O PAPEL FUNDAMENTAL DAS AGÊNCIAS DE RATING NA TRANSIÇÃO POLÍTICO-ECONÔMICA DO CAPITALISMO E DA ORDEM MUNDIAL A PARTIR DOS ANOS 70 BRASÍLIA 2015

June 9, 2017 | Autor: A. De Andrade Chi... | Categoria: Marxismo, Capitalismo, Teoría Crítica, Mercado Financeiro
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ALTAIR DE ANDRADE CHICARINO

O PAPEL FUNDAMENTAL DAS AGÊNCIAS DE RATING NA TRANSIÇÃO POLÍTICO-ECONÔMICA DO CAPITALISMO E DA ORDEM MUNDIAL A PARTIR DOS ANOS 70

BRASÍLIA 2015

ALTAIR DE ANDRADE CHICARINO

O PAPEL FUNDAMENTAL DAS AGÊNCIAS DE RATING NA TRANSIÇÃO POLÍTICO-ECONÔMICA DO CAPITALISMO E DA ORDEM MUNDIAL A PARTIR DOS ANOS 70

Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Relações do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Orientador: Prof. João Paulo Santos Araújo

BRASÍLIA 2015

Aos meus pais, pelo apoio incondicional durante todos esses anos, e ao meu orientador, por sua compreensão.

RESUMO

Esta monografia apresenta um estudo conciso sobre o papel fundamental das Agências de ‘Rating’ no Capitalismo Financeiro Global. Fundamentalmente, há três temas principais a serem destacados: A Globalização do Capital, a Financeirização e a Formação das Agências. A princípio, serão expostas as características da transição político-econômica do capitalismo e a criação do instrumento de avaliação de crédito. Em seguida, serão descritos os aspectos referentes ao desenvolvimento das agências de ‘rating’ e a construção das estruturas históricas do capitalismo financeiro global, incluindo os processos de globalização e financeirização. Por último, serão discutidas as relações estabelecidas entre a atuação das agências de ‘rating’ e o funcionamento das estruturas.

Palavras-chave: Agências; Rating; Capitalismo; Globalização; Financeirização.

ABSTRACT

This paper presents a brief study on the basic role of Credit Rating Agencies in Global Financial Capitalism. Essentially, there are three main subjects to be shown: The Globalization of Capital, the Financialization and the establishment of agencies. Initially, will be exposed the characteristics of the political and economic transition of capitalism and the creation of credit ratings. Then the aspects regarding to the development of Credit rating agencies and the construction of the historical structures of global financial capitalism will be described, including the processes of globalization and financialization. Finally, will be discussed the relationship between credit rating agencies and the performance of the structures.

Keywords: Agencies; Ratings; Capitalism; Globalization; Financialization.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................8

1. A teoria crítica e o processo de Globalização...................................................10 1.1. A elaboração da teoria crítica..............................................................................10 1.2. O legado marxista para a teoria crítica................................................................11 1.3. O pensamento de Gramsci e suas vertentes......................................................14 1.3.1. A análise neogramsciana de Robert Cox.........................................................16 1.3.2. A análise neogramsciana de Ordem Mundial...................................................16 1.4. As dinâmicas do processo de Globalização........................................................17 1.5. As estruturas da Globalização do Capital...........................................................20 1.6. A transformação do capital e sua passagem para a Financeirização.................21 1.7. A relação da Financeirização com a criação de novos atores............................24

2. A ascensão do capital financeiro e o surgimento das agências de ‘rating’........................................................................................................................26 2.1. Da ascensão à crise: Os EUA e a economia mundial.........................................26 2.2. A emancipação das finanças nos EUA...............................................................28 2.3. A predominância global do capital financeiro......................................................29 2.4. O reflexo da financeirização para a ordem mundial............................................30 2.5. O histórico do mercado de capitais e as origens das agências de avaliação nos EUA............................................................................................................................32 2.5.1. A criação da primeira agência e sua proposta inicial.......................................34

2.6. Crescimento, consolidação e impactos da Grande Depressão: Início do uso regulatório dos ‘ratings’ nos EUA...............................................................................35 2.7. A contenção do crescimento das agências.........................................................37 2.8. Crise, Liberalização e Desenvolvimento das Agências: A adoção do uso regulatório das agências nos EUA.............................................................................37 2.9. A inserção das agências nos processos de globalização e financeirização: Componentes principais.............................................................................................39 2.9.1. Crises, ineficiência das agências e natureza do investidor..............................40 3. O papel fundamental das Agências de ‘Rating’ no Capitalismo Financeiro Global........................................................................................................................42 Conclusão.................................................................................................................54 Referências Bibliográficas......................................................................................56

INTRODUÇÃO

A

proposta deste trabalho

é analisar

se

as agências de

‘rating’

desempenharam papel fundamental na transição político-econômica do Capitalismo e da Ordem Mundial a partir da década de 70. Para cumprir este propósito, afinal, é indispensável recorrer às narrativas de formação e desenvolvimento das relações entre as agências e as estruturas do capitalismo financeiro global, bem como o processo histórico de onde surgiram. A abordagem escolhida para analisar o trabalho apresentado é a teoria crítica, incorporando também conceitos essenciais do pensamento marxista e gramsciano. Esta abordagem permite contextualizar a análise e atribuir valor social aos elementos, evitando se limitar a uma simples descrição das funções e dinâmicas de cada parte. Os objetivos da pesquisa são descobrir que tipo de papel e como as agências de ‘rating’ atuaram na transição para o capitalismo financeiro global, quais são as principais agências e de onde elas vieram, em que época elas tiveram maior apelo, como as agências se relacionaram com as mudanças na ordem mundial após a década de 70 e de que maneira elas lidaram com as crises econômicas a partir dos anos 90. No primeiro capítulo são apresentadas as ferramentas da teoria crítica e o argumento dos autores que analisam as transformações político-econômicas pelas quais o capitalismo passou. A propósito, o capítulo começa discutindo a formação da teoria crítica, sua perspectiva, sua finalidade. Depois, introduz conceitos marxistas, gramscianos e neogramscianos, como estado, classes sociais, imperialismo, bloco histórico, hegemonia, estrutura histórica. Na segunda parte, o capítulo trata de autores que analisam o processo de mudança no modo de acumulação do capital, as estruturas e a dinâmica do capitalismo global, o conceito de financeirização e de redes de conhecimento embutidos. No segundo capítulo são descritos os processos de formação histórica das agências de ‘rating’ e de financeirização global, dando atenção especial para a 8

análise dos Estados Unidos. A propósito, o capítulo começa apresentando uma definição da economia estadunidense até a crise de estagflação nos anos 70, quando efetivamente se inicia a transição para o processo de financeirização. Então, após descrever as transformações político-econômicas que caracterizaram os EUA na década de 70/80, o trabalho foca no alastramento do processo de financeirização para o mundo. Na segunda parte, o capítulo trata do surgimento das agências de ‘rating’ nos EUA, incluindo seu campo de atuação, sua função, sua relação com o estado e o mercado, seu desenvolvimento, e sua projeção global. Além disso, há também um artigo que apresenta a discussão dos impactos históricos provocados pelas transformações político-econômicas no regime financeiro internacional durante a década de 90. No terceiro capítulo procede a análise do problema de pesquisa, “o papel fundamental das agências de avaliação de risco de crédito na transição políticoeconômica do capitalismo e da ordem mundial a partir da década de 70”. A propósito, o autor utiliza os conceitos dispostos nos capítulos 1 e 2 para argumentar que as agências de ‘rating’ tiveram atuação decisiva para assegurar a confiança e a fluidez dos investimentos que se multiplicaram com o advento dos processos de globalização e financeirização a partir dos anos 70. Ainda, com o passar do tempo, as agências foram incorporadas a estrutura do processo e se tornaram uma espécie de autoridade semi-regulatória influente na formulação do regime financeiro internacional.

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1.

Capítulo: A teoria crítica e o processo de globalização

Ao longo do capítulo, este trabalho apresenta ferramentas de análise baseadas na teoria crítica e em autores de inspiração crítica, agregando elementos relevantes do Marxismo e do pensamento de Antonio Gramsci. Descreve conceitualmente, ademais, o processo de transformação político-econômico que o mundo enfrentou a partir da segunda metade do século XX, com ênfase para a atuação do capital. 1.1 A elaboração da teoria crítica A Escola de Frankfurt, ponto de partida deste trabalho, foi precursora da teoria crítica. Ela nasceu da tradição marxista nas ciências sociais e desenvolveu uma vertente mais voltada para a análise do campo ideológico, menos explorado por Marx do que a economia. Segundo Meneses (2005) em “Teoria Crítica em Relações Internacionais”, autores renomados como Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin e Herbert Marcuse defenderam a perspectiva da teoria crítica ao longo do Século XX. Em sua obra, “Documentação: Teoria Crítica I”, Max Horkheimer critica a ciência moderna como projeto político e social, mas não esconde sua importância histórica para os avanços técnicos da produção. O autor busca demonstrar que havia a finalidade de dominação político-ideológica atrelada à defesa de uma compreensão racional e isenta de valor. Seu raciocínio alicerçado em ciclos regulares da história e leis imutáveis levava a uma dinâmica de autoconservação da matéria, excluindo o papel da crítica e da transformação e assumindo o aspecto de submissão da sociedade. (HORKHEIMER, 1990) De acordo com Horkheimer (1990), o progresso da técnica e do modo de produção capitalista entrava em contradição com a desigualdade socioeconômica e a concentração de poder sobre uma classe. Então, de modo a estancar uma possível revolta, a classe industrial induziu à sociedade o pensamento que alienava sua condição de sujeito. Se, por um lado, o projeto de dominação social encampado com a ascensão da ciência moderna devia ser entendido como insustentável por sua natureza opressora, por outro lado, ele permanecia por sua capacidade de interferir no processo de cognição do homem. 10

Horkheimer (1990) sugeria uma abordagem social dos problemas relativos ao homem, de modo a compreender suas contradições e contribuir para a transformação da realidade. Proposta essa que a teoria crítica se dispôs a assumir, atribuindo aos fatos significado social e histórico. O objetivo da reflexão promovida pela crítica é auxiliar o homem no objetivo de tomar consciência dos problemas e emancipar-se de sua condição. Meneses (2005) descreve quatro características fundamentais da teoria crítica: o sujeito cognitivo e o seu objeto de estudo; a influência de valores e interesses sobre a teoria; a mutabilidade da realidade social; e os modos da teoria que surgem. A forma de análise da teoria crítica quebra o raciocínio tradicional, apoiado no cientificismo, na medida em que o exercício do pensamento crítico revela as condições, os objetivos e o compromisso dos sujeitos historicamente determinados, que estiveram ocultos durante muito tempo. A teoria crítica mostra-se, segundo o autor, empenhada em auxiliar a emancipação do homem por meio de suas idéias. (MENESES, 2005) Ao intento, Robert Cox (1981) em “Social Forces, States and World Orders” enfatiza que cada ponto-de-vista é oriundo de um recorte sócio-histórico da realidade, com perspectivas e propósitos. A teoria crítica, segundo o autor, se preocupa em destacar a importância dos processos históricos de mudança e participação dos complexos sociais e políticos para a formação da estrutura. Assim, torna possível esclarecer possibilidades de transformação da realidade dos sujeitos. (COX, 1981) 1.2 O legado marxista para a teoria crítica O arcabouço conceitual dos críticos é segundo Cox (1981), diretamente influenciado pelo pensamento marxista. O autor indica, sobretudo, quatro elementos do marxismo que possuem esse efeito: A dialética; O imperialismo; A relação de estado e sociedade civil/classes sociais; Processo produtivo na relação de estado e sociedade civil/classes sociais. O conceito de dialética, mais conhecido nas leituras de Hegel, é aproveitado por Cox (1981) em dois níveis de análise: O nível da lógica e da história. O primeiro nível reside no âmbito do debate e significa que toda ideia terá sempre seu oposto, o 11

que representa um ajuste contínuo das ideias com a realidade. O segundo nível repousa na oportunidade de mudança estrutural que advém dos conflitos sociais em determinada época. A dialética é, portanto, um fundamento básico do pensamento marxista que dá a noção de movimento que o método de análise necessita. O conceito de classe social, por sua vez, é indispensável para compreender o pensamento marxista e suas derivações. Theotônio dos Santos (1987) em seu livro “Conceito de classes sociais” se propõe a analisar o tema. Embora o autor determine alguns níveis de complexidade, o nível do modo de produção é imprescindível. Nele se destacam as relações sociais que compõem a produção e a organização da produção (divisão do trabalho, tecnologia). Ademais, este nível supõe certo antagonismo de classe, porque seu funcionamento e desenvolvimento são baseados na propriedade privada, essencialmente contraditória. Assim, as classes sociais são entendidas dentro do conceito de luta de classes. (DOS SANTOS, 1987) As relações políticas e culturais, com as quais uma classe social forma seu aparato de dominação sobre outra, são produto da economia neste nível. Desta maneira, a consciência de classe é abstraída das condições materiais do modo de produção da realidade. Theotônio (1987) cita em seu livro um trecho de Marx em O Capital: Nesta Obra, as figuras do capitalista e do proprietário de terras não aparecem pintadas, nem muito menos cor-de-rosa. Mas note-se: aqui só nos referimos às pessoas enquanto personificações de categorias econômicas, como representantes de determinados interesses e relações de classe. (DOS SANTOS. 1987, p.21)

Assim como a formação de classes, a constituição do estado para Marx, de acordo com Emir Sader (1998) em seu livro “Estado e política em Marx”, nasce da revolução burguesa. Ela se distingue de acordo com o grau de sucesso do projeto revolucionário burguês e seu desenvolvimento progressivo. De modo que, na visão do autor, a importância da política para a formação do estado é complementar em comparação com a economia. Por exemplo, existiam estados subdesenvolvidos e desenvolvidos, metrópoles e colônias, todos eles motivados, principalmente, por

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acumulação de riqueza. A definição das relações sociais para o estado também depende da relação entre a política e a economia: A separação característica ao capitalismo, entre proprietário dos meios de produção e vendedores de força de trabalho, requisita, como condições de sua existência, relações jurídicas que tomem, a uns e a outros, como indivíduos livres e iguais, bem como solicitam politicamente relações entre produtores diretos e apropriadores de mais-valia, sob a forma dissimuladora de cidadãos. As relações de produção capitalistas cedem então um lugar determinado ao político, ao preço que ele preencha nessas relações as condições de sua reprodução com estrutura social. (SADER. 1998, p.22)

O modo produtivo de acumulação capitalista exigiu que o estado participasse menos do mercado e liberalizasse a mão-de-obra, segundo Sader (1998). À medida que a mais-valia avançou, o estado se converteu permanentemente em um instrumento auxiliar da classe proprietária dos meios de produção para encaminhar seus interesses sobre a classe trabalhadora. Transferiram-se, assim, os esforços do estado para dispêndio político, jurídico e ideológico. No entanto, o autor observa uma peculiaridade no desenvolvimento do modo de produção capitalista interferiu na atuação do estado, a contradição entre a natureza expansiva do capitalismo - em razão de sua necessidade inesgotável de produzir, vender e se financiar – e a apropriação da força de trabalho através da mais-valia. O imperialismo foi uma das saídas. (SADER, 1998) O imperialismo é uma oportunidade de expansão do capitalismo, ao mesmo tempo, é também uma válvula de escape para o desequilíbrio acumulativo resultante de sua natureza contraditória. No início do século passado, em sua obra “Imperialismo, a fase superior do Capitalismo”, Vladimir Lenin (1987) registrou suas constatações sobre a transformação do sistema econômico vigente e suas implicações para o mundo. Uma das motivações, a mais essencial para Lênin (1987), é a substituição da livre concorrência pelo monopólio. Ao atingir seu estágio monopolista de desenvolvimento, o mercado das grandes potências – notavelmente, os bancos e as indústrias nacionais – acumulou um excedente de capital para investir e produção para escoar para fora de suas fronteiras, o que com a aliança entre esses dois braços da economia capitalista foi possível. 13

O imperialismo é o capitalismo chegado a uma fase de desenvolvimento onde se afirma a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde a exportação dos capitais adquiriu uma importância de primeiro plano, onde começou a partilha do mundo entre os trustes internacionais e onde se pôs termo à partilha de todo o território do globo, entre as maiores potências capitalistas. (LENIN. 1987, p.88)

A fusão de capitais que deu origem ao capital financeiro foi a maior responsável pela expansão da política colonial dos países e pela divisão do mundo pelos trustes internacionais, segundo Lênin (1987). Esses trustes eram uniões de capital entre as corporações líderes em seus respectivos mercados e comandavam a demanda em cada região. 1.3. O pensamento de Gramsci e suas vertentes O imperialismo é um conceito bastante relevante para o materialismo histórico. Não obstante, novos teóricos marxistas influenciados por novas perspectivas, com novas problemáticas e novos propósitos, surgiram ao longo do processo histórico para contrapor os pensamentos ortodoxos, de acordo com Cox (1983) em “Gramsci, Hegemony and International Relations: An Essay”. Nesse contexto, Antônio Gramsci desenvolveu sua crítica sem abandonar alguns princípios centrais dos pensamentos de Marx e Lênin, segundo o autor, como a análise das relações sociais da produção, o conceito de classe e o imperialismo. (COX, 1983) Conceitos gramscianos como ‘hegemonia’ e ‘bloco histórico’, de acordo com Ramos (2012) em “Ordem e Poder na Economia Política Global: A contribuição Neogramsciana” parte da análise das estruturas de produção classista, mas sofrem influência direta das relações sociais, políticas e também culturais existentes. O conceito de hegemonia, na visão do autor, é dependente das circunstâncias materiais das relações sociais da produção, mas não se limita a ela. Admite também que grupos sociais, políticos e ideológicos heterogêneos possam surgir da superestrutura e mudar a estrutura. (RAMOS, 2012) Segundo Ramos (2012), no sentido de constituir uma hegemonia, o poder do consentimento se torna essencial para a classe dominante formar uma base de apoio com as diversas ramificações existentes na sociedade civil, expandindo o conceito de dominação calcado no uso da força. O consentimento consiste tanto de 14

acordos de entendimento entre a classe e os grupos, quanto da construção de uma identidade coletiva. O resultado da formação do consentimento são as instituições presentes na sociedade e na política, de acordo com o autor, que constituem o Estado Ampliado. (RAMOS, 2012) Robert Cox (1983) em “Gramsci, Hegemony and International Relations: an essay in method”, analisa o estudo de Antonio Gramsci sobre a hegemonia da classe burguesa européia e suas instituições. Segundo ele, a importância delegada ao conflito de interesses que se forma na estrutura da sociedade civil dos países desenvolvidos mostra que a burguesia teve que negociar concessões com diversos grupos e lançar mão da ideologia social-democrata para manter a ordem enquanto classe hegemônica, ampliando a compreensão da luta de classes no estado e na sociedade. (COX, 1983) Sem embargo, segundo Ramos (2012), para construir uma hegemonia é necessário um bloco histórico. Blocos históricos se formam quando uma classe ou um grupo consegue obter mediante suas instituições a coesão perante outros grupos sociais para levar a cabo seus projetos econômicos, políticos e militares. Para se transformarem em hegemônicos, na visão do autor, os blocos terão de mostrar aos grupos subalternos de que sua ideologia e suas concessões são suficientemente convincentes para serem chamados de universais. (RAMOS, 2012) 1.3.1 A análise neogramsciana de Robert Cox A formação de uma hegemonia pode ser afetada por mudanças na configuração da correlação de forças sociais a cada período. Assim, caracteriza-se dentro do que Cox (1981) chama de ‘estrutura histórica’. Em “Social Forces, States and World Orders”, o autor define que “a estrutura histórica não representa todo o mundo, mas sim uma esfera particular da atividade humana em sua totalidade historicamente situada”. (COX. 1981, p.137) O conceito de estrutura histórica é composto por três categorias de análise que interagem de forma dialética: Capacidades materiais, ideias e instituições. O primeiro diz mais a respeito das relações sociais de produção da riqueza, de posse das tecnologias e dos recursos naturais. No segundo elemento, vários grupos com diferentes pontos-de-vista debatem suas ideias sobre a construção social. O 15

resultado, de acordo com Cox (1981), são as conflituosas projeções de sociedade oriundas dessa divergência. O último elemento, as instituições, consolida as ideias e as capacidades materiais em sua fundação e admite uma relação de influência mútua com os outros elementos em seu desenvolvimento. Essas três categorias de análise da estrutura histórica possuem três níveis de aplicação: O nível da organização da produção, das formas de estado e da ordem mundial. Segundo Cox (1981), em todos os três níveis as forças sociais desempenham um papel preponderante de formação do caráter de cada um. Mas, de modo particular, o Estado é aquele em que as definições das relações de produção e Hegemonia são ressaltadas. 1.3.2 A análise neogramsciana de ordem mundial Na visão de Ramos (2012), a análise neogramsciana não reduz o processo histórico à participação dos Estados, pois as forças sociais da produção e a sociedade civil também são tão relevantes quanto ele. Contudo, a determinação do “momento nacional” é imprescindível para a formação dos blocos históricos e das hegemonias que permeiam a ordem mundial. Segundo Cox (1983), a Hegemonia Mundial se inicia nas revoluções econômicas e sociais nacionais que determinam o ponto de partida das relações políticas e institucionais que a constituem internamente. Assim, a hegemonia mundial prescinde de uma classe dominante e um bloco histórico capazes de influenciar outros estados. “As instituições econômicas e sociais, a cultura, a tecnologia associadas com essa hegemonia se tornam padrões para exportar ao mundo”. (COX. 1993, p.61) Durante o processo de formação de uma hegemonia mundial, de acordo com Ramos (2012), uma das forças sociais consegue internacionalizar sua produção a ponto de influenciar os outros estados a assumir determinadas políticas e práticas nacionais. Segundo Cox (1993), nos estados onde não houve uma completa transformação social e econômica, eles não conseguiram criar ou estabilizar relações e padrões institucionais suficientemente fortes, então acabam incorporando parcialmente as instituições e os valores hegemônicos sem substituir o grupo de interesse que está no poder.

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1.4 As dinâmicas do processo de globalização A Globalização, de acordo com Nef (2002) em seu texto “Globalization and the crisis of Legitimacy, Sovereignity and Democracy” é um processo que abrange a reestruturação do sistema internacional. O advento desse processo dependeu de uma série de mudanças graduais nas instituições partícipes e do rearranjo de forças históricas que compuseram as relações internacionais. Segundo o autor, a estrutura política internacional enfrentou uma transição da intervenção direta dos EUA para a disseminação de um modelo marcado pela transnacionalidade. (NEF, 2002) A propósito, Ramos (2012) utiliza o conceito de Pax Americana para definir o período em que as instituições e as relações internacionais estiveram sob influência direta dos EUA. Segundo o autor, a ordem mundial da pós-segunda guerra refletiu uma hegemonia dos EUA tanto na economia quanto na cultura, com a exportação de um modelo de sociedade. Ademais, durante sua vigência o estado desempenhou papel relativamente central nas relações, embora a projeção econômica dos EUA indicasse a necessidade de uma internacionalização. (RAMOS, 2012) De acordo com Ramos (2012), foi o caráter expansionista dos componentes econômicos estadunidenses que impulsionou o processo de globalização após o reajuste político do final da segunda metade do século XX. As forças sociais da produção internacional herdaram o amparo institucional e ideológico propício da ordem hegemônica estadunidense para expandir suas relações a nível global. Na visão do autor, essa expansão representou também o transbordamento das fronteiras do Estado Nacional, transformando as estruturas políticas estatais e influenciando nas formações interna e externa das forças nacionais. (RAMOS, 2012) Jorge Nef (2002) divide a explicação do processo em três categorias. A primeira tange os impactos da última grande onda de avanços tecnológicos no mundo, onde as áreas de comunicação e transporte foram as mais atingidas e se tornaram muito mais interligadas. Conseqüentemente, o trânsito de mercadorias e pessoas se tornou mais rápido e mais fácil, bem como o fluxo de informações e de capitais se tornou mais volumoso e mais diverso. O reflexo dessa mudança, na visão do autor, foi o aumento da sensibilidade dos estados às dinâmicas externas e também dos estímulos para a integração global. 17

Neste contexto, as preocupações internas se tornaram tão ligadas com os ‘fatores externos’ que uma distinção entre nacional e global é meramente semântica. Os efeitos em longo prazo da permeabilidade tecnológica sobre a territorialidade dos estados-nação e sobre a idéia de soberania tem sido difíceis de prever. (NEF. 2002, p.60)

A segunda categoria trata da metamorfose ideológica que acometeu o mundo na segunda metade do século XX. Dois blocos antagônicos, um capitalista e o outro socialista, influenciaram as decisões políticas que eram tomadas do Ocidente ao Oriente. No entanto, segundo Nef (2002), houve uma reação vinda de ex-colônias e países em desenvolvimento, que se mobilizaram para romper com essa lógica de ‘dois mundos’ que os mantinha sob controle de duas potências imperialistas. A essas divisões foram cunhados termos como “norte-sul” e “leste-oeste”. Posteriormente, com a queda do bloco socialista, o capitalismo norteamericano saiu vitorioso e seu modelo liberal passou a ser visto como o melhor caminho para o progresso. Na visão de Nef (2002), o fato de não haver mais um antagonismo político-ideológico contribuiu para facilitar que fossem propagados instituições e valores de uma ordem dominada majoritariamente por interesses privados

que

compreendesse

nacionais

de

países

desenvolvidos

e

em

desenvolvimento. Por trás desses grupos de interesse, de acordo com o autor, estaria a promoção de políticas ligadas a ideia da integração global. (NEF, 2002) A terceira categoria, por sua vez, abarca os referenciais econômicos. Com o término da guerra fria, as antigas nações socialistas e os países em desenvolvimento tiveram de enfrentar um duro processo de abertura para se adequarem a realidade econômica internacional, diferentemente dos países que já tinham um capitalismo bem estabelecido e compartilhavam políticas semelhantes. Na visão de Nef (2002), o paradigma do desenvolvimento que opunha o hemisfério norte ao hemisfério sul se converteu em outro de caráter universal, guiado pela ideia de integração econômica dos países. A ideia de integração tinha em sua base interesses de grupos particulares ligados a corporações transnacionais, ao mercado financeiro e a elite internacional, em geral. Essa elite internacional, que segundo Nef (2002) concentra boa parte da riqueza, dos fluxos de capital globais e possui muita influência no meio político 18

internacional, liderou uma série de medidas de liberalização da economia nos estados a fim de aumentar a integração dos mercados mundialmente. Essas políticas ficaram conhecidas como parte de um movimento neoliberal e ajudaram a modificar a estrutura internacional. Apesar do cuidado em analisar o processo, Nef (2002) pensa que a globalização como propriedade universal é uma construção social. O que há, de acordo com ele, é um conjunto de benefícios gozados por uma pequena parcela da população mundial. A chance de usufruir dos benefícios de comunicação, transporte, produção, comércio e finanças é quase privilégio único de uma interconectada elite internacional. Ao mesmo tempo, a propaganda ideológica do conceito de globalização como propriedade universal exerce grande influência sobre a opinião pública internacional, ajudando a construir sua concepção e legitimar políticas correlatas. (NEF, 2002) 1.5 As estruturas da globalização do capital Em “Hegemonia Global e Poder Estrutural do Capital”, Stephen Gill e David Law (1989) trabalham o desenvolvimento das estruturas do processo de globalização. Antes de se aprofundarem no processo, os autores introduzem uma importante categoria para que seja possível entender sua linha de pensamento: ‘os regimes de acumulação’. O regime de acumulação é resultado de formas de reprodução sócio-econômicas determinadas historicamente e incorpora as relações de classe, as relações intra-classe e as formas de regulação da propriedade e do mercado. (GILL; LAW. 1989) A propósito, Gill e Law (1989) trabalham o desenvolvimento histórico das estruturas no processo de globalização através do diálogo entre estado e mercado, cujo fator de desequilíbrio é a atuação do capital. Por exemplo, eles descrevem que nos anos 70 e 80 houve uma onda de desregulamentação dos mercados nacionais, especialmente os financeiros, para que os estados obtivessem receitas que compensassem suas balanças de pagamento e também para que os mercados proporcionassem melhores condições e mais espaço para que o capital fosse investido. Esta iniciativa política deu mais liberdade aos agentes do capital para se expandirem e, sobretudo, integrou ainda mais a economia mundial. “No fundo, fica a 19

idéia de que a propriedade privada e a acumulação são sacrossantas, e que sem elas o crescimento estaria ameaçado”. (GILL; LAW. 1989, p.481) Para Gill e Law (1989), as políticas econômicas dos anos 70 e 80 marcam o advento de um novo regime de acumulação com características globais. Com o aumento da fluidez e do volume de capital transnacional, também aumentaram sua influência política sobre as instituições, seu poder material e ideológico. Para demonstrar essa relação, os autores trabalham duas categorias de poder a nível global: O poder comportamental do capital e o poder estrutural do capital. (GILL; LAW. 1989) O poder comportamental do capital diz respeito ao poder que as corporações transnacionais exercem sobre estados, organizações internacionais e entidades governamentais quando ordenam para onde a produção será deslocada, aonde serão alocados os investimentos e o ritmo do comércio internacional que alimenta sua demanda. Essa espécie de lobby corporativo, de acordo com Gill e Law (1989), é representada politicamente por uma classe transnacional espalhada em governos e instituições internacionais, mas também em bancos centrais, nos meios de comunicação e etc., a fim de significar um foco de pressão pela realização dos interesses inerentes a expansão dos negócios entre capital transnacional e entes públicos. O resultado dessa dinâmica comportamental, de acordo com os autores, é a formação de um bloco transnacional, com consciência e solidariedade. (GILL; LAW. 1989) As estruturas de poder do capital, por sua vez, não possuem articulação direta, mas pressupõem certas condições de reprodução e crescimento. Em outras palavras, a atração que o capital exerce sobre governos e sociedade para empregar, qualificar, urbanizar, modernizar, desenvolver, eleger e, em troca, receber incentivos de mercado para investir, produzir e comercializar. Segundo Gill e Law (1989), cabem aos estados definirem os limites para a atuação das transnacionais. Mas os governos, em geral, costumam partir da mesma premissa que o capital transnacional, senão por afinidade ideológica, por interesse, o que constitui a formação de uma hegemonia. Ao intento, os autores argumentam que o atual regime de acumulação global tende a promover políticas econômicas monetaristas, como a ‘guerra contra a inflação’, em que o estado intervém pontualmente para assegurar 20

um cenário propício para o sucesso das empresas no mercado, caracterizando esse tipo de ordem hegemônica como liberal. (GILL; LAW. 1989) 1.6 A transformação do capital e sua passagem para a financeirização David Harvey (1996), em seu livro “A condição pós-moderna”, discute sobre as transformações ocorridas no modo de produção capitalista mundial e sua relação com a transição político-econômica global. A propósito de aclarar o que mudou, Harvey (1996) recorre a três características fundamentais para explicar o funcionamento do sistema capitalista e suas contradições. Na primeira característica, Harvey (1996) trata o capitalismo como sendo voltado para o crescimento e que esse crescimento é medido pela elevação dos lucros e do capital acumulado. Sua estagnação significa a falta de expansão do produto. A segunda característica, por outro lado, trata da exploração da força de trabalho na produção. Segundo o autor, ela complementa a primeira no sentido que o crescimento depende dos valores que não são pagos aos trabalhadores, ou seja, a mais-valia. É essencial, portanto, o controle da quantidade de mão-de-obra e seu valor de mercado/salário. Já a terceira versa sobre a necessidade do capitalista estar sempre apresentando novos meios de produção e organização mais eficientes que os anteriores, a fim de aumentar a possibilidade de lucro e o controle sobre o trabalho. Para Harvey (1996), nesse caso a tecnologia é de extrema relevância. (HARVEY, 1996) Na visão de Harvey (1996), esses três fundamentos se reúnem em uma grande contradição referente ao insustentável desequilíbrio entre capital e trabalho. Essa contradição gera crises cíclicas no sistema, conhecidas também como ‘crises de superacumulação’. A superacumulação consiste na existência de capital ou/e trabalho ocioso, expressa por grandes excedentes de mercadoria, dinheiro e desemprego de mão-de-obra. “Trata-se de um interminável e eterno de todo modo capitalista de produção. A única questão é como administrar essa tendência de maneira que não ameace a ordem social capitalista”. (HARVEY. 1996, p.170) Há igualmente três formas de lidar com essas crises, de acordo com Harvey (1996). A primeira delas ocorre por meio da desvalorização e/ou destruição de mercadorias, do dinheiro, da capacidade produtiva, do trabalho. Outra forma se dá 21

através do controle macroeconômico concebido por algum modelo regulatório, mas que cedo ou tarde acaba ruindo por sua natureza contraditória dos interesses econômicos. Já a última forma, na visão do autor, acontece pela absorção da superacumulação de três modos: O primeiro modo, chamado de deslocamento temporal, trata do ato de remeter recursos para investimentos em longo prazo e/ou adiantar a arrecadação de lucros para cobrir a capacidade produtiva excedente. Contudo, depende da disponibilidade de crédito e do endividamento. (HARVEY, 1996) O segundo modo, chamado de deslocamento espacial, diz respeito à explosão geográfica do capital para ocupação dos espaços mundiais. Na visão de Harvey (1996), em sua base está a criação e a dominação de novos mercados, contudo, sem combater o problema da superacumulação. Além dos dois primeiros, há também o deslocamento tempo-espacial, consequência da saturação cada vez maior dos mercados. Segundo o autor, ele liga a expansão geográfica aos investimentos de longo prazo e/ou ao adiantamento da arrecadação. (HARVEY, 1996) Aplicadas na prática, segundo Harvey (1996), todas essas formas de lidar com a crise falharam ou chegaram ao seu esgotamento. Economias muito endividadas, caos social e graves conflitos políticos foram o resultado obtido na década de 70/80. O autor, então, percebe que o capitalismo precisou se modificar para garantir um novo ciclo de crescimento e afastar as convulsões sociopolíticas que se aproximavam. O caminho que se chegou foi à flexibilização das relações de trabalho assalariado e das relações de produção de riqueza, baseadas no desenvolvimento de novas tecnologias e novas formas de acumulação. Harvey (1996) dá o nome de acumulação flexível para a transformação político-econômica do capitalismo. (HARVEY, 1996) Ideologicamente, esse período de transformação é conhecido pelo culto à iniciativa privada, à liberdade de empresa e ao poder da tecnologia. E, na visão de Harvey (1996), elas foram bem aceitas pelas instituições do sistema internacional e também pela população mundial, em geral. Entretanto, o que não tem precedentes na história é a virada que o modo de produção capitalista sofreu.

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O mercado financeiro, de acordo com Harvey (1996), assumiu papel preponderante na economia mundial. Os mercados de crédito, de ações e títulos, de seguros e derivados, em todo o mundo, se tornaram um meio muito mais viável para se refinanciar ou desviar os recursos de um sistema produtivo sobrecarregado. Os estados, sob pressão, se esforçaram para conferir-lhes o máximo de autonomia. Ao intento, para o autor a missão de gerar riqueza tem sido cada vez mais transferida para a abstração das finanças, ou seja, o lucro oriundo das operações de compra e venda de papéis, emissão de vínculos, securitização e empréstimo. A acumulação de capital se desliga, assim, dos aspectos físicos e materiais da produção e da realidade social. (HARVEY, 1996) Esse processo de acumulação, além do mais, também é abordado em outras obras e com outros conceitos. “A mundialização financeira” de François Chesnais (1998), por exemplo, atribui o conceito de Financeirização ao movimento de expansão e alastramento das atividades que envolvem o mercado financeiro. “Esse crescimento vertiginoso das finanças internacionais corresponde a uma mudança sistêmica, no sentido que a própria natureza do sistema financeiro se transformou, sendo ele, doravante, dominado pela especulação”. (CHESNAIS. 1998, p.113) Um dos efeitos planejados pelo processo de financeirização, de acordo com Chesnais (1998), é o investimento de risco ou especulativo. A especulação não prioriza a análise da realidade concreta da produção, nem projetos de longo prazo. Ela se preocupa apenas com as previsões do momento, qual a opção mais rentável para aplicar recursos e quando retirá-los, aproveitando a instabilidade dos indicadores macroeconômicos internacionais e das políticas financeiras liberais para extrair seu lucro. Com o mercado financeiro repleto de ‘ativos podres’, segundo o autor, novos mecanismos de regulação vão surgir para tentar disciplinar esse tipo de investimento. (CHESNAIS, 1998) 1.7 A relação da financeirização global com a criação de novos atores Em “A infra-estrutura da governança global: Mecanismos semi-regulatórios e as novas finanças globais”, Timothy Sinclair (2001) enfatiza o conceito das Redes de Conhecimento Embutidos dentro do regime financeiro internacional. Segundo ele, essas redes são entidades privadas que dominam o conhecimento essencial, às 23

vezes, confidencial, sobre política, economia, negócios, e que tornaram seu conhecimento funcional, posteriormente, imprescindível, sobre os mercados. (SINCLAIR, 2001) Na visão de Sinclair (2001), as redes são também mecanismos organizados de resolução dos problemas de concorrência sobre o privilégio da informação que traz vantagens competitivas e benefícios do investimento. O fato de sua especificidade ser algo fundamental para a tomada de decisão nos mercados faz com que eles ganhem prestígio político e gozem de relativa autoridade no meio, influenciando diretamente nas legislações e políticas públicas. E, segundo o autor, sobretudo com o processo de globalização, os governos tendem a fomentar sua padronização e seu crescimento como estratégia de poder no mercado internacional. (SINCLAIR, 2001) Na visão de Sinclair (2001), o que transforma esse conhecimento em algo realmente efetivo é sua capacidade emitir julgamentos sobre o grau de confiabilidade das transações no mercado, especialmente as mais intensivas em capital. Esses julgamentos limitam as possibilidades e moldam os comportamentos dos atores, contribuindo para validar as práticas e estruturar o mercado. Ademais, de acordo com autor, o consentimento das partes envolvidas diante de sua atuação adquire status de autoridade e pode até manipular o conhecimento para se favorecer de uma situação ou outra. “A falta de um progresso significativo nas propostas de arquitetura financeira poderiam ser ditos por terem sido marginalizados pelo desenvolvimento de uma recente infra-estrutura semi-regulatória.” (SINCLAIR. 2001, p.42) Sinclair (2001) lembra que ao longo do processo de financeirização esses problemas se multiplicaram e os mecanismos aumentaram consideravelmente, substituindo parte das regulamentações flexibilizadas. Por conseguinte, as instituições que desenvolvessem as técnicas mais eficientes de resposta aos investidores, teriam um poder de barganha maior com os governos e com o mercado.

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25

2.

Capítulo: A ascensão do capital financeiro e o surgimento das Agências

de ‘Rating’ Este capítulo trata da transição do capitalismo para a financeirização e procura expor as implicações históricas dessa mudança sobre a política econômica global, com enfoque especial no estudo da economia estadunidense durante a segunda metade do século XX. Descreve, sobretudo, a criação e o desenvolvimento das Agências de Avaliação de Risco de Crédito no mercado financeiro, destacando sua incorporação através dos instrumentos regulatórios do estado. 2.1 Da ascensão à crise: Os EUA e a economia mundial Durante as primeiras décadas do período pós-guerra, a economia dos países industrializados

viveu

anos

de

altíssimos

níveis

de

desenvolvimento.

Particularmente, os EUA tiveram papel destacado nessa época, segundo Chesnais (1998). Privilegiados por serem mais competitivos do que outras economias capitalistas e pela instituição do Regime de Bretton-Woods em 1945, os EUA impulsionaram o fluxo de comércio internacional ancorados na estabilidade do padrão internacional dólar-ouro e em programas de reconstrução dos países afetados pela guerra. Essa onda de crescimento do comércio internacional acompanhado de desenvolvimento, no entanto, foi alavancada por uma série de políticas econômicas nacionais de cunho intervencionista. As políticas cambiais, por exemplo, os governos assumiam o direito de eles mesmos definirem os limites de dólar de acordo com suas metas e comumente desvalorizavam suas moedas para conseguir vantagens. Chesnais (1998) destaca três elementos cruciais para o sucesso do modelo econômico da época: O primeiro deles é a ‘política salarial fordista’ aplicada pela indústria, cujos resultados da produção e lucros se refletiam diretamente nas políticas de aumento salarial e outros benefícios. O segundo é a intervenção do estado, através da qual as empresas tinham garantidas políticas públicas para a expansão da demanda e condições estáveis para o progresso da produção industrial. O terceiro é a administração dos sistemas financeiros através do financiamento público das dívidas dos bancos com implicação para oferta de crédito farto e juros baixos. (CHESNAIS, 1998) 26

O crescimento da economia, principalmente durante os anos de 50 e 60, esteve alicerçado no endividamento sustentável das empresas, especialmente da indústria e dos bancos, que contavam com a expansão do mercado consumidor e com o suporte do estado para a manutenção da oferta. Na prática, de acordo com Chesnais (1998), os Bancos Centrais asseguravam o poder de empréstimo dos Bancos comerciais, que emprestavam para a indústria a juros baixos. A Indústria, por sua vez, investia em longo prazo em inovações para a produção, obtendo seu lucro com os altos preços cobrados de uma demanda massiva. Todavia, a partir dos fins da década de 60, uma queda prolongada do crescimento norte-americano foi constatada. A produção industrial sofreu um decréscimo considerável, o que resultou na estagnação dos salários e dos lucros, segundo Chesnais (1998). Então, as indústrias e os trabalhadores procuraram o refinanciamento bancário para suas dívidas, o que inflacionou mais os preços e desvalorizou sua moeda. A nível internacional, o aumento da inflação supervalorizou o dólar e aumentou a especulação sobre sua conversão com o ouro. Esse fenômeno especulativo, na visão do autor, acarretou na renúncia unilateral dos EUA ao regime de Bretton-Woods, com o abandono do padrão dólar-ouro em 1971 e do sistema de câmbio fixo em 1973. (CHESNAIS, 1998) Os bancos comerciais, sob risco de irem à bancarrota, também não puderam sustentar esse processo de estagflação por muito tempo. De acordo com Chesnais (1998), os planos de resgate aos bancos sobrecarregaram demasiadamente a balança de pagamentos, fazendo aparecer um enorme déficit orçamentário público. Por outro lado, a súbita elevação dos preços do petróleo na década de 70 provocou um déficit comercial nos países industrializados. Segundo o autor, esses dois déficits somados tornaram impossível manter a política salarial/empregatícia nos EUA, bem como a política monetária nacional. (CHESNAIS, 1998) O Banco Central dos EUA de modo a diminuir drasticamente a inflação, determinou a interrupção de medidas assistenciais à injeção de moeda de crédito no mercado e o fim do teto para depósito bancário, no término da década de 70. Para Chesnais (1998), essa política deflacionária gerou não só o aumento da taxa de juros, mas também a necessidade de uma radical reestruturação industrial, com arrocho salarial e desemprego, e a contenção de gastos públicos. 27

2.2 A emancipação das finanças nos EUA Chesnais (1998) analisa que a transição dos anos 70 para a década de 80 marcou o surgimento de um ciclo políticas de liberalização e desregulamentação da economia internacional, com destaque para as finanças. A crise de estagflação que levou aos ‘déficits gêmeos’ norte-americanos provocou mudanças profundas no papel do estado e da produção. Culpado pelos economistas liberais do endividamento do estado e pressionado pelo mercado para apresentar uma saída para a crise, o governo norteamericano deixou de intervir nas finanças e reduziu sua participação na economia. De acordo com Chesnais (1998), a flutuação do câmbio e a alta da taxa de juros foram medidas provenientes dessa alteração. Por outro lado, o capital produtivo, antes privilegiado pelas políticas intervencionistas do estado e pela manutenção da taxa de juros baixa, passou a ser preterido por investimentos de maior rentabilidade e liquidez, como títulos, ações e poupança. Segundo Chesnais (1998), a liberalização das finanças públicas e a opção pelo mercado financeiro nos EUA desencadearam novas formas de reprodução institucional na economia. Os estados, por exemplo, passaram a sustentar sua dívida da emissão de títulos baseados no pagamento de juros e bônus para investidores privados. Os bancos comerciais, por sua vez, atuaram mais como seguradores de títulos da dívida pública e títulos de liquidez de operadores financeiros, ao invés de realizar empréstimos de crédito duvidosos. A indústria, por outro lado, precisou ampliar sua administração financeira para compensar a perda de crédito e da assistência pública. (CHESNAIS, 1998) Na visão de Chesnais (1998), a partir dos anos 80 quando os investidores optaram mais pelo mercado financeiro, eles estavam atrás de soluções em curto prazo para seus problemas na geração de lucro. Ao contrário da produção, que demandava tempo e era muito custoso, o mercado financeiro oferecia uma chance dos investidores multiplicarem rapidamente seu dinheiro com base na confiança mútua. As diversas partes envolvidas em um negócio confiavam que mesmo se um ativo não se valorizasse – ou desvalorizasse, dependendo da perspectiva do

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investidor – e o passivo ficasse maior, a capacidade de solvência de ambos estaria assegurada. (CHESNAIS, 1998) Ademais, segundo Chesnais (1998), o cenário de instabilidade financeira causado pela retirada gradual da intervenção do estado na economia desde os anos 80, atraiu muitos investidores pelo risco das transações. A volatilidade dos preços desregulamentados e das finanças liberalizadas criou uma enorme margem de lucro para especuladores, preocupados com as vantagens que podiam ser obtidas com a liquidez. Então, para satisfazer esses novos agentes, novos mercados foram abertos e a burocracia para investir foi eliminada. O autor destaca a abertura do mercado de derivativos e swaps, bem como o fim da necessidade de intermediação bancária para investimentos diretos no mercado financeiro como exemplos da relevância desses novos agentes nos EUA. (CHESNAIS, 1998) 2.3 A predominância global do capital financeiro Analisando seu aspecto internacional, Chesnais (1998) vê o movimento do capital financeiro se expandir para além das fronteiras norte-americanas e estabelecer influência em todo o globo. De acordo com o autor, no final da década de 70 os EUA e os estados desenvolvidos enfrentavam uma dura crise financeira, que só começou a ser superada quando esses estados decidiram liberalizar e desregulamentar suas economias. Para financiarem as dívidas públicas geradas durante a crise, esses estados utilizaram a emissão de títulos com juros altos e grandes bonificações, principalmente os EUA. (CHESNAIS, 1998) Na visão de Chesnais (1998), os benefícios obtidos pelos investidores com a emissão desses títulos eram vastos, compreendendo desde a recuperação da economia mundial até o rendimento obtido com a compra dos títulos. Na prática, essa medida desviou os fluxos internacionais de capitais totalmente para esse fim. Com a recuperação, segundo o autor, as economias incorporam definitivamente a liberalização e a desregulamentação como as melhores saídas para criar um novo ciclo de prosperidade global. (CHESNAIS, 1998) Os estados em desenvolvimento, de acordo com Chesnais (1998), de modo a refinanciarem

suas extensas dívidas externas com

bancos e

instituições

estrangeiras, também aderiram à emissão de títulos públicos. Tiveram, por essa 29

razão, que reajustar suas economias ao liberalismo e a desregulamentação financeira no final dos anos 80 e ao longo da década de 90. A cadeia financeira, bem como a produtiva e a comercial, tornou-se assim cada vez mais integrada. “A desregulamentação foi um dos elementos motores da globalização financeira, pois acelerou a circulação internacional do capital financeiro [...]”. (CHESNAIS. 1998, p.111) Essa guinada para a financeirização, segundo Chesnais (1998), trouxe questionamentos quanto à discussão do regime financeiro internacional. Ao passo que as radicais mudanças econômicas no contexto da globalização, combinadas com algumas crises financeiras resultantes da instabilidade internacional dos anos 90, provocavam o corte de políticas públicas e de direitos sociais em todo o mundo, principalmente nos Estados em desenvolvimento, o consenso construído pelo eixo EUA – Japão – União Européia tinha dificuldades de manobrar um novo acordo financeiro internacional a seu favor. 2.4 O reflexo da financeirização para a ordem mundial A propósito, o texto de Ben Thirkell-White (2007) chamado “A nova arquitetura financeira e os limites da hegemonia neoliberal” trata da transição para o debate do regime financeiro internacional nos anos 90, em razão do reflexo das políticas econômicas executadas nas décadas de 70 e 80. Como o autor ressalta, o problema da capacidade de auto-regulação do mercado esteve presente em todas as discussões, geralmente embasado em uma argumentação pelo progresso da técnica, sustentada pelos intelectuais liberais. (THIRKELL-WHITE, 2007) Na visão de Thirkell-White (2007), as discussões buscaram encontrar soluções para estabilizar as finanças globais e, ao mesmo tempo, reduzir o impacto dos ajustes sobre os estados em desenvolvimento. O aumento da ineficiência de iniciativas públicas nacionais e internacionais, ademais, agravou esse quadro de desequilíbrio financeiro. Dentro do conjunto de soluções para o problema da negociação de um novo regime financeiro que fosse mais eficaz, surgiu o ‘manual das boas práticas financeiras’ ou ‘Abordagem de Normas e Códigos’ criado pelo G7, Grupo dos países desenvolvidos, para ajudar a comunidade internacional a pensar formas de administrar as questões mais delicadas do sistema financeiro, 30

como regulação bancária, endividamento, atuação das corporações, provisão das informações e etc. Para acompanhar seu andamento, foi criada uma instituição chamada Fórum de Estabilidade Financeira, composto pelo mais alto escalão de especialistas da área. Mas, no intuito de obter maior aceitação internacional, o G-7 demonstrou uma face mais interventora ao pressionar o Fundo Monetário Internacional para estabelecer essas normas como padrão institucional e elemento relevante para a concessão de empréstimos destinados aos países em desenvolvimento. Então, duas instituições de monitoramento se originaram, a Inspeção sob a Observância de Normas e Códigos e o Programa de Avaliação de Setor Financeiro, além de as linhas de crédito do FMI passarem a exigir assinatura de compromisso com as normas. Para o autor, essas novas medidas em âmbito internacional induziam os estados e o mercado a se adequarem a um novo cenário das finanças, porém, o processo de liberalização não devia ser modificado em essência. Essa nova agenda do G-7 para o regime financeiro começou a sofrer oposição. O G-24 ou grupo dos países em desenvolvimento abandonou a resignação com o concerto político dos anos 80 e passou a endurecer mais as discussões internacionais. As crises financeiras no decorrer da década de 90 e o endividamento externo desses países encrudeleceram essa contenda, assumindo caráter de urgência o debate financeiro. Ao mesmo tempo em que a confiança dos investidores internacionais era necessária para superar a instabilidade, também era imprescindível que as soberanias de legislar as finanças nacionais fossem mantidas para assegurar um controle mínimo sobre fluxos indesejáveis. As instituições financeiras internacionais sabem que precisam expandir o consentimento com suas políticas se eles querem que elas sejam implementadas. Porém, eles tem tido problemas porque eles não querem se comprometer substantivamente. (THIRKELL-WHITE. 2007, p.36)

A prorrogação das políticas liberais da década de 80 com disfarce regulatório e multilateral era o que os governos dos países em desenvolvimento queriam evitar. Tais reformas do regime financeiro internacional ficaram, em parte, travadas pelo ímpeto dos países emergentes. Tendo consciência disso, o que o FMI, o G-7 e outras instituições tentaram fazer foi renegociar os termos da reforma, mas com o lobby fortíssimo do setor financeiro transnacional, o acordo não prosperou. 31

2.5 O histórico do mercado de capitais e origens das agências de avaliação nos EUA Segundo Sylla (2001) em “A Historical Primer on the Business of Credit Ratings”, a história dos mercados de capitais se confunde com a história do sistema financeiro moderno.

Desde o século XVII, a Companhia Holandesa das Índias

Orientais já possuía ações para venda, enquanto o governo holandês ofertava títulos. Por outro lado, a Holanda já sustentava o Banco de Amsterdã, que era uma espécie de Banco Central da época. O autor, ademais, diz que a consolidação da Inglaterra como potência econômica nos séculos XVIII e XIX, e depois os EUA deveu muito ao aprendizado obtido com a experiência financeira holandesa. (SYLLA, 2001) Nos EUA, especificamente, a competitividade entre os investidores começou a aumentar com a necessidade de desenvolvimento da infra-estrutura nacional e de uma economia que compreendesse integralmente seu território continental, no início do século XIX. Nesse propósito, segundo Sylla (2001), as corporações ferroviárias eram consideradas pedras fundamentais. Por volta de 1950, a demanda por financiamento dessas corporações se uniu ao movimento de expansão para áreas pouco exploradas do país através do desenvolvimento do mercado de ações voltado para o investimento na dívida das companhias ferroviárias. Esse acontecimento gerou um efeito positivo para o crescimento norteamericano na segunda metade do século XIX, com a impulsão do mercado de títulos públicos, das manufaturas, do bem-estar e da riqueza nacional. De acordo com Sylla (2001), o mercado financeiro nessa época cresceu como nenhum outro antes. Sendo que, até meados do século XIX, os investidores não tinham grandes preocupações com a condição dos devedores. Geralmente as partes cumpriam o contrato, ou seja, os pagamentos eram efetuados nas datas marcadas previamente e com os juros determinados. Esse compromisso também dizia respeito às instituições financeiras nacionais, que possuíam a confiança do mercado. Contudo, na visão de Sylla (2001) o crescimento do mercado de capitais nos EUA alterou um pouco a relação entre investidor e devedor. O aumento do volume de transações financeiras e das operações à distância fez com que surgissem algumas exigências para a realização do negócio. A princípio, cartas de 32

recomendação bastavam para assegurar o compromisso de pagamento do devedor. Mas, conforme o mercado se expandiu e as informações se tornaram ainda mais escassas, surgiram formas mais eficientes de comprovar a existência ou não de condições para a execução de um negócio. De acordo com Sylla (2001), ao longo do século XIX, três categorias de empreendimento assumiram o papel de auxiliar os investidores com a alocação de seus recursos no mercado financeiro. A agência de relatório de crédito, a primeira delas, começou em 1841 através de Lewis Tappan, um mercador de tecidos novaiorquino. Lewis possuía inúmeros registros comerciais de seus clientes, quais pagavam e quais não pagavam corretamente, e também uma rede de colaboradores que fornecia mais informações para sua coleção. Em razão disso, ele resolveu montar sua Agência Mercantil, que vendia os históricos de credibilidade para investidores em todo o país. Sua empresa foi comprada por R. G. Dun and Company em 1859 e competiu durante décadas com outra empresa semelhante, de John Bradstreet. A segunda categoria de empreendimento salientada por Sylla (2001) foi a Imprensa financeira especializada. Ela começou em 1832 através da publicação de um jornal sobre as ferrovias norte-americanas. Em 1849, Henry Varnum Poor se tornou seu editor e publicou informações até 1862, quando passou a assinar publicações próprias. Poor expunha estatísticas financeiras e operacionais sobre as ferrovias norte-americanas, como suas ações, suas dívidas, seus ganhos e até a extensão das ferrovias. A terceira categoria eram os Bancos de Investimento. Segundo Sylla (2001), esses Bancos não eram simples provedores de informação, mas também garantiam aos investidores que os devedores eram capazes de cumprir o negócio. Também conhecidos como intermediários financeiros, os Bancos analisavam, compravam e distribuíam os títulos para os investidores no mercado, garantindo a qualidade do vínculo financeiro. Suas análises se baseavam em informações financeiras e operacionais confidenciais que eram passadas pelas corporações, principalmente as ferrovias. De acordo com o autor, os Bancos de Investimento conseguiram manter esse privilégio informacional por bastante tempo porque tinham acumulado reputação suficiente com os agentes do mercado. (SYLLA, 2001) 33

No entanto, segundo Sylla (2001), esse privilégio começou a incomodar a alguns na medida em que o volume das transações financeiras aumentava e o poder de decisão parecia estar mais concentrado nas mãos dos bancos. A ideia de quebrar a confidencialidade deixava os bancos desconfortáveis, que apelavam para sua reputação a fim de defender seu papel privilegiado no mercado de capitais. Paralelamente, no início do Século XX, surgiram inovações no modo de oferecer análises de crédito para os investidores o mercado. 2.5.1 A Criação da primeira agência e sua proposta inicial Em 1900, segundo Sinclair (2005) em seu livro “New Masters of Capital: American bond rating agencies and the politics of creditworthiness”, John Moody teve a ideia de publicar um Manual de Estatísticas Industriais nos EUA. Seu significado era fornecer informações úteis para os investidores, convertendo a crença de sucesso em conhecimento prático para o mercado. A princípio, essa ideia de manual não era distinta do que já existia. Compêndios de informação baseados em pesquisas e registros comerciais dos emissores de títulos e ações já eram oferecidos há algumas décadas. De acordo com o autor, a verdadeira mudança apenas se materializou após a crise financeira de 1907. (SINCLAIR, 2005) Devido à crise de 1907 nos EUA, os investidores haviam perdido a confiança na emissão de crédito pelo mercado, além dos mecanismos e instituições financeiras que analisavam sua situação, como os bancos privados. Esse evento acarretou na fundação do Sistema de Reserva Federal, o Banco Central dos EUA, para controlar os fluxos financeiros nacionais. Antes, segundo Sinclair (2005), ocorreu o lançamento da primeira avaliação de crédito ou ‘rating’ em 1909, por John Moody. Essa avaliação consistia em um julgamento sobre a credibilidade dos agentes devedores no mercado financeiro e surgiu para atender a demanda dos investidores por informações livres de conflito de interesse. De acordo com o autor, o ‘rating’ foi inovador no sentido de afirmar a confiabilidade da condição financeira e operacional de emissores de títulos e ações. (SINCLAIR, 2005) Na visão de Sylla (2001), a criação da primeira agência de avaliação ajudou os investidores a responderem a contradição existente a respeito do papel dos bancos como analistas no mercado financeiro. Ao invés de secretas como no 34

passado, as informações estariam disponíveis sob a forma de avaliações para quem pagasse por ela. O que, para Sylla (2001), constituiu uma nova forma de reputação que transferia confiança dos bancos para agências no mercado. Por outro lado, segundo White (2001) em “The Credit Rating Industry: An industrial organizational analysis”, a disponibilidade do ‘rating’ para o investidor assumia natureza coletiva, ou seja, todo o mercado se beneficiava da redução da desconfiança e dos possíveis custos de obtenção que a informação teria se não houvesse as agências. O problema relacionado à posse e distribuição de informações no mercado financeiro, de acordo com Mostacatto (2013) em seu artigo “Eliminating Regulatory Reliance on Credit Ratings: Restoring the strength of reputational concerns”, era a razão de existir das agências. Quando não há nenhuma instituição responsável pelo processamento de informações, aumenta a incerteza e o perigo de se investir. Por isso, o investidor pode se recusar a entrar no mercado ou exigir um retorno muito maior do emissor. Segundo a autora, a função das agências era reunir e analisar informações sobre as condições e o crédito dos emissores, avaliando cada uma segundo o risco que representava para os investidores. De modo geral, reduzir a assimetria de informações existente no mercado financeiro. (MOSTACATTO, 2013) 2.6 Crescimento, consolidação e impactos da Grande Depressão: Início do uso regulatório dos ‘ratings’ nos EUA Herwig Langohr e Patricia Langohr (2009), autores do livro “The Rating Agencies and Their Credit Ratings: What they are, how they work and why they are so relevant?”, dividem a história das agências em quatro fases, sendo a primeira (1909-1943) caracterizada como a fase de estabelecimento das agências nos EUA. Por outro lado, Sinclair (2005) discorda. Ele pensa que só após a crise financeira mundial de 1929 e as subseqüentes revisões da regulamentação financeira norteamericana é que a atividade das agências começou a se desenvolver melhor nos EUA. Antes, de acordo com Sinclair (2005), as agências ainda eram apenas um complemento para o conhecimento dos investidores no mercado. A propósito, Herwig Langohr e Patricia Langohr (2009) sustentam sua argumentação explicando que a Primeira Guerra Mundial e a bem-sucedida década de 20 para economia norte-americana resultaram em um crescimento considerável das ações, dos títulos

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e do número de investidores no mercado financeiro dos EUA, o que contribuiu para colocar as agências em evidência posteriormente. Após a iniciativa de John Moody em 1909, novas empresas decidiram entrar no negócio das agências. Em 1916, a Poor Company se tornou a segunda do ramo nos EUA. Depois também começaram emitir ‘ratings’ a Standard Company, em 1922, e a Fitch, em 1924. De acordo com Herwig e Patricia Langohr (2009), durante as primeiras décadas, a Moody’s comandou o mercado das agências e foi fundamental para sua consolidação junto aos investidores. No mesmo ano de sua fundação, 1909, ela criou o método singular das letras de nota para avaliar o risco do crédito no mercado financeiro. Seus símbolos iam de Aaa a C e acabaram inspirando outras agências a adotarem sistemas parecidos, porém, com letras distintas. Além do mais, segundo os autores, a Moody’s atendia quase todas as emissões de valores nos EUA por volta de 1924 e manteve boa margem de acertos nas avaliações, mesmo após a Grande Depressão. (LANGOHR; LANGOHR, 2009) Após a crise de 1929, de acordo com Sinclair (2005), a queda na qualidade do crédito e o endividamento das instituições financeiras induziram o governo dos EUA a aprimorar sua legislação financeira. Em 1931, o Escritório de Controle Monetário passou a diferenciar os valores emitidos no mercado entre avaliados para o investimento e avaliados como especulativos. A partir de 1936, os bancos foram obrigados a só possuírem vínculos com emissores avaliados com notas entre A e BBB, consideradas como ideais para o investimento, e proibidos de fazer transações especulativas. Na visão do autor, Essas duas legislações incluíram as avaliações das agências como guias de mercado, enfraqueceram o poder dos bancos e abriram caminho para que as agências se consolidassem ainda mais perante os investidores nos EUA. (SINCLAIR, 2005) Para White (2010) em seu artigo “The Credit Rating Agencies”, outra mudança importante na regulamentação do mercado financeiro foi a criação da Comissão de Valores Mobiliários, em 1934. Criada para controlar as atividades relacionadas à emissão de valores e efetivar a regulamentação desenvolvida nessa época, a Comissão se transformou em fator determinante para a incorporação dos ‘ratings’ pelas instituições financeiras norte-americanas. Segundo o autor, essa

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mudança beneficiou muitíssimo as maiores agências naquele tempo, que eram a Moody’s, a Poor’s, a Standard e a Fitch. (WHITE, 2010) 2.7 A contenção do crescimento das agências Em 1941, a Poor’s e a Standard se fundiram para formar a Standard & Poor’s Corporation. De acordo com Herwig e Patricia Langohr (2009), a fusão das empresas foi o último acontecimento relevante da primeira fase das agências. Houve ainda um intervalo entre a primeira e a segunda fase, ocupado pela transição do final da Segunda Guerra Mundial para a criação do regime de Bretton-Woods. A partir daí, a economia norte-americana entrou em uma onda de estabilidade que arrefeceu o mercado financeiro e limitou o crescimento das agências. Na visão de Sinclair (2005), a mudança no desenvolvimento das agências começou, de fato, após a Grande Depressão. Depois de a economia norteamericana ser devastada pelos efeitos da crise financeira, o foco do ‘rating’ se voltou para os ativos de empresas com grande credibilidade no mercado e títulos municipais. De acordo com o autor, as agências assumiram uma posição conservadora durante as décadas posteriores a crise, incentivados pelo controle de capitais erguido com o surgimento do regime de Bretton-Woods. (SINCLAIR, 2005) Nos anos 60, segundo Sylla (2001), a estabilidade começou a ser rompida. Com o declínio da qualidade do crédito, aumentaram os rumores sobre a real situação da economia dos EUA. Ao mesmo tempo, cresceu também o número de investimentos de risco, de acordo com Sinclair (2005). Dentro desse cenário, a transição para a década de 70 viu a primeira das várias mudanças que aconteceram no escopo das agências de avaliação de risco de crédito. 2.8. Crise, Liberalização e Desenvolvimento das Agências: Uso regulatório das agências Em 1970, a Moody’s e a Fitch decidiram modificar a estrutura de pagamento de suas avaliações, acompanhadas mais tarde pela Standard & Poor’s. Segundo Cantor e Packer (1994), autores de “The Credit Rating Agencies”, os ganhos obtidos com a publicação de materiais de ‘rating’ para o investidor já não eram mais capazes de garantir a expansão dos serviços e dos produtos, dado que o mercado pouco se 37

preocupava com a qualidade do crédito e os relatórios das agências eram usualmente copiados. Ainda, na visão de Cantor e Packer (1994), a recessão da economia americana nos anos 70 foi fator preponderante para a mudança. Devido à falência de muitas empresas, os investidores se tornaram bastante pessimistas em relação ao mercado financeiro. Então, para restaurar a confiança dos investidores, as agências começaram a lançar relatórios com avaliações sobre a situação da dívida das empresas e sobre a chance de pagamento dos investidores no mercado. De acordo com os autores (1994), à medida que a procura aumentou e a confiança se restabelecia no mercado financeiro, as agências decidiram cobrar também os emissores pelo ‘rating’. (CANTOR; PACKER, 1994) Para Herwig e Patricia Langohr (2009), a década de 70 foi ponto de partida para uma série de transformações na esfera financeira e para uma nova fase desenvolvimento

das

agências,

empurrada

pelas

mudanças

radicais

que

configuraram o período. O fim do regime de Bretton-Woods e, posteriormente, a emergência de um ciclo de políticas de liberalização da economia nos EUA fizeram com que o mercado financeiro ganhasse força e abrangência. Com mais incentivo para os investidores e para os emissores, a participação das agências se tornou muito maior ao longo dos anos subsequentes. Por outro lado, segundo Sinclair (2005), o nascimento dessa fase também ficou marcado pelo início da adoção de regulamentações fundadas na figura das agências. Em 1975, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA determinou por meio da lei 15c3-1 que corretores no mercado financeiro deveriam se basear em pelo menos duas avaliações de agências de ‘rating’ nacionalmente reconhecidas para definir sua prioridade de negócios. As emissões que obtivessem avaliações como notas de investimento deveriam ter preferência. No momento da criação dessa lei, de acordo com Sinclair (2005), a Comissão de Valores Mobiliários indicou apenas quais seriam os componentes do rol de agências nacionalmente reconhecidas, abstendo-se de qualquer qualificação ou critério para outras agências. As escolhidas foram as três maiores, a Moody’s, a Standard & Poor’s e a Fitch. A nomeação dessas agências de avaliação e sua 38

absorção regulatória, segundo o autor, contribuíram para conferir autoridade para elas. Gradualmente, o arcabouço regulatório financeiro norte-americano aceitou a adoção das agências de ‘rating’ como intermediários legais do comportamento do mercado e das instituições financeiras também. (SINCLAIR, 2005) 2.9 A inserção das agências nos processos de globalização e financeirização: Componentes principais No transcorrer das últimas duas décadas do século XX, de acordo com Herwig e Patricia Langohr (2009), foram geradas algumas mudanças no tocante às agências, que permaneceram após os anos 2000. Essas mudanças desencadearam o crescimento e a expansão das agências, dentro e fora dos EUA. Os autores citam algumas forças macroeconômicas como espelhos dessa argumentação: O fim da intermediação bancária, a reestruturação da indústria, a criação de instrumentos financeiros inovadores, a globalização financeira e o uso regulatório das agências. (LANGOHR; LANGOHR, 2009) O fim da intermediação bancária, segundo Herwig e Patricia Langohr (2009), se refere à troca do credor no mercado financeiro. Se antes o banco era o único responsável legal pelos empréstimos para a realização de transações, qualquer agente capaz do mercado passou a poder financiar as partes de um negócio. Na visão dos autores, essa troca representou o fim da dependência da burocracia bancária, a dinamização das operações no mercado financeiro e ampliação do número de agentes engajados nas transações. Como avaliadores de crédito, função que os bancos também desempenharam, as agências se beneficiaram do aumento no número de emissores e investidores interessados na possibilidade de negócios de alto risco/rendimento. (LANGOHR; LANGOHR, 2009) Por outro lado, para Herwig e Patricia Langohr (2009), a reestruturação da indústria foi um problema para o mercado que as agências souberam aproveitar a seu favor. Em razão das transformações com as quais a economia mundial sofreu ao longo das últimas três décadas do século XX, a indústria precisou substituir seu planejamento voltado para as taxas de crescimento em troca do modelo baseado no valor de suas ações. Porém, de acordo com os autores, essa transformação foi afetada pela instabilidade do mercado financeiro. O desafio para a indústria de se 39

estabelecer no mercado foi aprender a lidar com a oportunidade e o risco do investimento. As agências, por sua vez, se aproveitaram dessa dúvida para prover o mercado e os investidores com avaliações de crédito que tornaram viáveis as diversas possibilidades de operação financeira. (LANGOHR; LANGOHR, 2009) Já a criação de instrumentos financeiros inovadores, segundo Herwig e Patricia Langohr (2009), compreendeu a necessidade de expansão do mercado de capitais. O processo de liberalização das finanças e desenvolvimento de novas tecnologias removeu as barreiras que impediam que novos tipos de transação surgissem, impulsionando o mercado financeiro. Quanto mais complexas e voláteis são as relações que envolvem esses instrumentos inovadores, mais importante se torna o papel das agências em fornecer avaliações que possibilitem a realização do negócio. Na visão de Sinclair (2005), a multiplicação desses instrumentos financeiros estimulou as agências a desenvolverem sistemas de acompanhamento em tempo real e escalas mais estruturadas de análise, a fim de aumentar a precisão e o monitoramento de seu produto. A Globalização Financeira, segundo Herwig e Patricia Langohr (2009), resultou do interesse dos investidores em diversificarem seus investimentos, atraídos

pela

relação

de

risco

e

rendimento

presente

nos

mercados.

Especificamente, as agências tiraram proveito da demanda dos investidores por avaliações sobre ações de empresas estrangeiras e títulos de outros países para se expandirem mundialmente e estabelecer escritórios em todo o globo. O uso regulatório das agências, segundo Herwig e Patricia Langohr (2009), se origina do reconhecimento do papel do ‘rating’ como fundamental para o mercado. À medida que o mercado passou a recorrer às avaliações do risco de crédito, as agências se tornaram ferramentas úteis de regulamentação financeira para os governos. Para os autores, o crescimento no uso regulatório fortaleceu ainda mais as três maiores agências dos EUA e ajudou a criar um modelo para governos de outros países seguirem também. (LANGOHR; LANGOHR, 2009) 2.9.1 Crises, ineficiência das agências e natureza do investidor No final do século XX e início dos anos 2000, de acordo com Sinclair (2005), posições

controversas

durante

algumas

crises

financeiras

colocaram

sob 40

questionamento a reputação das agências. A falha em prever a quebra da Enron em 2001, por exemplo, trouxe duras críticas à atuação e à disposição do mercado de agências, levantando suspeitas de manipulação dos ‘ratings’ e acusações contra as agências. Herwig e Patricia Langohr (2009) consideram esse período como a quarta e última fase das agências. Como resposta a contradição, a regulamentação foi alterada no decorrer do tempo para aumentar a transparência do processo e ampliar a concorrência. Entretanto, Sinclair (2010) argumenta em “Credit Rating Agencies and the Global Financial Crisis” que as mudanças ocorridas na regulamentação do mercado financeiro não foram capazes de evitar a crise do subprime de 2008 nos EUA, incluindo a ação de reforma das agências em 2006. Na visão do autor, isso aconteceu porque esse mercado se baseia na confiança. Quando os investidores perdem a confiança no mercado e nas instituições, todas as promessas de funções perdem sua utilidade. (SINCLAIR, 2010)

41

3. O papel das Agências de ‘Rating’ no Capitalismo Financeiro Global Este capítulo visa analisar as agências de avaliação como atores fundamentais do capitalismo financeiro global. Para estruturar essa argumentação, é necessário buscar elementos históricos e conceituais desde o surgimento das agências até os dias atuais, salientando que o enfoque principal do trabalho começa a partir da década de 70 nos Estados Unidos. Este período foi caracterizado pela transição político-econômica do capitalismo no mundo e configurou a formação de uma nova estrutura histórica, sobre a qual a análise se debruça para determinar por que as Agências de ‘Rating’ se tornaram tão essenciais. Do século XIX até o início do século XX, a assimetria de informações no mercado de capitais já era um problema para os investidores nos EUA. Nessa época, a base econômica estadunidense estava em pleno desenvolvimento e mostrava-se aberta ao modelo de investimento privado e de transações entre capitais, entretanto, limitações técnicas obstruíam o progresso nacional. Nesse contexto, surgiram os embriões do que seriam as Agências de ‘Rating’ tempo depois, como disposto no capítulo 2. De acordo com Sylla (2001), sobretudo os bancos de investimento tiveram atuação destacada para a estabilização do mercado de capitais. Era através deles que os investidores obtinham informações confidenciais, negociavam as ações ou títulos e tinham garantia de retorno assegurada. A influência dos bancos estadunidenses para o desenvolvimento nacional na segunda metade do século XIX não foi um fenômeno isolado da história. Lênin (1987) diz que a fusão entre capital bancário e industrial foi um aspecto recorrente da economia mundial durante esse período, caracterizando o desenvolvimento dos estados nacionais. Através de empréstimos ou mesmo como intermediários no mercado de capitais, os bancos forneceram condições fundamentais para que fluísse a quantidade de investimento necessário para a consolidação da infraestrutura nacional e para ascensão da indústria. Na visão de Sinclair (2005), a economia dos EUA viveu anos de prosperidade até a crise financeira de 1907, quando a emissão descontrolada de moeda provocou uma recessão no mercado. O estado norte-americano precisou intervir nas finanças 42

e a mudança veio com a criação do ‘Federal Reserve’, o banco central estadunidense. A partir daí, um novo ciclo de crescimento nacional foi assegurado por mais duas décadas, através da fusão entre capital bancário e industrial. Também em decorrência da crise surgiu a primeira agência de avaliação de risco de crédito, baseada em julgamentos sobre a confiabilidade dos emissores de crédito. As agências de ‘rating’ permaneceram como coadjuvantes até 1929. Naquele ano, uma crise de super-acumulação atingiu a economia estadunidense, levando a outra grande recessão. A partir desse momento foram traçadas as bases para o modelo econômico que durou até o início os anos 70 nos EUA, caracterizado pela intervenção do estado na economia. A propósito, os ‘ratings’ das agências foram ferramentas selecionadas pelo governo dos EUA à época para ajudar na regulação do mercado financeiro, que estava se recuperando da crise. Na visão de Sinclair (2005), o objetivo da política regulatória era combater o investimento especulativo, um dos fatores que havia contribuído para o processo de super-acumulação existente, através da classificação do crédito disponibilizada pelo conjunto de avaliações das agências. Embora indiretamente, as agências ganharam credibilidade com essa política do governo. Ao longo de toda a década de 30, de acordo com White (2010), o governo estadunidense buscou ajustar os descompassos econômicos que ocasionaram a crise financeira. Em 1934, foi criada a Comissão de Valores Mobiliários, órgão do governo criado para regular as relações no mercado de capitais. Dois anos mais tarde, os bancos foram proibidos de negociar ações ou títulos especulativos. Esses ajustes não significaram, porém, que a classe bancário-industrial estadunidense havia fracassado ou, remetendo a discussão das premissas elencadas no capítulo 1, que sua hegemonia estava ruindo. Ao contrário, o estado recorreu a um novo modelo econômico, com novas regras e novas instituições para dar nova energia ao regime de acumulação baseado na fusão entre capital industrial e capital bancário. De acordo com Chesnais (1998), o governo estadunidense esperava que o estímulo à produção, a contratação de trabalhadores, ao consumo e ao crédito 43

amparasse os setores da economia nacional e desse segurança aos investidores. Ao mesmo tempo, a redução do risco de investir desencorajou o fluxo de investimento que podia ter sido direcionado para o mercado financeiro, limitando o crescimento das agências e transformando sua existência em um paradoxo até os anos 70. Por um lado, as agências ganharam credibilidade com o estado e o mercado. Mas, por outro lado, o mercado financeiro perdeu força. Após a Segunda Guerra Mundial, segundo Chesnais (1998), os EUA saíram politicamente e economicamente fortalecidos. Praticamente recuperados da crise e tendo visto o continente europeu ser devastado, os EUA puderam dar as cartas na política internacional. Propuseram, por exemplo, a criação do regime de BrettonWoods em 1945. Este regime impulsionou o dólar como moeda do comércio internacional, colaborou como fundo de reconstrução para os países afetados pela guerra e como emprestador para países pobres. Esses fatores desencadearam um novo ciclo de desenvolvimento da economia dos EUA, com aumento de suas exportações e da quantidade de investimento circulando na economia internacional. Além disso, o arcabouço institucional internacional passou a ser baseado em instituições moldadas para contribuírem com os interesses estadunidenses, como o Fundo Monetário Internacional, o BIRD, o Banco Mundial. Deste modo, a Hegemonia que antes se mantinha mais a nível nacional, foi catapultada para a esfera internacional. Ao longo das décadas de 50 e 60, segundo Chesnais (1998), o crescimento da economia estadunidense esteve alicerçado em um processo de endividamento sustentável entre indústria, bancos e trabalhadores, garantido por políticas de incentivo do governo. Ao mesmo tempo, o saldo comercial dos EUA se comprovava positivo e o fluxo de dólar no mercado internacional era grande. A hegemonia do capital bancário-industrial se reafirmava em território nacional com uma nova configuração e a nação se consolidava cada vez mais no cenário internacional. No auge da acumulação de capital e do desenvolvimento nacional, o poder da classe bancário-industrial era abundante, suas ideias eram consistentes e as instituições pareciam duradouras. Todavia, esta estrutura histórica entrou em colapso. Na passagem da década de 60 para 70, de acordo com Chesnais (1998), 44

os níveis de crescimento nacional vinham abaixando consideravelmente e a inflação subia em descontrole. O processo de endividamento sustentável aparentava não estar mais produzindo efeitos regeneradores sobre a economia. Os bancos apresentavam resistência ao emprestar nas condições estipuladas pelas políticas do governo e a indústria ameaçava não pagar suas dívidas. Assim, o bloco histórico formado em razão da fusão do capital industrial com o capital bancário estadunidense estava em conflito. Por outro lado, sua hegemonia seria abalada caso os níveis sociais de emprego e de consumo fossem seriamente afetados, como realmente foram. Na visão de Chesnais (1998), a chamada crise de estagflação atingiu os EUA em cheio, causando instabilidade generalizada. No contexto internacional, essa crise teve reflexos ainda mais duros. A supervalorização do dólar frente ao ouro criou uma onda de especulação muito grande, pressionando o governo estadunidense a renunciar unilateralmente ao regime de paridade dólar-ouro. Posteriormente, os efeitos prolongados da crise econômica culminaram também com o fim do câmbiofixo. Ao mesmo tempo, a elevação proposital do preço internacional do petróleo provocou um agravamento da recessão econômica mundial. Na prática, o alastramento da crise estadunidense para todo mundo causou o aumento da insatisfação internacional com relação às instituições hegemônicas, colocando em cheque o papel de ‘hegemon’ dos EUA. Segundo Chesnais (1998), de modo a evitar o caos completo em sua economia, o governo estadunidense ofereceu um plano de resgate aos bancos endividados. No entanto, o resgate oferecido aumentou ainda mais o déficit orçamentário nacional. Esse déficit somado ao saldo extremamente negativo da balança comercial em meados dos anos 70 criou uma atmosfera política favorável à mudança, o que afetou diretamente o comportamento das agências. De acordo com Sylla (2001), as agências de ‘rating’ se mantiveram relativamente estáveis até o fim da década de 60, quando a qualidade do crédito começou a declinar. A deterioração da economia afetou também o mercado financeiro, extremamente conservador naquele período. Os investidores se converteram mais pessimistas com as condições que emergiam nos EUA e, ao 45

mesmo tempo, os entraves regulatórios impediram que uma categoria de investidores mais agressivos vingasse. Como resultado, as agências perderam seus consumidores. Contudo, segundo Cantor e Packer (1994), em uma estratégia ousada, as agências passaram a emitir seus ‘ratings’ sem serem requisitadas, na tentativa de recuperar o ânimo dos investidores no início da década de 70. As avaliações eram feitas acerca da possibilidade de pagamento da dívida dos emissores e lograram formar condições para reaver a confiança do mercado àquela altura. Se, por um lado, o bloco histórico e a hegemonia da época tinham se enfraquecido, por outro, alguns setores pareciam estar reagindo gradualmente a essa crise. Embora tolhidos pelo regime de acumulação controlado pelo estado, os especuladores nunca deixaram de existir, bem como outros atores do mercado financeiro, tais quais as agências. A própria classe bancário-industrial estadunidense almejava obter mais liberdade para seus investimentos no exterior, dando fluidez para seu capital. Entretanto,

para

encabeçar

uma

mudança,

era

necessário

traduzir

seu

descontentamento em termos de política. De acordo com Gill e Law (1989), o movimento de liberalização e desregulamentação da economia mundial, iniciado no final dos anos 70, correspondeu por alguns motivos à mudança esperada. Primeiramente, significou uma resposta à crise existente. Em segundo lugar, refletiu as demandas emergentes de setores importantes da economia e da sociedade. E, sobretudo, representou um duro golpe às instituições da época. Na prática, o movimento consistiu de uma série de políticas que desvincularam o estado da economia e alteraram as regulamentações em vigor. Os novos governos assumiam, assim, a culpa do estado e das instituições pela crise econômica, ao mesmo tempo em que propunham mudanças radicais. Muito afetadas pelos ‘déficits gêmeos’, na visão de Chesnais (1998), as finanças estadunidenses sofreram transformações profundas em seu modus operandi. Como resultado das políticas de liberalização, o Banco Central havia 46

perdido o controle sobre o câmbio e sobre a taxa de juros, que passaram às mãos do mercado. As restrições que existiam ao mercado financeiro foram, aos poucos, suspensas e mesmo algumas regulamentações foram substituídas por mecanismos desenvolvidos pelo próprio mercado. Em essência, segundo Gill e Law (1989), uma nova estrutura foi erguida sobre o regime da acumulação, com uma nova configuração de poder e novas instituições, dentre as quais, podemos destacar as agências. As agências de ‘rating’, a propósito, estiveram sempre atentas às mudanças. Durante a crise, segundo Cantor e Packer (1994), elas mudaram a estratégia de seu negócio. Passaram também a cobrar os emissores por suas avaliações, em um período em que as dívidas estavam em alta e os investidores queriam retomar seus investimentos. Os resultados de seus ‘ratings’ havia sido um sucesso para a restauração da confiança no mercado e os emissores deviam parte desse sucesso ao novo tipo de relação estabelecido com as agências. Em razão desse sucesso, de acordo com Sinclair (2005), a partir de meados dos anos 70, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA decidiu basear suas regulamentações voltadas para o mercado financeiro sobre as avaliações de duas ou mais agências nacionalmente reconhecidas. Não se tratava apenas de instrumentos técnicos a serviço das regulamentações, senão das próprias agências como instituições reconhecidas politicamente pelo estado e em quem ele confiava. A atuação do estado havia mudado e junto a ela outras modificações também estavam ocorrendo. Com o fim dos incentivos para os bancos e para a indústria, de acordo com Chesnais (1998), as relações salariais e empregatícias foram precarizadas, assim como o nível de consumo. Ao mesmo tempo, como não havia mais estímulo para investir na produção, os bancos e a indústria tiveram que encontrar outra saída para retomar o crescimento. A solução, segundo Harvey (1996), foi flexibilizar as relações de acumulação, aumentando a capacidade de deslocamento espaço-temporal do capital e mitigando o problema de crescimento existente. Isso significou, sobretudo, abrir mão de uma aliança histórica entre o capital bancário e o capital industrial. Com a flexibilização, por outro lado, o capital oriundo do mercado financeiro passou a dar as cartas na 47

economia. Paralelamente, o fim do controle de capitais fez o fluxo de investimento estrangeiro aumentar e implicou uma abertura ainda maior dos mercados, conferindo mais poder de influência para o capital no mundo. Sendo assim, para compreender o papel das agências de ‘rating’ dentro da nova estrutura histórica, dois processos se tornaram fundamentais: a globalização e a financeirização. Com o fracasso do modelo econômico bancário-industrial gerido pelo estado, o regime de acumulação flexível assumiu seu lugar. A partir desse novo regime, segundo Gill e Law (1989), o capital transnacional obteve uma fonte de poder estrutural considerável, pressionando os estados a atenderem seus interesses através da barganha do investimento. Por outro lado, na visão de Chesnais (1998), o declínio do crescimento industrial precipitou a ascensão do capital financeiro como resposta aos anseios da classe burguesa em multiplicar seus lucros. As limitações de ordem técnica, social e temporal que existiam no antigo regime de acumulação e causavam crises cíclicas, seriam atenuadas pelas operações de refinanciamento e valor futuro no mercado financeiro. A concentração do capital e o volume das transações, além da necessidade de financiamento de sua dívida pública, logo levariam os estados a aderirem às políticas de liberalização e desregulamentação das finanças. Além disso, de acordo com Gill e Law (1989), a dependência que os fluxos de capital criaram para o desenvolvimento global faria com que surgisse uma casta política transnacional capaz de disciplinar as políticas do estado a seu favor. Então, a partir das transformações político-econômicas ocorridas na década de 70 e 80, emergiu um novo bloco histórico nos EUA. Liderado pela classe detentora do capital financeiro transnacional, o bloco histórico representou um acordo bastante abrangente entre os seus componentes, governo e mercado. Os bancos e a indústria, por exemplo, lograram encontrar no mercado financeiro alternativas para retomarem o caminho dos lucros. Políticos e intelectuais, por sua vez, incorporaram os discursos da integração e do investimento para atingirem seus objetivos. As instituições foram modificadas para privilegiar a iniciativa privada, em detrimento do controle do estado.

48

Mecanismos privados, em alguns casos, substituíram rígidas regulamentações e aparelhos do poder público. Na visão de Gill e Law (1989), a característica transnacional desse bloco histórico estadunidense formou as bases para o bloco histórico que ascendeu a nível mundial, o bloco transnacional. No processo de composição desse bloco histórico transnacional, a propósito, as agências de ‘rating’ desempenharam um papel essencial. Segundo Herwig e Patricia Langohr (2009), a instabilidade inerente a um mercado financeiro desregulamentado, a confusão oriunda da complexidade dos novos instrumentos financeiros e a dúvida proveniente dos novos mercados financeiros

globais,

inicialmente,

pareciam

representar

uma

obstrução

ao

desenvolvimento do modelo econômico. No entanto, as avaliações das agências funcionaram como meios de reduzir a desconfiança dos investidores e assegurar a fluidez do mercado. Paralelamente, o processo de reestruturação dos bancos e da indústria exigiu muita paciência aos investidores, viabilizada pelas avaliações das agências. A propósito, o que diferencia as agências de outros atores é sua capacidade de fornecer em uma avaliação informações privilegiadas que possam consistir em uma vantagem para determinado investidor, como as condições de crédito do emissor, as chances de retorno do capital, o risco. Essas avaliações trazem consigo estudos, estatísticas, métodos e teoria, que incorporam o progresso da técnica e a ciência na elaboração de seus julgamentos. Segundo Sinclair (2001), essas redes de conhecimento embutido destacam as agências e as tornam relativamente poderosas perante o mercado. Foi exatamente o que aconteceu nos EUA, com as agências sendo premiadas pelo estado por sua atuação, o que as projetou como protagonistas do novo bloco histórico que estava sendo constituído. À medida que a nova estrutura histórica se estabelecia mundialmente, de acordo com Herwig e Patricia Langohr (2009), as agências puderam penetrar em outros países e conquistar mais poder, com o consentimento dos governos e da iniciativa privada. Ao mesmo tempo, sua estrutura interna se consolidou. As três maiores agências, a Fitch, a Standard & Poor’s e a Moody’s, puderam institucionalizar seu oligopólio e fortalecer sua autoridade.

49

Sobre o estabelecimento de uma hegemonia do bloco financeiro transnacional no mundo, há um elemento intrínseco a seu regime de acumulação que tende a provocar abalos cíclicos sobre as instituições existentes. Esse elemento é a tendência ao investimento de risco ou especulativo. A propósito, o investidor se utiliza dos componentes de instabilidade, reestruturação financeira e do poder de barganha do capital transnacional para obter o maior lucro possível de circunstâncias pouco confiáveis. De acordo com Chesnais (1998), por ser extremamente vantajoso, apesar do risco, o investimento especulativo é uma característica comum no mercado financeiro global. Geralmente, os estados e corporações com muitas dificuldades de pagar suas contas recorrem a esse tipo de investidor. Além do mais, a capacidade de liquidez que lhes foi conferida pelas regulamentações mundo afora concedeu a esse investidor muito poder, partindo do pressuposto que a retirada de um investimento pode ter efeitos extremamente negativos para todo o mercado. Por outro lado, as agências de avaliação de risco de crédito obtiveram ainda mais responsabilidades perante o regime de acumulação e as instituições hegemônicas. Em um mercado instável e repleto de interesses diversos, a busca pelo investimento mais seguro deixou de ser consenso e, deste modo, o papel das agências passou a cada vez mais fundamental. De acordo com Sinclair (2001), o julgamento das agências obteve status de requisito mínimo para o mercado e caráter de autoridade semi-regulatória, quando o estado assumiu que o desenvolvimento das agências cumpria bem as funções de um intermediário – algo que os bancos de investimento eram autorizados a fazer no passado. De acordo com Thirkell-White (2007), o processo de adequação políticoeconômico pelo qual os estados passaram, exigiu mudanças drásticas em sua condução. Essas mudanças provocaram mais instabilidade em um regime de acumulação já dominado pelos interesses especulativos. Os elos mais frágeis e também os mais cobiçados, os estados em desenvolvimento pagaram um alto preço por sua integração a hegemonia do capital financeiro global, sofrendo uma série de crises graves em suas economias ao longo da década de 90. No entanto, essas crises tiveram também implicações políticas importantes no mundo. Devido aos problemas econômicos vividos, os estados em desenvolvimento criticaram as 50

soluções oferecidas pelos estados desenvolvidos para enfrentar os obstáculos do sistema financeiro no final do século XX. Primeiramente, segundo Thirkell-White (2007), o argumento dos estados desenvolvidos responsabilizava as legislações e os governos dos estados em desenvolvimento, ao mesmo tempo, em que procurava não culpar os investidores internacionais.

Defendia

que

se

as

regulamentações

dos

estados

em

desenvolvimento seguissem os padrões internacionais de monitoramento e avaliação do investimento, as crises seriam evitadas. Segundo, o progresso dos instrumentos legais e da técnica não deveria tolher os fluxos de investimento, senão o resultado seria ainda pior para a economia. Então, para os desenvolvidos, a continuidade do processo de liberalização não criava um conflito em si mesmo. Na verdade, quanto mais integrados fossem os mercados, menos assimetrias possuiriam. Transferia, por outro lado, a culpa para a ineficiência dos estados em desenvolvimento. A agência de ‘rating’ havia se tornado um ator fundamental para o Capitalismo Financeiro Global. Sua atuação como intermediário e, ao mesmo tempo, avaliador se encaixava no perfil de regime financeiro internacional que os estados desenvolvidos propunham. Estruturas semi-regulatórias que garantiam o bom funcionamento do mercado e o fluxo de investimento global. Em outras palavras, as agências haviam se convertido em ferramentas de poder dos estados e os estados dependiam, de certa forma, delas. No entanto, a dependência que o estado e o mercado criaram das agências, de acordo com Sinclair (2005), passou também a levantar suspeitas sobre a natureza de seus negócios. Em períodos de crises cíclicas, como os que os estados desenvolvidos viveram na primeira do século XXI, as agências não conseguiram livrar o mercado financeiro de pânico e prejuízos generalizados. Consequentemente surgiu um movimento de pressão política de dentro do bloco histórico em favor de uma regulamentação mais rígida que enquadrasse as agências, questionando seu comportamento e a validade de suas avaliações. Segundo Sinclair (2010), isso aconteceu principalmente nos EUA, de onde vêm as três maiores agências.

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Mesmo com o progresso regulatório das agências nos EUA, as crises continuaram a acontecer. Em realidade, o problema do regime de acumulação não está no caráter das agências, nem no estado ou na iniciativa privada. Ele está na natureza do sistema capitalista, na visão de Harvey (1996), essencialmente contraditório. O fracasso do modelo produtivo como força motriz da acumulação suscitou a elaboração de um novo ciclo de acumulação, por sua vez, baseado no capital financeiro. O capital financeiro, alicerçado no processo de absorção e reciclagem da superacumulação oriunda da crise do capitalismo produtivo, obteve vida própria e se emancipou da produção. No entanto, embora o Capitalismo Financeiro Global tenha se emancipado, ele ainda guarda relação indireta com o aspecto material da economia que é a produção. Nenhuma economia se mantém apenas de abstração, fabricando dinheiro de sua própria imaginação. Os valores de uma ação e de um título, por exemplo, são influenciados pelo crescimento da produção, pelo emprego de força produtiva, pelos níveis de consumo, pelo desenvolvimento tecnológico, assim como pelas condições sociopolíticas para o sucesso de um investimento. Não é só questão de confiança ou de crença, de acordo com Sinclair (2010). Mesmo os instrumentos mais modernos, como os derivativos, provêm da análise de circunstâncias materiais. Portanto, a quebra de uma relação de confiança não é a explicação mais adequada para as crises do capitalismo financeiro global. Essa quebra, na verdade, advém de uma disparidade muito grande entre a expectativa abstraída da economia e as taxas de crescimento real. Por se basear em uma relação social de produção calcada na exploração, na visão de Harvey (1996), o capitalismo tende a possuir esses abalos cíclicos resultantes do desequilíbrio entre as classes. Neste caso, não há nada que as agências possam fazer. A propósito, as agências ajudam a reduzir a chance de uma crise ocorrer, nada mais do que isso. Mesmo assim também tem interesses, de modo que quanto mais aquecido estiver o mercado – isso inclui os investimentos de risco, mais ganhos podem ser aferidos por elas.

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CONCLUSÃO

Em um mundo onde as instituições dependem do mercado financeiro para se desenvolver, os investidores globais são os protagonistas. Eles decidem os rumos que parcela significativa do capital que circula na esfera internacional vai tomar, ou melhor, decidem quem está mais ou menos apto a gerar lucro para o investidor. No entanto, a crescente instabilidade e a complexidade das finanças liberalizadas no mundo levaram o investidor a procurar sinais de confiança para o crédito emitido no mercado. A propósito, esse é o tipo de atividade que as agências de ‘rating’ se dedicam a fazer. As agências se propõem a avaliar a qualidade de crédito dos emissores, estabelecendo o nível de confiabilidade de cada emissão para o investidor. Na prática, as agências asseguram a precisão das avaliações submetendo sua reputação com o mercado. E assim que o mercado as absorveu, o estado também o fez por meio de suas regulamentações. De modo que sua capacidade de filtrar informações e torná-las úteis para o capital financeiro transnacional as transformou em poderosos atores de economia política internacional. Tão poderosos que, quanto mais globalizado é o mundo, mais escritórios espalhados elas possuem e mais concentradas elas ficam. Ao mesmo tempo, quanto mais financeirizado é o mundo, mais métodos de avaliação elas possuem e mais dinheiro elas recebem. Ou seja, demonstra que as agências de ‘rating’ desempenham papel essencial no capitalismo financeiro global. Contudo, as agências também têm limitações. Essas limitações, mais do que técnicas ou resultado de corrupção, são inerentes a natureza contraditória do capital financeiro e a natureza das relações sociais de produção. As agências, como empresas interessadas no aumento do fluxo de investimento no mercado financeiro, também se beneficiam do investidor especulativo ou de risco, até embora ele possa acelerar um processo de quebra de confiança. As agências, como empresas interessadas em maximizar seus ganhos, formaram um oligopólio de mercado e se beneficiam do status regulatório conferido pelos estados para se proteger da livre concorrência. 54

Por outro lado, mesmo que indiretamente, o mercado financeiro está ligado às condições materiais de produção. Assim, quanto mais distante fica a produção de riqueza material em relação à acumulação de capital financeiro, maior também é o risco de uma crise generalizada. Portanto, por mais importante que sejam as agências, elas são apenas parte do contraditório quebra-cabeça do capitalismo financeiro global Em suma, o principal motivo de orgulho para a realização deste trabalho é a certeza de que, independentemente do resultado final, o esforço de pesquisar e se dedicar foi recompensado. A crítica produzida, mais do que provocar a comoção ou o desgosto, gerou mais consciência e desejo de contribuir para a transformação da realidade.

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