociais. Entende-se que uma nova forma de atuação institucional se inaugura, somando-se à cooperação com partidos políticos como forma de luta, possibilitando maior acesso e interferência no processo de decisão politica. Este canal de luta torna-se mais um espaço institucionalizado que permite um maior leque de ações no qual movimentos sociais podem atuar. Por essa razão, vemos a necessidade de analisar a atuação dos movimentos sociais na introdução de mecanismos de democracia direta. Para iniciar esta análise, deve-se observar como se deu a atuação de atores sociais em favor de mecanismos que permitissem a participação popular direta. Analisa-se primeiro as origens do debate em cada um dos países, ressaltando os atores principais e que tipo de propostas surgem nessa trajetória. Ao tratar do processo constituinte no Brasil, deve ser ressaltado que houve a participação de grupos sociais através do mecanismo que possibilitava a apresentação de emendas constitucionais por qualquer cidadão. Essas propostas de emendas deveriam ser apreciadas por comissões formadas dentro da assembleia constituinte e levadas a votação caso houvesse acordo. Entretanto, não foi permitido aos movimentos sociais concorrerem a uma vaga na assembleia:para isso era necessário ser filiado a um partido político. É interessante apontar que, no caso brasileiro, a demanda por uma nova constituição tinha como objetivo restaurar por completo a democracia, acabando com mais de 20 anos de ditadura militar, e que esse processo era parte de um acordo político no qual os principais partidos estavam de acordo e que resultou na aprovação da constituição em 1988. Na Venezuela, é também necessário destacar a atuação dos movimentos sociais na convocação da assembleia nacional constituinte através de intensa mobilização ao longo das décadas de 1980 e 1990 onde se consolidou a demanda por uma assembleia constituinte. Ao

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contrário do caso brasileiro, na Venezuela não houve transição de um regime autoritário para a democracia. Entretanto, é possível apontar um evento relevante, a partir do qual se pode notar um maior recrudescimento dos conflitos sociais no país, o Caracazo de 1989. A atuação dos movimentos sociais na convocação da assembleia nacional constituinte foi canalizada por partidos políticos e, em 1999, após uma tentativa frustrada de golpe de Estado em 1992 e a eleição do principal líder do Movimento Bolivariano Revolucionário-200 (MBR-200), principal agremiação na insurreição de 1992, a Venezuela aprova a nova constituição. Por fim, a Bolívia conta com uma intensa atuação dos diversos grupos sociais no período anterior à convocação da assembleia constituinte. É importante ressaltar que esses grupos apesar de terem apoiado a ascensão do partido político Movimiento al Socialismo – MAS, principal articulador do processo após a chegada ao poder, contam com enorme independência e capacidade de organização. Houve na Bolívia a criação do ‘Pacto de Unidad’ a partir do qual os movimentos sociais apoiam a candidatura e, após a vitória, criam condições para que o governo de Evo Morales consiga governar e levar adiante as propostas apresentadas durante a campanha eleitoral. A ascensão desse grupo deve ser compreendida, assim como na Venezuela, a partir de um episódio relevante, que marca a intensificação da atuação e demandas dos movimentos sociais e que resulta num ciclo de lutas. Seu estopim foi a crise da água em 2000.

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CAPÍTULO I: MODELO TEÓRICO

1. Marco Teórico 1.1

Novos Espaços Decisórios?

Inovação democrática deve ser compreendida como a introdução de instituições que tenham como função alterar a estrutura ou o processo democrático com o objetivo de melhorá-los (Geissel, 2009, Smith, 2009, Schmitter, 2015). Essas inovações podem ocorrer através de pequenas alterações ou de revoluções. Definir entre reforma e inovação é um desafio constante, mas entender que inovação democrática é, além de uma teoria, um processo de ideias em ação, portanto, determinada pela prática e pela qualidade das ideias, ajuda a compreender que parte do poder de inovação vem da capacidade de estabelecer mudanças radicais que dificilmente podem ser alcançadas com reformas pontuais (Dagnino, Olvera, Panfichi, 2006). É interessante debater sobre inovações democráticas tendo como pano de fundo o questionamento, que ocorre nas democracias contemporâneas, de importantes instituições democráticas, por exemplo, partidos, poderes legislativo, executivo e judiciário, a participação eleitoral, baixos níveis de identificação e confiança em partidos e em representantes eleitos. Compreendendo esse questionamento como sendo, possivelmente, decorrente do afastamento entre os interesses e demandas dos cidadãos e os representantes eleitos e com poder decisório, especula-se que uma das principais características das inovações democráticas é a necessidade de pensar alternativas que permitam que os cidadãos fiquem mais próximos do poder decisório. Assim, são gerados mecanismos que garantam o empoderamento do cidadão, que estabeleçam nova formas de controle do processo político, contudo, sem que haja o desmonte do sistema democrático representativo. Dessa forma, outra característica importante a ser ressaltada é a de que as inovações aqui citadas devem ser entendidas como complementares e pensadas para funcionar dentro do modelo de democracia representativa. E indo além, estabelecendo possíveis estratégias que tragam os cidadãos desinteressados para o processo político (Setala, 2009). Utilizaremos a partir daqui como exemplos de inovações democráticas os seguintes mecanismos: referendo, iniciativa popular, revogatório de mandato e plebiscito (Smith, 2009). Esses mecanismos têm como característica comum funcionar para reduzir a distância entre

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cidadãos e seus interesses dos representantes concomitantemente ao processo político decisório, além de aumentar os espaços de participação direta na sociedade. Com relação ao uso do termo inovação democrática sobre referendo e outros mecanismos de democracia direta, é possível que surjam críticas, principalmente sobre como classificá-los como inovações, uma vez que são parte do processo político em alguns países há bastante tempo, como por exemplo na Suíça e em diversos estados dos Estados Unidos da América (Butler e Ranney, 1994). Entretanto, esses mecanismos, apesar do crescimento quantitativo de consultas populares, não são recorrentes na maior parte das democracias do mundo (Qvortrup, 2014). Dessa forma, o uso de mecanismos de democracia direta deve ser compreendido como inovador neste sentido, pela recuperação de um mecanismo e expansão do seu uso. Além disso, um outro fator que ajuda a compreender o sentido inovador que adquirem os mecanismos de democracia direta, é o crescimento do debate sobre ajustes no desenho institucional que busquem aperfeiçoar os mecanismos e melhorando as possibilidades de utilização. O que importa não é exatamente o quão novo é o instrumento em si mas sim a expansão de seu uso em novos países além do papel que desempenha ao abrir canais de permitam outras formas de intervir no processo de elaboração de políticas em democracias representativas sem espaços participativos. Dessa maneira, buscando um processo de construção democrática que vá além do exercício do voto e da representação política, gerando uma renovação na maneira como se entende o político através da participação direta. Portanto, participação popular é um elemento chave para compreender o conceito de inovação democrática. A definição apresentada por Graham Smith afirma que o termo se refere a: “instituições que foram especificamente desenhadas para aumentar e aprofundar a participação popular no processo politico decisório.” (Smith, 2009: 1). 1

Do original em inglês: “institutions that have been specifically designed to increase and deepen citizen participation in the political decision-making process.” Tradução feita pelo autor, assim como todas as outras a partir deste ponto. 1

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1.2

Processo de mudança institucional

Estudar os mecanismos de democracia direta e seus efeitos deve ir além de meramente quantificar referendos e iniciativas populares que ocorrem no mundo. Apesar de significativo para a investigação científica, avaliar se há ou não aumento no uso destes mecanismos não é o principal objetivo aqui. Ao contrário, segundo Scarrow (2001), o trabalho deve analisar o aumento de democracia direta não sob esta ótica mas sim pela oferta de oportunidades institucionais de um governo menos mediado. A autora corrobora essa avaliação afirmando que independente do uso de referendos ainda ser restrito a poucos países e que mudanças na forma de utilização de referendos ainda são raras, ao analisar a emergência de reformas institucionais que introduzam mecanismos de democracia direta o resultado é bastante diferente. Wheatley e Mendez (2013) mostram esse crescimento em detalhes. Assim, é importante avaliar em que grau as instituições mudaram em favor de maior participação direta na governança. Dessa forma, é necessário compreender quais as mudanças institucionais visam diminuir a distância entre representantes e representados além de contribuir para aumentar a capacidade de tomada de decisão direta da sociedade sobre temas e de que maneira essas mudanças se misturam ao sistema representativo. Elementos participativos que permitam maior poder decisório direto têm ainda a capacidade de legitimação na elaboração de políticas. Outras características permitem ainda indicar o potencial destas mudanças: por exemplo, o controle maior que desempenha a sociedade sobre representantes ao longo de mandatos, ou ainda a atuação como ‘poder de veto’2 sobre o sistema político decisório, diretamente em aspectos em que haja disparidade entre a decisão/opinião dos representantes e a sociedade. Para isso, é importante observar até que ponto constituições e sistemas eleitorais reconhecem formalmente instituições que permitam tomada direta de decisão. A simples introdução destes mecanismos serve de evidência de que a proposta de maior participação cidadã no processo decisório exerce influência sobre legisladores. Como forma de avaliar essa influência, Scarrow (2001) sugere que se amplie o escopo das instituições, não observando apenas referendos mas todos os procedimentos que visem fazer o governo representativo menos mediado. Para Tsebelis, ‘veto player são atores individuais ou coletivos cujo o acordo é requisitado como forma de autorizar uma alteracao de status quo. (Tsebelis 1995:289) 2

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Com base nesse desenho, a análise de mudanças institucionais desenvolvida aqui levará em consideração mudanças graduais, buscando compreender o processo de alteração como um todo e não apenas observando casos drásticos ou de rupturas. Portanto, a noção de que é necessário haver uma ruptura da instituição para que haja mudança é vista como insuficiente para dar conta do processo analisado aqui. Ao contrário, deve ser dada ênfase à noção da continuidade como geradora de transformações (Thelen, 2000, 2005; Rezende, 2012). Para identificar essas mudanças graduais é necessário avançar na análise sobre a estabilidade das instituições que passam por transformações, compreendendo a atuação de múltiplos atores ao longo do processo, identificando os atores e suas agendas e estratégias utilizadas. Dessa forma, é importante buscar respostas sobre quais são os agentes por trás das mudanças e a razão pela qual se organizaram em busca de mudança. Obviamente transformações podem decorrer do conflitos entre agentes, o que resulta num sistema que nem sempre pode ser compreendido pela dicotomia vencedores versus perdedores. É interessante compreender como a atuação de cada agente reflete na mudança institucional. Além disso, é preciso ter claro que o resultado de um processo de mudança pode ser algo diferente daquilo pretendido inicialmente pelos agentes envolvidos.

1.3

Mecanismos de democracia Direta

Os estudiosos sobre democracia direta buscam, em geral, através de seus trabalhos apresentar suas próprias classificações de mecanismos de democracia direta. Dessa forma, ao discutir os mecanismos de democracia direta, uma vasta gama de classificações esta disponível o que impede uma tipologia comum. Isso causa dificuldade metodológica pois uma vez que os conceitos apresentados em diferentes estudos não seguem a mesma lógica, isso atrapalha, por exemplo, o diálogo entre pesquisas. Uleri (1996) já mostrava essa questão ao apresentar autores com classificações tão distintas como a de Mockli (1994), cujo a tipologia compreende seis tipos de MDD e a elaborada por Suksi (1993), composta por doze. O autor continua e indica a diferença entre a tipologia apresentada por Magleby (1994) que compreende quatro tipos de legislação direta e a proposta por Auer (1989) que define cinco tipos de referendos e três formas de iniciativa populares. Diversos estudos realizados após a publicação do texto de Uleri continuaram a

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utilizar suas próprias tipologias. Seguindo a mesma linha, Svensson (2011) dedicou-se, mais recentemente, a analisar as mais variadas tipologias. Além da proposta de Uleri de classificar entre Referendo Mandatório, Referendo Opcional e Iniciativa esses dois últimos, com uma segunda subdivisão de acordo com a quem controla o processo de promoção da consulta e de decisão, seja ela de revogar algo que existe ou rejeitar algo que é proposto, o autor analisa as tipologia utilizadas pelo IDEA, IRI e Altman (2010). Não é o caso de discutir especificamente cada uma dessas tipologias mas as características gerais encontradas podem ser divididas da seguinte forma. Mecanismos de democracia devem ser agrupados primeiro de acordo com a sua origem, sendo ‘top down’ quando iniciados a partir de autoridades ou ‘bottom up’ quando convocados por cidadãos. Os de cima para baixo podem ser mandatórios ou convocados pelo executivo ou legislativo. Os de baixo para cima, podem ser iniciativa popular direta ou influenciados por cidadãos. Esse último é o caso das iniciativas legislativas. Portanto, resumindo, para se definir o tipo de MDD é preciso analisar: o autor da proposta (quem inicia), como é alcançada a decisão sobre o tema (voto popular, votação parlamentar, executivo) e se a decisão é vinculativa ou não. Com o objetivo de apresentar uma tipologia baseada nesse formato este trabalho compreende os seguintes mecanismos de democracia direta: Iniciativa Popular, Iniciativa Popular Legislativa, Revocatória de Mandato; Referendo e Plebiscito. O mecanismo chamado de Iniciativa popular esta presente em diversas constituições em todo o mundo mas é mais conhecido pelo sua utilização na Suíça, Liechtenstein, e no nível local, em diversos estados Norte-americanos, principalmente no da Califórnia e da Alemanha. Sua principal característica é a necessidade de coleta de assinaturas na sociedade para apoiar determinada proposta. A coleta de assinaturas deve seguir determinadas regras. Os requerimentos para que a coleta seja valida diferem de acordo com cada constituição mas em geral são relacionadas a quantidade, diversidade das assinaturas e tempo para a coleta, devem estar presente um mínimo representativo da sociedade, que tenham sido coletadas em diferentes estados, nos casos nacionais num determinado espaço de tempo. A constituição define ainda, quais os tópicos não podem ser tratados em iniciativas populares, questões de segurança nacional, que envolvam utilização ou alocação de recursos, em casos em que não há previsão de controle pela população, por exemplo. Uma vez cumprido o rito de coleta, as assinaturas devem ser conferidas, o legislativo, em parceria com os organizadores da iniciativa criam um projeto de lei que será

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apresentado a sociedade para que seja definido através do voto popular sua aprovação ou não. Iniciativas populares também podem ser utilizadas para revogar uma lei. A Iniciativa Popular Legislativa existe no Brasil. Nesse caso, o processo é relativamente parecido com o da Iniciativa Popular, entretanto, uma vez que há, respeitando as regras previstas na constituição, a coleta de assinaturas, os organizadores da petição a entregam ao congresso. Para que seja aceita é requerida o apoio de ao menos um parlamentar que assume o papel de ‘padrinho’ da iniciativa. Feito isso, o processo passa a transitar como qualquer outro projeto de lei que exista no legislativo. Tramita entre comissões, sofre emendas e pode ser fechado. Não existe nenhuma garantia de que ele se torne lei, tampouco, existe a previsão constitucional de que se torne uma consulta popular apresentada a sociedade para decisão. Pesquisas apontam que iniciativas populares são utilizadas por partidos políticos. Setalla e Schiller (2012) apontam nesse sentido afirmando que em cooperação com outros atores, partidos políticos iniciam campanhas, utilizando o processo de elaboração de ideias e debate com a sociedade com o objetivo de conseguir apoio para suas propostas. Esse processo pode ser iniciado por partidos de oposição como forma de confronto político (Serdult e Welp, 2012). A revogatória de mandato tem as mesmas características mostradas acima, contudo, sua convocação visa interromper mandatos de representantes eleitos para cargos executivos. Ela existe para todos os níveis, Presidente, Governador e Prefeito na Venezuela e Bolívia dentre os casos analisados aqui. Mas outros países preveem a possibilidade de revogar o mandato executivo através de coleta de assinaturas e consulta popular. Nos Estados unidos, diversos estados possuem o mecanismo e recentemente, em 2003, um governador, Gray Davis, do estado da Califórnia, foi removido do cargo como resultado da revocatória de mandato iniciada pela sociedade. Entretanto, existe a possibilidade da revocatória de mandato ser convocada pelo próprio eleito, caso tenha poder para tal. Nesse caso, não há a necessidade de coleta de assinaturas. O processo serve para reafirmar o representante no cargo, ou um voto de confiança. Esses três casos apresentados até aqui, são definidos como de baixo para cima, em função de suas origens na participação direta da sociedade. O referendo é o mecanismo de democracia direta de maior notoriedade. É também o exemplo clássico do MDD de cima para baixo, uma vez que pode ser iniciado pelo poder

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executivo, legislativo e também por previsão constitucional. A forma de convocação difere entre os países de acordo com a constituição. Nos casos de convocação pelo legislativo e executivo são, em geral, convocados por decreto. Nesses casos, a participação popular se resume ao voto na consulta popular. O cidadão deve optar entre o que é proposto, podendo ser uma resposta entre sim e não, ou até eleger entre diferentes opções apresentadas. O referendo mandatório é convocado para assuntos já previstos na constituição como acordos internacionais, questões de fronteiras, independência de estados dentre outros. Os referendos podem, ainda, ser vinculantes ou não. Quando não são servem como forma de consulta sobre determinado assunto. Feito dessa maneira, sua convocação pode ter como objetivo de angariar apoio para determinado assunto polêmico ou quando aja claro conflito entre os dois poderes, executivo e legislativo, buscando apoio popular para o projeto. O plebiscito difere pouco e em diversas tipologias são excluídos e as consultas realizadas sob este signo contam como referendos. A razão para isso é que a distinção entre os dois é feita, em geral em função do estágio em que se encontra o assunto consultado. Por exemplo, uma lei que já existe e vai a consulta popular configura um referendo, quando a lei precisa ser aprovada, e esse é o motivo da convocação, um plebiscito.

1.4

Por que Introduzir

Democracia e representação, como separar esses dois conceitos? A invenção da democracia representativa é caracterizada pela união de dois conceitos distintos, representação e democracia, surgidos em contextos diferentes, o primeiro pelos ingleses no século XVII e norte-americanos no final do século XVIII e o segundo na Grécia antiga durante o século V A.C. Entretanto, independente destas distâncias histórica e geográfica, segundo Pitkin (1967) “nos tempos modernos quase todo mundo quer ser governado por representantes, todo grupo político e toda causa deseja representação, todo governo pretende representar.” Nos dias de hoje, falar de democracia, significa falar em formas de representação. Portanto, a democracia representativa deve ser entendida como uma junção de duas formas distintas de organização política e num conflito constante entre estes dois conceitos e não numa convergência

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natural. Segundo Lessa3, “o conceito de representação contaminou o sentido original de democracia” e com isso surge esse novo modelo que serve de base para Estados em grande parte do planeta. Contudo, pensar nessa junção de conceitos e imaginar o resultado como algo instituído, concluído e em paz consigo mesmo pode resultar num erro. Esta relação é baseada na tensão entre atores e autores, onde: Autor é a comunidade cívica, os representados; e Ator o representante encarregado de realizar aquilo que a sociedade, por questões diversas, não pode. Essa relação se caracteriza pela doação, entrega dos direitos de um para o outro, nesse sentido a representação significa agir no interesse dos representados mas de uma maneira responsiva a eles. (Pitkin, 1967). Para Hobbes, representante é aquele que recebe autoridade para agir pelo outro. Essa concessão de poder pode ser limitada ou ilimitada, o que resulta na soberania, onde o soberano é o representante dos interesses do povo. Essa transferência gera instabilidade, uma vez que o recurso utilizado para que muitos sejam representados por poucos não tem condições de satisfazer a todos interesses. Buscando atuar como representantes, partidos, grupos de interesses e organizações corporativas têm como função definir uma agenda com a qual consiga convencer o maior número possível de eleitores a transferir, através do voto, seu poder para o partido. Por outro lado, a esfera pública, sociedade civil e mídia atuam para formar preferências e moldar a opinião pública (Habermas, 1989). Entretanto, o relacionamento entre representados e representantes pode encontrar dificuldades por diversas razões, desde déficit de informação, que pode ser resultado da má atuação dos partidos na interação com a sociedade, até a corrupção na relação entre representantes e representados (Bobbio, 1987). Dessa maneira, compreendemos a representação como a cessão dos direitos de atuar diretamente a um representante escolhido através de um processo eleitoral (preferencialmente num modelo de sufrágio universal) cujo desempenho deverá/poderá ser avaliado numa próxima eleição (em casos de reeleição, imediatamente ao fim do mandato) pelo eleitorado. Assim, o procedimento no qual se escolhem os representantes possui grande destaque no sistema representativo. É ao longo dos séculos XVIII e XIX que a democracia representativa começa a se definir nos moldes atuais. 3

Lessa, Renato. Representação política: Fundamentos e Dilemas. Ver: https://www.youtube.com/watch?v=-49FwCJTYFU

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Para Rousseau, a democracia representativa é, no melhor dos cenários, um instrumento substitutivo de formas mais ‘fortes’ de democracia (Pateman, 1976; Barber, 1984). Na sua visão, a participação tem potencial para criar virtudes necessárias para o desenvolvimento de habilidades que permitam engajamento em questões cívicas, imaginando que a atuação de instituições civis teriam um efeito de ‘escola de democracia’. Essa ideia se baseia na avaliação de que as pessoas são capazes e têm desejo de participar politicamente. Essa visão radical sobre a representação levou o autor a afirmar ao refletir sobre o governo inglês que ali se encontrava uma escravidão com alguns momentos de liberdade, durante as eleições. Contudo, essa visão crítica sobre a representação e otimista sobre a participação direta não é um consenso. A representação não é um desafortunado compromisso entre um ideal de democracia direta e uma confusa realidade moderna. Representação é crucial para viabilizar práticas democráticas (Urbinati 2000; 2006.). A democracia representativa não é substituto imperfeito para a democracia direta, mas um modo de a democracia recriar constantemente a si mesma e se aprimorar. O que se busca, assim, são formas de pensar as práticas de representação democrática além das eleições e que possibilitem maior participação da sociedade no processo político (Saward 2000; Warren, 2008). Formas não eleitorais de participação são cada vez mais importantes para expandir e aprofundar a democracia. Entretanto, esse desenvolvimento desafia as ferramentas conceituais e normativas da teoria democrática. Teóricos da democracia devem desenvolver novas ferramentas assim como análises críticas que sejam sensíveis a novas formas de influência política e formas indiretas de poder político. Manin (1995), em seu clássico estudo, aponta para as transformações que o sistema representativo sofreu ao longo dos dois últimos séculos, focando principalmente na ampliação do direito de voto, deixando de ser um sistema no qual a propriedade determinava a atuação para um em que o sufrágio universal faculta o voto a todos os adultos. Segundo ele, essa transformação aconteceu em paralelo à emergência de partidos de massa, o que contrariava a concepção inicial sobre o governo representativo, que via em partidos e facções uma ameaça. Hoje a presença de partidos é percebida como um componente essencial do sistema representativo. Dessa maneira, aponta que houve a substituição da representação classificada como típica de parlamentarismo, por um novo formato no qual partidos de massas e plataformas políticas se firmavam como uma consequência da extensão do direito de voto. Assim, o sistema representativo se aproximava do ‘ideal de autogoverno’, uma vez que o ‘governo de partido’ se aproxima cultural e socialmente do cidadão que passa a ter um papel

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mais importante na definição de políticas públicas. O surgimento desse ‘novo’ formato é considerado um progresso, um avanço da democracia (Manin, 1995). Portanto,“a representação é a instituição que possibilita à sociedade civil (em todos os seus componentes) identificar-se politicamente e influenciar a direção política do país. Sua natureza ambivalente, social e política, particular e geral determina sua ligação inevitável com a participação” (Urbinati, 2006). Analisar a democracia representativa como parte de um processo, entendendo-a como uma biodiversidade viva onde novos elementos surgem e são agregados ao ambiente, serve para ilustrar uma lógica de processo, entendendo, portanto, a democracia como algo vivo e em transformação (Whitehead, 2011). Ao seguir esse raciocínio, e aceitando que o sistema representativo está em fase de reestruturação no qual o distanciamento entre a cidadania e o processo político decisório e os representantes é um dos problemas identificados como responsável pela suposta crise da representação (Lavalle, Houtzager e Castello, 2006.; Miguel, 2003). Alguns elementos podem ajudar a entender essa ‘crise’, dentre eles a descrença em importantes instituições democráticas como partidos políticos, representantes eleitos. Essa descrença pode ser percebida pela diminuição da participação eleitoral, no menor envolvimento com estruturas partidárias, volatilidade eleitoral e dificuldades para formar governos estáveis e menor identificação ideológica com partidos políticos. Portanto, a introdução e utilização de mecanismos de democracia direta e participativa representa a transição para algo diferente, dessa maneira, configurando uma inovação democrática.

1.5

A representação em crise

A questão sobre a existência ou não de uma crise da democracia representativa tem sido discutida em diversos trabalhos. Estas investigações buscam entender, em grande parte, as razões para a insatisfação popular com instituições representativas. Maiwaring (2006) aponta para existência de um aparente paradoxo em sua análise de países andinos, onde houve uma expansão das instituições democráticas ao longo das décadas 1980-2000, marcada principalmente por 4 aspectos: incorporação massiva de novos cidadãos; mudanças qualitativas na cidadania; reformas políticas que introduziram eleições diretas para governador e prefeito; e maior abertura política para atuação de povos indígenas. Além disso, o crescimento do

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eleitorado, aliado ao aumento dos níveis educacionais e a redução do clientelismo contribuiriam para a expansão das instituições representativas na região. Contudo, o aparente paradoxo se apresenta quando os índices de insatisfação com essas instituições permanece alto, mostrando pouca variação por educação ou renda. Sua conclusão é de que a principal razão para esta crise é a deficiência estatal: o Estado falha ao promover elementos básicos em quatro (4) setores essenciais: judiciário, polícia, forças armadas e o executivo nacional. Para Maiwaring, é essa deficiência e não o acesso limitado à representação que explica a insatisfação dos cidadãos com as instituições representativas. Ao contrário, Dalton, Burklin e Drummond (2001) apontam que as instituições representativas se tornaram menos capazes de lidar com controvérsias políticas e indicam, ainda, que uma maneira de recobrar a vitalidade da democracia é expandir o processo democrático através do uso de referendos, mecanismos que, segundo o estudo, fornecem legitimidade política para assuntos em disputa. Este estudo busca demonstrar que o crescimento da desconfiança nos partidos políticos e a diminuição do comparecimento eleitoral são elementos-chave que indicam problemas tensões entre instituições representativas e cidadãos. Contudo, ao contrário de Mainwaring, que critica o uso de plebiscitos por afastar-se da democracia e pavimentar o caminho para regimes autoritários e semiautoritários o que, ao invés de compensar, acentuaria a insatisfação com instituições representativas. Os autores apresentam ainda dados de survey aplicado na Alemanha em que o apoio por democracia direta é superior ao apoio à democracia representativa (Dalton, Burklin e Drummond, 2001:04). Contudo, o estudo aponta para a composição deste grupo que apoia o uso de mecanismos de democracia direta, em sua maioria, pessoas menos interessadas por assuntos políticos.Além disso, indicam que pessoas com menor nível de escolaridade tendem a apoiar mais a democracia direta que democracia representativa e essa correlação muda proporcionalmente conforme se aumenta o nível de educação. Outro ponto levantado é que não há relação entre apoio ou identificação com determinado partido e o apoio à democracia direta, o que, segundo o estudo, significa que a principal fonte de apoio à democracia direta na Europa é originada em grupos marginais ao processo político. Portanto, para os objetivos deste trabalho, busca-e compreender se a emergência do uso de instituições de democracia direta ao longo das últimas três décadas está relacionada ao enfraquecimento da representação ou se, pelo contrário, é o modelo democrático se reinventando.

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1.6

Protesto social e demanda cidadã

É importante para o debate sobre o papel dos movimentos sociais na introdução de mecanismos de democracia direta e de alterações institucionais que se analise atentamente de que maneira as estratégias e práticas de protesto social utilizadas podem interferir na atuação e resultados alcançados. Portanto, deve-se buscar uma forma clara de analisar a atuação de movimentos sociais que permita distinguir entre as motivações. Para isso, é necessário ter em conta a complexidade daquilo que se compreende por movimentos sociais. Organizações sociais e grupos, muitas vezes independentes e com estratégias distintas, que buscam alterar determinada realidade social são compreendidos como movimentos sociais por partilharem bandeiras de luta. Entretanto, considerá-los todos como algo unificado pode gerar erros de análise. Tilly (1984:304) aponta que os chamados Movimentos Sociais Nacionais, aqueles que desafiam governos nacionais, são parte essencial da democracia política, sendo parte das mesmas forças que desencadearam o desenvolvimento de políticas eleitorais e formas modernas de organização política. Portanto, são grupos que lutam por benefícios coletivos e que, segundo Tarrow (1993) almejam: alteração de poder; forçar mudança política; e mudança sistêmica durável. Dessa forma, além de demandas específicas de cada grupo ou organização social em setores, movimentos sociais buscam mudanças estruturais. Tilly (1999) sugere cautela para não incorrer em dois erros comuns ao se buscar explicações para ações sociais: 1) movimentos sociais são grupos coesos, solidários; 2) movimentos sociais têm uma história contínua, autônoma, como uma história de vida. Para ele, ambas as ideias são falsas, primeiro porque por mais que haja um acordo sobre a história entre membros do movimento, o que constitui o movimento são coletividades e que operam em correlação com diversos outros atores que mudam de acordo com o momento, segundo porque os movimentos não são grupos coesos e sim, aglomerados com diversas faces. A forma de busca dessas mudanças sociais também pode diferir de um grupo para o outro. Pode-se apontar ao menos dois diferentes métodos de atuação: revolucionário e reformista (Gamson, 1990). O primeiro, obviamente, busca romper ou quebrar ordens estabelecidas que interferiam de alguma maneira na realidade na qual atua determinado movimento. Esses movimentos tendem a buscar suas demandas através do confronto como

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tática para alcançar objetivos. O segundo segue uma abordagem mais moderada, buscando mudanças através de negociações e acordos. A procura por uma resposta sobre qual destas duas táticas é mais efetiva na busca por resultados positivos divide pesquisadores: de um lado aqueles que afirmam que métodos moderados possuem mais chances de obter sucesso que outros de estratégia violenta. Estudos sobre táticas utilizadas por movimentos sociais realizados por Piven e Cloward (1979), Tilly (1978), McAdam (1983) e Tarrow (1998) apontam que o uso de força e métodos de confronto aumentam as chances de alcançar os objetivos. Giugni (1999) afirma que, antes de apontar qual das duas estratégias funciona melhor, é necessário observar quais as características organizacionais tendem a ter maior efetividade. Dessa maneira, sugere observar a estrutura dos movimentos sociais como foco de análise para compreender os resultados obtidos por cada um desses grupos. De forma similar, Della Porta (2009), aponta para o papel que a democratização interna de organizações sociais desempenha na democratização política. Por outro lado, Melucci (1989), ao desenvolver sua leitura sobre um novo espaço político que vá além da tradicional distinção entre Estado e ‘sociedade civil’ (1989:64), afirma que o papel dos movimentos sociais não é o de se tornar um partido, ou se institucionalizar, mas sim o de fazer a sociedade ouvir suas mensagens e traduzir suas reivindicações na tomada de decisão. Portanto, “a ação coletiva não é realizada apenas a fim de trocar bens num mercado político e nem todo objetivo pode ser calculado. Os movimentos contemporâneos também têm uma orientação antagônica, que surge e altera a lógica das sociedades complexas” (Melucci, 1989:54) Ao entender movimentos sociais como organizações que transcendem o espaço político é necessário conceber essas organizações como um sistema que conecta diversas áreas e comportamentos e, portanto, não têm uma unidade, mas pelo contrário, são formados por uma pluralidade de ações e demandas. Nesse sentido a unidade funcionaria mais como um resultado do que como um ponto de partida.

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2. Estado da arte 2.1

Estados Unidos

Ao longo dos anos 1980 e 1990, novos trabalhos empíricos sobre democracia direta começaram a definir a agenda de pesquisas que se fortaleceu a partir deste momento. Nos Estados Unidos da América, Thomas Cronin realizou, em 1989 (Direct Democracy: The Politics of Initiative, Referendum, and Recall), uma importante pesquisa ao revisar o debate sobre democracia direta no país. Para isso, buscou, na literatura norteamericana, estudos teóricos e empíricos sobre as diferentes legislações estaduais além de casos de recall, referendo e iniciativas populares. Essa discussão remonta ao início do século XX, momento em que diversas críticas e perigos eram apontados em relação ao surgimento das primeiras legislações estaduais que introduziram mecanismos de democracia direta em diversos estados do país. Dessa forma, o tema se fazia imperativo. Nessa mesma linha, destacam-se outras pesquisas como, por exemplo, a de David Magleby (Direct Legislation: Voting on Ballot Propositions in the United States-1984) que analisou a utilização de mecanismos de legislação direta nos EUA assim como apresentou quatro tipos de mecanismo encontrados nos estados americanos: iniciativa direta, iniciativa indireta, referendo e proposições. Além deste trabalho, Shaun Bouler e Todd Donavan aprofundaram o tema ao debater os efeitos dos mecanismos de legislação direta nas instituições políticas do país, classificando este sistema político como ‘democracia híbrida’ em função da mistura entre democracia direta e sistema representativo. Os trabalhos de Matsusaka e Lupia apresentaram um quadro positivo sobre o uso de iniciativas populares, partindo, em geral, de uma perspectiva econômica para lidar com os mesmos problemas apresentados em pesquisas anteriores produzidas por outras áreas de conhecimento. Por exemplo, ao tratar da ignorância dos eleitores, corrupção, dificuldades práticas e custos de campanhas de consulta popular, os autores apontam que os eleitores são racionais. Dessa forma, utilizam o conhecimento prévio que tenham sobre os assuntos propostos para fazer ‘shortcuts’ com o material apresentado nas campanhas, conseguindo assim, dinamizar o ‘aprendizado’ e dando respostas às questões apresentadas tendo como objetivo de alcançar o benefício próprio, assim como o da sociedade. Argumento semelhante é apresentado para sugerir que a competição entre grupos de interesse para intervir no processo político decisório e também entre grupos de coletas de assinatura beneficiariam o cidadão

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mesmo que esses grupos não busquem o benefício comum. Na pior das hipóteses, os eleitores podem sempre rejeitar a iniciativa. Além disso, Cronin (1989) apresenta os diferentes desenhos institucionais que permitem a utilização destes mecanismos desde a implementação em cada um dos estados americanos. O autor aponta também diversos aspectos que podem ser redesenhados com o objetivo de melhorar a utilização. Por exemplo: cobrança de uma taxa para que o Estado receba a proposta de iniciativa; a necessidade de um grupo de apoiadores que deem início ao processo; medidas que penalizem petições falsas. Por outro lado, sugere que o Estado providencie panfletos informativos e que possibilite o acesso ao debate público para todos. Jogando luz nas críticas sobre a competência dos eleitores para lidar com temas complexos, e analisando os riscos de que sejam utilizados por governos populistas para se legitimar sem necessidade de debate com forças políticas contrárias, a contribuição de Elisabeth Gerber (The populist paradox: interest group influence and the promise of direct legislation 1999) é bem mais específica e completa. Apesar de relativizar o aspecto educativo e cívico que segundo ela estaria contido no uso de MDD, Cronin também chama atenção neste sentido. Nesse sentido, a pesquisa de Daniel Smith (Educated by Initiative: The Effects of Direct Democracy on Citizens and Political Organizations in the American States-2004), chama atenção para os chamados efeitos indiretos ou educativos da utilização de MDD. O trabalho mostra também que os estados nos quais se utilizam iniciativas contam também com maiores taxas de participação eleitoral, creditando isso ao uso de iniciativas populares. Buscando problematizar a pesquisa de Robert Putnam (Bowling alone) em que o autor demonstra preocupação com a atuação de cidadãos na produção de leis, Smith afirma que, nos estados com maior número de iniciativas, os cidadãos estão mais interessados em assuntos políticos, mais engajados em processos eleitorais e mais preocupados com a eficácia da política, além de estarem mais bem informados. Os dados apresentados mostram que as diferenças entre cidadãos de estados onde se utiliza mecanismos de democracia direta e aqueles em que não se utiliza, indicam um padrão consistente ao longo das décadas analisadas. Por outro lado, a partir de uma leitura mais negativa, Thomas Goebel (Direct Democracy in America: A Government by the People-2002) analisa a utilização de mecanismos de democracia direta nos EUA desde os anos 1890 até 1940. Para ele, apesar destes mecanismos terem sido o principal elemento no repertório de ação coletiva, eles não alcançaram o potencial imaginado, principalmente quanto às formas de conter o poder de grandes empresas e conglomerados nos interesses políticos.

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A utilização de iniciativas populares por parte de grandes empresas cujo poder econômico permite que a coleta de assinaturas, assim como campanhas e lobby sejam intensos, vai contra as expectativas iniciais dos que defenderam a introdução destes mecanismos. A ideia era permitir que o cidadão tivesse um meio para impedir que os estados legislassem contra as reformas populares, principalmente quando sob influência de fortes interesses econômicos. O objetivo era regular negócios e empresas, assim como a legislação sobre condições de trabalho e expansão dos direitos das mulheres. O trabalho de Richard Ellis (Signature Gathering in the Initiative Process: How Democratic Is It?-2003) demonstra que, assim como o sistema eleitoral, os mecanismos de democracia direta também estão sujeitos à influência de interesses econômicos poderosos. Por essa razão, ele afirma que o processo de coleta de assinaturas e o financiamento de campanhas precisa ser constantemente observado para que o sistema de utilização de mecanismos de democracia direta funcione e os interesses da cidadania possam prevalecer. Além dos estudos comparativos que envolvem, via de regra, vários estados norteamericanos, um caso bastante analisado na literatura é o californiano. A legislação direta e a iniciativa popular foram introduzidas em 1911 e, desde então, mais de 360 iniciativas se tornaram consultas populares. É interessante destacar alguns casos como a não aprovação do direito ao casamento homoafetivo, em 2008, através da proposição 8, com o comparecimento às urnas de 78% dos eleitores. No mesmo ano, a proposição 10 propunha a substituição do uso de combustíveis fósseis por energias mais limpas, o que foi rejeitado. A proposição 13, aprovada em 1968, reduziu o imposto sobre imóveis no estado, com mais de 2/3 do eleitorado votando. Estes são temas diversos mas ilustram a importância de alguns assuntos levados pela sociedade para consulta popular através de iniciativas populares no estado californiano. Em 2009, depois de críticas e acusações de políticos que reclamavam das dificuldades para realizar gastos orçamentários em função das iniciativas populares, o então governador Arnold Schwarzenegger disse “que todas essas proposições dizendo a nós como gastar o dinheiro, essa não é a maneira de governar o estado”. O Initiative and Referendum Institute (RIR) 4 , liderado por John Matsusaka, realizou uma pesquisa que comprovou que apenas 3% de todo o orçamento anual era gasto com questões relacionadas a iniciativas populares.

4

http://www.iandrinstitute.org/

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Vale ressaltar que esse é o principal centro de estudo acadêmico nos EUA dedicado a pesquisar os mecanismos de democracia direta. Sediado na University of Southern California, o IRI tem, em seu sistema, o ballot watch em que analisa as iniciativas e referendos que estão por vir, assim como seus resultados. O banco de dados é aberto e oferece as consultas populares ocorridas em todos os estados do país desde 1904 quando o Oregon introduziu, em sua constituição, a iniciativa popular a nível local.

2.2

Europa

Na Europa, existem diversos estudos que analisam países e referendos específicos. A Suíça se tornou um exemplo de utilização de referendo e iniciativa popular no continente, além de Itália e Irlanda que também utilizam mecanismos de democracia direta com regularidade. O acesso à União Europeia, seus tratados e modificações foram responsáveis por diversos referendos na região. A Irlanda é, sem dúvida, o país que mais consultas realizou neste sentido. Desde 1972, foram oito sendo que nos tratados de Nice e Lisboa, os irlandeses foram consultados duas vezes em cada. A Dinamarca, com seis, vem logo em seguida. A Suíça e os acordos realizados com a UE requereram sete consultas populares. Dentre estas, vale ressaltar o massivo rechaço à entrada na UE, em que, no ano de 2001, quase 77% dos eleitores disseram não, e a redução do livre trânsito de trabalhadores em 2014. Palle Svenson (Voting Behaviour in the European Constitution Process-2007), Simon Hug (Referendums and Ratification of the EU Constitution-2007) e Lawrence LeDuc (The European Constitution Referendums: What We Already Know-2005) buscaram jogar luz sobre esse processo. Em 1996, Pier Uleri e Michael Gallagher organizaram uma importante obra na qual apresentaram a situação dos mecanismos de democracia direta no continente europeu (The Referendum Experience in Europe-1996). Analisando um total de 12 países, os organizadores afirmam que os referendos europeus, apesar de casos que ainda possuem uma conotação negativa, podem ser analisados em termos de mobilização, participação política e legitimação e compreendidos como uma ampliação do processo político decisório. Nesta obra, diferentes autores apresentam as tipologias dos mecanismos de democracia direta com a qual trabalham. Essa opção indica que há ainda certa dificuldade na elaboração de uma tipologia única que dê conta de todas as previsões constitucionais de

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referendo. Essa situação pode ser melhorada através de estudos empíricos assim como na definição de uma agenda que aponte o desenho institucional dos mecanismos de democracia direta como principal foco. Neste sentido seria interessante discutir: outras formas de convocação de referendo, top down ou bottom up; o modelo de coleta de apoio a iniciativas, o número de assinaturas necessário, quantas regiões, assim como assuntos que requerem a previsão constitucional de consultas populares, temas que devem ser excluídos e ainda como garantir que a cidadania seja a principal favorecida deste processo. Esse debate sobre o desenho institucional pode ajudar, evitando desvios, como os apresentados pelo artigo de Fabbrini (Has Italy rejected the Referendum Path to Change?-2001). Nele, o autor mostra táticas de partidos políticos para conter o avanço do referendo na vida política, criticando principalmente a utilização de recursos para promover a abstenção. Talvez aquela que seja a mais difícil de se alcançar é como estabelecer um modelo de formação de opinião que permita a competição entre os lados, assim como garanta que todo cidadão tenha acesso a visões diversificadas sem que o poder econômico determine o lado vencedor. Sobre isso, vale ressaltar o artigo de Lawrence Leduc (“Opinion Change and Voting Behaviour in Referendums”-2003). A Irlanda inovou neste sentido ao determinar que o governo não pode assumir uma posição, todos são livres para atuar em favor de suas convicções mas não em nome do Estado e principalmente ao determinar que em todos os referendos seja criada, previamente a consulta, uma comissão que produza informação favorável e contrária ao tema consultado. Sobre esse tema, Lucy Mansergh (Two Referendums and the Referendum Comission Experience-1999) e Cathryn Costello (People’s Vengeances: Ireland’s Nice Referenda-2005) fornecem um debate primoroso ao analisarem primeiro os efeitos da criação da comissão e depois as mudanças que surgiram com o objetivo de melhorar o mecanismo. Por outro lado, uma agenda de pesquisa desenvolvida por pesquisadores dedicados ao cenário europeu mais amplo busca compreender a utilização de mecanismos de democracia direta no nível local e compreender qual a contribuição que a sua utilização pode trazer para a democracia. Theo Schiller apresenta no seu livro Local Direct Democracy in Europe (2011) 16 casos distintos com os quais busca apresentar os padrões de utilização e problemas que emergem na região. Segundo ele, os temas tratados no nível local são menos complexos que os nacionais o que permite maior participação e, além disso, aponta que o uso local é a melhor maneira de se responder às críticas sobre a dificuldade de utilizar a democracia direta em espaços muito grandes, onde, segundo os críticos, apenas o sistema representativo seria capaz

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de dar conta dos problemas organizacionais. Para ele, essa experiência local serve para desconstruir essa noção. Além disso, estudos sobre a democratização de países do leste europeu e a entrada destes na União Europeia mostram uma expansão na utilização destes mecanismos sem contudo contar necessariamente com qualidade da utilização. A entrada na UE precisa ser referendada por cada país, contudo o controle político exerce forte influência sobre o processo (Mendez, F. Et all. 2014). Isso ressalta uma das principais críticas a dizer o pouco controle para regular a atuação dos diversos atores em campanhas de consultas populares. A Suíça é um caso à parte na literatura europeia. A utilização de mecanismos de democracia direta tanto local quanto federal está prevista na constituição desde 1848 e como apontou Trechsel (1996), referendo e iniciativa popular são a peça central do sistema político suíço. Dessa forma, a variedade de uso e a quantidade de consultas populares criaram o ambiente propício para que diversas temáticas relacionadas à democracia direta fossem desenvolvidas. É o caso, por exemplo da pesquisa de Kriesi e Wisler (Social Movements and Direct Democracy in Switzerland, 1996). Os autores buscaram analisar o uso destes mecanismos como repertório dos movimentos sociais no país e concluem, comparando com a Alemanha e diversos países da América Latina, que a oferta de mecanismos de democracia direta induz os movimentos sociais a usá-los, e que este uso é feito por movimentos específicos e que movimentos mais radicais e de contracultura são menos propensos a utilizá-los em função da sua identidade coletiva em grande parte composta

por um modelo de confronto com

autoridades. Esse estudo, por ser antigo, não pode servir como comparação, principalmente no caso de países latino-americanos, pois, como veremos a seguir, é a partir desta década, 1990, precisamente que os mecanismos de democracia direta começam a se popularizar na região. Contudo, as conclusões podem e devem ser analisadas sob a luz do debate contemporâneo, como pretende-se fazer ao longo deste trabalho. A centralidade destes mecanismos na Suíça faz com que assuntos complexos e de grande importância nacional sejam debatidos e solucionados pela consulta popular. É o caso de assuntos de política internacional sobre a UE, por exemplo, imigração (Sciarini, 2014: Direct Democracy in Switzerland: the growing tension between domestic politcs and foreign affairs), ou ainda discussões sobre o salário mínimo nacional. Trechsel e Sciarini (Direct Democracy in Switzerland: Do Elites Matter?, 1998), apresentam o debate crucial para a continuidade deste processo de expansão da democracia direta, que é a maneira pela qual o uso destes mecanismos

36

no processo político decisório afeta a capacidade das elites de atuarem. Por fim, a pesquisa de Uwe Serdult (Referendums in Switzerland, 2014) mostra que continua a crescer no país a utilização de mecanismos de democracia direta assim como o debate sobre o tema. A Europa é também o local onde estão situados dois dos principais institutos de pesquisa que se dedicam ao estudo de mecanismos de democracia direta no mundo. O ‘Institute for Democracy and Electoral Assistance’5 – IDEA possui um banco de dados atualizado no qual mostra quais os tipos de mecanismos estão disponíveis em cada país, assim como informações sobre formas de convocação, datas de todas as consultas, requerimentos, assuntos que podem ser propostos entre outros. Além disso, apresenta quais os órgãos atuam durante o processo, qual é responsável por conferir assinaturas, contagem de votos, aquele que define o texto a ser apresentado a população, regulagem da campanha. O instituto é também responsável por apoiar e participar em diversos eventos relacionados à área, além de publicar artigos e um ‘handbook’6 sobre democracia direta. O ‘Centre for Research on Direct Democracy’ 7 – C2D da University of Zurich possui uma equipe especializada no tema com uma fértil produção de artigos sobre Leste Europeu, Europa e América Latina além de tratar com outros assuntos como democracia digital, desenho constitucional e partidos políticos. Seu banco de dados conta com a apresentação do perfil de cada país que leva o pesquisador a todas as informações disponíveis, dentre elas, notícias relacionadas a democracia direta, dados sobre cada um dos referendos utilizados, informação detalhada sobre cada um dos mecanismos existentes em cada país assim como referências bibliográficas específicas. Além das publicações independentes de seus pesquisadores, o C2D conta com um ‘Working Paper Series’ no qual publica investigações em andamento de pesquisadores de diversas regiões do mundo. É a principal referência em democracia direta no mundo.

5

http://www.idea.int/elections/dd/search.cfm http://www.idea.int/publications/direct_democracy/ 7 http://c2d.ch/ 6

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2.3

América Latina

O cenário na América Latina é distinto daquele encontrado nos EUA e na Europa. Excluindo o Uruguai, país que utiliza regularmente referendos e iniciativa popular desde que estes foram reconhecidos na constituição nacional em 1917, mecanismos de democracia direta ganharam destaque a partir da década de 1990 quando novas constituições pipocavam na região e traziam a democracia direta em seus textos. Daniel Zovatto busca apresentar, em 2004 (Democracia Directa y Referendum en America Latina) uma visão geral do estado dos mecanismos de democracia direta na América Latina desde 1978, analisando desde o início da chamada terceira onda de democratização na região, até o ano de publicação do livro. Nele buscava identificar se a democracia direta havia chegado na região para ficar. As várias revisões que o autor fez sobre o tema e o grande número de pesquisas, artigos, livros, as constituições nacionais que preveem a utilização, assim como diversas consultas populares ocorridas depois parecem mostrar que sim, - a democracia direta se instalou na região. Esse balanço inicial mostrou que os mecanismos de democracia direta na região têm mais força no âmbito estadual/municipal que no nacional. Além disso, buscou definir aquilo que se entendia no momento como mecanismos de democracia direta afirmando que são ‘as mais diversas formas de participação política que se realizam através do voto direto e universal e seu objetivo principal é envolver o conjunto da cidadania no processo de tomada de decisão sobre questões públicas e não o de eleger membros de poderes legislativo ou executivo.’ (Zovatto, 2004). Além disso, esse estudo contribui para pensar uma tipologia dos mecanismos de democracia direta na região. Para isso, apresenta uma divisão em três grupos: consulta popular (referendo e plebiscito), iniciativa legislativa popular e a revogatória de mandato. Esses são novamente divididos de acordo com a origem, desde cima (institucionais) ou desde baixo (populares). Monica Barczak (Representation by Consultation? The rise of Direct Democracy in Latin America. 2001), por outro lado, apresenta um estudo mais focado na introdução dos mecanismos na região. A autora analisa em que circunstâncias a democracia direta é introduzida nos países latino-americanos. Considerando as revisões constitucionais desde 1979 no Equador até a Venezuela em 1998, Barczak conclui que são duas as circunstâncias: a primeira quando o

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processo de reforma constitucional é controlado por interesses políticos tradicionais; a segunda, em condições de estresse institucional extremo, onde grupos excluídos se mobilizam buscando poder e autoridade sob o processo constitucional. Na primeira, a falência das instituições representativas cria o vazio de poder que permite que atores políticos entrem no processo decisório a partir de um discurso de ‘outsider’ ou através de novos partidos políticos. Na segunda, a crise trabalha contra o interesse do ‘outsider’ e os que estão no poder ‘permitem’ a democracia direta como forma de impedir o colapso da democracia. Lissidini (2010) avança nesta mesma direção, agregando novos dados sobre as previsões constitucionais de mecanismos de democracia direta ressaltando Num livro com uma proposta mais avançada que o de Zovatto (2004), Lissidini, Welp e Zovatto )2008) se debruçam em uma variedade de casos regionais e também relacionam a democracia direta com diversos outros temas, como por exemplo, o papel das novas tecnologias na participação cidadã, investigando as iniciativas de governos locais e nacionais de implementação de tecnologias interativas que possibilitem a participação. O artigo de Welp (2008), aponta que no que se refere ao uso destas ferramentas com o objetivo de melhorar a transparência pública, a eficiência na gestão e melhoria dos processos internos, os Estados latino-americanos podem ser divididos em 3 grupos principais. Os mais avançados, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Panamá e Peru e os Intermediários, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México e Venezuela e os menos avançados, Equador, Paraguai, Rep. Dominicana e Uruguai. Ao lado dos casos de Argentina, Brasil, e o capítulo sobre auditoria cidadã contribuem ao acrescentar novas perspectivas de análise sobre os mecanismos de democracia direta. Essa busca por uma agenda que analise não só os referendos e iniciativas populares e sua introdução a partir da terceira onda aparece também nas análises de Welp e Serdult (2008) sobre a relação entre a crise econômica e política vivida na região, no final dos anos 1980 e seus protestos e manifestações e o uso de mecanismos de democracia direta. Os autores sugerem que os “mecanismos de democracia direta dependem tanto da capacidade de mobilização da cidadania como também do respeito aos mecanismos institucionais e ainda de um compromisso democrático das autoridades”. E que a falta de regulação pode contribuir para o mau funcionamento dos mecanismos. Além disso, afirmam que instabilidade política demonstra um certo esgotamento da democracia representativa e que a crise do sistema de partidos tradicionais são a base desta instabilidade. Assim, apontam que o uso de mecanismos de democracia direta “pode ser um canal eficiente para evitar o crescente distanciamento entre governantes e

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governados e consolidar e recuperar um mínimo de confiança na política e instituições”. Altman (2010), em seu capítulo sobre América Latina, parte da ideia de que a democratização na região inicia-se na terceira onda abrindo, neste momento, espaço para a implementação de mecanismos de democracia direta. Contudo ele parte do pressuposto de que as democracias na região são frágeis e essa é a base de sua análise sobre a América Latina. Essas democracias ‘low intensity’, onde não funciona um sistema partidário relativamente institucionalizado mas que possui os requisitos formais definidos por Dahl (1989), eleições livres e justas, sufrágio universal, facultado o acesso a todo cidadão a uma vaga como representante, liberdade de associação, de expressão e fonte independente de informação, para ser considerada uma democracia. Para ele, essas democracias não possuem, pelas fragilidades do sistema partidário, ‘accountability’, ou seja, mecanismos que permitam responsabilizar ocupantes de cargos públicos por seus atos como representantes do Estado. Para Altman, nesses casos, o referendo facultativo não regulado, típico em democracias como estas, são utilizados por líderes, que utilizam todas as prerrogativas para avançar suas agendas políticas. A partir desta noção, o autor formula sua questão: o uso sistemático de mecanismos de democracia direta é a causa ou a consequência da fragilidade das instituições representativas? Para ele, a região tem uma história de complicados processos constituintes sob as quais o cidadão não exerceu controle. Além disso, o autor reconhece fragilidades na utilização de mecanismos de democracia direta, principalmente, o espaço para manipulação por representantes. Mas discorda do remédio indicado, a extinção de plebiscitos (desde cima – convocados pelo executivo). E afirma que apesar da fragilidade apontada, há também uma janela de oportunidade para a oposição atuar também, e segundo ele essa é a natureza dos mecanismos de democracia direta. Não existem centros de pesquisa sobre mecanismos de democracia direta como os que vimos nos EUA e Europa na América Latina. A tradição de pesquisa acadêmica é mais focada em mecanismos participativos como por exemplo, ‘foros ciudadanos’, ‘consejos comunales, vecinales’, orçamento participativo, conferências (Scheneider e Welp, 2011). Entretanto, algumas instituições internacionais desenvolvem pesquisas sobre a democracia na região, além dos institutos citados anteriormente, que ajudam a problematizar os efeitos da utilização de mecanismos de democracia direta.

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O Latinobarometro8 é um centro de pesquisa de opinião pública que anualmente realiza em torno de 20.000 entrevistas em 18 países da América Latina. Seu foco no desenvolvimento da democracia permite produzir dados relacionados à percepção popular a respeito de instituições democráticas, por exemplo, os poderes legislativo, executivo e judiciário, além de partidos políticos. Realiza pesquisas desde 1995. Apesar da constância (apenas uma vez não houve coleta de dados, em 1999) , o Latinobarometro é criticado, principalmente, pela não manutenção das questões, dificultando sua utilização em séries históricas. O relatório do PNUD, ‘La Democracia en America Latina: Hacia una democracia de ciudadanas y ciudadanos’

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apresentado em 2004 utiliza dados produzidos pelo

Latinobarometro e, com isso, busca construir o índice de apoio à democracia. Esse índice combina indicadores de tamanho (quantidade de pessoas), ativismo político (proporção dos que atuam politicamente) e orientação democrática. O ‘Latin American Public Opinion Project’ 10 – LAPOP, centro de pesquisa vinculado a Vanderbilt University, atua na região com surveys de opinião pública desde 2004. Sua proposta é semelhante a que vimos no Latinobarometro mas com ajustes metodológicos. É o caso de entrevistas em áreas rurais, com população indígena em sua língua materna, maior número de países além dos EUA e a manutenção das questões ao longo dos anos11.

Brasil

O estudo de mecanismos de democracia direta no Brasil, ou ao menos, trabalhos que dentre outros temas tratam do assunto, ganham destaque entre os anos de 1985 e 1995. O foco destes estudos era o debate sobre o conceito de democracia direta. Para isso, decompunham os mecanismos, referendo, plebiscito e iniciativa popular, explicando suas funções num sistema representativo. Além disso, apresentavam o debate feito em outras partes do mundo sobre os problemas e as vantagens da introdução de Mecanismos de democracia direta - MDD12. Dois estudos representam essa linha. O de Argelina Cheibub e Marcus Figueiredo 8

http://www.latinobarometro.org/lat.jsp Pode ser acessado em: http://www2.ohchr.org/spanish/issues/democracy/costarica/docs/PNUD-seminario.pdf 10 http://www.vanderbilt.edu/lapop/index.php 11 Para maiores detalhes sobre a metodologia desenvolvida pelo LAPOP ver: http://www.vanderbilt.edu/lapop/CAM_Survey_Evaluation_Report_Final_11.29.04.pdf 12 Mecanismos de Democracia Direta – MDD daqui por diante. 9

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(O Plebiscito e as Formas de Governo, 1993) busca ir um pouco além ao analisar o período parlamentarista no Brasil e realiza ainda uma breve descrição de uma monarquia parlamentarista e de uma república presidencialista. Tem claramente como proposta fomentar o debate sobre a forma e o sistema de governo que foi tema de referendo no Brasil em 1993. José Álvaro Moisés (Cidadania e Participação, 1990) detalha os mecanismos vigentes no Brasil pós-constituição de 1988 e suas relações com o sistema representativo. Um terceiro estudo do mesmo período, (Benevides, M. V; A Cidadania Ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular, 1991), avança no debate, discutindo qual o melhor desenho institucional para garantir o melhor uso de mecanismos de democracia direta. Para isso toca em questões como o uso de cima para baixo de referendos, refletindo, a partir de debates prévios na Europa, se bloquear a participação de poderes constituídos (executivo e legislativo) seria uma forma de evitar a o uso em prol de interesses próprios de um grupo em detrimento dos da sociedade. A autora vai mais adiante ao problematizar (Benevides, 1991; 1994) a possibilidade de aperfeiçoamento dos direitos políticos do cidadão pela implementação de mecanismos de democracia direta, assim como a educação política do povo como causa e consequência para avanços da democracia e da cidadania (Jacobi, P. 2000). Num raciocínio em que se tem como pressuposto que a ação gera consciência política. Para mostrar isso, a autora mostra que as “elites dependem, para manutenção de seus privilégios, do reconhecimento da hierarquia entre superiores e inferiores” e por isso “a cidadania, por implicar a ideia de igualdade, torna-se indesejável”. Assim, aposta no potencial dos mecanismos de democracia direta, que ao proporcionarem maior participação popular em assuntos públicos, resultariam numa cidadania ativa. Alguns outros estudos foram realizados, analisando pontualmente casos de consulta popular. É o caso do Democracia e Referendo no Brasil (Inácio, Novais e Anastácia, 2006.) que detalha o referendo das armas, do artigo “O plebiscito de 1993 à luz do precedente de 1963” (Benevides, 1993) a respeito do plebiscito sobre a forma e o sistema de governo no Brasil e da tese de mestrado intitulada O Plebiscito de 6 de janeiro de 1963: inflexão de forças na crise orgânica dos anos sessenta de Demian Bezerra de Melo que analisa o plebiscito sobre a forma e o sistema de governo no Brasil ocorrido em 1963.

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Venezuela

Sobre o caso venezuelano existem diversas pesquisas que discutem empiricamente as características da democracia direta no país. Por um lado, existem análises que investigam cada um dos referendos e revogatória de mandato ocorridos desde a introdução dos mecanismos de democracia direta através da constituição de 1999. Nestes trabalhos, são problematizadas questões como a atuação do governo e controle (Ellner, 2006; Lissidini, 2008), populismo (Mainwaring, 2012), disputas políticas (Calcaño, 2006), sociedade civil e movimentos sociais (Garcia Guadilla, 2003; 1999), aprofundamento da democracia e inovação democrática (Goldfrank, 2001. Lopez Maya, 2007) e a polarização da sociedade (Garcia Guadilla, 2006). Portanto, é relativamente fácil perceber que o debate sobre os mecanismos de democracia direta tem sido fecundo na Venezuela, principalmente quando comparado com o Brasil. Isso acontece em paralelo com diversas pesquisas sobre mecanismos participativos. Na verdade, ambas as agendas são desenvolvidas. É também simples entender a razão para isso. Na Venezuela, desde a introdução dos mecanismos de democracia direta, oito consultas populares foram realizadas no âmbito nacional, incluso um “recall” de mandato presidencial (Lissidini, 2008). Contudo, não é correto pensar que esse debate tem início após a aprovação da última assembleia nacional constituinte venezuelana. Grau (1997) já apresentava algumas das ideias que seriam mais tarde aprovadas na constituição ao discutir formas de rearticular as relações Estado/sociedade propondo contra o discurso ‘neoconservador’, uma equação Estado + sociedade civil. E aponta o caminho da ampliação da democracia política e social através da participação cidadã na formulação de políticas e decisões públicas como o que deve ser seguido para alcançar a almejada democratização. Lander (1996) também buscou trazer o debate através da discussão teórica sobre como a teoria democrática poderia contribuir para o futuro da América Latina. Para tal, analisa, dentre outras, as “extraordinárias experiências de participação democrática direta” em temas que até então não havia atuação da sociedade no processo decisório, como por exemplo, uso de energia nuclear. Trabalhos posteriores, também mostram que o debate sobre participação popular direta era forte na sociedade venezuelana. Como veremos mais adiante em detalhes, Lopez Maya (2009) buscou identificar a origem deste debate, ressaltando a atuação da igreja católica,

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principalmente na luta pela libertação dos povos através da participação direta na política e também de partidos políticos, de esquerda e direita cristã nessa luta desde a década de 1960. Nesse sentido, a autora (Lopez Maya, 2014) apresenta um “antes e depois” no qual analisa o conceito de poder popular em dois períodos, o primeiro de 1958 a 1999 e o segundo até 2010. Ela segue a tese de que é incorreto imaginar a participação popular direta nos assuntos públicos como algo que tenha tido inventado no governo bolivariano de Hugo Chávez e sua proposta de democracia participativa e protagônica. O que ela demonstra é que, antes de mais nada, é errado pensar que a participação popular se constrói a partir de iniciativas de governo. A participação popular na Venezuela é construída através de lutas populares que mobilizam setores, como a igreja e partidos políticos, para reduzir a desigualdade sócio-econômica no país.

Bolívia

A respeito da Bolívia, é importante destacar algumas análises empíricas realizadas que buscavam analisar separadamente cada uma das consultas populares ocorridas. Estes trabalhos foram realizados antes da aprovação da constituição em 2009. O primeiro estudo ressaltado aqui, foi realizado por Arrarás e Deheza (2004) e buscou se aprofundar na importância que o referendo sobre os hidrocarbonetos teve na sociedade boliviana. Além disso, buscaram analisar a atuação da sociedade civil e movimentos sociais nesse que foi o primeiro referendo depois da aprovação da lei do referendo no país. Os autores se empenham em ressaltar a atuação de grupos políticos nas disputas que resultaram na consulta popular, determinando assim, que o referendo foi uma consequência das disputas entre os departamentos da media luna interessados na lei sobre a exportação dos hidrocarbonetos promulgada, e os movimentos sociais que buscavam a revogação desta lei. Outro artigo discute o referendo sobre autonomia departamental, nele, Mayorga (2006) busca demonstrar a tese de desmonte da ‘democracia pactada’, apontando a atuação das novas forças políticas no processo do referendo e na convocação da assembleia nacional constituinte. Busca ainda, analisar os efeitos que as disputas por uma nova correlação de forças políticas no país tem sob a legitimidade democrática. Mas conclui que os mecanismos de democracia direta tem um caráter inovador que busca novos procedimentos para definir orientações de políticas públicas e de reforma estatal.

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Por fim, é importante ressaltar o trabalho de Breur (2008) que busca analisar todos as consultas populares ocorridas entre 2004 e 2008 a partir do que ela classifica como onda de reformas constitucionais iniciada no final dos anos 1980. Em primeiro lugar, a autora analisa como ocorre interação entre os mecanismos de democracia direta a o sistema representativo em regimes presidencialistas. E depois, busca definir a capacidade destes mecanismos de introduzir ‘accountability’ nessas estruturas presidencialistas e representativas. Sua conclusão é de que os mecanismos de democracia direta na Bolívia continuarão a desempenhar um importante papel neste sentido, sem que isso signifique necessariamente a certeza de que haverá maior ‘accountability’.

3. 3.1

Métodos de Pesquisa Relevância do estudo

Investigar o papel que os movimentos sociais ocupam na introdução de mecanismos de democracia direta na América Latina é um desafio que busca conectar duas linhas de pesquisa sobre participação popular em democracias representativas: democracia direta e movimentos sociais. Essa experiência deve ser pautada pela construção de um modelo de análise que compreenda a agenda dos movimentos sociais em períodos anteriores à redação de novas constituições, sua atuação durante os processos constituintes e o o uso ou não de mecanismos de democracia direta por parte deles13. O objetivo da pesquisa é portanto produzir conhecimento sobre processos de introdução de mecanismos de democracia direta nos últimos 30 anos avaliando de que forma a atuação dos movimentos sociais influencia nesse processo. Pesquisas com esse objetivo são escassas na região (Mirza, 2006). Em geral, existem trabalhos empíricos sobre o uso de mecanismos de democracia direta na região, a introdução destes mecanismos, ou que analisem as características de diferentes tipos de referendos e iniciativas populares, criando assim importantes tipologias de análise (Welp, Lissidini e Zovatto, 2008). Por outro lado, pesquisas a respeito de movimentos sociais buscam, em geral, compreender as formas de atuação destes grupos,

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Dagnino (2002) e outros pesquisadores mostram a importância da atuação da sociedade civil no processo constituinte brasileiro e afirma que o impacto dos movimentos sociais não pode ser entendido como uma abstração, mas, ao contrário, como algo que conecta forças que estão criando projetos políticos e concessões.

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analisando, por exemplo, o sucesso ou não de ações e de demandas, ou então, a relação entre movimentos sociais e o Estado/governo, as suas formas de atuação, ou ainda, como se formam, e em torno de quais assuntos, organizações sociais. Contudo, o uso de mecanismos de democracia direta como ferramenta de barganha política por movimentos sociais na América Latina continua um tema pouco desenvolvido. Existem estudos sobre o tema que buscam, principalmente, analisar se movimentos sociais e protestos contribuem para mudanças institucionais e se essas mudanças fortalecem a democracia direta em detrimento do modelo representativo (Dalton, Burklim e Drummond, 2001). Apesar de ser próximo aos objetivos deste trabalho, essas não são exatamente as questões que se busca analisar. Claro que é importante compreender se há ou não alteração das instituições representativas frente ao aumento do uso de mecanismos de democracia direta. Contudo, essa avaliação será feita com auxílio de contribuições de outros estudos empíricos cujo objetivo seja mais específico nesse sentido14. Esse trabalho estrutura sua análise sobre a ideia de que a atuação dos movimentos sociais e o uso de mecanismos de democracia direta podem constituir uma inovação democrática. Além da criação de um novo espaço aonde a sociedade pode influenciar esses atores, gerando assim, maior possibilidade de responsividade às demandas sociais. Além disso, é importante ressaltar que ao longo dos últimos 30 anos a região viveu diferentes momentos que influenciaram de maneiras diversas a atuação de forças sociais. Por exemplo, a atuação de movimentos sociais durante o que se convencionou chamar de governos “neoliberais”. Neste período, pela política de redução do tamanho do Estado, diminui-se também a arena de atuação da cidadania democrática, forçando auma lógica individualista de atuação de setores sociais. Por outro lado, governos “progressistas”, com maior proximidade com movimentos sociais, são constantemente questionados sobre a cooptação de setores sociais e o impacto disso na atuação dos movimentos sociais 15. Portanto, esse trabalho analisará a atuação de movimentos sociais em diferentes períodos, com circunstâncias políticas distintas, na América Latina, buscando assim contribuir com uma perspectiva não apenas conjuntural 14

Existem ainda trabalhos que buscam compreender a relação entre movimentos sociais e eleições e como o primeiro pode impactar o resultado de processos eleitorais. Os resultados dessas pesquisas mostram até agora que movimentos sociais introduzem novas formas de ação coletiva e que podem influenciar campanhas eleitorais ao participarem de coalizões eleitorais ou em casos extremos ao se transformarem em partidos; além disso, movimentos podem polarizar partidos internamente (McAdam and Tarrow, 2010). 15 Riziek (2003) e Avritzer (2012) afirmam que existe um caminho da autonomia dos movimentos sociais para a interdependência com o Estado no qual por diferentes razões os movimentos passaram a lutar por dentro do Estado ao invés de usar apenas protestos e mobilizações, buscando assim formas de aumentar o acesso ao processo decisório através de oportunidades políticas

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mas que acompanhe as ações, formas de atuação, demandas, lutas e mecanismos de participação ao longo de determinado período.

3.2

Pergunta e Hipóteses

É necessário para o desenvolvimento deste projeto que se compreenda a situação sociopolítica latino-americana e esse é um dos objetivos do trabalho, contudo, é importante que se analise com cuidado o processo histórico que se desenvolve. É necessário ter em mente a necessidade de entender e separar aquilo que é conjuntura daquilo que é estrutural. Isso é particularmente importante e difícil ao se trabalhar com movimentos sociais, pois, por vezes, pode-se perceber um ação como conjuntural, quando na verdade esta ação é apenas o ponto culminante de uma luta social por direitos e/ou transformações estruturais. Essa distinção será útil para classificar as ações dos movimentos sociais e possíveis efeitos na introdução de mecanismos de democracia direta através de novas cartas constitucionais. Dessa forma, a pesquisa busca a resposta para o seguinte questionamento: em que extensão movimentos sociais podem influenciar na introdução de mecanismos de democracia direta? Para responder a essa pergunta, é preciso observar a atuação de movimentos sociais durante o período que antecede a redação da nova constituição em cada um dos países analisados, assim como suas principais bandeiras de atuação. É importante compreender se houve atuação direta das organizações sociais pleiteando especificamente pela introdução de mecanismos de democracia direta na constituição. Além disso, devem ser observados possíveis efeitos indiretos, levando em conta a possibilidade de que a introdução de mecanismos de democracia direta não era uma reivindicação específica de nenhum movimento, mas originados da influência indireta de ações destes. Além disso, é fundamental avaliar os efeitos que a introdução de mecanismos de participação direta tem naquilo que se entende por democracia atualmente na sociedade contemporânea. Isso significa que a democracia representativa e suas instituições são afetadas por novos fatores. Compreender isso como um processo no qual a democracia deve ser entendida como algo vivo e que assim está constantemente sujeito a transformações e influências do ambiente na qual está inserida é essencial. Sendo assim, buscaremos desenvolver a pesquisa com o objetivo de compreender de que maneira os movimentos sociais usam

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mecanismos de democracia direta para interferir na formulação de políticas. Para isso, iremos analisar as demandas de movimentos sociais em cada país, quais suas principais exigências e as formas de atuação utilizadas na busca de resultados positivos. É interessante determinar se movimentos sociais usam, por exemplo, processos de iniciativa popular como forma de luta, intervindo assim no processo político institucional em busca de transformações sociais. Além disso, devemos observar a participação de movimentos em campanhas de consulta popular via referendo, se atuam em favor ou contra as propostas, avaliando o potencial destes mecanismos como forma de luta. Partiremos da premissa de que os movimentos sociais atuaram para a introdução de mecanismos de democracia direta com o objetivo de estabelecer um novo fórum institucional para lutas sociais. Essa atuação se daria de forma direta e indireta, sendo considerada direta aquelas aonde se pleiteava claramente a introdução de mecanismos de democracia direta na redação das novas constituições. A forma indireta se daria nos casos em que através de lutas específicas por parte de movimentos sociais houve alteração de lei e consequentemente a previsão de instituições de democracia direta na constituição.

3.3

Metodologia 3.3.1

Seleção de casos

A escolha dos casos aqui estudados seguiu a necessidade de averiguar ao menos um caso por década desde os anos 1980 quando a América Latina viu ressurgir a democracia após um período em que regimes autoritários dominaram, através de golpes militares, a cena política desde os anos 1960. Além disso, nesses três casos de estudo houve a introdução de mecanismos de democracia direta através das novas constituições. No Brasil, a constituição aprovada em 1988 ficou popularmente conhecida como “constituição cidadã” e teve como um de seus objetivos principais romper com o período militar e leis aprovadas ao longo desses 21 anos de ditadura. Foram introduzidos nesta oportunidade a Iniciativa Popular Legislativa; Plebiscito; e Referendo.

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A Venezuela aprovou em 1999 uma nova constituição em substituição à anterior, de 1961. Ao contrário do Brasil, a Venezuela vive num regime democrático desde 1958. A constituição teve como um de seus principais objetivos amenizar os conflitos sociais que causaram inclusive uma tentativa de golpe de estado em 1992. Foram introduzidos os seguintes mecanismos de democracia direta nesta carta: Referendo; e revocatória de mandato. Por fim, a Bolívia, que em 2009 aprovou sua nova constituição após um período conturbado de conflitos sociais. São previstos os seguintes mecanismos no país: Iniciativa Popular; Revogatória de mandato; e Referendo. Portanto, nos três casos constata-se a introdução de mecanismos de democracia direta através de novas constituições16. O fato de terem sido introduzidas em décadas diferentes irá permitir comparar possíveis diferenças de desenho institucional, além de permitir avaliar o uso dos mecanismos em períodos diferentes de tempo. Com isso, acredita-se ser possível realizar diversas constatações sobre os usos e efeitos da introdução de mecanismos de democracia direta na América Latina. Para iniciar o trabalho de análise da atuação dos movimentos sociais na introdução de mecanismos de democracia direta17 nos três países analisados, serão descritos o processo de debate prévio a introdução assim como a utilização dos MDD observarvando ainda o comportamento dos movimentos sociais durante o processo constituinte. Assim, será possível identificar a apresentação de propostas favoráveis a participação popular direta assim como posicionamentos em apoio a propostas apresentadas por outros grupos sociais e partidos políticos, além de posicionamentos contrários. Os seguintes mecanismos de democracia direta e participativa serão analisados: Iniciativa Popular18; Referendo, Plebiscito e Revocatória de Mandato Cada um dos processos constituintes será acompanhado desde o debate sobre a sua convocação, passando pela proposta de eleição das assembleias nacionais constituintes, sua aprovação pelo congresso nacional e então se encerrando com a proclamação da nova constituição (Araujo, 2013:329). Em todas estas etapas deverão ser observadas propostas e 16

Não apenas através de constituições, como mostra a introdução na Bolívia, mas ratificado, nesse caso, pela constituição 17 Mecanismos de democracia direta são instituições públicas aonde os cidadãos decidem ou emitem suas opiniões em assuntos – outra que não através de eleições do legislativo executivo – diretamente, através do voto, com sufrágio universal e secreto. (Altman, 2010:8) 18 No Brasil o termo Iniciativa Popular não designa, como nos outros casos, a convocação de uma consulta popular, mas sim, um processo de coleta de assinaturas sobre determinado assunto que será apresentado ao Congresso Nacional e então apreciado por uma das comissões permanentes da casa que determina se a proposta apresentada pela sociedade civil deve ir a votação ou não no plenário do congresso federal.

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discussões sobre a introdução de Mecanismos de Democracia Direta. Dessa maneira, busca-se descrever a atuação dos movimentos sociais com relação a temas sobre participação popular direta durante o processo constituinte. Essa análise descritiva, além de evidenciar o posicionamento destes grupos confrontando assim com o uso de MDD após a aprovação da constituição. Com isso, pretende-se compreender se o apoio ou não a introdução de MDD na constituição era parte de uma estratégia com o objetivo de obter um novo espaço institucional para o confronto político ou não, distinguindo, assim, entre consequências intencionais e não intencionais (Tarrow, 1993; Gurr, 1980; Berkowitz, 1974, Giugni, 1998).

3.3.2

Movimentos, atores sociais e outcomes

É preciso definir do que se fala quando se usa o termo outcome. É possível falar de resultados de referendos sobre assuntos específicos, resultados de reinvindicações de movimentos sociais, transformações ocorridas como parte de um processo de luta social que desembocam em mudanças institucionais. Podem ser ainda alterações na percepção sobre democracia, alterações e/ou criações de uma lei através de um processo de iniciativa popular entre outras possibilidades. Além disso, existe certa dificuldade em estabelecer conexões causais entre eventos. Um exemplo de tal dificuldade é afirmar que uma demanda dos movimentos sociais de muitos anos, por exemplo, a alteração de leis trabalhistas no brasil com relação ao trabalhador doméstico em 201419 esteja diretamente ligada às ações de organizações classistas que desde os anos 1970 lutam por melhores condições. A alteração ocorrida trata especificamente do aumento do valor da multa para o empregador que não regulariza a situação do trabalhador doméstico junto ao INSS (Instituto Nacional de Previdência Social). Essa não era, a priori uma bandeira das organizações que lutavam por direitos de trabalhadores domésticos. Entretanto, a substituição da lei anterior, de 1972, pela nova, em 2014, está ligada ao processo de luta que se estabeleceu ao longo desses 42 anos.

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A lei Ordinária 12.964 aprovada em agosto de 2014 acrescenta a Lei 5.859 artigos que determinam multa para casos de empregadores que não registrem seus funcionários domésticos de acordo com a Consolidação das Leis Trabalhistas brasileiras.

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Por outro lado, podem existir exemplos de alterações aprovadas institucionalmente, mas com baixa ou nenhuma efetividade prática. Ou ainda, consultas populares que mesmo sem ter validade institucional acarretam processos de mudanças indiretas através de publicidade recebida e efeito junto à sociedade. Existe ainda a possibilidade de que ocorra, por exemplo, um referendo sobre determinado assunto e cujo resultado, apesar de vinculante, não seja colocado em prática por determinada razão. Portanto, é possível trabalhar com situações diversas onde existem efeitos indiretos; diretos; intencionais e não intencionais. Os movimentos sociais envolvidos no processo de introdução de mecanismos de democracia direta têm como característica comum terem demandas nacionais, portanto, buscam benefícios coletivos para grupos em todo o território de cada um dos países. Essa opção se dá em função das características deste trabalho de analisar mudanças institucionais no nível nacional. Por movimentos sociais entendemos grupos complexos, organizações e ações que podem ter objetivos e estratégias diferentes para alcançar seus objetivos. Esses grupos agem através de ação coletiva com o objetivo de alcançar mudanças sociais por meio de embate político com forças conservadoras e/ou status quo (Melucci, 1989).

Neste trabalho, os

movimentos sociais são compreendidos como a variável independente com relação a mudanças sociais, uma vez que não podemos determinar a priori se a atuação dos movimentos sociais acarreta transformações institucionais. Tarrow (1993:580) sugere que se deve observar “sistematicamente para os efeitos dos movimentos em reformas” para que se possa melhorar o conhecimento sobre o papel dos movimentos na promoção da democracia. Giugni (1998) aponta para o “efeito combinado” como explicação para os efeitos alcançados pelos movimentos antinuclear, ecologista e de paz nos EUA entre 1975 e 1995 na produção de mudanças políticas/institucionais. Isso significa dizer que movimentos sociais que compõem alianças políticas possuem maiores chances de alcançar sucesso quando comparados aos de atuação isolada Outras pesquisas sobre oportunidade política demonstram que a estrutura de alianças com atores institucionais aumenta o impacto e facilita a mobilização de movimentos sociais (Della Porta e Rucht , 1995; Kriesi, 1995). Para medir a influência de movimentos sociais na introdução e uso de mecanismos de democracia direta nos três casos analisados aqui, será preciso determinar o tipo de atuação que cada um dos movimentos analisados teve no processo constituinte de Brasil, Venezuela e

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Bolívia. Observando se a atuação ocorre em aliança ou independente de atores institucionalizados. E com outros grupos sociais? O impacto dos movimentos sociais pode ser determinado por mudanças políticas produzidas de três maneiras: “alterar a correlação de forças entre desafiantes e autoridades; forçar mudanças políticas e provocar uma mudança sistêmica durável” ( Giugni, McAdam e Tilly, 1999). Entretanto, para Schumaker (1975), os resultados (outcomes) da atuação dos movimentos sociais devem ser entendidos de acordo com a responsividade do sistema político às ações e demandas e não apenas com uma oposição entre sucesso e fracasso no atendimento a demandas específicas. Portanto, uma luta conduzida por um movimento social pode acarretar transformações não previstas e tampouco almejadas, mas que são respostas ao conflito produzido. No entanto, Giugni (1999) aponta para um problema de difícil solução: como medir a influência dos movimentos sociais? A dificuldade se dá, principalmente, em função de efeitos outros além dos políticos, como resultados culturais e sociais de ações conduzidas por movimentos sociais (Alvarez, Dagnino, e Escobar, 1998). Della Porta (2006), argumenta que a transformação do discurso público sobre o direito de protestar na Itália e Alemanha deve ser entendido como resultado da disputa simbólica entre manifestantes e autoridades. Portanto, a noção de resultados deve, aqui neste trabalho, ser entendida como efeitos diretos e indiretos, planejados e não planejados das ações de movimentos sociais. Essa percepção pretende lidar com o problema que se encontra ao determinar a causalidade dos movimentos sociais. Como ter certeza de que um fato creditado à ação de um movimento social não teria ocorrido em outras circunstâncias? Ou ainda, como determinar se uma transformação observada é fruto de atividades de movimentos sociais ou resultado de uma ação reformista conduzida por autoridades políticas? (Giugni, 1999). Para desenvolver a pesquisa focada no processo no qual se formam resultados, serão analisados movimentos sociais, suas relações com outros atores sociais, como partidos e governo e as ações e atitudes políticas em relação à introdução de mecanismos de democracia diretas nas constituições de Brasil (1988), Venezuela (1999) e Bolívia (2009). Portanto, com o objetivo de identificar de que maneira os movimentos sociais se fortalecem ou enfraquecem ao longo do processo de luta dentro do período analisado e além disso, buscaremos identificar os efeitos que a introdução de MDD tem sobre a capacidade e formas de ação, identificando como participam politicamente e avaliando se há alteração em

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função da possibilidade de participação institucionalizada através dos mecanismos inseridos pelas novas constituições. Dessa forma, busca-se avaliar se há empoderamento dos movimentos sociais analisados a partir da institucionalização da participação direta ou se, ao contrário, não se nota nenhuma alteração no status desses movimentos e tampouco se identifica uso significativo destes mecanismos institucionalizados por parte dos movimentos analisados. Kriesi e Wisler (1999), ao comparar a introdução de legislação direta nos EUA e na Suíça, apontam que instituições políticas são as mais estáveis e por isso as que maior resistência impõem à atuação dos movimentos sociais e dificuldades a mudanças institucionais. Portanto, determinar se há ou não utilização por parte de movimentos sociais destes mecanismos introduzidos facilitará a compreensão dos efeitos gerados pelas mudanças institucionais reconhecidas nas constituições de Brasil, Venezuela e Bolívia.

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CAPÍTULO II. BRASIL 1. Apresentação

Os mecanismos de democracia direta no Brasil foram introduzidos, da maneira que são nos dias de hoje, pela constituição de 1988. No processo constituinte a participação popular foi objeto de debates desde a sua convocação, o que resultou numa constituinte aberta a propostas da sociedade civil, através das chamadas emendas populares. Ao final dos trabalhos da assembleia nacional constituinte, referendo, plebiscito e iniciativa legislativa eram os mecanismos de democracia direta a disposição da sociedade brasileira. O que se busca nesse capítulo é debater de que maneira a luta por participação popular direta surgiu no Brasil, tentando assim entender quais atores sociais lutaram pela ampliação da participação direta e seus momentos históricos. Para tal, analisaremos primeiro as origens do debate sobre a necessidade dessa ampliação, buscando contextualizar a ação dos movimentos sociais por mais espaços políticos nos quais a sociedade pudesse atuar com lutas contra o regime militar, por direito de voto e retorno da democracia. Ocorreu no Brasil, uma consulta popular anterior a constituição de 1988, o plebiscito sobre o regime de governo, em 1963, convocado através de emenda constitucional. A emenda constitucional instituiu o parlamentarismo no país, em 1961, e previa a necessidade da consulta para determinar a continuidade ou não do regime. O presidente João Goulart havia manifestado interesse em que o país voltasse ao regime presidencialista e buscou apoio para antecipar a consulta, prevista para 1965. Assim, com apoio de grupos de grupos de esquerda, trabalhistas, militares nacionalistas, setores da imprensa e políticos interessados em concorrer a presidência, como Kubischek, Magalhães Pinto e Brizola, o congresso aprovou, em 15 de setembro de 1962, a convocação do plebiscito para o dia 6 de janeiro de 1963. Nesse dia, a população, por larga maioria, 82% dos votos válidos, rejeitou o parlamentarismo como forma de governo, determinando assim, a volta ao presidencialismo (Bezerra de Melo, 2009). Abaixo os dados sobre o plebiscito.

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Tabela 1: Plebiscito, forma de governo, Brasil - 1963

Eleitorado Total de votos Percentual de participação Votos em branco Votos nulo Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem votos contra Resultado

Referendo presidencialismo 18.565.277 12.296.175 66.23% 284.444 480.701 765.145 11.531.030 9.457.448 82.02% 2.073.582 17.98% aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

O período analisado neste capítulo compreende o processo político brasileiro que se inicia com a mobilização social pela luta pelo voto direto para presidente da república (198384), pelo estabelecimento da assembleia nacional constituinte e culminando com a aprovação da constituição de 1988. Além disso, observaremos os casos em que mecanismos de democracia direta foram utilizados a nível nacional. A redemocratização brasileira, que se consolidou ao longo dos anos 80 e 90, teve como principal objetivo por fim ao período autoritário no qual o regime militar comandou o país. Esse foi conduzido por forças políticas que tinham como mote de luta o fim da ditadura principalmente partidos e lideranças políticas que haviam sido impedidos de atuar se articulavam num esforço de recriar a democracia no país. Como origem do debate apresenta-se primeiro os debates organizados no seio da igreja católica através das comunidades eclesiais de base em 1968 e o surgimento da teologia da libertação. Além disso, buscaremos compreender a aproximação do MDB com setores do clero e a discussão pela redemocratização do país assim como a atuação de grupos ligados a CNBB, como por exemplo a Comissão Pastoral da Terra. Esse período deverá ser observado tendo como pano de fundo as diretrizes discutidas e apresentadas pela igreja católica a partir do 1o Conselho Episcopal Latinoamericano – CELAM – ocorrido na cidade de Medelín, Colômbia em 1968, no qual ordens religiosas passam a apresentar a ampliação da participação popular direta como forma de reduzir as desigualdades sociopolíticas na região. Desse debate, partiremos para a segunda parte da análise, a dizer, o fortalecimento do único partido político de oposição no regime de exceção que foi a ditadura brasileira, o

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MDB, que nas eleições de 1974 sai fortalecido e com um discurso sobre a necessidade de por fim a ditadura militar no país e busca pelas bases de que tipo de redemocratização seria essa. A atuação dos movimentos sociais neste momento ocorre de maneira intensa, talvez pela ausência de outros partidos políticos, o que leva ao debate sobre a atuação da Comissão Pastoral da Terra a partir de 1975, do movimento sindical, movimento estudantil, passando pelas chamadas grandes greves de 1978, o surgimento da luta urbana por moradia em 1978. A análise desses atores não esta desprendida do debate sobre a participação popular direta. Dessa forma, buscase compreender de que maneira esses grupos percebiam os mecanismos de democracia direta e como atuavam para a sua implementação. Na sequencia, surge a discussão a atuação dos movimentos sociais na campanha por eleições diretas para presidente da república, a primeira desde a eleição de Jânio Quadros em 1960. A luta pelo direito de votar não deve ser entendida como desconectada daquela que demanda o direito de participar diretamente. Portanto, seguindo essa ideia de luta por direitos, analisaremos a atuação das entidades sociais na organização da campanha “Diretas Já!”. Depois a luta dos partidos políticos engajados na busca das eleições, buscando evidenciar os posicionamentos com relação a participação popular direta e em alguns casos, lutas internas por poder dentro de partidos e busca por uma chance de ser presidente da república. Por último, dedicaremos algumas linhas para compreender o comportamento dos que defendiam abertamente a eleição presidencial por colégio eleitoral e suas posições sobre a participação direta. Para finalizar essa discussão histórica apresenta-se a constituinte desde a sua convocação, buscando demonstrar a atuação das entidades civis na luta pelo direito de participar diretamente no processo político decisório. Para isso, analisaremos como se tornou possível a apresentação de emendas populares, como era esse processo, além de quais propostas de introdução de mecanismos de democracia direta foram apresentadas, por quem, com que apoio e por fim o resultado, ou os mecanismos de democracia direta que existem no Brasil desde 1988. Dessa forma, busca-se compreender como os movimentos sociais interferiram na introdução dos mecanismos de democracia direta no Brasil, assim como, ao analisar especificamente cada uso destes mecanismos, o papel que estes grupos desempenham na utilização de MDD. Devemos atentar para possíveis efeitos que a introdução de MDD tenham no repertório de ação dos movimentos sociais no Brasil, determinando se há um fortalecimento ou não de grupos sociais a partir da atuação através de MDD. Por fim, busca-se analisar o impacto que a atuação de movimentos sociais e a cidadania em geral tiveram na apresentação

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de emendas de iniciativa popular apresentadas e aprovadas pela constituinte. São 122 que contabilizam mais de 12 milhões de assinaturas coletadas. Por fim, faremos a análise dos casos em que os mecanismos de democracia direta foram utilizados no Brasil, buscando compreender se a participação dos movimentos sociais esteve presente nas origens de iniciativas legislativas e em campanhas de referendo assim como os resultados diretos e indiretos que tenham surgido através da utilização dos MDD.

As Origens do Debate

A partir da 2a Conferência Geral do Conselho Episcopal Latino Americano – CELAM – ocorrida em Medellín, Colômbia, em 1968 a igreja católica passa a ter um posicionamento mais claro na região latino-americana, apontando a necessidade de superação das desigualdades socioeconômicas. Essa posição progressista fica evidente no Brasil principalmente em função do posicionamento frente a ditadura militar (1964-1985) aonde atuou com críticas ao regime assim como para defender direitos humanos comumente violados no período. Scott Mainwaring em sua análise sobre a Igreja Católica no Brasil busca decifrar, entre outras coisas, a capacidade da instituição de desenvolver novos vínculos com a sociedade e com o sistema político (Mainwaring, 2004) e para explicar isso se baseia na afirmação de que a igreja atua sob a lógica de que as práticas sociais e identidades institucionais não se modificam porque surgem novas ideias, mas, sim porque o conflito social leva a uma nova maneira de se compreender a realidade (Cardoso, 1980). Dessa maneira, sugere a leitura de que a igreja católica atuou diretamente com o objetivo de intervir na situação de desigualdade socioeconômica brasileira com a crença de que o caminho para isso seria através da atuação direta da sociedade em assuntos políticos. Contudo, a relação da instituição com as bases e outros grupos não ligados a igreja ocorre tendo como regra a hierarquia. Dessa maneira, esses grupos independentes tem pouco impacto na determinação de ações, mas havia receptividade institucional e isso permitiu que grupos independentes afetassem a estrutura da instituição. A atuação da igreja se dá, principalmente, pela rede própria formada por padres, freiras, agentes pastorais, que atuam diretamente junto as bases com o objetivo de organiza-los a partir das crenças da fé católica. No Brasil, esses grupos tiveram forte contato com os chamados leigos organizados, grupos que atuavam junto a igreja. Segundo Mainwaring, a aproximação desses grupos foi um dos

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componentes que permitiu uma nova visão dentro da igreja. O autor aponta que para Leonardo Boff essa relação afetou suas reflexões teológicas no sentido da atuação política necessária para a transformação socioeconômica. Dessa maneira, no Brasil dos anos 60/70, influenciada pelas propostas progressistas da 2a CELAM, no qual se nota a ascensão dos movimentos sociais dentro da instituição através da atuação em parceria com entidades diretamente conectadas com a igreja (Fonseca, 2009), novas propostas de atuação política passam a ser debatidas. Na carta final apresentada pela 2a CELAM a palavra participação ganha nítido destaque, afirmando que a necessidade de participação ativa, direta, de todos é o caminho indicado para a superação das desigualdades. Assim, o fortalecimento das comunidades eclesiais de base e da teologia da libertação no Brasil são alguns dos mecanismos utilizados como forma de disseminação das propostas de participação direta apresentadas na 2a CELAM. O caminho encontrado para esta disseminação foi, principalmente, o da pedagogia das classes populares, através de programas de educação no qual utilizavam metodologia específica com o objetivo de conscientizar e alfabetizar ao mesmo tempo. O chamado método Paulo Freire, dividia a alfabetização em três diferentes momentos: investigação, tematização e problematização. Dessa maneira buscava-se estimular os alunos e permiti-los desenvolver capacidades críticas sobre a realidade social. Essa metodologia foi utilizada pelas comunidades eclesiais de base em ações espalhadas pelo país.20 Esses movimentos continuaram atuando mesmo durante a ditadura inclusive na sua fase mais dura. No Brasil a leitura da necessidade de democratização da sociedade através da participação popular direta como forma de superação das desigualdades socioeconômicas estava fortemente ligada ao processo de reforma que a igreja católica brasileira passava no momento através da incorporação de novos grupos, como por exemplo as Comunidades Eclesiais de Base e a Juventude Universitária Católica, aos quadros mais altos da igreja (Azevedo, 2004). Esses grupos defendiam ideias progressistas dentro da instituição, e apesar de não serem influentes, contarem com pouca autonomia e de oficialmente seguirem as orientações determinadas pela instituição e representadas pelos párocos, defendiam com alguma repercussão ideias sobre a necessidade de democratização da igreja assim como uma maior participação de fiéis, que deveriam ocupar as funções que por direito lhes cabia.

20

Não confundir o que chamamos aqui de método Paulo Freire com o trabalho do educador Paulo Freire, desenvolvido principalmente em Angicos, Rio Grande do Norte. Paulo Freire estava exilado na Suíça em função da ditadura militar no Brasil, seus estudos eram utilizados por grupos diferentes. Para uma visão da amplitude desse uso, ver Haddad, Sérgio. 2014.

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A comissão pastoral da terra é outro elemento dentro dos quadros da igreja católica que estabelece uma luta de caráter progressista em prol de demandas populares. A questão agrária é um dos mecanismos principais de manutenção das desigualdades e a sua reforma, levaria a democratização da terra, objetivo pelo qual a CNBB, defende desde 1954 em seu primeiro artigo sobre a reforma agrária no país, a necessidade de serem revisadas a distribuição de terras no país, assim como os métodos utilizados na produção agrária brasileira. A dizer, visavam a democratização da terra através da titularidade e a produção em menor escala, em núcleos familiares e cooperativas estabelecendo a função social da propriedade rural (Documento: Pastoral Sobre o Problema da Terra, citado por Mainwaring, 2004:80). O Movimento de Educação de Base e a abordagem do povo como agente de sua própria história dessa forma pretendia permitir maior responsabilidade aos setores populares do que a igreja católica e questionava a ideia de que as massas são incapazes de modificar sua situação e que não tem interesse em fazê-lo. Para isso, defendia a necessidade de participação popular direta como forma de superar o paternalismo existente (Movimento de educação de base, MEB em cinco anos. Citado por Mainwaring, 2004:97). É importante ressaltar que se compreende aqui a igreja católica como uma instituição com diversas correntes de pensamento. Isso significa dizer que dentro da instituição haviam diferentes grupos em constante disputa pelo poder. Grupos conservadores alcançaram suprimir os avanços de grupos progressistas. Isso não significa, contudo, que em função da hierarquia da igreja estes grupos tenham sido abandonados, apesar do claro apoio ao regime militar, a instituição abrigou diversas correntes e indivíduos contrários a ditadura muitas das quais se tornaram vozes importantes contra o regime. A partir, principalmente, do aumento da repressão violenta aos grupos opositores a ditadura, a igreja adota uma postura crítica, exigindo mais abertamente respeito aos direitos humanos. Deve ser ressaltado que não é o objetivo deste trabalho debater as diferentes correntes de pensamento da igreja católica brasileira e internacional, mas sim analisar a atuação de alguns de seus grupos que defendiam e pensavam formas de ampliação da participação popular na vida sociopolítica do país. Diante da violência do regime alas do clero católico brasileiro iniciam uma aproximação com forças políticas que iniciavam mais abertamente a pedir a redemocratização do país. Nesse sentido, O MDB, único partido de oposição, moderada, ao regime encontra nas eleições de 1974, aonde venceu 16 das 22 vagas para o senado e fez 160 dos assentos na câmara dos deputados e no apoio da igreja os mecanismos para buscar a retomada da democracia no país. O debate sobre a participação popular direta acaba perdendo em parte força em função do

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regime de exceção em que vivia o país. O processo de redemocratização brasileiro ganha um forte empurrão com o resultado das eleições legislativas de 1974. Tanto no Senado como na Câmara o MDB conseguiu aumentar significativamente a sua bancada. O partido pulou de 11% dos representantes eleitos em 1970 para 72% no senado e de 28% para 44 na câmara. O fortalecimento do partido aliado ao aumento das lutas pela redemocratização representam também o primeiro passo na direção da discussão institucional sobre a participação popular direta. Tabela 2: Representação partidária na Câmara dos Deputados, Brasil, 1966-1978 Partidos

1966

n° % 277 67.7 ARENA 132 32.3 MDB 409 100 Total Fonte: SCHMITT, op. cit.:44 (adaptado)

1970 n° 223 87 310

1974 % 71.9 28.1 100

n° 204 160 364

1978 % 56 44 100

n° 231 189 420

% 55 45 100

Tabela 3: Representação partidária no Senado Federal, Brasil, 1966-1978. Partidos

1966

1970

n° % n° 18 81.8 41 ARENA 4 18.2 5 MDB 22 100 46 Total Fonte: SCHMITT, op. cit.:44. (adaptado) * Excluídos os senadores eleitos de forma indireta.

1974 % 89.1 10.9 100

n° 6 16 22

1978 % 27.3 72.7 100

n° 15 8 23

% 55 45 100

Esse crescimento foi possível, em parte, pelo enfraquecimento das bases de apoio do governo militar que com a intensificação da repressão política logrou afastar o apoio social obtido entre 1964 e 1973 (Abrúcio, 1995; Sallum, 1996). O período de endurecimento do regime militar começa em 1968 com a decretação do AI-521 no qual os grupos mais radicais e truculentos das forças militares buscaram ampliar seus poderes repressivos assim como se fortalecer frente as forças políticas institucionais ainda atuantes. O afastamento de grupos religiosos e de classes médias, empresários e parte da mídia nacional, que até então apoiavam a intervenção militar no Estado, diminui, em grande parte, pelo aumento do uso da violência contra os opositores ao regime, contudo os grupos de esquerda tampouco conseguiram

21

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm

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convencer esses grupos de suas bandeiras (Aarão Reis, 2014.) O MDB nasceu como uma organização provisória, que serviria para, ao lado da ARENA, garantir legitimidade ao regime militar, mantendo a vida partidária aparentemente ativa. A montagem deste novo sistema partidário ocorre após a promulgação do AI-2, em 27 de outubro de 196522 através do ato complementar 4 que determina o bipartidarismo. (Kinzo, 1988). O MDB representava mais do que um partido político. Era mesmo um movimento, era uma bandeira de luta. Compreendido dessa forma, o MDB não foi apenas um partido mas de fato um movimento que abarcou membros de outras agremiações que foram colocados na ilegalidade pelo regime militar, como PTB, alguns progressistas do PSD, socialistas e até alguns udenistas. Sua penetração popular ia desde centros urbanos até as periferias. A votação na legenda era muito mais forte que a da ARENA. Sua atuação como partido de oposição ao regime, permitiu que a identificação ideológica popular ocorresse em desacordo com a tradição personalista brasileira. Dessa forma, de "oposição consentida" se tornou o partido da sociedade civil.” (Benevides, 1986:02). Entender o MDB dessa maneira, ajuda a enxerga-lo não como um partido, mas como um movimento aglutinador de forças contrárias a ditadura militar e favoráveis a luta pela por direitos e participação política, uma voz dos oprimidos. Seu crescimento no congresso ocorre em função desse caráter Depois de um primeiro momento, mais tolerante, o MDB avança numa postura mais aguerrida, contra a ditadura, as oligarquias e a repressão militar e “Junto a outras entidades nacionais — como a Igreja e a Ordem dos Advogados, OAB denuncia a repressão política e as incontáveis violações de direitos humanos, batalha pela anistia e reivindica a convocação de eleições diretas em todos os níveis e de uma Assembleia Nacional Constituinte (livre e soberana, e não a "congressual" que o PMDB acabou aprovando). No final dos anos setenta o MDB participa intensamente dos movimentos sociais e populares, além da solidariedade ativa com o movimento sindical, sobretudo nas grandes greves do ABC paulista. Paralelamente a esse processo descrito acima, o país via acontecer uma reorganização da forças sociais. A exclusão dos partidos políticos através do AI-2 em 1966, no qual se determinava o bipartidarismo no país, representado por MDB e ARENA deixa aberto o espaço para a participação política através de diferentes canais. Os movimentos sociais se tornam o ambiente onde a ação coletiva poderia ocorrer mais livremente num momento onde a

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-02-65.htm

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cidadania não tinha opções de participação institucional. Sem os partidos, com o regime reprimindo as ações de associações estudantis, revogando o direito de greve através da lei 4330 de junho de 196423, a igreja católica, em parte, apoiando a ditadura, a organização contrária ao regime passava por uma fase difícil no período. A reorganização de grupos sociais ganha força a partir do momento em que o crescimento econômico forte do início da ditadura começa a abrandar, se tornando menos atrativa para as classes menos favorecidas. Isso, aliado ao aumento da repressão violenta aos grupos de oposição. Scherer-Warren (2008) indica que é um traço comum aos movimentos emancipatórios na América Latina a luta contra os Estados autoritários, que acolhem reivindicações destes movimentos de maneira a mantê-los sob controle mas sem permitir a ação autônoma destes numa esfera pública livre. Dessa maneira, com o fim do milagre econômico (Cysne, 1994) e o surgimento de críticas abertas a violência do regime ressurge também a luta por participação política, que na ausência de partidos políticos encontra espaço nos movimentos sociais. É o caso da Comissão pastoral da terra, que surge em 1975 em Goiânia24, num evento organizado pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz e com o apoio da CNBB, com o propósito de atuar nas disputas rurais e conflitos no campo. Seu surgimento esta ligado a perspectiva de setores da igreja, como dito acima, que buscavam a participação popular direta no processo político decisório como forma de emancipação humana e forma de redução das desigualdades socioeconômicas latinoamericanas. Outro importante setor que se destaca nas lutas sociais neste período é o movimento sindical. Os sindicatos representavam para o regime militar um setor chave na luta contra o ‘perigo comunista’ o que explica a forte atuação do governo para impedir uma ‘república sindicalista’ no Brasil. Para isso, desestruturam o setor através de prisão e perseguição de militantes, intervenções nos sindicatos e em fábricas. Essa política do Estado contra os sindicatos fica clara quando observadas as intervenções na vida sindical. Por exemplo, a necessidade de aprovação prévia do ministério do trabalho de nomes indicados para ocupar vagas em sindicatos, ou na política retenção dos recursos dos institutos de previdência, que através do Instituto Nacional Previdência Social – INPS, cujo a direção era totalmente indicada pelo governo e não mais em acordo com os trabalhadores ou na proibição de greves.

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Sobre a avaliação das greves do período anterior a ditadura e o impacto na organização sindical brasileira, ver Badaró, M. 2004. 24 Para detalhes desse evento, ver: http://www.mst.org.br/2015/06/08/ha-40-anos-nascia-a-cpt.html

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O enfraquecimento do setor, não foi, contudo, capaz de impedir a sua reestruturação. A política de ‘arrocho salarial’ aliada a repressão e controle sobre os sindicatos forçava o combate. Essa luta se fortalece principalmente na tentativa de retomar as direções sindicais ocupadas por interventores da ditadura. Desde o governo de castelo branco ocorria essa disputa. Santana (2008) indica que além de tentar retomar através de eleições os grupos mais combativos perceberam e foram nessa direção, que o melhor meio de ação seria por atividades nos locais de trabalho com agendas de reivindicações econômicas, políticas e sociais dos trabalhadores. A partir da crise internacional do petróleo e das derrotas políticas do regime, principalmente nas eleições de 1974, abrem uma brecha para reivindicações e o governo de Ernesto Geisel, com uma estratégia de preservação do regime anuncia uma política de abertura lenta e gradual. A greve dos metalúrgicos do ABC em 1978 vem no bojo deste processo e força o regime a lidar com demandas sociais. Dessa forma, a sociedade brasileira começa a reconquistar espaços de participação política. Num momento de ebulição os movimentos sociais irão pavimentar o caminho para o processo de redemocratização (Krischke, 1982). Articulados ou não, os movimentos sociais, em seu conjunto, engrossaram a luta democrática do período, ao buscarem a ampliação dos espaços de participação popular. Tiveram também papel de destaque na volta ao pluripartidarismo, na reorganização da relação sociedade e partidos políticos. Dentre esses movimentos podem ser listados o estudantil, o de mulheres, o de bairros e o contra a carestia, por moradia, o movimento das favelas e a luta por moradia que resultou na lei do direito real de uso (Gohn, 1991) a fundação do Movimento dos Sem Terra (Caldart, 2001) e a criação da articulação nacional de movimentos populares e sindicais ANAMPOS em 198025.

25

Uma boa referência para conhecer algumas das organizações sociais no Brasil é o Dicionário Histórico dos Movimentos Sociais Brasileiros: 1964 – 2014. Disponível: http://www.memov.com.br/site/images/acervo/MSEP/MSEP_Dicionario_PDF_01.pdf

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2. Uso e formalização de mecanismos de democracia direta 2.1

Precursores da democracia participativa: Diretas já!

Dando continuidade as lutas por democracia e pelo direito de participar no Brasil, surge no país um movimento em busca do direito de eleger diretamente o presidente da república e assim, colocar um fim ao regime militar, elegendo um representante civil para o executivo nacional. Esse movimento é uma luta popular que vai além da proposta de emenda constitucional apresentada no parlamento, é um ato de transformação democrática no sentido de criar uma nova forma de fazer política. Buscando através da participação popular, conquistar direitos cerceados pela ditadura, mas também a capacidade atuar diretamente na construção de uma alternativa. Essa nova forma de enxergar a política tem a participação popular como eixo central. Dessa forma, quando a campanha por eleições diretas para presidente da república ganha as ruas do país num momento em que o regime militar já estava de despedida, o que se discutia nos bastidores do governo de João Figueiredo era como seria a transição. A luta sucessória que se desencadeia a partir do início de 1984 quando os partidos políticos teriam que indicar através de convenções nacionais seus candidatos a presidência. Com o fim do sistema bipartidário e a anistia política começam a ressurgir partidos políticos na vida nacional. O PDS é o herdeiro da estrutura construída pelo regime militar, a ARENA, organização que serviu de apoio ao regime. O PMDB, nascido do Movimento Democrático Brasileiro. Esses dois partidos deram continuidade aos que existiam no período do bipartidarismo e por isso contavam com mais nomes de destaque nacional e maior capilaridade que PT e o PDT, partidos fundados no primeiro momento após a abertura política e também que o PTB, que mesmo tendo existido antes da ditadura militar, ressurge como um partido diferente sem as bases que tivera outrora. As movimentações em torno da possibilidade de eleição direta para presidente acontecem depois que a Proposta de Emenda Constitucional No 5 de abril de 1983 é apresentada ao Congresso Nacional. Essa proposta ficaria conhecida como emenda Dante de Oliveira, nome do deputado do PMDB que a apresentou, com apoio de outros 177 deputados. PMDB e PDS concentram cada um em suas disputas. PDS trabalhando pela não aprovação do projeto o que garantiria que seu candidato tivesse maiores chances de ser eleito pelo colégio eleitoral através do voto indireto. Paulo Maluf e Mario Andreaza, então ministro do interior do governo Figueiredo e indicação do presidente para a sucessão. Maluf ao se candidatar na convenção partidária, forçou que houvesse eleição interna, da qual saiu vencedor

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e candidato do PDS a presidência da república. Os apoiadores da eleição indireta para sucessão de Figueiredo, os ‘indiretistas’ atuaram nos bastidores para impedir que a emenda fosse aprovada, e forçando a utilização dos meios repressivos para dificultar a nascente campanha por eleições diretas para presidente da república. Seus métodos, iam desde a indicação do ‘perigo vermelho’ ou a ‘ameaça comunista’ até a ida aos locais de comícios nos dias de eventos tentando impedir que políticos locais apoiassem o evento. Para Kotscho, essa tática resultava, geralmente, pouco funcional e acabou por gerar cenas interessantes como um aeroporto lotado de políticos e correligionários para receber o deputado Ulysses Guimarães que por engano saudou Paulo Maluf (Kotscho, 1984). Por outro lado, grupos favoráveis a aprovação da emenda se fortaleciam e levavam a campanha para as ruas. Na câmara municipal do Rio de Janeiro é lançado um manifesto reivindicando eleições diretas para presidente da república. Este manifesto foi assinado por 80 associações e organizações sociais dentre elas OAB, ABI, UNE, CUT, CONCLAT. 26. Órgãos de imprensa começam a dar destaque ao debate sobre as eleições e entram na campanha através de editoriais que apoiavam a convocação de eleições diretas para presidente

27

. Nas

mobilizações já falava abertamente sobre as diretas. Essas primeiras manifestações de protesto serviram como termômetro para os grupos políticos que não haviam ainda se decidido sobre o tema, o apoio da opinião pública aos eventos assim como as demandas, fez com que partidos e grupos alterassem as estratégias adotadas, esse é o caso dos moderados do PMDB. Esse grupo, liderado por Tancredo Neves não defendia a eleição direta para presidente. Entretanto, acabam por apoiar a campanha como uma forma de ganhar espaço político dentro do partido, buscando diminuir o destaque do então presidente do partido e representante da ala radical do PMDB, que apoiava a eleição direta para presidente, Ulysses Guimarães. Além disso, outros grupos percebiam a necessidade de atuar e ganham força, por exemplo, através do Manifesto produzido por Montoro e assinado por governadores do PDMD e Brizola: “A nação tem o direito de ser ouvida” na qual pediam o restabelecimento das eleições diretas e clamavam os movimentos sociais e políticos para lutar por este objetivo. Montoro planejava em São Paulo uma manifestação pedindo eleições diretas para o início de 1984. A atuação de governadores começa a mudar o quadro pois o posicionamento destes em favor do movimento pró Diretas Já! garantia que, ao menos nestes estados, a classe política

26

Fonte Revista Veja de 09/11/1983.P. 38-41 Um bom exemplo é o editorial do jornal Folha de São Paulo de 27 de março de 1983. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/01/1401277-editorial-por-eleicoes-diretas.shtml 27

65

atuaria, ainda que parcialmente a favor da campanha. Além disso, o controle sobre a polícia militar era essencial pois além de garantir a segurança dos manifestantes, garantia aos movimentos sociais que lá estivessem que não haveria repressão violenta de seus membros. A campanha pelas eleições diretas para presidência da república é considerada uma das principais campanhas organizadas por movimentos sociais no país. O seu desenvolvimento se deu por uma confluência de fatores. Vale a pena indicar alguns, como por exemplo a grande capilaridade que o PMDB conquistou no país principalmente após as eleições de 1982, mas também durante o período em que foi o único partido de oposição que podia atuar no regime militar. Isso permitiu que as mobilizações contassem com diretórios do partido em diversas cidades do país. Além disso, o PT passa a exercer papel de destaque na relação com movimentos sociais, especialmente movimento sindical e rural, mas também movimentos de mulheres, moradia e outros. Dessa forma, a campanha conseguiu atingir números impressionantes, como por exemplo, os 1.500.000 de presentes ao comício do Vale do Anhangabaú em abril de 1984, primeiro a ter transmissão de trechos dos discursos ao vivo em rede nacional de televisão (Bertoncelo, 2007). Outras se seguiram, chegando a 3.000.000 de pessoas em todo o país ao longo deste mês. Contudo, como é sabido a emenda Dante de Oliveira não foi aprovada pelo congresso. Dessa forma, o regime militar foi capaz de conduzir um processo eleitoral completamente distanciado da sociedade. O colégio eleitoral freou a luta por participação popular que a campanha das Diretas Já! representava, mas outro objetivo foi alcançado ao lotar as ruas do país de pessoas que queriam participar. Dessa forma há a reconquista de um espaço público que havia sido despolitizado pelo regime militar, as ruas e praças, iniciando o rompimento com a oligarquização que tomou conta do sistema de poder no Brasil, no qual não havia conexão entre a população e as elites dominantes. A campanha diretas já! mudou a vontade política dos brasileiros, o desejo de mudança impregnava os espaços sociais e participação popular e a democracia eram as principais reivindicações vindas das ruas. Dessa forma, a diretas já! é um marco na construção da cidadania brasileira. A mobilização popular despertada pela campanha diretas já! ganha na constituinte a oportunidade de aprendizagem política e de avançar na construção da cidadania do povo brasileiro.

66

2.2

A discussão sobre a participação popular na elaboração da nova Constituição

A nova forma de fazer política indicada acima, durante a campanha Diretas Já! tem repercussão na assembleia nacional constituinte organizada pelo novo governo. Mesmo a campanha não tendo alcançado seu objetivo específico, as eleições diretas para presidente da república, conseguiu criar uma mobilização nacional em torno do tema. Com a eleição indireta de Tancredo Neves e posse de seu vice, José Sarney, em 1985, tem início as discussões para organizar a assembleia nacional constituinte. Logo no início do governo, Sarney, pressionado, principalmente por políticos de oposição, assina a emenda constitucional No 5 promulgada pelo congresso em 15 maio de 198528 na qual reestabelecia as eleições diretas através de eleições livres e sufrágio universal além da previsão de atuação livre de partidos políticos, até então na ilegalidade e também convocava eleições em municípios nos quais não havia eleição. Esse primeiro passo, somado a instalação no congresso da Comissão Interpartidária sobre legislação eleitoral e partidária tinham como o objetivo retirar algumas barreiras impostas pelo regime militar e abrir caminho para convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte que redigisse uma nova constituição para substituir a autoritária em vigor. Para Michiles (Michiles et al. 1989) essas medidas eram insuficientes para atender a demanda popular pelo rompimento com o período ditatorial. Considerando que a posse de Sarney ocorreu após a morte de Tancredo Neves, vencedor de eleições indiretas por um colégio eleitoral nada representativo das forças políticas que se fortaleciam no processo de redemocratização, além disso, a base de apoio do presidente era composta por distintos grupos. Seu partido o PMDB estava bastante dividido, muitos tendo apoiado abertamente a campanha por eleições diretas e outros, mais discretos, viam a possibilidade de chegarem ao poder, como ocorreu, através do voto indireto. Entretanto, Sarney era um membro recente no partido, tendo, durante a ditadura, sido senador pela ARENA, do qual foi presidente e do PDS, do qual saiu para compor a chapa com Tancredo. Isso lhe dava boa margem de negociação mas ao mesmo tempo o obrigava a lidar com constantes desafios e desconfianças do PMDB. Essa era a conjuntura que o presidente encontrava em 1985. Dessa forma, Sarney encaminha ao congresso um projeto de convocação da assembleia nacional constituinte. Essa proposta No 48 de 28/06/1985 sugeria uma emenda a constituição, esse projeto se torna uma proposta de emenda a constituição (PEC 43) e em sete

28

Texto completo disponível: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1980-1987/emendaconstitucional-2515-maio-1985-364956-publicacaooriginal-1-pl.html

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de agosto de 1985 é lida no plenário do congresso nacional. Era então convocada a constituinte e declarada livre e soberana. Contudo, não é uma constituinte exclusiva como queriam os movimentos sociais, independente das eleições parlamentares. A carta do jurista Goffredo Telles Júnior29, escrita em nome do Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte ressalta o posicionamento dos movimentos sociais que buscavam a convocação originária e exclusiva. Portanto, o que se configura a partir deste processe é um congresso constituinte e não uma assembleia exclusiva. Em 1985, logo após promulgação do decreto que convocava a asembleia nacional constituinte o então presidente da república, José Sarney convocou, por meio do decreto presidencial 91.450 de julho de 1985 uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais com o objetivo de elaborar um anteprojeto da constituição. Esta ficou conhecida pelo o nome de seu presidente, Afonso Arinos de Melo Franco, assim, foi constituida a Comissão Afonso Arinos. Composta por 50 personalidades, tinha entre os participantes nomes como Celso Furtado, Gilberto Freyre, Bolivar Lamounier, Miguel Reale Jr., Cristovam Buarque, Paulo Brossard, Hélio Jaguaribe entre tantos outros. A ideia era que esse anteprojeto servisse de base para discussões sobre a constituição a ser redigida. A pesar da diversidade desta ‘comissão de notáveis’ seu trabalho final, a proposta contida no anteprojeto publicado em 26 de setembro de 198630, enfrentou forte resistência da assembleia nacional constituinte. Parte dos membros da ANC encaravam o anteprojeto como uma intromissão nos seus trabalhos. Além disso, uma vez que o objetivo da ANC era romper com a constituição de 1967 e as emendas constitucionais do regime militar, os constituintes viam na comissão e sua proposta, vínculos com o passado que desejam esquecer. Entretanto, o anteprojeto previa a introdução de mecanismos de democracia direta, especificamente o referendo e a iniciativa legislativa no seu artigo. 90. Além disso, indicava em quais casos seriam utilizados tais mecanismos, na criação de região metropolitana (art. 132), ou quando por decisão da presidência da república, Art. 190, uma proposta de emenda constitucional poderia também ser objeto de referendo. Definia ainda a atribuicao exclusiva do legislativo determinar a convocação de referendo (art. 174.) Com a eleição da assembleia nacional constituinte em 15 de novembro de 1986 e a posse dos eleitos em 1o de fevereiro de 1987 se estabelece o instrumento legal para romper com o período autoritário. O presidente da ANC, deputado pelo PMDB, Ulysses Guimaraes afirmou sobre o perfil da assembleia que: “É um parlamento de costas para o passado este que se 29 30

Disponível na íntegra no livro Cidadão Constituinte. Ed Paz e Terra. 1989. http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/constituinte/AfonsoArinos.pdf

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inaugura hoje para decidir o destino Constitucional do país. Temos nele uma vigorosa bancada de grupos sociais emergentes, o que lhe confere nova legitimidade na representação do povo brasileiro.”31 Essa bancada era composta por 487 deputados e 72 senadores, dos quais 45% não estavam presentes na legislatura anterior. Dentre os eleitos, diversos nomes oriundos de sindicatos, movimento estudantil, lideranças comunitárias, associações de classe entre outros. Nomes que não estavam ligados a política institucional foram eleitos, dando a nova casa um perfil cívico. Nomes como Luís Inácio Lula da Silva, José Serra, Benedita da Silva, Vladimir Palmeira, Luiz Gushinken, Florestan Fernandes entram na vida política institucional através do voto popular para a ANC. O PMDB foi o partido que maior número de deputados e senadores elegeu, com 45 dos 69 senadores e 260 dos 487 deputados. O PFL, com 118 eleitos ocupou a segunda posição na ANC, o PDS teve 33, PTB 17. Dos partidos de esquerda o PDT obteve 24 assentos, o PT 16, PC do B 4, PCB 3 e PSB 3. O PMDB mesmo com sua bancada majoritária não permanece coeso durante a ANC, seus representantes racham e se aliam com distintos grupos, formando parte do chamado Centrão assim como estabelecendo acordos com correntes a esquerda. No total de 26 mulheres foram eleitas deputadas e 1 senadora, um número bastante baixo, menos de 10%, quando analisados o número de vagas disponíveis. Apesar de não terem formado um grupo coeso nem atuarem como uma bancada feminina, se fizeram presentes no processo, apresentando mais de 2.500 emendas32.

2.3

A participação popular da nova Constituição por meio de emendas

Foram apresentadas um total de 122 emendas populares33 apoiadas por mais de 12 milhões de assinaturas e um total de 288 entidades sociais participantes. A participação popular na constituinte foi possível a partir de lutas internas durante a elaboração do Regimento Interno da Constituinte assim como a intensa luta por popular pelo direito de participar. O PT e o

31

http://www2.camara.leg.br/comunicacao/institucional/noticias-institucionais/ha-25-anos-era-eleita-aassembleia-nacional-constituinte 32 Sobre a atuação da bancada feminina ver o sítio da câmara dos deputados: http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicaocidada/constituintes/parlamentaresconstituintes/copy_of_index.html Para maiores detalhes, ver a monografia de Santos, Maria do Carmo. 2008. Bancada Feminina na Assembléia Constituinte de 1987/1988. Disponível http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/161501/MONOGRAFIA%20REDA%C3%87%C3%83O%2 0FINAL.pdf?sequence=2 33 Arquivo com todas as emendas populares aprovadas disponibilizado pela câmara dos deputados http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-258.pdf

69

diretório regional do PMDB de São Paulo, foram os principais representantes dos anseios dos movimentos pró participação popular dentro do congresso. Esses movimentos se organizavam em comitês, organizações extraparlamentares que se mobilizavam pela inclusão, no Regimento Interno da Constituinte, do direito de participação de associações civis e movimentos sociais na assembleia nacional constituinte através da iniciativa popular. Os primeiros movimentos em direção a participação popular na constituinte ocorrem quando da criação de uma comissão mista anterior as eleições para constituinte com o objetivo de elaborar um parecer sobre a PEC 43 decretada por Sarney e que convocara a Constituinte. Era composta por senadores e deputados de PMDB (4 senadores e 5 deputados), PDS (4 senadores e 3 deputados), PFL (3 senadores e 2 deputados), e PDT (1 deputado). O restante dos partidos não tinham representação suficiente para indicar nomes a comissão. Havia um prazo inicial de 16 de agosto para a apresentação de emendas. Devido a falta de assinaturas em algumas emendas apresentadas, era exigido 1/3 de assinaturas do total de senadores e 1/3 do total de deputados, a comissão aceitou alargar o prazo para a entrega das assinaturas. Ao final, 13 emendas propostas por parlamentares foram anexadas além das PEC 44 e 52. A comissão deliberou por ouvir as demandas da sociedade ao longo dos trabalhos através de representantes. Dentre estes representantes, a socióloga Maria Victória Benevides, o jurista Raymundo Faoro, o presidente da CUT Jair Meneghelli, da CONLAT, Joaquim dos Santos Andrade, além de líderes da OAB, CNBB e FIESP. Houve ainda em janeiro de 1985 na cidade de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, o lançamento do Movimento Nacional pela Participação na Constituinte, em fevereiro foi criado em São Paulo o Plenário Pró-Participação Popular. Esses movimentos reivindicavam além da participação na ANC a inclusão no texto constitucional a ser aprovado a previsão de mecanismos de participação popular. Essas iniciativas serviram de exemplo e várias outras surgiram pelo país tendo em comum a luta pelo direito de participar (Michiles, 1989) 34. Esses grupos defendiam além da participação na constituinte, a introdução de mecanismos de democracia direta na constituição. Em 15 de outubro de 1985, o parecer apresentado pelo deputado relator Flávio Flores da Cunha Bierrenbach (PMDB-SP) sugeria a convocação de um plebiscito para que o povo decidisse sobre diferentes temas, destaque para os seguintes: 1) se a constituinte seria congressual ou exclusiva; 2) eleições independentes para a constituinte, sem coincidir com o calendário das eleições para governador; 3) coleta de sugestões originadas da sociedade para a

34

Esse processo está descrito em detalhes por Michiles et al, 1989: 37-54.

70

constituinte através das câmaras municipais, proposta defendida principalmente pela CNBB e organizações sociais que defendiam a participação popular na constituinte. Segundo Michiles (Michiles et al., 1989: 31), essa proposta visava mediar uma demanda da sociedade civil com o poder executivo e setores parlamentares na qual a primeira reivindicava que o tipo de constituinte a ser eleita deveria ser decidido através de um plebiscito. Como forma de demonstrar o apoio popular a sua proposta, o deputado apresentou junto ao seu parecer uma mala com 70.000 cartas e telegramas recebidos de todo o país em apoio a das reivindicações do plenário pró-participação popular, partidos e outras organizações por uma constituinte exclusiva. Não houve acordo para aprovar a proposta do relator, o parecer foi derrotado e aprovado em seu lugar o voto do deputado, preparado como substitutivo, Valmor Giavarina (PMDB-PR). Giavarina havia sido indicado para a vaga anteriormente ocupada por Bierrenbach, que devido a discordância com o posicionamento da sua bancada em relação ao seu parecer, decidiu se afastar da comissão. No dia 27 de novembro de 1985, numa votação arrastada, o congresso aprovou o Ato convocatório da Assembleia Nacional Constituinte através da Emenda Constitucional No 26. O Regimento Interno da Constituinte criou o mecanismo que possibilitou a apresentação de emendas populares ao projeto de constituição em março de 1987. Avanço qualitativo. Essa decisão seguia o modelo de constituição de algumas das propostas elaboradas por juristas, movimentos sociais e partidos. Comparato afirmava a necessidade de se aprofundar as discussões sobre participação popular, especificamente sobre a iniciativa popular legislativa, além dele, Pinto Ferreira e José Afonso da Silva, também juristas, defendiam a criação deste instituto de participação popular. Em abril de 1986 a CNBB apontava no documento aprovado em sua assembleia geral a necessidade de participação popular no processo de elaboração constitucional, afirmando que a iniciativa popular legislativa era imprescindível para o processo de transformação social. O direito de apresentar propostas de emendas populares, contava com apoio de diversos setores. A imprensa deu destaque ao tema, em notícias e também através de artigos como por exemplo o de Florestan Fernandes, ‘O uso da iniciativa popular’, publicado na Folha de São Paulo (03 de abril de 1987) e o de Freitas Nobre, ‘As emendas à Constituição’ (Jornal da Tarde, 20 de março de 1987) nos quais ressaltavam a atuação dos comitês e organizações pró-participação popular.

71

Além disso, os três constituintes que travaram debates intensos pela introdução das emendas no Regimento Interno da Constituinte, são os mesmos que subscreveram sua inclusão, Mário Covas (PMDB), Lula (PT) e Brandão Monteiro (PDT). As emendas tornaram-se então uma realidade. Para que fossem aceitas deveriam apresentadas por entidades sociais legalmente constituídas, ter o apoio de ao menos 30.000 assinaturas e cada cidadão não poderia apoiar mais de 3 emendas35. Dai por diante, campanhas de coleta de assinaturas se espalharam pelo país. Essa iniciativa teve que enfrentar algumas dificuldades, principalmente a imposta pelo tempo. Existe ainda um caso que merece destaque, a emenda popular sobre instrumentos e formas de participação popular. A ênfase nesta emenda específica não é apenas pelo fato de tratar de mecanismos de democracia direta, mas pela forma como a sociedade participou na campanha. Um tema distante dos anseios diretos de parte da população, era um desafio chegar ao limite mínimo de assinaturas, 30.000. Contudo, esse número foi superado foram coletadas no total 402.266, alcançando assim a 9 a posição entre as emendas com maior apoio popular. Na verdade, essa emenda é resultado da junção de três propostas de diferentes grupos com objetivos muito semelhantes. De acordo com Michiles (1989), o Plenário Pró Participação Popular de São Paulo obteve 336.047 assinaturas de apoio a emenda-021, O movimento Gaúcho da Constituinte, 31.219 para emenda-022 e o Comitê Pró-Participação Popular na Constituinte de Minas Gerais com 35.000 para a emenda-056. Além da atuação das entidades civis, atuaram na constituinte ao todo trinta partidos políticos. Entretanto, apenas 5 conseguiram obter o registro junto ao TSE, os restantes tiveram 35

A íntegra do artigo do Regimento Interno que regulamentava a apresentação de emendas populares: Projeto de Resolução n.º 2, de 1987, Art. 24: “Fica assegurada, no prazo estabelecido no § 1º, do artigo anterior, a apresentação de proposta de emenda ao Projeto de Constituição, desde que subscrita por 30.000 (trinta mil) ou mais eleitores brasileiros, em listas organizadas por, no mínimo, 3 (três) entidades associativas, legalmente constituídas, que se responsabilizarão pela idoneidade das assinaturas, obedecidas as seguintes condições: I – a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome completo e legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral; II – a proposta será protocolizada perante a Comissão de Sistematização, que verificará se foram cumpridas as exigências estabelecidas neste artigo para sua apresentação; III – a Comissão se manifestará sobre o recebimento da proposta, dentro de 48 (quarenta e oito) horas da sua apresentação, cabendo, da decisão denegatória, recurso ao Plenário, se interposto por 56 (cinqüenta e seis) Constituintes, no prazo de 3 (três) sessões, contado da comunicação da decisão à Assembléia; IV – a proposta apresentada na forma deste artigo terá a mesma tramitação das demais emendas, integrando sua numeração geral, ressalvado o disposto no inciso V deste artigo; V – se a proposta receber, unanimemente, parecer contrário da Comissão, será considerada prejudicada e irá ao Arquivo, salvo se for subscrita por um Constituinte, caso em que irá a Plenário no rol das emendas de parecer contrário; VI – na Comissão, poderá usar da palavra para discutir a proposta, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, um de seus signatários, para esse fim indicado quando da apresentação da proposta; VII – cada proposta, apresentada nos termos deste artigo, deverá circunscrever-se a um único assunto, independentemente do número de artigos que contenha; VIII – cada eleitor poderá subscrever, no máximo, 3 (três) propostas”. Assembléia Nacional Constituinte. Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 1987.

72

uma habilitação provisória que os permitia participar nas eleições para assembleia nacional constituinte (várias leis compõem a legislação que regulamentou a participação dos partidos políticos na Assembleia Nacional Constituinte, para maiores detalhes ver: Michiles et al., 1989). O resultado da ANC foi a aprovação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988. No texto constitucional de 1988 estão previstos três mecanismos de democracia direta. O plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legislativa. A convocação do plebiscito é atribuição do poder legislativo, conforme o art. 49 da constituição. O referendo pode ser convocado pelo presidente da república, conforme o art. 84 que deve ser aprovado pelo poder legislativo. A iniciativa popular, de acordo com o art. 61, pode ser exercida pela apresentação à câmara dos deputados de projeto de lei, bastando, para isso que respeite as seguintes regras: assinatura de no mínimo 1% do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos cinco estados, tendo cada um destes contribuído com pelo menos 3% do eleitorado do estado. No texto constitucional era previsto, ainda, no seu art. 2o a necessidade de convocar um plebiscito para decidir sobre a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo).

2.4

Os plebiscitos pré-agendados sobre Monarquia a e Parlamentarismo

Conforme foi visto acima, a constituição brasileira de 1988 previa a necessidade de se convocar um plebiscito sobre a forma e o regime de governo no país. A consulta popular foi, através da emenda constitucional No 2 de 25 de agosto de 199236, antecipada para 21 de abril de 1993 ao contrário do previsto na constituição, que decretava 7 de setembro de 1993 como data da consulta. Conforme as tabelas a seguir mostram, o resultado do plebiscito manteve a organização política brasileira sob um sistema republicano no formato de regime presidencialista. Abaixo, os números mostram que a maioria do eleitorado brasileiro optou por república, 86%.

36

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc02.htm

73

Tabela 4: Plebiscito, Forma de Governo, Brasil, 1993 Monarquia Eleitorado Total de votos Percentual de participação Votos em branco Votos nulo Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem votos contra Resultado

90.256.552 67.010.409 74.24% 7.030.815 8.869.790 15.900.605 51.109.804 6.843.196 13.39% 44.266.608 86.61% Rejeitado

Republica 90.256.552 67.010.409 74.24% 7.030.815 8.869.790 15.900.605 51.109.804 44.266.608 86.61% 6.843.196 13.39% Aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

E com relação a forma de governo, 69% do eleitorado optaram pela manutenção do

regime presidencialista.

Tabela 5: Plebiscito, Sistema de Governo, Brasil, 1993 Parlamentarismo Eleitorado Total de votos Percentual de participação Votos em branco Votos nulo Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem votos contra Resultado

90.256.552 67.010.409 74.24% 3.467.181 9.868.316 13.335.497 53.674.912 16.518.028 30.77% 37.156.884 69.23% Rejeitado

Presidencialismo 90.256.552 67.010.409 74.24% 3.467.181 9.868.316 13.335.497 53.674.912 37.156.884 69.23% 16.518.028 30.77% Aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

74

2.5

Referendos realizados pós-constituição 1988

Em 2005 ocorreu outra consulta popular no Brasil, o referendo das armas. Sua aplicação ocorreu em virtude da aprovação da lei 10.826 de 200337 na qual se regulamentava a posse, registro e comercialização de armas de fogo e munição além de alterar competências do Sistema Nacional de Armas. Essa consulta ficou conhecida como ‘Referendo das Armas’. A campanha deste referendo mobilizou as forças políticas do país. Dentro do parlamento surgiram duas frentes principais, a primeira, liderada por Renan Calheiros, Frente Parlamentar Por um Brasil Sem Armas38, que apoiava o sim, pela aprovação do estatuto e a proibição do comércio de armas de fogo e a Frente Pelo Direito à Legítima Defesa 39, liderada pelo deputado Alberto Fraga, que defendia a não proibição. O governo federal, o presidente da república, Luís Inácio Lula da Silva e seu partido, PT, defenderam o projeto de proibição e fizeram campanha a favor do Sim. O referendo contou com horário gratuito de propaganda na televisão aberta facultado aos favoráveis a aprovação do estatuto do desarmamento assim como aos contrários. Ambas campanhas receberam financiamento de empresas privadas40. De acordo com Veiga e Santos (2008) as campanhas conduzidas por ambos os lados não foi capaz de alterar aquilo que pesquisas anteriores vinham apresentando como possível resultado. Com 64% de votos favoráveis foi aprovada a proibição do comércio de armas de fogo no Brasil.

37

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/74778 39 http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2005/07/22/frente-pelo-direito-a-legitima-defesa-defendevenda-de-armas 40 As informações sobre doações feitas a cada uma das Frentes apesentadas aqui, podem ser encontradas no sítio do Tribunal Superior Eleitoral. http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/prestacao-de-contas 38

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Tabela 6: Referendo, Proibição do comércio de armas, Brasil, 2005

Eleitorado Total de votos Percentual de participação Votos em branco Votos nulo Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem votos contra Resultado

Proibição do comércio de armas 122.042.615 95.375.824 78.15% 1.329.207 2.933.514 1.604.307 92.442.310 33333045 36.06% 59109265 63.94% Rejeitado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

2.6

Iniciativas populares sob a nova Constituição

Tramitaram no congresso nacional brasileiro ao todo oito projetos cuja a origem é uma iniciativa popular legislativa apresentada por entidades civis e com base na previsão constitucional bastando para isso que as exigências constitucionais sejam atendidas Atendendo a estas exigências o projeto deve ser protocolado junto à Secretaria-Geral da Mesa na Câmara aonde para completar o processo um deputado deve ‘adotar’ a iniciativa, assinando o projeto. A coleta de assinaturas deve ser feita por meio de formulário padronizado disponibilizado pelo sítio da câmara dos deputados41. A Comissão de Legislação Participativa da Câmara também disponibiliza alguns modelos de propostas a serem apresentadas assim como as exigências para desta apresentação. No quadro abaixo são apresentadas as iniciativas populares que tramitaram na câmara. Nele estão disponíveis informações sobre o conteúdo do projeto, partido e deputado que ‘adotou’ a iniciativa, principais movimentos sociais que atuaram na campanha de coleta de assinaturas e elaboração do projeto, número de assinaturas coletadas e a situação atual da iniciativa. Esse quadro serve como guia e facilita a leitura que segue onde são apresentadas as iniciativas populares e as campanhas realizadas por entidades sociais junto a sociedade e ao congresso do início da divulgação e coleta de assinaturas até a transformação em lei.

41

A câmara disponibiliza um canal direto sobre como apresentar propostas de iniciativa popular. http://www2.camara.leg.br/participe/sua-proposta-pode-virar-lei

76

Quadro 1: Iniciativas populares Projeto de lei

Ano

PL 2.710

1992 criação do Fundo Nacional de Moradia Popular

800.000

Nilmário Miranda/Partido dos Trabalhadores - PT

PL 4.146

1993 nova redação ao artigo 1o da lei 8.072 de 25/07/1990, que dispõe sobre crimes hediondos

1.300.000

PL 1.517

1999 modifica a lei 9.504 de 30/09/1997 e altera a lei 4.737 de 15/06/1965 do código eleitoral. 2005 Altera o Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal, o Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1.941, Código de Processo Penal, a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 e a Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, e dá outras providências. 2006 Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal -Parte Geral; do DecretoLei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal; da Lei nº 8. 072, de 25 de julho de 1990; e da Lei nº 9.455, 07 de abril de 1997.

952.314

Presidente Itamar Franco/ Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMDB Albérico Cordeiro/ Partido Trabalhista Brasileiro - PTB Alberto Fraga/ Partido Trabalhista Brasileiro PTB

PL 4.911

PL 7.053

Ementa

Assinaturas

1.200.000

1.200.000

Autor/Partido

Antônio Carlos Biscaia/ Partido dos Trabalhadores - PT

Movimentos Sociais UNMP; CONAM, CUT; MNLP; CMP. Setores da igreja católica

Situação LEI.11.124 (2005)

LEI.8.930 (1994)

MCCE. CBJP, CNBB, OAB

LEI.9.840 (1999)

Movimento Gabriela Sou da Paz; Diga Não a Impunidade

Aguardando Parecer/devolução Relator não-membro na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

Movimento Gabriela Sou da Paz; Diga Não a Impunidade

Apensado ao PL 4.911 (2005)

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PL 1.472

2007 Dispõe sobre as medidas de esclarecimento ao consumidor, de que trata o § 5º do artigo 150 da Constituição Federal; altera o inciso III do art 6º e o inciso IV do art. 106 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor.

1.500.000

Renan Calheiros/ Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMDB

Movimento organizado por associações comerciais – De Olho no Imposto OAB; IBPT

Com vetos, foi transformado na Lei Ordinária 12741 (2012)

PLP 518

2009 Altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. 2013 Altera dispositivos da Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, e dá outras providências

1.600.000

Antônio Carlos Biscaia/ Partido dos Trabalhadores - PT

MCCE, OAB, CNBB, CUT, Conselho Nacional de Engenharia, AMB, AVAAZ

Apensado ao PLP 168 (1993) o PLP foi considerado prejudicado e arquivado. O PLP 168 foi aprovado e transformado em Lei Complementar 135 (2010)

2.000.000

Comissão de Legislação Participativa

Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública – Saúde + 10, CNBB

Apensado ao PLP 123/2012

PLP 321

Elaboração própria com base em dados da Câmara dos Deputados.

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Criação do Fundo Nacional de Moradia. Projeto de lei 2710 de 1992 O primeiro projeto de iniciativa popular da história brasileira, tinha a assinatura de Luís Inácio Lula da Silva encabeçando a lista, ao lado do autor, o deputado Nilmário Miranda, que circulou o país pedindo a criação de uma política nacional de habitação que financiasse moradia para pessoas com renda de até três salários mínimos. A entrega das assinaturas se deu no dia 19 de novembro de 1991. Realizada por representantes da caravana dos movimentos por moradia que se deslocaram até Brasília e subiram a rampa do congresso nacional carregando em carrinhos de pedreiro as milhares de assinaturas coletadas, finalizando assim uma luta coletiva que permitiu que o projeto se desenvolvesse. Diversos deputados estiveram presentes e junto as mais de 5000 pessoas, aplaudiram a ‘cerimônia’. Além do deputado Nilmário Miranda (PT), que assinou a autoria, ‘adotando’ o projeto, os deputados José Genoíno (PT), Aldo Rebelo (PCdoB), Irma Passoni (PT), José Dirceu (PT), Paulo Delgado (PT), Maria Luiza Fontenelle (PSB) e o senador Eduardo Suplicy (PT) deram destaque a entrega de assinaturas do 1o projeto de iniciativa popular do país. Os principais parceiros dos movimentos por moradias, foram o jornal ‘Notícias Populares’, a Centra Única dos Trabalhadores e setores da Igreja Católica. No seu desdobramento no congresso, outros grupos ganharam destaque nas negociações, incluindo setores empresariais é o caso dos movimentos nacionais de habitação União Nacional por Moradia Popular - UNMP, Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLP, Confederação Nacional de Associações de Moradores - CONAM e a Central de Movimentos Populares - CMP da Câmara Brasileira de Indústria da Construção e da Caixa Econômica Federal. A principal alteração realizada a partir destas negociações foi a criação de um conselho tripartite para o Conselho Nacional de habitação. Essa proposta se afastava da inicial pois ao dividir em partes iguais entre governo federal, produtores e financiadores de habitação e setores ligados a movimentos populares e sindicais, o conselho reduzia a representação dos movimentos sociais. Apesar dessa aparente derrota, Ruscheinsky (1999) afirma que essa alternativa pactuada permitiu o retorno das negociações. Assim, o projeto 2710 de 1992, depois de um substitutivo que trouxe para a mesa de negociação outros setores além dos envolvidos na luta pelo direito a moradia passa a ser discutido no congresso. Contudo, apenas em 2003, após a eleição de Lula, que o projeto é discutido efetivamente. Nesse mesmo ano foi criado o Ministério das Cidades, uma antiga reivindicação dos movimentos sociais. A percepção da questão urbana como tema de interesse nacional pode ser notada também na realização e participação popular através de delegados nas

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conferências das cidades. Essas conferências, municipais, estaduais e nacional elegeram delegados para atuar nas esferas superiores. Na Conferência Nacional foram eleitos 70 integrantes para o Conselho Nacional das Cidades. A composição final era a seguinte: 14 representantes do poder público federal, 6 do poder público estadual, 19 de movimentos populares, 7 de entidades empresariais, 7 de entidades representantes de trabalhadores, 4 de instituições acadêmicas e, 3 de ONGs (Ruscheinsky, 1999; Bonduki, 1998). Depois da apresentação do substitutivo pelo governo federal em 2004, no qual a proposta de criação de um conselho nacional de habitação foi substituída pele Conselho Nacional das Cidades no qual haveria uma câmara técnica de habitação o projeto foi aprovado e transformado na Lei 11.124 de 2005.

Revisão da Lei 8072 sobre crimes hediondos. Projeto de Lei 4146 de 1993 O segundo projeto de lei apresentado por iniciativa popular ganhou notoriedade e ficou conhecido pela campanha conduzida pela escritora de telenovelas, Glória Perez, que após o assassinato de sua filha, iniciou a campanha pela modificação da lei sobre crimes hediondos. A campanha requeria especificamente que crimes como o homicídio qualificado, com intenção de matar, fossem tratados como hediondos. O projeto foi apresentado em 08 de setembro de 1993, menos de um ano após o crime e contou coma atuação de personalidades como o Cardeal Evaristo Arns e o médium Chico Xavier. Além disso, a campanha de coleta de assinaturas, ao contrário do projeto 2710/92 recebeu apoio dos meios de comunicação. Entre janeiro e dezembro de 1993 um total de cento e oito notícias relacionadas a Glória Perez apareceram nas páginas do jornal Folha de São Paulo. Essa exposição ajudou a coleta de assinaturas. Segundo Glória Perez, em três meses, já haviam sido coletadas as 1.300.000 assinaturas entregues ao congresso nacional em apoio ao iniciativa popular42. O projeto foi redigido pelo então membro do Ministério Público e depois deputado federal Antônio Carlos Biscaia (PT) a pedido de Glória Perez e ‘adotado’ pelo presidente Itamar Franco (PMDB) para então poder tramitar no congresso. Dessa maneira, formalmente, o projeto foi proposto pelo Poder Executivo. Por tratar de um tema chocante que repercutiria normalmente nos jornais de todo o país já era possível esperar o clamor popular num evento como esse. Entretanto, a notoriedade dos envolvidos, pessoas públicas fez com que o tema ficasse na mídia por muito mais tempo. Essa é a principal explicação para celeridade na coleta de assinaturas mas também para a 42

A autora criou um sítio no qual disponibilza suas memorias sobre o caso e que ela chama de arquivos de um processo. Disponível: http://www.gloriafperez.net/?page_id=591

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incrível rapidez com que o congresso transformou o projeto em lei. Em 06 de setembro de 1994 o projeto se transformava na Lei 8930 aonde os crimes de homicídio qualificado e os praticados por grupos de extermínio passam a figurar como crimes hediondos.

Compra de votos. Projeto de Lei 1.517 de 1999 A Terceira iniciativa popular apresentada ao congresso brasileiro discutia formas de combate a compra de votos em eleições no país43. Esta campanha popular iniciada pela Comissão Brasileira Justiça e Paz - CBJP, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB tinha como objetivo dar continuidade a campanha realizada em 1996, chamada Fraternidade e Política 44 . Sua proposta inicial era desenvolver uma ação que discutisse e combatesse a questão da compra de votos. Pesquisa realizada pelo Instituto DataBrasil, da Universidade Cândido Mendes, havia recém avaliado a incidência de corrupção eleitoral nas eleições municipais de 1996. Com base nos dados apresentados por esta pesquisa, a CNBB avaliou a necessidade de modificação da legislação eleitoral, iniciando assim, através do CBJP, a redação do projeto de lei popular, contando com o apoio de um ex-procurador, um ex-juiz eleitoral e um juiz eleitoral em exercício como membros do grupo de trabalho organizado para realização do projeto. Em 27 de abril de 1998, após a apresentação deste projeto a CNBB, teve início a campanha pela coleta de assinaturas, contando com o suporte de trinta e duas entidades que acompanhavam a elaboração do projeto. O objetivo era coletar 1 milhão de assinaturas a tempo de que o projeto fosse apresentado e tivesse validade ainda nas eleições de 2000. Para isso, deveria tramitar antes de 20 de Setembro de 1999 e ser aprovado até o dia 1º de outubro de 1999. É interessante analisar o que ocorreu diante desta necessidade. Uma corrida atrás de assinaturas. Essa tática acelerada resultou na coleta de 500.000 assinaturas até o final do seguinte abril. Ou seja em 1 ano foram coletadas metade das assinaturas para atingir o mínimo necessário, 1 milhão. Numa reunião convocada dentro do 37º congresso da CNBB, com o objetivo de avaliar a campanha até o momento, discutiu-se as possíveis razões para esta demora em alcançar o número (Whitaker, 2000)45. Entretanto, o que importa é o que vem a seguir, a participação mais dedicada dos meios de comunicação. A rede Globo de televisão, ao noticiar

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A íntegra do projeto aprovado pode ser acessada em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1942 Para maiores informações ver a História da Conquista da Lei 9840, em: http://www.mcce.org.br/node/6 45 Disponível em http://www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=47 44

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um caso de corrupção eleitoral na cidade de São Paulo, fez um apelo em rede nacional para que a população assinasse a iniciativa popular, indicando telefones e endereços para realizá-lo. Com isso a campanha toma um novo rumo. Diversos grupos que participavam da campanha viram a necessidade de acentuar sua vinculação e esforço a mobilização por assinaturas, entre estes grupos, associações de trabalhadores, sindicatos, e a intensificação da atuação da OAB. Além de outras redes de televisão que decidiram “abraçar” a campanha. Diante dessa explosão de apoio, o número de assinaturas subiu de uma média diária de 5 desde setembro de 1998, passando para 5.000 logo após o 8 de junho de 1999, data em que foi ao ar o apelo da rede globo.

Crimes hediondos. Projeto de lei 4.911/Projeto de lei 7053 A quarta iniciativa popular apresentada ao congresso brasileiro envolve mais uma vez a legislação sobre crimes hediondos. O projeto é uma mescla entre a proposta apresentada pelo Deputado Alberto Fraga (Ex-PTB agora DEM) e o projeto de lei 7053 de 2006 46 dos deputados Antônio Carlos Biscaia (PT), Chico Alencar (PSol), Moreira Franco (PMDB), Denise Frossard (PPS), Rodrigo Maia (Ex PFL agora DEM) e Agnelo Queiroz (PCdoB). A iniciativa popular ficou conhecida por ter sido encampada pelo movimento ‘Gabriela Sou da Paz’47. Esse movimento foi criado após a morte da estudante Gabriela Ribeiro em 2003 numa estação de metrô no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro. Uma troca de tiros entre a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e assaltantes que fugiam de uma casa lotérica próxima resultou num tiro acidental na estudante. O movimento foi criado pela família da estudante e iniciou a coleta de assinaturas através da campanha ‘Diga Não a Impunidade’. A meta estipulada pelos organizadores era alcançar 1.300.000 assinaturas para que a iniciativa fosse entregue ao congresso. O número final ficou 100.000 assinaturas abaixo da expectativa. Com apoio de figuras como a Escritora Glória Perez, cuja a trajetória esta ligada a Iniciativa Popular/PL 4146 e a forte mobilização dos meios de comunicação, o tema, bastante emotivo, ocupou o imaginário popular. Entretanto, a iniciativa popular não pode ser aceita pelo congresso como tal pois as assinaturas não estavam acompanhadas da identificação civil e número do título de eleitor dos que subscreviam a iniciativa. Por isso, a ‘adoção’ da iniciativa pelos deputados citados anteriormente foi essencial para sua tramitação no congresso.

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O PL 7053 na íntegra: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=278632 47 http://www.gabrielasoudapaz.org/site/

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O PL 4911 assim como o PL 7053 sugerem que o homicídio se torne crime hediondo além da alteração da previsão de redução de pena nesses casos. Apesar de ter sido apresentado em 2005 o projeto ainda se encontra em andamento no congresso e no momento aguarda a devolução do parecer de um dos membros da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania - CCJC.

Olho no Imposto. Projeto de Lei 1472 O projeto de lei que regulamenta e torna obrigatório que as notas fiscais emitidas no país registrem na composição do preço final o percentual pago em impostos ficou conhecido como ‘Olho no Imposto. A campanha de coleta de assinaturas foi conduzida por diversas associações comerciais do país e entregue ao congresso pela Federação das associações comerciais de São Paulo. Essa defendia o papel democratizante da descrição dos impostos na nota fiscal pois assim se estenderia e ampliaria o direito ao acesso a informação do consumidor (neste trabalho prefere-se o termo cidadão mas aqui nesse momento segue o utilizado pelas notas da própria campanha), que passaria também a entender melhor o que paga aos governos e às empresas o que lhes permitiria reagir a abusos. Após a apresentação da iniciativa popular com mais de 1.500.000 assinaturas de apoio ao congresso, o Senador Renan Calheiros ‘adotou’ o projeto. Desde sua apresentação em 03 de julho de 2007 o projeto passou por diversas comissões na casa até ser transformada na Lei Ordinária 12471 em 13 de novembro de 2012. A coleta de assinaturas uniu a Associação Comercial de São Paulo ao Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação que por sua vez se aliou a OAB nacional para que a campanha ganhasse maior capilaridade em todo o país. A OAB disponibilizou as 29 subseções para auxiliar na mobilização. Com base nessa união e com forte apoio do setor empresarial, e com a criação de uma página de internet48 para divulgação e coleta de assinaturas a campanha lançada em 18 de fevereiro de 2006 no Mato Grosso do Sul conseguiu atingir a marca de 1.500.000 assinaturas em pouco mais de 1 ano. Ficha Limpa . Projeto de Lei 518 O projeto ficha limpa é pensado a partir da criação do Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral – MCCE em 2002. Esse por sua vez surge na sequencia da aprovação da Iniciativa Popular - PL 1517 /Lei 9840 de 1999. Buscando continuar o debate iniciado em 1999 48

O sítio a www.deolhonoimposto.org.br estava disponível durante a campanha, Entretanto, no momento desta pesquisa já se encontrava fora do ar.

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e desenvolve-lo o movimento começa a discutir internamente a necessidade de uma nova campanha de coleta de assinaturas. Assim surgem os primeiros debates sobre como qualificar candidatos e representantes eleitos com o objetivo de moralizar o processo eleitoral no Brasil. Esse seria o eixo da campanha que ofereceria como forma de alcançar estes objetivos a proibição de que candidatos condenados pudessem participar do processo eleitoral O início da atuação da igreja mudou completamente o quadro de coleta de assinaturas. Antes da entrada, haviam sido coletadas 1.000.000 de assinaturas, faltando ainda 300.000 para alcançar o mínimo necessário. Chico Whitaker, lançou então, através do MCCE e contando com o apoio do movimento católico em todos o país, a campanha para coletar 300.000 assinaturas em trinta dias. Conseguiram 600.00049. Dessa forma, quando a iniciativa chegou ao congresso, seu apoio popular e reconhecimento era bastante sólido. Isso sem dúvida ajudou para que 22 deputados assinassem o projeto de lei. Além de ter garantido a tramitação imediata, sem necessidade de conferência de assinaturas, pois na prática a iniciativa popular se tornou um projeto de lei complementar. Além disso, a formação de um grupo de trabalho pelo então presidente da câmara, deputado Michel Temer (PMDB) para trabalhar e desenvolver o projeto que seria apresentado ao plenário permitiu maior celeridade na tramitação, pois não haveria a necessidade de passar pelas comissões da casa. O objetivo dos organizadores da iniciativa era aprovar o projeto em 2009 para conseguir que a lei fosse alterada antes das eleições de 2010. Para isso, buscaram acelerar ao máximo o processo através de pressão constante sobre os deputados. Nesse sentido, o apoio da opinião publica, da OAB, Conselho Nacional de engenharia, igreja, Associação dos Magistrados Brasileiros e o auxílio que a campanha conduzida pelo AVAAZ (Tanaka, 2011) exerce no processo com e-mails diários a deputados, lotando caixas de entrada com pedidos de agilidade além de uma intensa campanha através do tweeter. Entretanto, a apresentação de emendas por alguns deputados obrigou que o projeto fosse para a Comissão de Constituição e Justiça, impedindo que se aprovasse a tempo de que se transformasse em lei válida já nas eleições de 2010. O MCCE, como forma de manter pressão estabeleceu um prazo em acordo com os líderes dos partidos. Esse acordo era para que o projeto fosse votado pela comissão em prazo que permitisse ser enviado ao plenário, para votação na casa, até o dia 29 de maio, caso contrário a matéria seguiria para o plenário independentemente

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Ver o documentário Ficha Limpa - Uma história de combate à corrupção. https://www.youtube.com/watch?v=7OA-on6vhic

Disponível em:

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da atuação da comissão. Com o prazo terminado, a mesa da câmara decidiu colocar a matéria para ser votada. Alguns partidos, PTB, PP, PR e parte do PMDB tentaram impedir a votação argumentando a necessidade de maior prazo, reivindicavam mais um dia para análise. Não houve adiamento. Na votação sobre o projeto a câmara decidiu por 270 contra e 14 pela aprovação. Essa foi a primeira vitória do projeto. No senado, o projeto enfrenta novas dificuldades. Senadores decidem introduzir alterações em cinco dos treze artigos do projeto. Na votação final, o projeto já com alterações foi aprovado por 76 votos a favor, nenhum contra. Faltava apenas a sanção da presidência da república para que o projeto se tornasse lei. Em 4 de junho de 2010, o presidente Lula sancionou a lei50. A Lei complementar 135 sancionada pela presidência teve seu conteúdo debatido e julgado no Supremo Tribunal Federal que em fevereiro de 2012 decidiu favoravelmente sobre os três pontos51: a constitucionalidade da lei; sua aplicabilidade ou não a partir da data vigente; e se condenações anteriores a aprovação da lei deixam inelegível o cidadão.

Saúde + 10. Projeto de Lei 321 Segundo a coordenação do Movimento Saúde+10, o objetivo é defender o Sistema Único de Saúde, por meio de projeto de lei de iniciativa popular e garantir 10% das receitas correntes brutas sejam destinadas para a saúde pública. Este projeto foi o primeiro a ser apresentado a comissão de legislação participativa diretamente. Nesse processo, a comissão ‘adota’ o projeto fazendo o papel que antes era de deputados. Segundo Coelho (2013), a comissão é um colegiado composto por deputados federais que ao contrário de outras comissões permanente, não tem suas atribuições vinculadas a campos temáticos específicos. O trajeto da iniciativa popular tem início após o veto parcial da presidenta Dilma Roussef ao texto da Lei Complementar 141 de 2012 em 13 de janeiro do mesm o ano. Dentre outros tópicos, a destinação de 10% das receitas correntes brutas da União para o sistema público de saúde foi desautorizada pela presidência da república. Diante desta medida, organizações sociais decidiram, numa reunião na sede do Conselho Federal de

Depois da sanção, as notícias sobre a ‘Lei da Ficha limpa’ se tornaram o assunto mais comentado no twitter mundial por dois dias consecutivos. 51 Para detalhes sobre a análise realizada pelo stf ver: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=200495 50

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Psicologia em Brasília, iniciar o chamado Movimento Nacional Em Defesa da Saúde Pública. Diversas entidades ligadas a área de saúde pública estiveram presentes nesta reunião, assim como centrais sindicais, associações de moradores, de estudantes o que indica que o movimento teve desde o início uma base bastante diversa de apoio 52. Esse caráter diverso é importante para compreender o processo no qual o Saúde+10 conseguiu alcançar o número necessário de assinaturas para que a iniciativa fosse aceita. Em informe publicado no dia 10 de abril de 2014 o movimento afirmava que além de ter alcançado a marca de 1.250.000 assinaturas coletadas, havia conseguido ampliar o número de entidades envolvidas na campanha para 70. O objetivo desta campanha era também o de conscientizar o máximo possível de cidadãos sobre a necessidade de um sistema único de saúde que garantisse atendimento justo e de qualidade para toda a sociedade. Isso lhe confere uma característica interessante pois busca, de forma semelhante ao PL 2710, a expansão dos serviços públicos, objetivando um modelo universal. Portanto, tanto a campanha quanto a iniciativa tem grande amplitude e tratam de tema de interesse de toda a população. Entretanto, o projeto ainda transita na câmara. No último despacho da mesa diretora, em 18 de junho de 2015 esta reforça o desarquivamento do projeto e afirma que o mesmo deve tramitar a partir do mesmo estágio em que se encontrava quando do arquivamento pela mesma mesa em 31 de janeiro de 2015. O pedido de desarqui vamento foi feito pela deputada Alice Portugal (PCdoB) em 10 de fevereiro de 2015 junto a outros projetos relacionados a temas de Saúde.

3. Considerações Finais

No Brasil os mecanismos de democracia direta surgem como consequência de lutas políticas que remontam ao início do período militar. O debate sobre a participação popular direta era uma questão em desenvolvimento quando com o início da ditadura, há um grande retrocesso. Dessa maneira, entre os anos 1964 e 1985 a luta pela participação

52

A lista completa das entidades presentes a reunião pode ser consultada no sítio http://www.assepe.org.br/mov_nac_defesa_sau_pub.htm ou através do Manifesto do movimento que está disponível na rede em format eletrônico. http://www.conass.org.br/pdf/Proposta%20de%20ementa%20projeto%20de%20lei%20de%20iniciativa%20pop ular%2014-03-2012%5B3%5D.pdf

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era também a luta por redemocratizar o país. A necessidade de romper com a ditadura acabou por criar a forma de luta por participação e consequentemente influenciou o formato de participação que surge mais adiante com a constituição. Dessa maneira, o que se vê na mobilização do MDB, o papel que este cumpre na luta política, principalmente após 1974 é o princípio de uma nova forma de fazer política que ganha força com a partir da volta ao pluripartidarismo e principalmente com a campanha nacional pelo direito de votar em eleições diretas para presidente da república. A derrota deste movimento em favor das diretas já! e a eleição indireta de Tancredo Neves não enfraquecem a luta pelo direito de participar. No governo de Sarney, toda essa trajetória ressurge e o processo constituinte é convocado pelo presidente com o objetivo de romper com o período militar. Esse rompimento se dá com forte influência da política que vinha sendo feita, através da participação de diversos atores na luta pela participação. O que ocorre na constituinte é um claro sinal de que a sociedade havia feito uma escolha pela participação. A aprovação do direito de apresentar emendas populares, a introdução de mecanismos de democracia direta e a previsão de um plebiscito sobre a forma de governo são consequência desse processo de luta política por maior capacidade de participar diretamente nos assuntos públicos. A apresentação de iniciativas populares ao legislativo após a aprovação da constituição de 1988 ajudam a perceber isso. Portanto, o que se vê no caso brasileiro é uma sequencia diferente da imaginada, onde a partir dos mecanismos institucionalizados a sociedade busca participar. O processo de luta pela capacidade de participar resultou num modelo no qual a prática se impõe antes da teoria e antes da norma. A forma de elaboração da constituição antecipa o futuro das MDD. Por fim, deve ser ressaltado que no Brasil, os mecanismos de democracia direta são bastante controlados, a iniciativa popular legislativa não possui garantias de que se torne lei, nem tampouco que seja apresentada a sociedade na forma de uma consulta popular. Referendo e plebiscito são mecanismos claramente de cima para baixo, podendo ser iniciados apenas pelo executivo ou legislativo. Dessa forma, não existe no Brasil nenhum mecanismo que permita a sociedade iniciar uma consulta popular.

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CAPÍTULO III. VENEZUELA 1. Apresentação

O período analisado neste capítulo compreende a ascensão de novas forças políticas na Venezuela cujo o ápice é a eleição presidencial de 1998 indo até 2014. Contudo, é interessante contextualizar este processo político e econômico do país. Segundo as análises de Margarita Lopez Maya a aliança civil-militar que se conhece hoje como ‘bolivarianismo’ ou ‘chavismo’ e que governa o país desde 1999 se desenvolve a partir dos anos 1970 num contexto socioeconômico recessivo caracterizado pelo esgotamento do modelo de substituição de importações (López Maya, 2003:74; 2009). Além disso, a partir do viés político, esse processo visava desmontar o chamado ‘Pacto de Punto Fijo’. Essa aliança que se consolidou após a eleição de 1998 tem na atuação de movimentos sociais como importante base de apoio. Avaliaremos o comportamento destes grupos durante o processo constituinte buscando compreender o posicionamento destes no debate sobre a introdução de mecanismos de democracia direta. Além disso, devemos observar o uso destes mecanismos após a aprovação da constituição em 15 de dezembro de 1999 por parte dos movimentos sociais. Para isso, será feita a análise dos referendos e iniciativas populares ocorridos a partir de 1999 para determinar se houve atuação de movimentos sociais no processo de convocação, divulgação e votação. É importante observar também a participação desses grupos em alianças que se mobilizaram durante os processos de consulta popular. Dessa maneira, busca-se determinar como movimentos de ação coletiva ao fazerem uso de mecanismos participativos institucionalizados influenciam

transformações

político/sociais. Assim será possível observar se há ou não empoderamento dos movimentos sociais a partir do introdução destes mecanismos. Busca-se ainda analisar se há ou não uso destes mecanismos por parte dos movimentos sociais venezuelanos. É importante determinar se os movimento sociais venezuelanos se fortaleceram ao longo desse período assim como compreender suas formas de participação e atuação. Além disso, é importante notar o relacionamento entre movimentos sociais e o Estado e a sociedade. Para Ellner (2006) essa relação tem 3 diferentes momentos durante o último século na Venezuela: no primeiro, há a primazia dos movimentos revolucionários de libertação nacional; o segundo, movimentos sociais atuando desde baixo e; o terceiro, baseado

88

numa relação entre ‘caudillo’ e classes populares. O primeiro momento data da fase anterior a redemocratização, em 1958, num momento de constante efervescência política no país, marcado pelos governos ditatoriais ou de eleição indireta pelo congresso de Cipriano Castro (1899-1908), Juan Vicente Gómez (1908-1913; 1922-1929; 1931-1935), Eleazar López Contreras (1935-1941), Isaías Medina Angarita (1941-1945), Rómulo Betancourt (1945-1948), Rómulo Gallegos (1948), Carlos Delgado Chalbaud (1948-1950), Germán Suárez Flamerich (1950-1952), Marco Pérez Jiménez (1952-1958). Em 1958 um novo golpe de Estado, inicia através de um governo composto por uma junta cívico-militar, a transição para o período de eleições diretas para presidente que vigora desde a eleição de Rómulo Betancourt em 1959. Nas palavras de Margarita López Maya: “En enero de 1958, cuando un golpe de Estado cívico-militar acaba con la dictadura militar de Marcos Pérez Jiménez, se inició en el país el siguiente período, cuando se desarrolla el proceso que cristaliza y consolida una democracia representativa de tipo liberal. En este régimen político, el poder popular se expresa, ya no en la calle y/o de modo espontáneo e informal, sino principalmente a través del sufragio universal, directo y secreto, que se vuelve a consagrar en la Constitución de 1961, donde los partidos políticos se asumen como mediadores casi exclusivos entre sociedad y Estado.” (López Maya, 2014:36)

O segundo, tem início com a restauração da democracia, e é marcado pela constituição de 1961 e a percepção nela contida de uma democracia baseada na participação eleitoral e em liberdades individuais. Nesse momento, os movimentos sociais se organizam independente do Estado através da formação de redes de trabalho informais. É nesse período que surgem por parte dos movimentos demandas por descentralização política e maior espaço participativo (Gárcia-Guadilla, 2003). Por fim, o terceiro período onde se nota o crescimento, consolidação e diversificação dos movimentos sociais. Num período de crise política, que se agudiza com o ‘Caracazo’ em 1989, há a percepção, por parte dos movimentos sociais, de que o Estado falha em reconhecer demandas da sociedade. Neste momento, a atuação dos movimentos se acentua e ganha novas características, principalmente após a formação da ‘Comisión Presidencial Para la Reforma del Estado’ (COPRE) em 1984 durante o governo de Jaime Lusinchi (Acción Democrática - AD). Nesse processo são apresentadas diversas propostas de emendas constitucionais pelos movimentos sociais e é aprovada, em 1988, a lei orgânica de descentralização, uma antiga demanda dos movimentos.

89

É útil contextualizar este processo político e econômico venezuelano, com o objetivo de tornar mais clara as análises feitas ao longo do trabalho. Para isso, deve-se introduzir elementos históricos que ajudem a estruturar a lógica deste processo. Portanto, esse capítulo se divide da seguinte maneira: num primeiro momento se desenvolve a construção de um quadro histórico sobre a participação popular e a atuação de movimentos sociais a partir da redemocratização, especialmente a partir da constituição de 1961, observando a atuação dos movimentos sociais durante este período, suas demandas, relação com o Estado e com a sociedade civil. O objetivo com isso é determinar se essa atuação tinha como bandeira a ampliação da democracia, no sentido de criar novos espaços participativos que fossem além da participação eleitoral readquirida com as eleições diretas para presidente em 1958. Esse período vai até o final da década de 70. A partir do início dos anos 80, com a democracia consolidada a atuação dos movimentos sociais se torna mais organizada, nesse período com convocação do COPRE, a mobilização por uma assembleia nacional constituinte, além de propostas constitucionais, se vê o crescimento e consolidação dos movimentos sociais tanto em organização quanto em diversificação de demandas. Nesse período a oposição as políticas neoliberais é o principal objetivo comum destes movimentos. Depois, observaremos o período a partir da vitória de Hugo Chávez em 1998 e a aprovação da constituição de 1999 no qual há a institucionalização dos movimentos sociais através de novas leis que visam garantir espaços participativos. E então, o período pós constituição, no qual se desenha um novo relacionamento entre Estado e organizações sociais. Nesse período surgem novas questões, dentre elas o surgimento de movimentos apoiados pelo governo chavista e questões relacionadas a cooptação e autonomia. Dessa maneira, buscaremos apresentar uma evolução histórica da participação popular na Venezuela.

Restruturação da democracia

A Venezuela possui uma das mais antigas democracias em toda a América do Sul, ao lado de Costa Rica e Colômbia. O regime democrático venezuelano começa a se reestruturar em janeiro de 1958 com a queda do regime ditatorial que governou o país entre 1948 a 1958. É através do golpe de Estado cívico militar de janeiro que chega ao fim o governo autoritário de Pérez Jiménez. O golpe de estado de 24 de novembro de 1948 foi um levante militar contra o presidente venezuelano democraticamente eleito Rómulo Gallegos, em seu lugar foi instalada

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uma junta militar encabeçada por Carlos Delgado Chalbaud, e também integrada pelo tenentecoronel Marcos Pérez Jiménez. Em 1950, após o assassinato de Chalbaud a junta militar nomeou novo presidente, Germán Suárez Flamerich. Com a convocação de novas eleições em 1952, Marcos Pérez Jiménez, sob acusações de fraude, declarou-se vencedor do pleito e deu início ao período ditatorial com seu governo que teria fim em 1958 através de novo golpe de estado perpetrado pelas forças armadas venezuelanas. Com o fim do regime de Marcos Pérez Jiménez tem início a reestruturação da democracia na Venezuela que culmina na Carta Constitucional de 1961. Esse processo começou a ser costurado no tratado de Puntofijo, cujo o objetivo foi reintegrar os grupos políticos, marginalizados durante o período ditatorial, ao sistema democrático representativo que germinava. Portanto, buscava trazer a cena política institucional os partidos políticos. Contudo, o Partido Comunista de Venezuela, importante ator na luta contra a ditadura militar foi excluído do Pacto de Puntofijo, tendo sido perseguido no período seguinte em função de sua permanência na ilegalidade. O chamado ‘Pacto de Punto Fijo’ se baseava na divisão da renda gerada pelo comércio petrolífero num sistema clientelista apoiado no bipartidarismo onde AD (Accion Democrática) e COPEI (Comitê de Política Organización Independiente Eleitoral) se alternavam no poder a partir de 1958 através de um acordo entre elites políticas (Hitner, 2012:46; Hellinger, 2003:27) que se consolidou na constituição de 1961 e que para Hellinger, tinha como objetivo impedir um novo golpe como o de 1948 (2003:29). O puntofijismo perdurou na Venezuela até o final do governo de Rafael Caldera, em 1999, quando, após a vitória de Hugo Chávez para presidência da república, e, a eleição de um novo congresso, o poder destes dois partidos foi reduzido, permitindo que novas forças atuassem na política institucional. Essa eleição permitiu que o ‘Movimiento V Republica’ de Hugo Chávez se tornasse o segundo maior partido nas duas casas legislativas venezuelanas. Contudo, a ascensão de Hugo Chávez ao poder na Venezuela demonstra que a democracia na Venezuela é, apesar de longeva, bastante tumultuada. Antes de ser eleito presidente, arriscou um golpe contra o governo de Carlos Andrés Pérez (1989-1993). Peréz vinha enfraquecido desde 1989 quando o país foi tomado por uma onda de manifestações contrárias a medidas econômicas que eram exigidas por organismos internacionais como forma de organizar as contas do Estado e recuperar a valorização da moeda nacional, bastante enfraquecida por quase uma década de inflação. O início dos anos 1980 na Venezuela representam uma guinada econômica na vida do país, assim como para boa parte dos países da América do Sul e que levou o país a uma crise econômica, com taxas de inflação a 40%, desemprego acima de 10% desde 1985 que levou o

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presidente Carlos Andrés Pérez a firmar um acordo com o FMI anunciado ao país em 16 de fevereiro de 1989. Diante desta crise, surgem as primeiras manifestações, que depois se tornaram violentas. Números oficiais confirmam a morte de 300 pessoas, especula-se, contudo, que 2000 pessoas morreram em confrontos com as forças do Estado e em disputas internas entre manifestantes entre os dias 27 e 28 de fevereiro de 1989, esse episódio ficou conhecido como “Caracazo”. A queda do preço do petróleo no início da década é um dos fatores que ajuda a compreender a economia venezuelana daquele período. O petróleo atingiu preços altos após duas crises de oferta desencadeadas por conflitos entre países da região do Golfo Pérsico, principal produtora de petróleo. Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela são membros fundadores da OPEP (organização dos países exportadores de petróleo). Portanto, num contexto onde durante a década de 1970 e início dos anos 80 a Venezuela era o único país membro da OPEP a não estar numa região de conflito armado permitiu que o petróleo fosse responsável por boa parte do PIB nacional. Isso se torna mais claro, pela nacionalização do petróleo e a criação da PDVSA (Petróleos de Venezuela S.A) em 1976. Nesse cenário, há a tentativa de golpe militar contra o governo de Carlos Andréz Pérez em 1992. Essa tentativa frustrada teve como líder o tenente-coronel do exército venezuelano, Hugo Chavéz Frias. Condenado por esse levante, Chavéz foi preso. Entretanto, ele e o ‘Movimento V República’ criaram uma nova plataforma política dentro da Venezuela, com propostas que iam de encontro aos anseios das camadas populares do país de melhores condições econômicas e contrárias as políticas neoliberais. Entretanto, apesar deste quadro de crise econômica, para López Maya e Lander (2011) uma das razões que explica a força do discurso sobre ‘democracia participativa e protagônica’ na sociedade venezuelana é o fato de o país, ao contrário de outros do cone sul, não vir de uma ditadura militar. Por essa razão, os autores concluem que as demandas por uma democracia mais profunda e integral estavam mais enraizadas na sociedade. A eleição de Chavéz em 1998 para a presidência da república esta ligada aos eventos ocorridos ao longo das décadas 1980-90. O ‘Caracazo’ foi uma mobilização social espontânea e que tinha como foco principal a crítica as políticas neoliberais levadas a cabo nestas décadas que resultaram numa situação econômica desfavorável, com uma forte inflação e desemprego. Foram apontados quatro episódios principais que influenciaram o pensamento sobre os mecanismos de democracia direta na Venezuela: em primeiro lugar a influência do

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Conselho Episcopal Latino Americano que ocorreu em 1968 na cidade colombiana de Medelín; depois a atuação dos jovens católicos do COPEI; o pensamento e ação de movimentos de esquerda venezuelana e suas bandeiras de descentralização e praticas participativas em governos locais e regionais com base num ideal de socialismo democrático; e o Comitê Presidencial Para Reforma do Estado-COPRE estabelecido pelo presidente Jaime Lusinchi.

CELAM e COPEI e o papel da Igreja Católica

Fundado em 1955, o Conselho Episcopal Latinoamericano – CELAM -Medelín 1968, exerceu forte influencia com ideias sobre a situação latino-americana no Concílio Vaticano II, quando recebeu do Papa Paulo VI a incumbência de preparar uma conferência na América Latina para disseminar os preceitos do concílio. Assim, em 1968, em Medelín, ocorre o encontro do II Conselho Episcopal Latinoamericano – CELAM, no qual grupos progressistas da igreja católica impulsionam a ideia de opção pelos pobres como uma forma de estabelecer uma luta política que visasse reduzir as desigualdades. Além dessa opção, A partir do II CELAM também ganham força dentro da estrutura da igreja o apoio a práticas participativas. Ambas as ideias influenciadas posteriormente pelo pensamento de Paulo Freire53 e da Teologia da Libertação, que defendia a opção pelos pobres e a participação como mecanismos de luta por justiça social. Esse pensamento progressista difundiu-se pela América latina Na Venezuela, ordens religiosas responsáveis por organizações de ensino como escolas e universidades católicas, jesuítas, beneditinos e lassalistas influenciaram a organização de ativistas sociais que foram responsáveis por disseminar a participação como método democrático junto aos setores pobres da sociedade. Essa metodologia participativa começa, em meados da década de 70, através da atuação das comunidades eclesiais de base, a ser parte da agenda de agremiações políticas, como o Partido da Esquerda Cristã, o próprio COPEI, além de influenciar jovens lideranças comunitárias que viriam no futuro a ser dirigentes de partidos políticos de esquerda como MAS, MIR e LCR (López Maya, 2009). O COPEI ao longo das décadas de 60 e 70 tem forte atuação no sentido de pensar políticas com base nas teses apresentadas no Concílio Vaticano II e no II CELAM. Dois grupos 53

Educador brasileiro, marxista defende no seu Pedagogia do Oprimido (1974. Ed. Paz e Terra) o papel fundamental da educação/escolarização na formação de consciência política. O papel do educador, seria o de conscientizar sobre a lógica opressora na qual estava inserida a América Latina, assumindo o papel de libertar do jugo opressor os oprimidos. É criador do Método de Alfabetização de Adultos, conhecido como ‘Método Paulo Freire’.

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se destacam na ‘juventude revolucionária copeyana (JRC) os Astronautas e os Avançados (Carnevali de Toro, 1992.). Os astronautas, mas próximos as ideias de esquerda, propunham teses antiliberais, contra o capitalismo. Buscavam uma reforma da propriedade privada com base no modelo solidário de comunidade ao mesmo tempo que rejeitavam a democracia representativa e buscavam um modelo alternativo com a participação todos. Pensavam, assim, a democracia como responsabilidade de todos, através da participação na organização da comunidade, num modelo de democracia comunitária.. Destes grupos, se destacam dois representantes, o primeiro, Luis Herrera Campíns e o outro, Rodolfo José Cárdenas, futuros presidente e ministro do país respectivamente. A discussão sobre o comunitarismo cristão como alternativa ao modelo de democracia liberal transcendeu o âmbito venezuelano. Em 1972 o comitê executivo da organização democrata crista da américa (ODCA) organizou em Caracas um seminário internacional intitulado “Hay que reinventar la democracia”. A apresentação de abertura feita por Herrera Campíns sob o título de “De la democracia representativa a la democracia participativa” (Herrera Campíns, 1976:23-39) Nesse processo intelectual, ele aponta diversos exemplos, Israel, EUA, Europa e América Latina. Para ele, a democracia participativa era distinta da representativa, e a aperfeiçoava. O pensando apresentado pelos textos democrata-cristãos continham um profundo rechaço ao pensamento liberal, afirmavam que a democracia liberal era uma falsificação da democracia, por ter sido desviada pelo dinheiro e o egoísmo na direção do individualismo e do totalitarismo. Através dessa nova forma de organização sugerida por Herrera Campíns, surgiria o ‘homem novo’, não aquele pensado pelos regimes autoritários, mas ao contrário, um homem criado na vanguarda entre o individualismo e o comunitarismo. Herrera Campíns Enfatizou que os democrata cristãos queriam converter as experiências participativas num novo modo de vida e de governo “a democracia participativa.” (López Maya, 2014:49.) E concluiu afirmando “que depois de quase dois séculos de democracia representativa o mundo necessitava de um sistema que a supere, aonde o seu significado seja a participação.” Na sua fala sugeriu que os ideais de democracia participativa deveriam ir sendo inseridos dentro da do modelo representativo, contudo ressaltando claramente que o objetivo final é substituir “a democracia representativa por uma democracia de participação” (Herrera Campíns 1976:39). O debate proposto pelos chamados ‘Astronautas’ não obteve maior visibilidade, em parte, pela prosperidade econômica da década de 1970 e pelo pragmatismo político do COPEI que junto a AD, entraram nessa época numa fase de burocratização que rechaçava o debate com

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outros grupos. Apenas nos anos 1980, quando o puntofijismo começa a ser questionado que as propostas participativas voltam a ganhar forma. O governo de Herrera Campíns (1979 – 1984) enfrentou o ‘viernes negro’ em 1983, que expos a crise econômica e o regime político resultando em protestos da sociedade por uma reforma de Estado (López Maya, 2009.). Em 1986, no congresso ideológico nacional organizado pelo COPEI (COPEI, 1987) os membros do partido avaliam que o país vivia uma crise institucional e que a saída seria através de uma nova democracia, baseada nas ideias do cristianismo comunitário, centrada na pessoa humana e não no indivíduo e que fosse solidária, autogestionária e comunitária. Assim, ocorre a aprovação do ‘Programa Político Básico de Largo Plazo’ onde se desenvolvem essas ideias e priorizam o princípio deliberativo como elemento chave da nova democracia. O programa do COPEI não pressupunha substituir a constituição de 1961 mas ‘melhora-la’ com algumas ideias, várias delas ligadas ao pensamento social-cristão. Dentre essas propostas, a percepção de que a participação através dos partidos era insuficiente e assim a necessidade de ampliá-la através da descentralização, garantindo espaços participativos/deliberativos nos municípios e regiões. Neste programa, se propõe a participação orgânica do cidadão através de sociedades intermediárias e em comunidades de base, associando assim, a ideia de participação a justiça social e buscando a transformação democrática da sociedade (COPEI 1987). Para López Maya, o discurso é muito parecido ao contido em documentos oficiais do primeiro governo Chávez, onde defendia-se que não apenas o Estado deveria ser democrático mas também a sociedade em todos os seus âmbitos (López Maya, 2014).

A esquerda marxista

Outro ator importante para a trajetória da democracia venezuelana, a esquerda tem ao longo da segunda metade do século XX dificuldades para conseguir se firmar na política institucional. Os dois principais partidos, o Partido Comunista Venezuelano, PCV, considerado mais radical e a Ação Democrática, AD, de perfil socialdemocrata. O primeiro, criado em 1931, somente conseguiu ser reconhecido como partido em 1945, enquanto a AD, fundada em 1941, participou do golpe e do governo militar de Rómulo Betancourt. Essas distintas origens dos que são os dois grandes partidos de esquerda venezuelana até os anos 90 ajudam a compreender a atuação de cada um com relação a democracia direta no país. Ambos os partidos se dividiram ao longo dos anos 60 e 70. O PCV deu origem ao MAS e a LCR enquanto da AD saíram o MIR e o MEP. Durante o Puntofijismo a AD se

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fortaleceu e passou a ocupar, junto ao COPEI, papel central no sistema político partidário venezuelano, num modelo no qual outros partidos, fora a URD, estavam completamente alijados do poder nacional. Ao contrário, o PCV, em 1962, inspirado pela revolução cubana, inicia o movimento de guerrilha. O MIR, criado em 1960 a partir de um racha na AD também optou pela luta armada. Esses grupos estavam, ao final dos anos 60 praticamente derrotados. O MAS surge nesse período, já sem perspectiva de luta armada, aposta na crítica ao marxismoleninismo e consegue chegar a ser no início dos anos 90 a terceira principal força política no país. Contudo, nenhuma força de esquerda teve capacidade de crescimento suficiente a ponto de incomodar a cômoda posição que ocuparam a AD e o COPEI. A esquerda venezuelana tem entre seus líderes alguns quadros que sofreram influência das ideias democratas-cristãs ao longo dos anos sessenta, principalmente através das comunidades eclesiais de base e atuação em comunidades locais. Aliado a isso, com a derrota da luta armada, o Partido Comunista Venezuelano (PCV) e o Movimento Esquerda Revolucionária (MIR) iniciam um processo de replanejamento de suas estruturas. Boa parte dos debates que surgem a partir disso, faziam criticas as características autoritárias dos partidos comunistas e a incapacidade da esquerda nacional de entender a realidade nacional (Petkoff, 1976). Esses grupos focavam os debates inicialmente num modelo marxista leninista de democracia direta, que foi se modificando em direção a uma nova ideia, que visava construir uma estrutura política alternativa a do partido comunista, que fosse mais plural e democrática internamente. Os partidos que surgem na década de 70 a partir de rachas do PCV, Movimento ao Socialismo (MAS) e A Causa Radical (LCR), tinham como proposta construir uma alternativa aos partidos comunistas. Esses partidos pensavam a necessidade de uma estrutura mais horizontal, plural e democrática nas suas práticas internas. Nesse sentido, a única forma de se alcançar um socialismo democrático é através da democracia intrapartidária com tolerância a distintas ideias e tendências. Contudo, essas organizações não pleiteavam a participação popular direta, como fizeram os grupos cristãos, como método de democratização. Entretanto, Petkoff (1976) um dos fundadores e ideólogos do MAS afirmou que o caminho para que o socialismo na Venezuela seja democrático é através do apoio sobre uma vastíssima rede de organismos de poder popular e que o autogoverno seria possível apenas através de um processo educativo e de socialização baseados em preceitos humanos que incorpore a diversidade e o pluralismo. Outro membro fundador da agremiação de esquerda, Alfredo Maneiro, concebia o MAS como uma organização que fosse um movimento de movimentos, com quadros partidários envolvidos nas organizações socais, além de defender

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que os partidos tivessem estruturas flexíveis, capazes de permitir a dinâmica de movimentos sociais (Ellner, 1988. López Maya, 1995). A LCR, por outro lado, apoiou nas cidades e regiões que governou ao longo da década de 1990 algumas modalidades participativas que viriam a ser contempladas na CRBV. Assembleias locais e consórcios sociais são antecedentes diretos das políticas participativas adotadas depois de 1999. Segundo López Maya (2014:51), diversas lideranças e ativistas envolvidos nas gestões da LCR foram eleitos para a assembleia constituinte e influenciaram na redação dos artigos sobre participação popular da CRBV. O debate feito pela esquerda, ao contrário do produzido pelo COPEI, não teve, na Venezuela, uma influência teórica tão forte no conceito de participação. Sua influência esta mais relacionada a atuação durante a luta armada onde o PCV e o MIR envolveram-se com grupos sociais tradicionalmente excluídos da participação formal da democracia representativa venezuelana. Essa relação resultou na percepção de que era necessário trazer esses grupos para dentro do debate político. Para isso, seria necessário uma nova cultura, mais radical na luta pela libertação destes grupos e com um viés auto organizativo (Denis, 2006).

COPRE e a proposta de reforma do Estado

Em 1984, no início do governo de Jaime Lusinchi a discussão sobre os rumos da democracia no país se ampliava, setores da esquerda e grupos democrata-cristãos buscavam formas de implementar um modelo participativo no país. Durante a campanha eleitoral, Lusinchi havia prometido um novo pacto social como uma forma de responder a esses anseios que ganharam corpo na sociedade ao longo das duas décadas anteriores. Assim, em dezembro 1984, o presidente recém eleito convoca a Comissão Presidencial de Reforma do Estado (COPRE) com o objetivo de buscar maneiras de terminar a crise econômica e aprofundar a democracia (Calcaño e López Maya, 1990). Esta comissão, composta por diversos setores da sociedade, trabalha com uma proposta pluralista na qual diversas visões orientaram o processo o que resultou num apanhado de ideias que pensavam os principais problemas da democracia venezuelana e um conjunto de propostas de propostas de mudanças (López Maya, 2009). Dentre os principais problemas encontrados, a legitimidade da democracia no país e sua incapacidade de criar uma sociedade mais justa e igualitária. Outro, era a concentração de poder político nas mãos de partidos e o monopólio da representação e da participação política

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(Combellas, 1985). Além disso, a concentração de recursos na esfera federal, no poder executivo, através principalmente de PDVSA e do conglomerado estatal Corporação Venezuelana de Guayana (CVG), grandes empregadoras e geradoras de renda que através da atuação em regiões específicas, desenvolviam desigualmente o país. Essa preponderância do executivo nacional aliado ao fortalecimento de regiões sobre outras cria uma dinâmica socioeconômica que reduzia a capacidade de atuação de outros atores políticos regionais (Calcaño e López Maya, 1990). Em maio de 1986, os membros da COPRE apresentam os pontos nos quais haviam unanimidade ou o mais próximo possível entre eles e outros atores sociopolíticos. Os principais são: descentralização do poder e participação cidadã da sociedade civil com o objetivo de aprofundar a democratização no país (COPRE, 1986). Dentre os mecanismos para se alcançar esses objetivos, vale destacar o reconhecimento de municípios como unidades autônomas com prefeitos e governadores, eleitos num processo de sufrágio universal, com voto secreto, a adoção do modelo uninominal para eleições municipais e uninominal com lista para eleições legislativas locais e nacionais e por fim, propunha-se a necessidade de se incorporar mecanismos de democracia de consulta direta como referendos, ‘cabildos abiertos’ (reuniões locais abertas), participação de organizações civis nas gestões locais e o revogatório de mandato a nível local (COPRE, 1986. Rachadell, 1998. López Maya, 2009. García-Guadilla e Roa Carrero, 1997.). Ao final do processo, as sugestões apresentadas pela comissão enfrentaram oposição de diferentes grupos, entre eles, a AD do presidente Lusinchi, e do próprio presidente. Entretanto, algumas foram introduzidas, como por exemplo a eleição direta para governador. Partidos de esquerda, MAS (Ellner, 1988) e LCR (López Maya, 1995) principalmente, conseguiram assim, alcançar pela primeira vez vitórias em várias cidades e regiões. Após as eleições que deram a vitória presidencial a Carlos Andrés Pérez, da AD, pressionado pelos grupos de esquerda, que se beneficiaram com as reformas políticas, o congresso convoca uma reforma constitucional. Com a vitória de Hugo Chávez nas eleições de 1998, o novo presidente e seus partidários decidem convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, a fim de responder entre outras coisas, às demandas de participação da sociedade, respeitando assim a agenda apresentada durante a campanha eleitoral, bem como a estruturar um novo modelo de organização política com o objetivo de enterrar o sistema bipartidário que estava em vigor no âmbito do acordo de ‘puntofijo’, incapaz de produzir uma resposta as demandas e preocupações sociedade. Assim, o Polo Patriótico uniu‐se em torno do apoio necessário para

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a convocação da Assembleia. Dessa maneira, o presidente eleito contando com suporte político de partidos e movimentos sociais e então, baseado no artigo 181 da Constituição nacional de 1961, convocou o referendo com poder para determinar se seria constituída ou não a ANC. Esse embasamento constitucional, aliado ao apoio da sociedade ajudou a desconstruir a crítica da oposição, liderada por AD e COPEI à convocação da Constituinte. Apesar da oposição, a Suprema Corte venezuelana decidiu a favor do referendo constitucional determinando a data de 15 de Fevereiro de 1999 para a realização da consulta. No entanto, ainda não confiante no apoio da maioria no Congresso, o presidente recém empossado decidiu convocar o referendo por decreto presidencial (decreto Nº 3, de 2 de fevereiro de 1999), não negociando apoio do congresso para seu projeto. Dessa maneira, a consulta popular sobre a aprovação da convocação da ANC na Venezuela foi realizada de cima para baixo, a partir do poder presidencial, por meio de um decreto e não baseado num acordo entre as diversas forças políticas envolvidas no assunto.

2. Uso e formalização de mecanismos de democracia direta 2.1

A Constituição Bolivariana

Segundo o argumento de que ao longo do final do século XX, com a chegada ao poder de governos de perfil anti-neoliberal e os processos constitucionais ocorridos um novo espaço se abriu para atores e lógicas de poder diferentes. O processo teria como ponto culminante a inclusão constitucional de mecanismos de democracia direta e participativa com o objetivo de empoderamento popular. Nesse sentido, segundo Garcia-Guadilla (2013) a Venezuela teria sido pioneira na institucionalização da democracia direta através da constituição bolivariana de 1999. Para a autora, a constituição responde a demandas de Organizações sociais da sociedade civil, que por décadas exigiam a descentralização do Estado e propunham uma maior participação da sociedade civil na condução do governo (Calcaño e López Maya, 1990; Gárcia-Guadilla e Roa, 1996; Gárcia-Guadilla, 2005; López Maya, 2005) ao incorporar mecanismos de democracia participativa e protagônica como por exemplo, referendo, revogatório de mandato, iniciativa popular mantendo, ainda, a estrutura da democracia representativa. Dessa maneira, a constituição consagra pela primeira vez na historia do país as identidades, direitos e valores da sociedade civil e movimentos populares transformando-os em

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participantes ativos na construção da vontade geral. 54 A institucionalização da democracia participativa protagônica mediante o uso de mecanismos de democracia direta em contextos altamente polarizados, como o venezuelano, impossibilitou a construção da Vontade Geral destacada pela constituição bolivariana exacerbando os conflitos sócio-políticos. Por essa razão o modelo bolivariano do socialismo no século xxi foi rechaçado pelos adversários políticos. Além disso, a debilidade do modelo de socialismo do século XXI se situa no poder que se concedeu ao executivo (Blanco, 2006.) que segundo Garcia-Guadilla (2013), afetou o exercício constitucional da democracia representativa e participativa. Por exemplo, nos conflitos entre o governo e a oposição em torno de temas constitucionais, a opinião do executivo tendeu a prevalecer (Márquez, 2004). A vontade do executivo também prevaleceu, em geral, sobre o legislativo e mecanismos de democracia direta recém introduzidos. Enfraquecendo o modelo de sociedade pluralista. O presidente Chávez ao longo de boa parte de seus mandatos, usufruiu de poderes especiais para governar, atuando através de decretos, aprovando, assim, diversas leis importantes, eliminando o debate plural. (López Maya e Lander, 2011.) Entretanto, estudos mais recentes sobre a democracia venezuelana demonstram que a participação de setores populares é alta. (Garcia-Guadilla, 2009, 2011, 2013. Goldfrank, 2008. Ellner, 2008. Hawkins, 2010. Buxton, 2011. Smilde, 2011). Uma das razões para este fenômeno é a identificação que se gerou entre esses setores da sociedade e o governo a partir do aumento da participação, através das políticas introduzidas, principalmente os mecanismos de democracia direta, na constituição bolivariana (Ellner, 2011). Além da identificação de setores populares com essas propostas participativas e atuação junto a organizações sociais (círculos bolivarianos, mesas técnicas de participação, comitês de terra urbana, conselho comunal, comunas.) que são parte do Projeto Revolucionário Bolivariano personificado por Hugo Chávez.

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Como construir uma ordem política e social com base nas vontades individuais? Segundo Manin (1985), essa é a uma das perguntas que o pensamento democrático moderno busca respostas desde suas origens. A dificuldade em encontrar uma resposta é explicada pelo fato de se basearem em princípios do liberalismo individualista. Assim, não se preocupa apenas com a legitimidade política mas também com a eficácia. Dessa maneira, o princípio da decisão (majoritária) se impõe sobre o princípio da legitimidade (unanimidade).

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Tabela 7. Referendos ocorridos, Venezuela, 1950-2015

Década 1950-1959 1960-1969 1979-1979 1980-1989 1990-1999 2000-2009 2010-2015 Subtotal Total

Referendo obrigatório Sim Não 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 2 0 0 2 2

Referendo opcional Sim Não 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0

Governamental

4

1

3

Sim 0 0 0 0 2 1 0 3

Não 0 0 0 0 0 0 0 0

Revocatório Sim 0 0 0 0 0 0 0 0

Não 0 0 0 0 0 1 0 1 1

Total 1 0 0 0 3 5 0 9

Fonte: elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

Ao observar as informações apresentadas na tabela acima, percebe-se que os mecanismos de democracia direta introduzidos na Venezuela no fim da década de 1990 podem ter sido utilizados como forma de obtenção de apoio ao governo do presidente Hugo Chávez, onde este tentaria estabelecer uma ligação direta entre o governo e a população, através da figura de liderança carismática, se sobrepondo a estrutura clássica do sistema representativo, onde o congresso e partidos políticos devem servir como mediadores dessa relação55. No entanto, é importante observar outros elementos para determinar a veracidade desta questão. Uma vez que, apesar da maioria das consultas populares terem sido convocadas de cima para baixo, houve a convocação do referendo revogatório através da coleta de assinaturas, seguindo o rito exigido para a aprovação do Conselho Nacional Eleitoral. Além disso, manteve‐se em funcionamento o sistema eleitoral representativo, respeitando‐se a periodicidade das eleições, a competição partidária, as coligações governamentais e a liberdade de organização sindical. Não há decisão antidemocrática pelo governo, o que descarta a possibilidade de classificá‐lo como autoritário. Contudo, sem dúvida é necessário atentar para problemas, como por exemplo a cooptação por partidos políticos e governo e dependência de financiamento estatal a que fica sujeito o processo de consulta popular. Essa situação acaba por reproduzir práticas populistas e neo-clientelistas, principalmente em épocas eleitorais (Álvarez e Gárcia-Guadilla, 2011.) A 55

Em regimes autoritários, consultas populares que visassem estabelecer esta conexão direta eram qualificados como populistas. Entretanto, essa discussão sobre o populismo não deve observar apenas a aproximação direta do líder com a sociedade, deve, ao contrário, analisar o processo de identidade coletiva no qual o líder é parte e não o controlador (Laclau, 2013).

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participação também serviu para excluir organizações não alinhadas ideologicamente com o governo. O caso venezuelano contribui para a análise sobre como a institucionalização de mecanismos de democracia direta nos níveis que transcendem o espaço comum esta sendo minada pela polarização derivada de um novo projeto hegemônico de Estado que gerou altos níveis de conflito e que acabou obstaculizado a construção da vontade geral. Num efeito centrífugo, as organizações sociais venezuelanas se alinharam a favor ou contra o projeto bolivariano, dificultando a construção de objetivos coletivos e transformando interesses de classes em interesses públicos.

2.2

Referendos sobre a constituição

Ocorrido em 25 de abril de 1999, o plebiscito sobre a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, foi a primeira consulta popular depois da eleição de 1998 na qual Chávez foi eleito presidente da república. Ficou conhecido como Referendo Consultivo em função do seu formato não vinculante. Foi convocado pela presidência da república com o objetivo de cumprir com uma das promessas de campanha, a de convocar a ANC, e também de iniciar um processo transformação que não era apenas institucional mas da percepção sobre o papel da sociedade na democracia protagônica. Dessa forma, o governo buscou na sociedade apoio a proposta antes de convocar a consulta. Para isso, coletou mesmo antes da posse de Chávez entre 9 de janeiro de 1999 e 15 de fevereiro de 1999, 3.500.000 assinaturas em campanha coordenada pelo Movimento V República - MVR e pelo próprio presidente eleito. Por decisão do governo, foram apresentadas duas perguntas no plebiscito organizado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). A primeira: Você deseja convocar uma Assembleia Nacional Constituinte com o propósito de transformar o Estado e criar um novo ordenamento jurídico que permita o funcionamento efetivo de uma Democracia Social e Participativa? E a segunda: Você esta de acordo com as bases propostas pelo Executivo Nacional para a convocatória da ANC?

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Tabela 8: Referendo de convocatória da ANC56, Venezuela, 1999

Eleitorado total Total de votos Participação Abstenção Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem contra Resultado

Funcionamento Democracia Participativa 11.022.031 4.129.547 37,47% 62,53% 198.648 3.930.899 3.630.666 92,36% 300.233 7,64% Aprovado

Convocatória da ANC 11.022.031 4.119.396 37,37% 62,63% 209.689 3.909.707 3.338.075 86,5% 3527.632 13,5% Aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

Com baixo número de votos contrários a proposta do governo, a consulta popular serviu como forma de reafirmar o apoio dado nas eleições presidenciais ocorridas. A proposta de transformar o Estado teve mais apoio, inclusive, que a convocação da ANC. Dessa forma, o resultado mostra a sociedade em sintonia com a proposta do executivo. Pelo seu formato não vinculante, essa consulta foi recebida pelo governo como uma autorização e confiança no projeto vindouro. A consulta popular que se apresenta a seguir, já era prevista na constituição anterior. Essa exigência constitucional para mudança de constituição determinava que fosse referendada a proposta constitucional apresentada pela ANC, assim em 15 de dezembro de 1999 ocorreu a consulta popular. Ao contrário do anterior, este foi um referendo constitucional mandatório. A ANC teve ao todo seis meses para desenvolver o projeto a ser apresentado, entretanto, em três o trabalho estava pronto. Essa agilidade teve como estímulo para sua celieridade o pedido feito por Chávez que desejava que a proposta fosse apresentada a população num referendo ainda em 1999. O CNE foi responsável pela organização do processo sem nenhuma alteração com relação ao anterior. Como tratava da aprovação de uma nova constituição, este referendo tocava em diversos pontos importantes, os principais: Alterar o nome oficial de República de Venezuela para República Bolivariana de Venezuela; alterar a duração do mandato presidencial de 4 para 5 anos com a possibilidade de uma reeleição ; Parlamento unicameral – com a abolição do Senado; Estatização da indústria petrolífera nacional; Reconhecimento dos direitos dos povos

56

Todos os quadros apresentados sobre as consultas populares na Venezuela tem como base de cálculo dos votos a favor e contra os votos válidos.

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indígenas; e regulamentação dos mecanismos de convocação de consulta popular (art. 73; 74; 339-346) Pelos pontos destacados é possível ver que a ANC propunha de fato uma profunda transformação da sociedade, desde o nome até a regulamentação dos MDD e a abolição do senado. O objetivo era de fato, romper com a tradição de domínio das elites partidários do COPEI e AD que controlaram a política no país por boa parte do período do ‘pacto de punto fijo’. Para esse grupo, principal oposição a proposta e ao governo, esse rompimento somado ao apoio popular que Chávez vinha amealhando desde sua tentativa de golpe militar junto as camadas populares do país, resultaria num processo de exclusão política de demorada reversão. Esse seria o primeiro embate eleitoral pós 1998 entre as novas forças políticas de cunho progressistas, agora maioria no governo, e os líderes até então, controladores do Estado venezuelano. A seguinte pergunta foi apresentada a sociedade: você aprova o projeto de constituição elaborado pela ANC?

Tabela 9: Referendo, Proposta constitucional ,Venezuela, 1999

Eleitorado total Total de votos Participação Abstenção Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem contra Resultado

Aprovação da proposta de constituição da ANC 10.940.596 4.819.056 44.05% 55,95% 219.476 4.599.580 3.301.475 71,78% 1.298.105 28,22% Aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

2.3

Consultas populares

Em 12 de março de 2000, o parlamento convocou nova consulta popular com total apoio da presidência da república. A reforma do sistema sindical era um desejo declaro de Chávez desde antes das eleições de 1998. No livro ‘Habla el Comandante’, narrado em 1998, o então tenente coronel e candidato a presidente afirmava que nunca nada havia sido feito para

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desmontar a Confederação de Trabalhadores de Venezuela -CTV a principal central sindical do país que juntamente a federação patronal, Fedecámaras57 controlava grande parte das empresas e sindicatos no país. Para ele, apenas a convocação de uma ANC poderia criar os mecanismos para reverter o controle da CTV. Dessa forma, a pergunta apresentada pelo parlamento foi: Você esta de acordo com a renovação da diretoria sindical, nos próximos 180 dias com base no Estatuto elaborado pelo Poder Eleitoral, em conformidade com os princípios de alternabilidade e eleição universal, direta e secreta, consagrados no artigo 95 da Constituição Bolivariana da Venezuela, e que se suspendam durante esse lapso de suas funções os dirigentes das Centrais, Federações e Confederações Sindicais estabelecidas no país?

Tabela 10: Referendo Consultivo, suspenção de lideranças sindicais, Venezuela, 2000 Eleitorado total Total de votos Participação Abstenção Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem contra Resultado

Suspenção de lideranças sindicais 11.202.214 2.632.523 23,5% 76, 5% 280.002 2.352.521 1.632.750 69,4% 719.771 30,60% Aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

Apesar do aparente apoio popular recebido neste referendo consultivo, representados nos quase 70% de votos a favor, os resultados indiretos foram bastante mais complexos. Primeiro pelo alto índice de abstenção, 76,5% dos eleitores não participaram desta consulta. Além disso, este referendo e seu resultado foram de encontro ao controle que as principais empresas venezuelanas tinham sobre os sindicatos. O que ocorre em primeiro instante após essa consulta, é um rearranjo entre as forças oposicionistas que tendo a frente a Fedecámaras, iniciou um processo de convocação para marchas e protestos contra o governo, principalmente em Caracas. O resultado desses protestos, foi o ataque ao Palácio Miraflores, sede do governo, em 11 de abril de 2002, aonde estavam concentrados diversos simpatizantes do presidente. O confronto entre esses dois grupos deixou um triste saldo de mortos e feridos. No dia seguinte, 57

Federação de Câmaras e Associacoes de Comércio e Produção de Venezuela

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militares contrários ao governo invadiram Miraflores e sequestraram o presidente da república. Enquanto isso, o presidente da Fedecámaras era empossado presidente da república pelo congresso, com base na afirmação de que havia um vazio de poder, frente a afirmação de militares de que Chávez havia assinado sua renúncia. O próprio tribunal superior de justiça venezuelano emitiu sentença nesse sentido. O presidente Chávez permaneceu incomunicável por dois dias durante os quais as ruas do país, mas principalmente a capital, Caracas, foram tomadas pela população, contrários ao golpe, exigiam o retorno do presidente. Diante desse impasse, militares legalistas libertaram Chávez em 14 de abril. A sentença proferida pelo TSJ foi anulada58. Esse episódio de golpe sem sucesso, é a primeira tentativa de remover o presidente. A segunda, já baseada nos mecanismos de democracia direta introduzidos na constituição, resultou no referendo revocatório de 2004. Em outubro de 2003 teve início na Venezuela uma campanha para coleta de assinaturas em apoio a convocação de uma consulta popular pela revogação do mandato presidencial de Hugo Chávez. Até agosto de 2004 a organização ‘Coordinadora Democrática’ – aglutinadora de diversas entidades civil, ongs e de partidos políticos de oposição, liderada pela Fedecámaras, afirma ter recolhido 3.400.000 assinaturas de apoio a iniciativa popular. Entretanto, o CNE reconheceu apenas 2.400.000. Número bastante expressivo, em torno de 17% do eleitorado total do país no momento. Após uma violenta campanha de ambos os lados, em 15 de agosto de 2004 o CNE apresentou a seguinte pergunta aos venezuelanos: Você esta de acordo com deixar sem efeito o mandato popular outorgado mediante eleições democráticas e legítimas ao cidadão Hugo Rafael Chávez Frías como presidente da República Bolivariana da Venezuela para o atual período presidencial? 1) Não. 2) Sim.

O documentário: ‘Venezuela - Anatomia de um golpe de Estado’ é uma fonte rica de detalhes sobre esse episódio. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=tFWfO5pnK0I 58

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Tabela 11: Iniciativa Popular, Revocatória do mandato presidencial, Venezuela, 2004 Eleitorado total Total de votos Participação Abstenção Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem contra Resultado

Revocatória do mandato presidencial 14.027.607 9.815.631 69,97% 30,03% 25.994 9.989.008 3.989.008 40,75% 5.800.629 59,25% Rejeitado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

A sociedade votou em favor da manutenção do mandato presidencial, com praticamente 60% dos votos válidos, rejeitando a proposta apresentada na consulta popular, ficou mantido no poder o presidente da república. Dois anos depois desta consulta, o próprio Chávez se candidataria novamente ao cargo. Após a vitória nas eleições de 2006 que conduziu Chávez para o seu segundo mandato como presidente da república após derrotar o candidato opositor, Manuel Rosales, obtendo 62% dos votos válidos. O presidente decidiu iniciar um processo de reforma constitucional para alterar sessenta e nove artigos da constituição. Para isso, é necessário por lei a convocação de um referendo constitucional mandatório. Assim, após a redação da proposta pela Assembleia Nacional, o referendo foi convocado para 12 de fevereiro de 2007, data em o projeto foi apresentado a população em dois blocos. Com as seguintes perguntas: As principais questões formuladas na proposta de reforma buscavam alterar entre outros, os seguintes pontos: Você aprova o projeto de Reforma Constitucional com seus Títulos, Capítulos, Disposições Transitórias, Definitivas e Final; apresentados em dois blocos pela Assembleia Nacional, com a participação do povo e com base na iniciativa do Presidente Hugo Chávez?

Bloco A. 1) Redução da idade mínima para voto de 18 para 16; 2) Redução da jornada de trabalho de 8 para 6 horas; 3) Proibição de monopólios; 4) Poder Popular como a 5a autoridade do Estado; 5) Possibilidade de reeleição ilimitada para presidente da república; 6) Sistema econômico socialista; 7) aumento do mandato presidencial de 6 para 7 anos; 8) Controle sobre as reservas nacionais e Banco Central

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Bloco B. 1) aumentar a exigência mínima de assinaturas para convocação de revocatória de mandato; 2) Destituição de juízes da suprema corte por maioria parlamentar simples; 3) Poderes especiais para o presidente em situações de emergência

Tabela 12: Referendo, reforma constitucional, Venezuela, 2007

Eleitorado total Total de votos Participação Abstenção Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem contra Resultado

Bloco A

Bloco B

16.109.664 9.045.275 56,15% 43,85% 119.155 8.926.120 4.404.626 49,35% 4.521.494 50,65% Rejeitado

16.109.664 9.044.960 56,15% 43,85% 145.239 8.899.721 4.360.014 48,99% 4.539.707 51.01% Rejeitado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

Essa consulta popular tem relação com os eventos ocorridos na Venezuela desde o golpe de 2002 e o referendo revocatório de mandato de 2004. Sua convocação com forte participação da presidência da república era uma forma de buscar não somente se perpetuar no poder, mas de garantir que através de sua liderança carismática e forte vínculo popular, a continuidade do projeto de democracia protagônica. A derrota do projeto, por uma margem bastante apertada, menos de 1%, colocou fim a essa intenção. Contudo, essa negativa foi vista, não como definitiva, uma vez que o tema voltou a ser apresentado ao país no referendo de 2009. O último referendo ocorrido na Venezuela foi uma nova proposta de reforma constitucional e portanto, mandatória a consulta popular e ocorreu em 15 de fevereiro de 2009, dois anos após a ultima tentativa de mudança constitucional. Nessa proposta de alteração, era reapresentada a questão da reeleição ilimitada para governador, prefeito, presidente, deputado e vereador. O projeto foi apresentado no parlamento pelo partido do presidente e com o apoio de 146 dos 167 deputados em 10 de dezembro de 2008. Além disso, foram coletadas 6.668.984 assinaturas, apresentadas ao CNE em apoio ao projeto em 15 de janeiro de 2009. Pergunta: Você aprova a emenda dos artigos 160, 162, 174, 192 e 230 da constituição da República, tramitada pela Assembleia Nacional, que amplia os direitos políticos do povo, com o objetivo de permitir que qualquer cidadão ou cidadã em exercício de um cargo de eleição popular, possa ser candidato para o mesmo cargo, pelo tempo estabelecido

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constitucionalmente, dependendo sua eleição, exclusivamente do voto popular?

Tabela 13: Referendo, reforma constitucional, Venezuela, 2009 Reeleição ilimitada em todas as esferas nacionais Eleitorado total Total de votos Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem contra Resultado

11.724.224 206.582 11.517.642 6.319.636 54,87% 5.198.636 45,13% Aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

Esse referendo, assim como o anterior foi muito criticados por diversos setores do país e internacionalmente. O ponto que causava maior desconforto era a inclusão da reeleição ilimitada para cargos executivos. Entretanto, ao contrário do primeiro, o governo conseguiu dessa vez com uma vantagem de 5% dos votos aprovar o controverso ponto da reeleição. Mais uma vez a atuação do presidente da república neste referendo, além de um constrangimento, uma vez que a alteração da lei beneficiária seu interesse de permanecer disputando o cargo, oferece elementos para a crítica cada vez mais acentuada sobre o personalismo.

3.

Considerações finais

A chamada a partir de cima, significa que o início de uma consulta popular é baseada no poder executivo ou do legislativo, neste caso, estas instituições tradicionais do sistema representativo decidem sobre se deve ou não haver a convocação de um referendo sobre um determinado tema. Em vez disso, há a convocação de baixo para cima, onde a sociedade civil tem os meios para iniciar e sinal uma petição de iniciativa (Serdult e Welp, 2012; Papadopoulos, 1995). Ainda de acordo com a mesma tabela, é possível ver que apenas um referendo foi convocado de baixo para cima na Venezuela. Dos 8 referendos realizados no país entre 1990 e 2013, sete foram iniciados ou pelo governo ou por obrigação constitucional. Somente a consulta sobre revogação de mandato teve início com base na coleta de assinaturas.

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Dessa forma, apesar do apoio em torno do governo por parte de movimentos sociais e de diversos outros atores que compunham o governo cívico militar de Hugo Chávez, o papel destes na convocação é de apoio ao governo, mas não de controle dos mecanismos. Essa característica ajuda a compreender o motivo pelo qual Breuer (2009), por exemplo, classifica Chávez como um neopopulista. Ao analisar as causas de referendos facultativos iniciados pelo poder executivo, a autora afirma ser difícil compreender o motivo pelo qual isso acontece, uma vez que exige das elites políticas que abram mão de sua prerrogativa de decidir para compartir a decisão com a sociedade. É mais simples, entender a razão pela qual o cidadão participa do processo decisório quando lhe é facultado a possibilidade. Chávez adotou desde o primeiro referendo de seu governo, convocado para questionar sobre o interesse em eleger uma Assembleia Nacional Constituinte, o estilo de cima para baixo como forma de compartilhar com a população o poder decisório. Ao fazer isso, passava também ao largo do legislativo, poder com o qual, apesar de ter maioria, mantinha relações difíceis. Apesar de ter sido eleito em 1998, eleito após a aprovação da constituição, em 2000 e reeleito em 2006, o partido de Chávez MVR e seu principal apoiador, o MAS, nunca conseguiram alcançar mais que 60% do legislativo. Dessa forma, o legislativo, bicameral no início e depois da nova constituição, unicameral, e a CTV eram as duas principais instituições de oposição a proposta de revolução bolivariana em busca da democracia protagônica. Dessa forma, fica evidente que além do objetivo de trazer novos atores sociais para o processo decisório, a utilização de mecanismos de democracia direta, de cima para baixo, neste caso, tinha também a intenção de, baseado no apoio obtido em eleições e consultas populares, estabelecer um canal direto entre o presidente e a população. Esse canal serviria para, em casos de temas de aprovação difícil no legislativo, passar por cima do debate entre os partidos. Essa avaliação ajuda a compreender a acentuação dos conflitos sociais que eclodiram na Venezuela durante a década de 2000.

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CAPÍTULO IV. BOLIVIA 1. Apresentação

Aqui observaremos algumas características de como ocorreu a introdução e o uso de mecanismos de democracia direta pela sociedade boliviana durante o período compreendido entre os anos de 2003 e 2015. O objetivo é apresentar alguns elementos que ajudem a compreender o papel que estes mecanismos representam junto a sociedade boliviana. No período entre 2000 e 2005 o país viveu um ciclo de lutas que não é único e que deve ser compreendido numa lógica de continuidade na qual organizações sociais atuam, desde o período colonial de forma a lutar por transformações utilizando repertórios da ação coletiva. O período observado neste primeiro momento, compreende a crise da água em 2000, a crise do gás em 2003 e a eleição de Evo Morales como inicio meio e fim de um processo no qual movimentos sociais se rebelaram contra medidas tomadas pelo Estado, particularmente a privatização da água, a venda de derivados de hidrocarbonetos e a candidatura e vitória de um líder cocalero com o apoio de diversos setores sociais e sindicais. Essa conjuntura permitiu que estes atores sociais atuassem num modelo de cidadania de luta, no qual a prática de participação direta se antecipa a normatização dos mecanismos de democracia direta. Para compreender esse período, é necessário uma breve caracterização do conflito social que separa o país em duas regiões. Os departamentos conhecidos como ‘media luna’, de um lado e os departamentos com maior influência da cultura indígena, de outro, representando o restante do país. Essa separação tem raízes históricas e forte viés econômico e social e fica mais clara com a acentuação do conflito chamado aqui de crise do gás, que coloca em evidência o conflito entre a população tradicional, de origem indígena e os grupos médios, dos grandes centros. Portanto, este momento histórico na história boliviana recente permitiu que grupos menos favorecidos e excluídos atuassem energicamente com o objetivo de vetar o prosseguimento de políticas neoliberais julgadas prejudiciais aos objetivos nacionais. Parte de suas demandas estava ligada a necessidade de aumento da participação política institucional dos povos tradicionais assim como rompimento com uma política internacional de satisfação de interesses estrangeiros extremamente desfavorável as demandas destes grupos.

111

Diante desta situação, organizações sociais exerceram através de greves, bloqueios a estradas e paralisações em diversas regiões, enorme influência na transformação ocorrida, o MAS, Movimento ao Socialismo, foi alavancado a cena política institucional, tendo desempenhado papel de destaque na pressão sobre o então presidente, Sanchez de Lozada, contribuindo para a sua queda e ainda negociando a convocação do referendo sobre os hidrocarbonetos. A composição desta agremiação política tem por base a população indígena e suas demandas. Assim, observaremos a emergência à política institucional do movimento social boliviano, assim como a guinada à democracia direta realizada após a criação da Lei do Referendo. Esta guinada é compreendida a partir de alguns eventos: a queda de Sanchez de Lozada; a Lei do Referendo; a consulta popular sobre os hidrocarbonetos; a iniciativa popular por autonomia departamental e; o referendo iniciado pela presidência da república, questionando sobre a revogação dos mandatos executivos conquistados nas eleições de dezembro de 2005. Além disso, deve ser ressaltada a elaboração da constituição que revogou a Lei do Referendo, criada por decreto presidencial, estabelecendo os mecanismos de democracia direta que, segundo a proposta exposta no texto constitucional, devem atuar de forma complementar as instâncias representativas na gestão do estado boliviano, estabelecendo mecanismos de fiscalização popular aos mandatos dos representantes, assim como ofertando a possibilidade de proposição de leis via iniciativa popular. Estas iniciativas devem apenas obedecer aos critérios de assinaturas de apoio a convocação do referendo por 10% da população. O texto constitucional foi levado a consulta popular, sendo aprovado por 61% dos eleitores.

A crise do Gás

Em Julho de 2004, o presidente Carlos Mesa convocou um referendo para decidir sobre a questão do gás produzido na Bolívia. Um tema delicado, envolvendo diversos interesses econômicos e políticos e elites tradicionais do país. A construção desta consulta popular é bastante interessante pois envolve a queda de um presidente, Sanchez de Lozada, a ascensão de seu vice e a forte pressão exercida pelos movimentos sociais. A crise política enfrentada pelo segundo governo de Lozada teve início em outubro de 2003 com mobilizações de grupos indígenas, campesinos e sindicatos que

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resultaram num movimento contra o presidente em função de sua política de exportação gás a taxas baixas para os Estados Unidos da América e México, além das negociações para exportação via Chile. É interessante dizer, que nessa época, apenas 1% do gás produzido na Bolívia era utilizado pela população. Esse movimento, após conseguir apoio e aprovação da câmara dos deputados, mas não do senado, se organizou com o objetivo de convocar um referendo sobre o uso e exploração dos hidrocarbonetos em solo boliviano. E, acrescentaram as suas demandas uma assembleia nacional constituinte. Este episódio foi marcado por disputas violentas em La Paz, resultando na morte de 59 pessoas e diversos feridos. Diante desta situação o vice presidente, Carlos Mesa decidiu romper com a gestão do Presidente Lozada, contudo, sem entregar seu cargo. Dessa forma, a crise política iniciada pelo confronto entre o governo e movimentos sociais se tornou uma crise de governo, onde os partidos que apoiavam o presidente decidiram por manter o apoio a seu governo neoliberal enquanto o vice-presidente decidia buscar suporte nos movimentos sociais. Neste momento, as exigências estabelecidas inicialmente, foi acrescida uma nova demanda: a demissão do presidente. Uma nova rodada de negociações na política boliviana aconteceu até que o líder do Movimiento al Socialismo e membro do grupo que vinha pressionando a gestão Lozada, decide afirmar publicamente que não negociaria mais o fim dos piquetes e fechamentos de estradas enquanto o presidente não se demitisse. O líder do MAS, Evo Morales, havia disputado a presidência com Lozada em 2002 ficando em 2º lugar nas eleições e obteve enorme apoio popular de grupos insatisfeitos com a política econômica oriunda do Consenso de Washington e com pressões estrangeiras externadas em diversas situações pela diplomacia norte americana. A decisão de Morales enfraqueceu ainda mais a situação do presidente, que não conseguiu os apoio necessário para que se sustentasse no cargo. Morales tem por base de apoio camadas tradicionalmente excluídas da sociedade boliviana: grupos indígenas, cocaleros, campesinos, além de sindicatos de trabalhadores. Dessa forma, sua posição de romper negociações enquanto Lozada estivesse a frente do governo, coloca em movimento um enorme contingente contra o presidente, mas mais importante, demonstra que esses grupos estão unidos. Ao assumir, após a queda de Lozada, Mesa reafirma seu comprometimento em convocar o referendo sobre os hidrocarbonetos assim como a assembleia constituinte. Seu governo durou de 2003 a 2005, tendo sido forçado a se demitir em função de pressões sobre a nacionalização do Gás na Bolívia. Seu sucessor, Eduardo Veltzer, ficou no cargo por apenas

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8 meses, quando passou a presidência da república para o vencedor das eleições, Evo Morales.

A lei do Referendo

Não existia na constituição boliviana em vigor a figura do referendo. Diante da crise vivida pelo seu antecessor e pelo seu próprio governo em função da insatisfação popular com relação a política nacional para os hidrocarbonetos no país o presidente Mesa havia prometido um referendo sobre o assunto. Diante do recrudescimento da oposição que não se via contemplada pelas medidas tomadas pelo presidente, como por exemplo, substituição de Ministros de Estado, autorização de venda de gás a Argentina, para tentar dirimir a situação, o presidente se viu pressionado a convocar o referendo. Para que isso fosse possível, foi necessário criar uma lei que permitisse a consulta popular. Existia no congresso uma proposta de reforma constitucional aprovada em 2002, no governo de Quiroga. Essa proposta continha no seu texto a Lei 2410 que introduzia o referendo. Dessa forma, o presidente encaminhou o pedido ao legislativo, que aprovou em 20 de fevereiro de 2004 a introdução do referendo. Com a lei aprovada e disponível, o presidente, através do decreto 27449 de 2004 convoca o referendo sobre os hidrocarbonetos. A lei determinava que o resultado obtido na votação popular seria vinculante, ou seja, é obrigatória a colocação em prática daquilo que for decidido. Portanto, após a crise descrita acima, o governo Mesa cumpriu seu compromisso com a sociedade e convocou o referendo sobre hidrocarbonetos. O papel que os movimentos sociais desempenharam na crise política permitiu que estes exercessem durante o processo de construção da consulta popular maior influência institucional. A própria elaboração das questões a serem apresentadas à população contaram, como veremos a seguir, com a atuação dos movimentos sociais, essa conquista revela a força política que se organizou em torno destas demandas sociais. A sociedade, portanto, transferiu poderes aos movimentos sociais para atuar institucionalmente em favor de seus interesses. Assim, o poder soberano da população, geralmente transferido através do voto aos representantes, foi responsável por alçar ao debate político institucional grupos sociais não eleitos. Essa discussão demonstra claramente como houve, através das lutas dos movimentos sociais, conquistas que determinaram o acesso direto destes a organização política boliviana, alterando também a tradicional organização institucional do sistema representativo, até

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então excludente de diversos setores sociais e da maioria étnica, composta por indígenas. Conforme mostram Arrarás e Deheza (2005), o presidente Mesa atuou nesse sentindo, uma vez que ao se comprometer com a constituinte e o referendo, negociou também uma trégua com os movimentos sociais onde durante 90 dias cessariam as manifestações, fechamentos de estradas e outras atividades que paralisassem o país. Confirmando assim a legitimidade dos movimentos sociais para atuarem junto aos poderes constitucionais durante o processo. Ao garantir a legitimidade e criar a lei do referendo, institucionalizando a participação popular na organização política o caso boliviano demonstra que há espaço para atuação institucional da sociedade civil nos assuntos de Estado através dos mecanismos de democracia direta. Demonstra ainda, que essa conquista pode incluir na vida política, grupos tradicionalmente excluídos. Dessa forma, já é possível perceber que a convocação do referendo exerce papel inovador na Bolívia, ao estabelecer novos contatos e propiciando construções políticas bastante distintas entre a atores políticos tradicionais, elites, movimentos sociais e a população indígena boliviana. Devemos atentar para este ponto, pois o compromisso firmado por Mesa, era de que ele, enquanto presidente da república, convocaria um referendo sobre apenas um tema específico. Mas o desenrolar dos fatos transformou a instituição política boliviana, estabelecendo uma nova forma de gestão, baseada no modelo institucional do sistema representativo, contudo, garantindo maior poder de participação a sociedade civil, permitindo que estes ocupem fóruns de debate e decisão sobre política pública ao invés de apenas transferirem poderes a representantes através de eleições. O reconhecimento deste direito é uma vitória obtida pela sociedade boliviana neste contexto, tendo distribuído poder político, tradicionalmente concentrado.

2. 2.1

Uso e formalização de mecanismos de democracia direta Referendo sobre os Hidrocarbonetos Assim, o primeiro referendo ocorrido na Bolívia após o início do ciclo de lutas, foi

convocado pelo presidente Carlos Mesa através da Lei do Referendo e tratava da política energética nacional. Realizado em 18 de julho de 2004, em conjunto a outras quatro consultas,

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todas relacionadas a política energética. Dessa forma, esse primeiro referendo boliviano analisado, é o resultado de disputas e lutas da cidadania por condições de interferir na política nacional energética, de forma que o movimento precursor da introdução da lei do referendo no país, ao reivindicar o direito de participar diretamente se antecipa, não somente a prática mas também a teoria. A participação direta foi o causador destas mudanças. Portanto, como vimos a aprovação da Lei 2769, ou lei do referendo, é um evento completamente distinto daquele presenciando quando da aprovação do decreto 27449, que estabelecia as regras para o referendo sobre os hidrocarbonetos. É importantíssima a distinção entre estes dois eventos, uma vez que o decreto foi apresentado pelo presidente e visava uma alteração constitucional, o que resultaria numa consulta popular, onde o resultado determinaria apoio ou não a proposta do governo, contudo, ao contrário, a lei do referendo somada ao papel que os movimentos sociais exerceram na elaboração das questões, demonstra que estes haviam assumido um papel muito além do consultivo, desempenhavam o papel de construtores de políticas. Dessa maneira, o resultado do referendo, não é o mais importante nesse momento, mas ao contrário, a maneira como foi construída a nova forma de participação popular a partir deste momento de ruptura. Por isso, compreender de que forma a atuação dos movimentos sociais atuou primeiro na oposição a política de gás do governo do presidente Sanchez de Lozada, depois, como forçou o novo presidente Mesa, a honrar o compromisso de levar a consulta popular o tema dos hidrocarbonetos, e ainda, a construção de uma lei que garantisse o direito a participação direta a população. Contudo, existe um aspecto importante e que merece destaque, o baixo comparecimento as urnas na consulta sobre os hidrocarbonetos. Diversas questões podem surgir deste fato: baixo interesse da população pelo tema?; baixa qualidade da campanha?; dificuldade em compreender o assunto? Segundo aponta Ballivián (2007), o baixo comparecimento as urnas (60% do eleitorado) pode ser explicado pelo fato de não ter havido nenhuma atualização dos dados pelas autoridades eleitorais, o que não permitiu excluir nem mortos nem tampouco eleitores residentes no exterior, que se encontravam, por essa razão, impedidos de votar. Além disso, vale ressaltar que as questões 2 e 3 contaram com a participação do MAS na redação. Essas foram as questões com menor grau de votos branco ou nulo o que

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remete a duas possibilidades: ou o apoio popular a estas perguntas esta vinculado ao apoio ao MAS, ou a própria redação foi mais clara ao público. Mais a frente será discutida a questão da elaboração das questões apresentadas, assim como os dados sobre comparecimento em outros referendos. A seguir as principais informações sobre essa consulta popular contidas em cada uma das suas cinco perguntas. Primera: Você esta de acordo que a Bolívia exporte gás sob uma política nacional que: pague o consumo do povo boliviano; fomente a industrialização do gás no país; cobre 50% de impostos a empresas petroleiras em favor do país; que os recursos provenientes do gás sejam destinados principalmente para educação, saúde e empregos Segunda: Você esta de acordo com a revogação da lei 1689 de hidrocarbonetos promulgada por Gonzalo Sánchez de Lozada? Terceira: Você esta de acordo com a política do presidente Carlos Mesa de utilizar o gás como recurso estratégico para lograr uma saída útil e soberana ao Oceano Pacífico? Quarta: Você esta de acordo com a recuperação da propriedade de todos os hidrocarbonetos em solo para o Estado Boliviano? Quinta: Você esta de acordo com refundar a YPFB recuperando a propriedade estatal das ações de bolivianos e bolivianas nas demais empresas petroleiras capitalizadas, de forma que se possa participar em toda a cadeia produtiva dos hidrocarbonetos?

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Tabela 14: Referendos, politica energética, Bolivia, 2004

Participação mínima requerida Eleitorado Total de votos Percentual de participação Votos em branco Votos nulo Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem votos contra Resultado

Uso da renda proveniente do Gás

Abolição da Lei 1689 sobre combustíveis fósseis

Gás em troca de acesso ao Oceano Pacífico

Nacionalização dos combustíveis fósseis

Yacimiento s Petroliferos Fiscales Bolivianos

50 %

50%

50%

50 %

50 %

4.461.198 2.669.267

4.458.293 2.678.518

4.461.198 2.670.106

4.461.198 2.670.131

4.458.293 2.678.518

59.83%

60.08%

59.85%

59.85%

60.08%

445.435

289.914

457.699

260.435

289.914

312.918

614.082

286.106

333.924

324.168

758.353

903.996

743.805

594.359

614.082

1.910.914 1.179.893

2.064.436 1.788.694

1.926.301 1.055.529

2.075.772 1.913.642

2.064.436 1.788.694

61.74%

86.64%

54.80%

92.19%

86.64%

731.021

275.742

870.772

162.130

275.742

38.26%

13.36%

45.20%

7.81%

13.36%

Aprovado

Aprovado

Aprovado

Aprovado

Aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

2.2

O referendo sobre a autonomia departamental

Em 02 de julho de 2006 após a campanha de coleta de assinaturas realizada pelo Comitê Cívico de Santa Cruz, na qual conseguiram 428.105 apoiadores a convocação de uma consulta popular sobre a autonomia departamental na Bolívia. Após ter sido aceita pelo parlamento, a seguinte questão foi apresentada aos cidadãos bolivianos: Você esta de acordo com o marco da unidade nacional, em dar a assembleia constituinte o mandato vinculante para estabelecer um regime de autonomia departamental aplicável imediatamente depois da promulgação da Nova Constituição Política do Estado nos departamentos aonde este referendo tenha maioria de maneira que as autoridades sejam eleitas diretamente pelos cidadãos e recebam do Estado Nacional competências executivas, atribuições

118

normativas, administrativas e os recursos econômicos financeiros que estabeleça a Nova Constituição Política do Estado e as leis? Tabela 15: Referendo, Autonomia departamental, Bolívia, 2006 Participação mínima requerida Eleitorado Total de votos Percentual de participação Votos em branco Votos nulo Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem votos contra Resultado

Autonomia departamental 50 % 3.713.376 3.138.324 84.51% 117.368 220.995 338.363 2.917.329 1.237.312 42.41% 1.680.017 57.59% Rejeitado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

A lei do referendo aprovada em 2004 estabeleceu que os referendos poderiam ser: Nacionais, departamentais e municipais. Permitindo assim que um departamento que almeje autonomia pode convocar uma consulta a população para definir sobre sua organização política, devendo para isso coletar 8% de assinaturas do total de eleitores registrados no departamento, nestes casos, não há a possibilidade de convocação pelo poder executivo tampouco pelo congresso nacional, apenas iniciativas populares podem atuar nas esferas departamentais e municipais. A convocação desta consulta esta intimamente conectada aos episódios ocorridos durante a crise do gás. Santa Cruz, somada aos outros departamentos de Beni, Pando e Tarija, formam a chamada “media luna” (em função da imagem projeta ao olhar o mapa boliviano), onde na votação do referendo sobre os hidrocarbonetos, houve maior oposição a proposta de nacionalização do gás. Essa região é também a mais rica do território boliviano, tendo boa parte das reservas de gás do país. Seus interesses estão ligados ao setor de exportação, bastante afetado pela decisão do referendo realizado no governo Mesa. Além disso, desde a redemocratização, em 1982, a região, liderada por Santa Cruz, demanda maior descentralização do estado, visando assim, obter maior controle sobre os recursos naturais e autonomia de decisão sobre o comércio destes recursos. Assim, após o

119

episódio da crise, aliado a convocação do referendo e da assembleia constituinte, as reinvindicações dos departamentos da “media luna” se intensificaram, de forma a colidir com as mudanças que eram propostas pelos grupos políticos alçados as disputas políticas institucionais após 2003, assim como as novas instituições, referendo e assembleia constituinte. Este conflito, ganhou novas arenas, anteriormente, era disputado entre partidos políticos, tradicionais e controlados pelo poder econômico da região da “media luna”. A ascensão política dos movimentos sociais e a construção de uma constituição voltada para os direitos da cidadania, aliada aos mecanismos de democracia direta contidos na lei do referendo, reequilibrou o jogo político boliviano, permitindo participação política de grupos tradicionalmente marginalizados. Quando em 2005, com a convocação feita pelo presidente Mesa de eleições para prefeitos departamentais o conflito de interesses se acentuou, contudo, segundo Ballivián (2006), esta medida, após primeiro momento, serviu para apaziguar os ânimos, pois permitiu as lideranças regionais certo controle sobre o território ao mesmo tempo que desviava as atenções da questão dos hidrocarbonetos. Diante desta situação, logo nos primeiros meses de 2005, teve início a organização de uma petição para apoiar a elaboração de uma iniciativa popular para decidir sobre a autonomia departamental e descentralização do estado. Apenas para acrescentar um importante evento ocorrido e que teve importante papel na configuração do conflito que dividia o país neste momento, em dezembro de 2005 o MAS elege o presidente da república, Evo Morales, cuja a atuação junto aos movimentos sociais teve grande importância tanto nas greves e paralisações de 2003, como na queda de Sanchez de Lozada e principalmente, nas reinvindicações de mudanças na lei sobre os recursos naturais. A eleição do Movimiento Al Socialismo - MAS simboliza a união de diversos grupos sociais bolivianos e é representada pela formação do chamado Pacto de Unidad aonde os movimentos sociais apoiam a candidatura e após a vitória criam condições para que o governo de Evo Morales consiga governar e além disso, possa levar adiante as propostas apresentadas durante a campanha eleitoral. O Pacto de Unidad era composto pela ‘Confederacion Sindical Unica de Trabajadores Campesinos de Bolivia’ (CSUTCB) sua principal articuladora, o ‘Consejo

120

Nacional de Ayllus y Markas del Qullasuyu’ (CONAMAQ), ‘Confederación de Pueblos Indígenas de Bolivia’ (CIDOB), ‘Coordinadora de Pueblos Étnicos de Santa Cruz’ (CPESC), ‘Confederacion Sindical de Colonizadores de Bolivia’ (CSCB),

‘Federacion de Mujeres

Campesinas e Indigenas de Bolivia Bartolina Sisa’ (FMCBBS), e ‘Movimiento Sin Tierra’ (MST). Objetivo aqui é ressaltar como as transformações institucionais ocorridas na Bolívia após a crise do gás em 2003 estão intrinsicamente conectadas por dois importantes pontos: o movimento de rompimento do Status quo através da atuação dos movimentos sociais; e a criação dos mecanismos de democracia direta ‘from below’ ou seja, que possibilitem a sociedade civil, ferramentas para convocar uma consulta popular sobre determinado tema. Esse breve quadro elaborado até aqui tem o objetivo de apresentar o momento histórico vivido na Bolívia neste período, fomentando, assim, a análise do referendo sobre autonomia departamental ocorrido em 2006. As vitórias eleitorais que o MAS alcançou, desde a chegada a presidência da república em 2005, passando pela maioria na assembleia legislativa em 2006, incensada pela obtenção da maioria dos votos para presidente em 7 dos 9 departamentos políticos, incluindo Santa cruz e Tarija, departamentos circunscritos na esfera da ‘media luna’. Nos outros dois departamentos orientais, Beni e Pando, menores, a vitória foi do partido conservador, PODEMOS (Poder Democratico e Social). Vale ressaltar que nesta eleição a Bolívia, praticamente foi dividida em duas macrorregiões, uma vez que o PODEMOS venceu em Santa Cruz, Tarija, Pando e Beni, e o MAS venceu em La Paz, Oruro, Cochabamba, Chuquiasca, e Potosí. Esta divisão colocou em risco a unidade nacional, além de exaltar a clara distinção de opinião entre a população indígena da região do altiplano, onde venceu o MAS e a população da região oriental, onde predomina a elite econômica do país, com raízes colonizadoras. Esse momento é, portanto, de clara divisão na sociedade boliviana, entre interesses distintos e que vão muito além dos interesses econômicos, representados pelas posições opostas sobre os hidrocarbonetos. São questões culturais que predominam no país por muitos anos. Por isso, essas duas ‘Bolívias’ já existiam, apenas a correlação de força política e econômica não permitia que todos os atores pudessem atuar na esfera política do estado. Assim, é necessário chamar atenção para o papel dos partidos políticos e dos

121

movimentos sociais nos resultados dos referendos bolivianos. Especialmente a atuação do MAS, que foi um fator importante para construção da maioria, levando a uma divisão de forças mas de forma nenhuma acentuando a divisão existente entre as regiões bolivianas. O resultado deste referendo favorece as reinvindicações de autonomia dos departamentos orientais, uma vitória alcançada pela oposição e que coloca a gestão do presidente Morales numa situação desconfortável, diante da clara divisão entre as propostas de utilização dos recursos naturais na Bolívia. Este episódio tem grande importância no que acontece logo em seguida, elaboração de uma nova constituição boliviana e um referendo revogatório de mandato válido para 8 dos 9 departamentos e também para o presidente da república.

2.3

Nova lei do referendo

A nova lei do referendo aprovada em 2008 e ratificada pela constituição de 2009, estabelece em seu artigo 187, que todos detentores de cargos eletivos podem ser destituídos através da revogação de mandato, bastando para isso que seus mandatos tenham ultrapassado a metade do tempo previsto e que não estejam no último ano. Além disso, a revogação do mandato pode ser feita através da solicitação feita por ao menos 20% dos eleitores circunscritos na região do representante eleito e alvo da revogatória. Em Maio de 2008, foi aprovada pelo congresso, a Lei do Referendo Revogatório de Mandato Popular, cujo o teor prevê esta nova atribuição a consulta popular. A inserção deste mecanismo de democracia direta por decreto teve forte motivação conjuntural, uma vez que o presidente Evo Morales vinha sofrendo ataques de grupos contrários ao seu governo que haviam perdido as eleições e conseguido pouco espaço dentro da assembleia constituinte. Contudo, neste caso, não houve o recolhimento de assinaturas que validassem a convocação, mas ao contrário, o presidente convocou a consulta. Mas que razão que leva um líder de executivo, eleito e com apoio no congresso a decretar uma lei que permite que seu mandato seja revogado? A ascensão do MAS ao poder na Bolívia se deu através de um forte conflito social que transformou as relações políticas no país. Sua atuação institucional como ator político na sociedade boliviana se consolidou com o episódio da Crise do Gás, em 2004, cuja A solução

122

foi encontrada através de uma consulta popular sobre A política nacional de hidrocarbonetos. Contudo, a liderança de Evo Morales junto ao movimento já vinha crescendo desde que obteve o segundo lugar nas eleições de 2002. A participação dos movimentos sociais na solução dos conflitos ocorridos em 2004 e as quedas dos presidentes Sanchez de Lozada e Carlos Mesa são reflexos de uma sociedade rachada, cuja a trajetória desde o período colonial estabeleceu elites locais que perpetuaram a exclusão social no país, acentuando a desigualdade. Com as demonstrações de poder alcançadas pelos movimentos sociais e indígenas no início dos anos 2000, estes grupos tradicionalmente excluídos foram, pela primeira vez na história boliviana, alçados a posição atores políticos de fato. Com a eleição de Morales, houve um rompimento com o passado e as elites que desde a eleição de Victor Paz Estensoro formaram a chamada Democracia Pactada, foram removidas do poder central. Dessa forma, é possível falar que a Bolívia que começou o milênio é bastante distinta do que se encontra hoje no país. Houve uma enorme transformação política no país e Evo Morales é a principal referência deste movimento. Sua histórica eleição, exercendo o papel de representante indígena, cocalero, trabalhador e de excluídos da sociedade de consumo, o transformou numa figura cujo a imagem é o retrato desta nova Bolívia. Diante desta nova configuração na vida política institucional boliviana as elites colocadas a margem do poder central iniciaram uma campanha pela autonomia departamental. Como vimos acima, a porção leste do país, conhecida como ‘Media Luna’ é a região mais rica do país e tendo o departamento de Santa Cruz a frente, deu início ao processo que visava retirar poder do governo central, permitindo que estes departamentos estabelecessem, entre outros, regras de comércio exterior e que reduzissem o valor dos impostos. O que este breve retrato tenta trazer é o momento político vivido na Bolívia neste início de século. O presidente Morales, numa aposta, decide colocar o seu mandato e o de todos os governadores departamentais à prova. Sua crença era de que o apoio popular o garantiria no poder e ainda serviria como um voto de confiança da população na sua gestão. Como vimos acima, Evo Morales decretou a lei do referendo revogatório de mandato em maio de 2008. Com base nesta lei, foi convocado para agosto do mesmo ano uma consulta popular que perguntaria a sociedade boliviana se deveriam ser removidos dos cargos 8 dentre 9 governadores (alcaides) departamentais e o presidente da república. Esta

123

convocação se deu sem a necessidade de coleta de assinaturas, tendo sido determinada por decreto presidencial (Lissidini, 2011). Dessa forma, este processo não seguiu os trâmites obrigatórios previstos na Lei do Referendo. O que pode ser pensado deste fato? A atitude do presidente teve o objetivo de criar uma situação favorável ao seu governo, expondo o seu mandato ao escrutínio popular e saindo vitorioso, teria respaldado sua gestão e dessa forma se fortalecido frente a oposição. Portanto, a convocação de um referendo revogatório de mandato pelo presidente teve o objetivo de estabelecer um voto de confiança da população através de um contato direto via consulta popular. Dessa forma, este episódio deve ser classificado como um referendo a partir de cima (top-down). Referendos revogatórios convocados a partir de cima tem o objetivo de fugir ao jogo político institucional típico, deixando de lado a formação de maioria dentro do congresso, o julgamento a ser realizado pelo judiciário, para apostar as fichas na relação entre eleito e eleitores. Essa ação pode estar ligada a um perfil populista de um governante, cujo o desejo de governar acima do controle dos outros poderes encontra mecanismos de conexão com a população que o mantenham no poder. Esta conexão pode ser feita de diversas formas, através de políticas populistas que favoreça parte da população, através de abuso de poder, ainda por aumento substancial de gastos em campanhas publicitárias que exaltem o governo, ou seja, com a máquina administrativa do Estado a favor do governante e sem o controle dos poderes legislativo e judiciário a situação pode resultar na manipulação do uso referendo. Uggla (2008) remete em seu texto ao termo ‘plebiscitarismo’, afirmando que para Weber o conceito corresponde a combinação entre a autoridade carismática com regras formais como eleições populares. Dentro deste contexto um observador poderia afirmar que este foi o caso na Bolívia, onde a partir da crença do presidente de que o apoio popular ao seu governo o manteria no governo e que com isso ele sairia fortalecido do episódio. Contudo, a situação ocorrida na Bolívia é um pouco mais complexa. Como tentamos explicitar acima, o país vivia um período de instabilidade política desde o início dos anos 2000 e essa instabilidade foi acentuada com a chegada ao poder central do MAS. A chamada Democracia Pactada (Franchini, 2007) cujo o acordo era estabelecido entre as elites dominantes e com forte atuação no setor exportador, chega ao fim e diversos de seus interesses são ameaçados. Garcia Linera (2008) afirma que essa foi a crise do Estado Neoliberal na Bolívia, pois houve um projeto de Estado alternativo que saiu vitorioso nas urnas e cujo apoio

124

dos movimentos sociais era forte. Portanto, o confronto entre dois projetos de Estado foi o fator causador de instabilidade política e institucional na Bolívia. O referendo foi convocado pelo presidente dentro desta situação. A questão sobre a análise feita do uso de referendo revogatório de mandato na Bolívia é que ao se observar o caso específico da convocação realizada pelo presidente Evo Morales a discussão é encaminhada no sentido de observar os efeitos maléficos de uma convocação deste tipo, quando realizada pelo poder executivo. Desta perspectiva, claro, a convocação do referendo revogatório, ao contrário de ser uma forma de incremento ao sistema representativo, se torna uma arma para a obtenção de apoio político, deixando de fora atores como partidos políticos, legisladores e juízes, responsáveis por garantir que as regras do sistema democrático sejam seguidas em casos de encerramento de mandatos populares. Além disso, a convocação da consulta sobre a possibilidade de revogar o mandato do presidente e dos governadores, partiu do poder executivo, com a aprovação do legislativo, o que pode acarretar problemas como por exemplo, o atropelamento do sistema partidário, estabelecendo uma democracia plebiscitaria aonde o presidente se remete a população em busca de apoio para suas ações sem respeitar outras lideranças e representantes políticos.

2.4

Referendo Revogatório

Em 10 de agosto de 2008, ocorreu a consulta popular/voto de confiança na política do presidente Evo Morales. A seguinte questão foi apresentada: Você esta de acordo com a continuidade do processo de mudança liderado pelo Presidente Evo Morales Ayma e o Vice-presidente Álvaro García Linera? '

125

Tabela 16: Referendo, voto de confiança na política do Presidente, Bolivia, 2008 Voto de confiança na política do Presidente Participação mínima requerida Eleitorado Total de votos Percentual de participação Votos em branco Votos nulo Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem votos contra Resultado

50 % 4.047.706 3.370.980 83.28% 134.098 115.973 250.071 3.120.909 2.103.872 67.41% 1.017.037 32.59% Aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

Como é possível ver acima, a participação no referendo foi bastante alta, alcançando 83% do eleitorado boliviano. Além disso, fica claro o apoio a governo de Morales, e assim, as políticas que vem sendo conduzidas desde sua eleição. Isso é reforçado pela formulação da frase apresentada a sociedade na consulta popular, nela estão contidos os elementos para se separar o sujeito político Morales, que pode ser visto como um líder carismático, do processo político de transformação que se iniciou a partir do ciclo de lutas. O voto de confiança ajuda a compreender que a atuação de atores sociais, até então alijados do processo decisório fora do período eleitora, e que ganha força através das lutas da cidadania no início da década, é uma das políticas a ser continuada pelo Estado, através do governo do MAS. Entretanto, todas as disputas que foram relatadas são antigas e fazem parte do processo de conflito social no qual esta a Bolívia neste início do século XXI. De forma alguma será tentado aqui compreender as origens deste processo, com certeza este trabalho deveria ser objeto de exaustiva investigação histórica. Contudo, contando a partir de 2003, com a crise do gás e paralisações por todo o país, os movimentos sociais ganharam mais poderes dentro do processo político institucional. O MAS, talvez o grupo que mais se fortaleceu durante este período, chegou ao poder em eleições ocorridas em dezembro de 2005, elegendo Evo Morales presidente da república.

126

Como vimos, este episódio não diminuiu as disputas sociais na Bolívia, mas sim desencadeou um processo de disputas políticas e regionais. A classe média boliviana tem neste momento uma relação conflituosa com o MAS, cujo a base é composta em boa parte de grupos tradicionalmente excluídos na sociedade boliviana (indígenas, cocaleros, campesinos e trabalhadores) e com um forte apoio da população indígena. Esta divisão é fortemente marcada pelo apoio, por um lado ao Neoliberalismo e suas relações com o capital internacional e de outro, a população excluída da sociedade de consumo. Diante deste conflito e da eleição de Morales, grupos políticos tradicionais convocaram um referendo reclamando por autonomia dos departamentos, onde foram vitoriosos. Diante dessa situação e contando com enorme apoio popular o presidente Evo Morales decide convocar um processo constituinte. O resultado deste processo não foi satisfatório para os partidos tradicionais, principalmente o PODEMOS e a União Nacional (UN). Assim, estes lideraram um movimento de boicote a votação do novo texto constitucional, optando pela retirada em bloco de seus membros no dia da votação. Mesmo assim o texto foi aprovado pela câmara e pelo senado. Um dos principais pontos de desentendimento entre governo e oposição esta relacionado com o conflito social existente na Bolívia. A nova constituição previa o reconhecimento a ampliação de direitos dos povos indígenas e a formação de um estado plurinacional, reconhecendo as diversas etnias. Além disso, a reeleição, e a ampliação dos poderes institucionais dos movimentos sociais causaram enorme descontentamento junto a oposição. Essa situação desencadeou um processo que tentava deslegitimar o governo Morales. Em resposta, o presidente decidiu por convocar um referendo revogatório de mandato, onde todos os governadores e o presidente seriam reavaliados. Apenas a governadora de Chuquisaca não participou por ter sido eleita após o pleito de 2005. A convocação deste referendo partiu, portanto, do governo federal, através de decreto presidencial. Este artifício esta previsto na Lei do referendo, tendo sustentado legalmente a convocação realizada pelo presidente Mesa. O objetivo deste referendo era buscar apoio e legitimação junto a sociedade. Dessa forma o presidente estaria mostrando que a população o apoiava como chefe de estado. Contudo, uma questão surge deste debate: ao alterar a constituição, em pontos que foram apresentados e aprovados pela população em referendo prévio o presidente não estaria desrespeitando a soberania popular? Veremos mais sobre esta questão a frente. O que

127

ocorreu após a convocação foi uma campanha política que merece ser analisada mais a fundo, o que faremos a seguir.

2.5

A nova constituição e os mecanismos de democracia direta

Após a eleição de Morales, o novo governo prometeu que convocaria uma assembleia nacional constituinte com o intuito de substituir a constituição de 1967 e suas principais alterações introduzidas pela reforma constitucional de 1994, cujo o objetivo foi reforçar o caráter republicano do país, depois de conflitos e alternância entre regimes militares e civis ao longo quase três décadas de vigência da constituição. Para isso, foram introduzidos mecanismos que garantissem a independência dos três poderes. Assim, reforçou-se o papel do legislativo no debate das leis propostas pelo executivo, o judiciário se fortalecia e mantinha o controle, através do supremo tribunal, sobre todos os tribunais departamentais e locais. Dessa maneira, buscava-se reafirmar a democracia no país. O programa de governo apresentado pelo MAS continha 5 pontos principais que haviam sido incorporados das reivindicações apresentadas por movimentos sociais ao longo do ciclo de luta: 1) estabelecer controle sobre os recursos naturais 2) realizar una reforma constitucional que focasse os povos indígenas/originários e os menos favorecidos; 3) iniciar um processo de reforma agrária com foco nos campesinos pobres, chamado de ‘Pacto por la Tierra’59; 4) convocar um referendum sobre autonomias regionais com o objetivo de encontrar soluções para os conflitos entre oriente e ocidente e comunidades indígenas; e 5) definição sobre a produção cocalera, estabelecendo clara diferença entre o processo tradicional de cultivo da coca e a produção de cocaína. Dando sequencia a esses eventos, em 6 de março de 2006 o presidente eleito Evo Morales assina a lei especial convocando a assembleia nacional constituinte cujo artigo 7o definia que estava apto a ser eleito qualquer cidadão boliviano apresentado por um “Partido Político, una Agrupación Ciudadana y/o un Pueblo Indígena, o por los frenes o alianzas” ou 59

O Pacto por la Tierra tinha como linhas principais: garantir a segurança jurídica das propriedades que de maneira sustentável e comprovada exerçam função produtiva; garantir justiça no acesso a terra sancionando os especuladores a devolver as terras ao Estado; garantir atenção as demandas sociais fortalecendo a institucionalidade agrária no país, além de articular políticas de distribuição de renda com medidas de diversificação produtiva.

128

seja, estabelecendo a possibilidade de eleição de membros de movimentos sociais diretamente, sem a necessidade de vinculação com partido político e ainda reforçando o caráter étnico que se impunha ao processo, uma forma de transferência de poder aos grupos indígenas marginalizados do poder institucional, que ficaria mais clara na definição de Estado Plurinacional, onde as diversas etnias existentes seriam reconhecidas assim como seus direitos e tradições. Além disso, no 1o de maio o governo aprova a lei de nacionalização de hidrocarbonetos com apoio do Pacto de Unidad mas com forte oposição de grupos empresariais, inclusive internacionais, insatisfeitos com perdas decorrentes do processo, a hispano-argentina Repsol-YPF e a brasileira Petrobrás, principais empresas do setor no país tiveram entregar todas as operações a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), empresa petroleira nacional e obtiveram um prazo de 180 dias para renegociar contratos. Seguindo o calendário determinado pela lei convocatória, em 02 de julho, ocorre a eleição para a Assembleia Nacional Constituinte aonde 255 constituintes são eleitos para dar início ao trabalho de confecção da nova Constituição. O MAS é o partido com maior número de eleitos, 137 membros, seguido pelo oposicionista PODEMOS com 60 e diversos outros grupos que variavam entre 8 e 1 representantes. Tabela 17: Composição da constituinte. Partido A3-MNR AAI APB AS ASP AYRA CN MAS MBL MCSFA MIR- NM MNR MNR-FRI MOP PODEMOS UN Total

Total 2 1 3 6 2 2 5 137 8 1 1 8 8 3 60 8 255

Porcentagem 0.8% 0.4% 1.2% 2.4% 0.8% 0.8% 2.0% 53.7% 3.1% 0.4% 0.4% 3.1% 3.1% 1.2% 23.5% 3.1% 100%

Fonte: Consejo Nacional Electoral www.cne.org.bo

129

Outro ponto importante que teve destaque na constituinte e era parte da plataforma original do governo, a reforma agrária, durante o processo eleitoral prévio a constituinte a ‘Comisión Agrária Nacional’ aprovou em 19 de julho de 2006 um projeto que alterava a lei do Instituto Nacional de Reforma Agraria (INRA), estabelecendo a lei ‘Reconducción Comunitaria de la Reforma Agraria’, aprovada pelo congresso em novembro de 2006. Além disso, em 21 de janeiro de 2009, junto ao referendum que ratificou a nova constituição, foram apresentadas duas questões sobre o tamanho das propriedades agrárias, oferecendo uma opção de 10.000 hectares e outra com 5.000 a sociedade, a segunda saiu vencedora. Contudo, na opinião de Urioste (2009) o governo perdeu pois o resultado só valerá para processos ocorridos após a aprovação, deixando de fora os latifúndios existentes, o que segundo ele deveriam ser o principal foco da reforma agrária, dessa forma, o Estado perde a capacidade de reverter os latifúndio existentes. A tentativa aqui é demostrar que o governo MAS estabeleceu conexões importantes com os movimentos sociais com o objetivo de chegar ao poder e assim carregar consigo as demandas defendidas por esses grupos buscando soluções institucionais para as questões apresentadas. Deve-se perceber que a construção da plataforma eleitoral levou em consideração essas demandas e que, portanto, o papel dos movimentos sociais na Bolívia desde o início dos anos

2000

passa

por

um

processo

de

transformação,

partindo

da

atuação

mobilizadora/contestadora vista nos episódios da crise da água, do gás e na queda dos governos de Sánchez de Lozada e Carlos Mesa até a atuação direta na confecção da candidatura do MAS, onde participam na elaboração de programa eleitoral, e depois assumindo cargos e ministérios no novo governo e ainda na fiscalização e negociação para que as reivindicações estabelecidas fossem atendidas, como exemplificadas acima. O processo constituinte se desenrolou de maneira bastante conturbada e ficou marcado pelo conflito entre a maioria, os apoiadores do projeto defendido pelo governo e o restante dos representantes, contrários ao projeto. Esse conflito, gerado em parte pelo fato de o MAS não ter conseguido a hegemonia da assembleia mas ao mesmo tempo atuando como força principal e majoritária. O segundo grupo mais forte da constituinte, o Podemos, argumentava ter interesse em apoiar as propostas com o objetivo de avançar com a assembleia, mas contudo, os dois raramente conseguiam chegar a acordo quando era necessário a busca de um consenso. E isso foi o que ocorreu quando os assuntos mais complexos e mais importantes foram negociados, a dizer a autonomia regional, o regime de terras e a propriedade dos recursos

130

em solo boliviano. Essa disputa se arrastou nas comissões, gerando um grande desgaste, principalmente em torno de como seriam aprovados os textos de cada comissão, maioria simples ou absoluta. No fim, após uma luta que envolveu o judiciário, a criação de uma lei na qual se afirmava a necessidade de aprovação com maioria absoluta a oposição, enfraquecida acabou por se afastar do processo. Assim, o projeto constitucional aprovado pela assembleia em 9 de dezembro de 2007 foi enviado para o congresso contando com o voto de 165 representantes. Uma vez aprovada no congresso, o projeto foi apresentado para a sociedade que deveria aprova-lo ou não através de um referendo.

2.6

Referendo Constitucional

Em 25 de janeiro de 2009, foi apresentada a sociedade a proposta de constituição redigida pela Assembleia Nacional Constituinte. Para sua aprovação, era necessário a consulta através de um referendo constitucional mandatório. Nesse dia, a seguinte questão foi apresentada: Você esta de acordo com referendar o texto da nova Constituição Política do Estado, apresentado pela Assembleia Constituinte e ajustado pela Comissão Especial de Concertação do Congresso Nacional, que inclui os consensos logrados pelo diálago entre Governo Nacional com Prefeitos e Representantes Municipais sobre autonomia, incorporando o resultado da mesma consulta sobre o artigo 398 a ser resolvido neste mesmo referendo e que a mesma seja promulgada e posta em vigência como nova Lei Fundamental do Estado Boliviano?

131

Tabela 18: Referendo, Constitucional, Bolívia, 2009

Participação mínima requerida Eleitorado Total de votos Percentual de participação Votos em branco Votos nulo Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem votos contra Resultado

Aprovação da constituição 50 % 3.891.316 3.511.681 90.24% 59.528 91.581 151.109 3.360.572 2.064.397 61.43% 1.296.175 38.57% Aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

Seguindo o calendário determinado pela lei convocatória, em 02 de julho, ocorre a eleição para a Assembleia Nacional Constituinte aonde 255 constituintes são eleitos para dar início ao trabalho de confecção da nova Constituição. O MAS é o partido com maior número de eleitos, 137 membros, seguido pelo oposicionista PODEMOS com 60 e diversos outros grupos que variavam entre 8 e 1 representantes. O texto da nova constituição revogou a Lei 2769 de 2004 que regulava o uso de mecanismos de democracia direta na Bolívia, criando a Lei do regime eleitoral, Lei 026 de 2010. Esta nova lei acatou diversos pontos que já eram previstos na anterior, entretanto, estabeleceu diversos novos pontos, redefinindo o uso de referendo e iniciativas na Bolívia. Um ponto importante é, por exemplo, a limitação contida no parágrafo 17 da lei, que determina que apenas um referendo poderá ser convocado a cada ano por iniciativa do presidente, um por iniciativa legislativa e um por iniciativa popular. Além disso, prevê a obrigação de que o órgão eleitoral observe e acompanhe o processo, determinando ainda que o Serviço intercultural de fortalecimento democrático (SIFDE) deverá ser responsável pela divulgação e produção de material informativo sobre os temas postos a consulta. Por fim, o caráter vinculante do referendo, o que significa que a decisão alcançada pela consulta popular deverá ser aplicada pelo poder executivo. São previstos os referendos revogatórios de mandato, contudo estes podem apenas ser iniciados pela população. Retirando a possibilidade do referendo presidencial sobre a sua gestão.

132

O papel desta lei é o de aperfeiçoar a anterior, permitindo que haja mais controle pela população e ainda prevendo regras mais claras que garantam a legitimidade da consulta, através de propaganda suficiente para atingir a todas as etnias contidas no estado plurinacional, respeito ao tempo necessário para realização do pleito. Além disso, garantir que todos os departamentos estejam representados na coleta de assinaturas em apoio a iniciativa popular. Além disso, junto ao processo eleitoral prévio a constituinte a ‘Comisión Agrária Nacional’ aprovou em 19 de julho de 2006 um projeto que alterava a lei do Instituto Nacional de Reforma Agraria (INRA), estabelecendo a lei ‘Reconducción Comunitaria de la Reforma Agraria’, aprovada pelo congresso em novembro de 2006. Além disso, em 21 de janeiro de 2009, junto ao referendum que ratificou a nova constituição, foram apresentadas duas questões sobre o tamanho das propriedades agrárias, oferecendo uma opção de 10.000 hectares e outra com 5.000 a sociedade, a segunda saiu vencedora.

Tabela 19: Referendo sobre latifúndio, Bolívia, 2009 Participação mínima requerida Eleitorado Total de votos Percentual de participação Votos em branco Votos nulo Votos inválidos Votos válidos Votos a favor Porcentagem a favor Votos contra Porcentagem votos contra Resultado

Latifuindio 5.000 3.891.316 3.507.730 90.14% 893.198 1.081.749 188.551 2.425.981 469.385 19.35% 1.956.596 80.65% Rejeitado

Latifuindio 10.000 3.891.316 3.507.730 90.14% 893.198 1.081.749 188.551 2.425.981 1.956.596 80.65% 469.385 19.35% Aprovado

Elaboração própria com base nos dados do Centre for Research on Direct Democracy

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3. Considerações Finais

A Bolívia viveu entre 2000 e 2005 um ciclo de lutas que não é único e que deve ser compreendido numa lógica de continuidade na qual organizações sociais atuam, desde o período colonial de forma a lutar por transformações utilizando repertórios da ação coletiva. O período observado neste primeiro momento, compreende a crise da água em 2000, a crise do gás em 2003 e a eleição de Evo Morales como inicio meio e fim de um processo no qual movimentos sociais se rebelaram contra medidas tomadas pelo Estado, particularmente a privatização da água, a venda de derivados de hidrocarbonetos e a candidatura e vitória de um líder cocalero com o apoio de diversos setores sociais e sindicais. Depois disso, foi observado que os mecanismos de democracia direta se tornaram instrumentos utilizados como forma de luta. Isso ocorreu de maneira interessante, uma vez que o processo de luta por participação se deu anteriormente a introdução dos mecanismos de democracia direta, primeiro em forma de lei e depois na constituição. Dessa forma, a cidadania a partir da luta por mais participação alcançou, além das vitórias pelas quais lutava, como por exemplo a revisão da lei sobre a política energética, instrumentos de participação direta. Essa conquista não pode ser minimizada, pois, segundo

Altmann

(2011),

representantes legislativos, são contrários a criação de leis que permitam mecanismos de democracia direta, argumentando geralmente que: haveria desinteresse em atuar no legislativo a partir do momento que o processo de elaboração de leis passasse para a população; que o papel dos partidos políticos ocupa este espaço de transmitir as demandas populares para o voto no congresso; e que além disso, a elaboração de leis se transformaria em algo difícil e demorado. É importante compreender que a pressão social impôs a necessidade de se aprovar uma lei que regulamentasse iniciativas populares e referendos, transformando estes mecanismos de democracia direta em direitos dos cidadãos. Dessa forma, mesmo aceitando esta explicação, é importante ter em consideração que outro propósito dos que defendem os mecanismos de democracia direta como complemento necessário ao sistema representativo, é que este maximize a participação popular. Contudo, não se deve entender como participação popular apenas o comparecimento em eleições e consultas populares, e no caso boliviano fica evidente que houve forte envolvimento popular em todo o processo.

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Vimos que as organizações sociais e a sociedade civil exerceram papel de destaque na transformação pela qual passa a o estado boliviano neste início de século XXI. Esta atuação foi determinante na construção do modelo participativo, cuja a base, é a oferta de mecanismos de democracia direta a sociedade, mecanismos estes que permitam maior atuação da sociedade civil na esfera política e em assuntos de interesse da população. Estabelecendo aquilo que Michels apresentou em um dos seus ensaios sobre a limitação do poder dos chefes, o referendum. Segundo ele, ‘do ponto de vista do direito público, a democracia atinge seu apogeu nesse conjunto de instituições que existe na Suíça onde o povo possui o direito do referendum e a iniciativa na proposição das leis. A introdução do referendo revocatório reafirma essa ideia. Apesar de erros na forma de convocação e de perigos que residem no mal uso do mecanismo de revogação de mandato, é cabível afirmar que o direito a retirar um representante eleito reside na mãos do eleitor. Isso não significa que os meios preexistentes devam deixar de existir, a atuação do judiciário, ministério público e polícia é importantíssima para formação de conhecimento sobre a atuação de um representante eleito. Contudo, é direito daqueles que detém o poder soberano, retirar do cargo indicado aqueles que não atenderem aos anseios populares. Segundo Cronin (1989) a população tende a apoiar o uso de revocatórias de mandato. O uso de referendos revogatórios de mandatos pode acarretar problemas, principalmente numa democracia não consolidada, aonde a sociedade civil não atua no sentido de fiscalizar e controlar as instituições políticas. A introdução deste mecanismo como forma de participação e controle político pode acarretar processos de destituição de representantes democraticamente eleitos por partes de elites insatisfeitas com sua política, pode também forçar o representante a não assumir posições que sejam contrárias a opinião pública, pode ainda custar caro aos cofres públicos. Mas com relação a estas colocações se sobrepõe uma pergunta simples: A cassação de mandato ou o Impeachment de um representante não apresenta as mesmas possibilidades negativas? A revocatória, pelo contrário, permite a população decidir sobre remover ou não o representante eleito pelo voto.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho buscou identificar a origem das ideias que abriram caminhos para a introdução de mecanismos de democracia direta, através de suas mais recentes constituições, em Brasil, Venezuela e Bolívia. Entendendo, é claro, que esse processo não teve um marco claro e único, mas ao contrário, se desenvolve através da relação entre diferentes movimentos e grupos sociais. Dessa maneira, dentre as diferentes contribuições a da igreja católica, dos partidos políticos cristãos, partidos políticos de esquerda e movimentos sociais são as mais destacadas. A atuação desses grupos tem papel determinante na disseminação da ideia que defende que a emancipação popular será um processo mais completo e coerente através da participação direta dos cidadãos e que para isso é necessário que existam os mecanismos que garantam esse direito. Portanto, o início da luta para a introdução de mecanismos de democracia direta é na realidade a busca pela compreensão da participação direta como um direito. Essa luta se estendeu até que ganhou destaque nas assembleias nacionais constituintes de cada um dos países analisados. Durante essas assembleias, cujo os formatos diferem entre si, surgem propostas de implementação e regulamentação de mecanismos de democracia direta. O que pudemos analisar aqui é que dentre essas propostas, cada uma das três ANC fez uma escolha por um modelo. Cada um dos países observados convocou a ANC em décadas e situações distintas. O primeiro caso, Brasil, no final da década de 1980, institui a ANC com o objetivo principal de romper com a ditadura militar que controlou o país entre 1964 e 1985 e que havia aprovado a constituição anterior, assim como diversas emendas, imprimindo um caráter repressor e autoritário a carta constitucional. O caminho encontrado no caso brasileiro é o da introdução de mecanismos de democracia direta pactuado. Foram introduzidos dessa maneira, a Iniciativa Legislativa, o Referendo e o Plebiscito. A atuação de setores da igreja católica atuaram na construção do debate sobre a participação popular direta como forma de emancipação. Essa atuação se deu sob a influência do 1o Conselho Episcopal Latinoamericano, O CELAM apresentou as diversas ordens religiosas presentes, entre outras coisas, a ideia de que para se alcançar a redução das desigualdades sociopolíticas encontradas na América Latina era necessário estimular a participação popular direta.

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No Brasil, as propostas progressistas do 1o CELAM, assim como do 2o encontram em grupos novos da igreja o espaço para se desenvolverem. Esses grupos, minoritários dentro da Igreja, se somam a discussão sobre a necessidade de redemocratização no país, principalmente após o crescimento da violência contra a sociedade por parte do regime militar, quando alas majoritárias do igreja adotam o discurso desfavorável a ditadura. A ascensão do MDB como força política institucional de oposição, ocorre em momento parecido. O MDB, além de único partido de oposição ao regime, era nesse momento um movimento que agregava diversos atores sociais críticos a ditadura e que foram parte importante na luta pelo direito de participar no país. Essa luta resultou na campanha pelas diretas já! na qual a sociedade brasileira reivindicava o direito de eleger o presidente da república através do voto direto. Essa mobilização, conta com apoio de atores sociais, os partidos progressistas recém criados, além de enorme comoção popular. Após ser derrota no congresso a emenda que propunha o voto direto, ocorre a eleição indireta mas quem assume é o vice, José Sarney, que convoca a ANC. Nesse momento tem início a discussão sobre qual o modelo de participação seria concretizada na constituição. A proposta apresentada pela Comissão Afonso Arinos, convocada pela presidência da república, já sinalizava em favor dos MDD. A constituinte contou com a atuação direta da cidadania através do mecanismos que permitia a apresentação de emendas pela sociedade, as emendas populares. Nesse momento uma nova forma de fazer política começa a ser moldada através da participação de grupos com o objetivo de coletar assinaturas em favor de emendas populares. No total, são 122 as emendas populares. A ANC desenha o formato dos MDD que serão introduzidos em 1988. Portanto, o processo que institui os MDD na constituição de 1988 se deu através de forte participação popular direta, numa forma de fazer política ainda bastante contaminada pelo regime autoritário. Contudo, surge dessa capacidade de mobilização uma nova forma de fazer política que consegue garantir, através de acordos entre os diversos atores sociais e políticos envolvidos. Esse processo resultou num modelo de participação no qual os mecanismos de democracia direta não são totalmente controlados pelos cidadãos. Há mecanismos de controle tanto por parte do executivo como por parte do legislativo, esses mecanismos impedem que, por exemplo, uma iniciativa popular legislativa chegue a se tornar uma consulta popular, caso não tenham apoio dentro do poder legislativo. Isso acontece em função do desenho institucional da constituição, que vincula a iniciativa popular legislativa a aprovação ou controle dos poderes legislativo e executivo.

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Entretanto, não se deve entender esse modelo como impedidor da utilização de mecanismos de democracia direta no país. Vimos que movimentos sociais e outros atores foram capazes de organizar-se em torno de lutas distintas com o objetivo de coletar assinaturas e assim obter capital político par negociar com o poder legislativo a alteração/revisão e redação de novas leis. É possível afirmar que o modelo tem sido utilizado com sucesso. Existem debates, inclusive no próprio congresso nacional sobre formas de facilitar esse sistema, numa clara referência a necessidade de se repensar o desenho institucional dos mecanismos de democracia direta. O objetivo deve ser o de facilitar, estimular e até convidar o cidadão a utilizar os mecanismos disponíveis na constituição. Esses mecanismos foram fruto de luta dos movimentos sociais que desde a redemocratização buscam ampliar a participação popular. Isso ocorreu na campanha por eleições diretas para presidente da república, na luta pelo direito de participar na assembleia nacional constituinte, durante a constituinte através da coleta de assinaturas e apresentação de emendas populares e continua através da utilização da iniciativa popular legislativa. Dessa maneira, dentre os três casos apresentados, o brasileiro pode ser considerado como aquele cujo os mecanismos são mais controlados pelos poderes executivos e legislativo. Essa característica, somada a forma como os MDD foram introduzidos, através de um pacto, entre a sociedade e as forças políticas institucionais, mostram o modelo brasileiro como de avanço moderado na utilização de mecanismos de democracia direta. O papel que a transição negociada de um regime autoritário para um democrático, exerce é o principal fator para compreender esse caráter moderado. Os atores ligados ao regime militar exerciam controle no processo, como ficou claro na campanha diretas já! e também no processo constituinte. Outra característica a ser destacada é que a tradição brasileira aponta para o processo de coleta de assinaturas em apoio a uma proposta como a principal forma de utilização dos MDD disponíveis. Essa tradição pode ser remetida ao processo político vivido na constituinte no qual a coleta de assinaturas era a maneira utiliza por organizações sociais para apresentar emendas populares a constituição. Dessa forma, apesar do controle que o legislativo exerce no processo de iniciativa popular legislativa no Brasil, o formato mais comum é o que se inicia de baixo para cima. No caso Venezuelano, o processo é distinto. O país vivia, apesar de crises institucionais, sob um regime democrático e portanto, mesmo tendo havido uma tentativa de golpe de estado, o país esteve sempre organizado democraticamente. A introdução de MDD

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respeitou, portanto, as instituições do país. Além disso, deve-se destacar como a construção do debate sobre a participação política direta também esteve ligada ao pensamento elaborado por setores da igreja católica, principalmente a partir do 1o CELAM. Na Venezuela, essas ideias encontraram espaço para se desenvolverem sem se chocar diretamente com o regime. Isso permitiu que sua influência fosse rapidamente sentida em outros setores, principalmente no partido social-cristão, COPEI. A ascensão política de jovens membros, de formação cristã, cujo a trajetória esta ligada ao CELAM, dentro do COPEI faz com que o debate sobre um modelo alternativo de participação política no qual a participação direta era entendido como o caminho para a emancipação e redução das desigualdades entre os povos latino-americanos ganhe destaque. Suas ideias rejeitavam a democracia representativa como capaz de alcançar estes objetivos. Apesar deste debate ter permanecido a margem da sociedade, principalmente em função do pragmatismo político imposto pelo puntofijismo dentro do próprio COPEI e também pela prosperidade econômica dos anos 70. Essa influência também é notada nos partidos de esquerda revolucionária, podendo ser notado inclusive naqueles que aderiram a luta armada. Contudo, Mesmo com a chegada de Herrera Campíns, principal representante dos ideias de participação popular direta dentro do COPEI a presidência da república não houve acordo para uma transformação democrática neste sentido. O embrião destas mudanças viria após a saída de Campíns do governo, num cenário de crise econômica, surge a discussão, agora com a presença de partidos de esquerda. Após o fracasso do COPRE e da tentativa de golpe em 1992 uma nova força política de esquerda surge trazendo consigo boa parte dessa discussão e apresentando uma visão própria daquilo que seria chamado de democracia protagônica. Essa nova força era formada pelo mesmo grupo que tentou o golpe militar. A chegada deste grupo a presidência da república marca a disposição de enterrar o puntofijismo. Desse ponto de vista, o processo que se inicia nesse momento, além de buscar introduzir mecanismos de democracia direta, visava romper com o sistema político instituído durante décadas. Dessa maneira, o processo que se desencadeia é, apesar de respeitar a democracia, de conflito político. Esse conflito levou a uma radicalização das forças dificultando um pacto que permitisse a introdução de MDD de maneira menos chocante. Contudo, na Venezuela, os mecanismos são formalmente mais livres do poder institucional, contudo, o poder delegado ao executivo para convocar referendos sobre qualquer

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tema, é delicado, criando espaço para uma democracia plebiscitária. Além disso, foi possível notar que os movimentos sociais tiveram forte atuação na concepção da ‘democracia participativa e protagônica’ que emergiu no país. Contudo a atuação destes movimentos na luta pela introdução dos mecanismos precisa ser compreendida como parte de um processo determinado pelo governo executivo nacional. A função destes movimentos foi de participar de dentro, apoiando, ajudando com ideias e buscando formas de implementar. Entretanto, a luta teve um caráter mais institucionalizado, fortemente ligado a liderança do presidente da república. Dessa forma, entende-se que a introdução destes mecanismos ocorreu não por um confronto entre movimentos

sociais

e

forças

políticas

institucionais.

Mas

através

de

artifícios

institucionalizados e com forte utilização do aparato estatal para alcançar o sucesso. O uso dos mecanismos na Venezuela segue padrão semelhante. Todas as consultas populares foram legitimas e respeitaram os ritos democráticos. Contudo, vemos que os mecanismos de democracia direta iniciados pelo poder executivo tiveram predominância. Essa forma de utilização, quando constante, pode acarretar um desrespeito as regras da democracia, a dizer, a necessidade do debate no legislativo e confronto de ideias entre as elites políticas. Entretanto, a constituição prevê e o mecanismo foi utilizado, a possibilidade de revogação de mandato a nível nacional. Esse é um importante instrumento de controle. Claro que precisa ser utilizado com cuidado, uma vez que forças políticas derrotadas podem iniciar processos sem clara razão, apenas como uma forma de reverter o resultado democrático das eleições. Mas a predominância, nesse caso são as consultas de convocadas de cima para baixo. O processo visto na Bolívia passa pelo ciclo de lutas no qual a demanda popular por maio capacidade de decidir, principalmente após o processo desencadeado pela crise do gás fica claro. A exigência pela revogação da lei sobre os hidrocarbonetos e o desfecho no qual a maior força de oposição e dos movimentos sociais, consegue através de luta, não forçar a convocação de um referendo sobre o tema mas ainda, participar da redação das questões mostra que o caminho trilhado foi o de acentuação da participação através de luta para então surgir o debate sobre a introdução de mecanismos de democracia direta. A luta pela revogação da lei dos hidrocarbonetos resultou na queda de um presidente e no decreto que criava o instituto do referendo no país. Essa luta pelo direito de participar trouxe consequências não pretendidas pelos movimentos sociais. A bandeira do ‘referendo’ não era defendida abertamente pelos grupos sociais durante o ciclo de protestos. A proposta de utilizar o referendo surgiu como uma forma de luta contra uma lei que afetava a

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vida dos cidadãos e que fora decidida sem levar em consideração seus interesses. Portanto, No caso boliviano, os movimentos sociais tiveram atuação determinante na introdução dos mecanismos de democracia direta. Ao contrário do observado anteriormente, não há, tão claramente, a atuação de organizações sociais como a igreja e mesmo os partidos políticos de esquerda nas origens do debate sobre a utilização de mecanismos de democracia direta no país. O que encontra-se neste caso é a introdução destes como consequência de um processo de disputa politica, no qual o referendo atuou para reduzir os conflitos entre as elites políticas e movimentos sociais. Entretanto, seu uso se institucionalizou e cresceu. A Bolívia convocou vários referendos após ter ido as urnas para revogar a lei dos hidrocarbonetos. Todos eles respeitando os ritos impostos pela Lei do Referendo. Após, houve a aprovação do da constituição que sacramentou os mecanismos de democracia direta como uma ferramenta de participação popular direta. Por outro lado, o país tinha acúmulo maior de debate sobre o formato dos mecanismos, especificamente, tendo sido dos três casos analisados, o último a introduzir os mecanismos na constituição. Dessa forma, foi capaz de desenhar mecanismos que permitem maior capacidade de participação direta do cidadão. Dessa maneira, os mecanismos de democracia direta desde baixo, revocatório de mandato e iniciativa popular, podem, seguindo as regras preestabelecidas, alcançar a sociedade numa consulta popular relativa segurança e facilidade. Além de observar a introdução destes mecanismos foi necessário também pensar sobre o uso que foi feito destes. Dessa forma, foi possível refletir sobre como a participação popular é importante dentro do modelo democrático representativo. Contudo, precisa ser expandida, para que se torne cada vez mais uma rotina nas sociedades democráticas contemporâneas. Esse modelo de democracia que inclui mecanismos de democracia direta com o objetivo de ampliar o poder e a participação popular, com o desenho correto, é capaz de incrementar e qualificar a participação. A análise das consultas populares que ocorreram nesses três países indicam que há interesse em participar através de utilização de mecanismos de democracia direta. Além disso, deixa claro que não há tema de difícil compreensão para o cidadão, o que há é a necessidade de instrumentos que qualifiquem o debate, fazendo com que a consulta possa ser melhor compreendida.

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O que foi encontrando na pesquisa quando confrontado os três casos, é que Brasil e Bolívia construíram o processo de introdução de mecanismos de democracia direta de baixo para cima, através da atuação de diversos atores sociais, movimentos sociais, governo e partidos políticos. Essa atuação, difere entre os dois casos, tendo o Brasil seguido um caminho mais pactuado, entre os atores sociais não inseridos no processo político e aqueles que ocupavam uma posição de poder, em razão de sua saída de um regime militar. Na Bolívia, por outro lado, o acordo pela introdução de MDD se deu a partir de lutas sociais, onde os grupos excluídos do processo decisório encontram em acordo com as elites dominantes, como solução a consulta popular direta. Dessa forma, compreende-se que esse modelo se configura a partir da cidadania de luta, comum aos dois casos. Ambos tiveram também o uso dos MDD, ou seja a prática, anterior a introdução constitucional, dessa forma, os mecanismos eram observados como uma nova forma de fazer política, na qual aqueles excluídos do processo decisório buscariam que suas demandas fossem atendidas. No caso venezuelano, por outro lado, não foram detectados esses fatores apresentados aqui como característicos dessa cidadania de luta. Apesar dos conflitos sociais vistos desde o ‘viernes negro’ no início dos anos 80, passando pelo ‘caracazo’ e a tentativa de golpe em 1992 não havia uma nova forma de participação, direta, mas sim mecanismos tradicionais do repertório de lutas sociais. A ascensão ao poder de Chávez e sua ideologia de democracia protagônica são apresentadas a população, pela presidência da república, de cima para baixo, como mecanismos de incremento da participação política. Portanto, ao contrário de Brasil e Bolívia, a introdução a partir do projeto presidencial não é resultado de um processo de lutas e conflitos entre os diversos atores sociais. O caso venezuelano, é, entretanto, repleto de combates. A chegada ao poder e a luta pelo fim do puntofijismo foram processos de lutas intensas, contudo, essas lutas se deram em boa medida dentro do sistema representativo. Houve a busca pelo poder político institucional para que então se pudesse alterar o sistema. Dessa forma, é possível dizer que este trabalho encontrou duas diferentes maneiras pelas quais foram introduzidos os mecanismos de democracia direta em cada uma dessas constituições ao longo dos 20 anos entre a brasileira (1988) e a boliviana (2009). A primeira, através da cidadania de luta, no qual houve a prática pelos diversos atores sociais anterior a introdução, e a segunda, onde apesar de existir o debate ideológico sobre o tema, a introdução se deu através da chegada ao poder de um grupo político comprometido com a transformação

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da democracia representativa. Nesse caso, a participação anterior foi exercida através dos mecanismos tradicionais do sistema representativo, principalmente a participação eleitoral. É importante ressaltar que, principalmente nos dois casos classificados como de cidadania de luta, os movimentos sociais exerceram forte influência, através de lutas pela participação no processo decisório, na introdução dos mecanismos de democracia direta e ainda, na sua utilização. Essa mesma trajetória não foi encontrada no caso venezuelano. Sobre o processo analisado nos três países, a avaliação é de que foram processos democráticos. Esse processo democrático é essencial para o desenvolvimento de uma cultura de cidadania plena e ativa, onde a participação fora dos tradicionais espaços compreendidos no sistema representativo ganha um papel educativo, capaz de despertar o cidadão para a necessidade de participar. Dessa forma, enxergar a democracia como algo estático é um erro. Sua história indica que para sobreviver, este sistema político passou por diversas mudanças ao longo do tempo, numa constante mutação, os diferentes estágios de participação política através do sufrágio é um exemplo disso. Dessa forma, é necessário pensar o potencial que estes mecanismos apresentam para que assim possam ser desenvolvidos visando o interesse público. O debate sobre os riscos que os mecanismos de democracia direta podem trazer para o sistema representativo foram exaustivamente discutidos na literatura internacional dos anos 80 e 90. Essa literatura aponta principalmente para os riscos que o uso de cima para baixo pode apresentar. O principal deles, um governo plebiscitário que deixa de lado o poder legislativo para governar com apoio popular. Esse desvio populista pode ser minimizado num sistema político forte, onde há competição livre entre as elites políticas. Outra maneira de se evitá-lo é através de um desenho institucional que impossibilite os abusos, por exemplo, reduzindo a capacidade de convocação de cima para baixo. Contudo, o resultado da introdução de MDD não é, necessariamente, o enfraquecimento da democracia representativa, mas sim, uma nova correlação de forças, onde partidos políticos e representantes partilham o espaço político institucional com a sociedade civil que se torna mais forte para fazer valer suas demandas, assim como para controlar possíveis desvios, contrários aos seus interesses.

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