O PARADIGMA DESENVOLVIMENTISTA LATINO-AMERICANO À LUZ DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

June 3, 2017 | Autor: Guilherme Nogueira | Categoria: Relações Internacionais, Diplomacia, Desenvolvimento Econômico América Latina
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O PARADIGMA DESENVOLVIMENTISTA LATINO-AMERICANO À LUZ DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Resumo: Esse texto analisa o paradigma desenvolvimentista de relações internacionais, instituído por países latino-americanos entre os anos 1930 e 1947 e seguido até a década de 1970, buscando verificar se as ações dos Estados em seu âmbito de fato visavam o desenvolvimento econômico. Para tanto, partiu-se da análise do conceito de desenvolvimento econômico, recuperado da literatura das Ciências Econômicas, e de sua confrontação tanto com a formação quanto com o desenrolar do paradigma desenvolvimentista de relações internacionais, conforme descrito, sobretudo, por Cervo (2001). Como resultado foi possível comprovar que as ações de política internacional dos Estados foram efetivamente direcionadas para seu desenvolvimento econômico durante o período em questão.
Palavras chave: Desenvolvimento Econômico. Paradigma desenvolvimentista de relações internacionais. Diplomacia.

Introdução

As relações traçadas internacionalmente pelos Estados são uma faceta de sua política e objetivos gerais. Estes tomam forma em um dado momento, a partir do projeto / modelo de governo que os países adotam, sempre consoante à vontade nacional, esta, balizada pela força e pelos interesses dos diversos grupos que compõem um Estado internamente. Mais adiante, a história comprova o fato de que, de uma maneira geral, ao se lançarem em relações internacionais, os atores buscam alcançar seus interesses próprios, egoístas, em detrimento de outros mais altruístas.
Cervo (2001) demonstra que o paradigma desenvolvimentista de relações internacionais, instituído pelos países latino-americanos entre os anos de 1930 e 1947, e por eles seguido até a década de 1970, não foge a tal regra. Em seu escopo, o autor explica que esses atores buscavam desenvolvimento econômico interno, esboçando sua política externa de modo a alcançar tal objetivo, ainda que sujeitos à influência – também externa – de outros atores do sistema internacional. O paradigma, como se demonstra ao longo do texto, contou com idéias, ensejos, ações diplomáticas e produção acadêmica próprias.
No que tange ao processo histórico, que será revisado ao longo deste texto, as evidências são mesmo as de que a melhoria de índices e condições internas foi o principal alvo de preocupação dos governos latino-americanos ao longo do período. Concerne aqui avaliar, todavia, se tal melhoria pode ser compreendida como desenvolvimento econômico. Defende-se neste estudo o argumento de que a busca dos Estados pode, sim, ser vista como uma busca por desenvolvimento econômico, tendo esta marcado profundamente o cenário e práticas das relações internacionais na América Latina. Em defesa de tal tese, conceitua-se, a seguir, desenvolvimento econômico, após o que se prossegue com a apresentação e análise do período histórico em questão.

Conceituação de desenvolvimento econômico

O desenvolvimento econômico é um conceito comumente referido tanto pela literatura de ciências econômicas – especificamente pela economia política – quanto pela de ciência política, e não se trata de uma idéia nova dentro destas. Observações acerca do que hoje se descreve em seu escopo, explica Heilbroner (1996), já eram realizadas por economistas clássicos, como Smith, Ricardo e Keynes. Sua compreensão, no entanto, carece de cautela, pois, conforme explica Blanchfield (1976), o conceito não deve ser confundido com aquele de crescimento econômico.
Blanchfield (1976) explica que o desenvolvimento econômico se refere ao crescimento dos índices de produtividade de uma dada economia – o que se aplica, neste ensaio, à economia de um país latino-americano. Ou seja, é possível observar desenvolvimento em uma dada economia quando há nesta maior produção de bens e serviços, por meio do crescimento qualitativo de sua força de trabalho. Assim sendo, observa-se na economia um aumento de produção por horas de trabalho. Para tanto, é necessário haver melhorias na tecnologia de produção, bem como na qualificação da mão-de-obra. Em contraste, observa-se crescimento econômico quando o Produto Interno Bruto (PIB) de uma economia soma mais riquezas. Isto, não obstante, são reflexos quantitativos de sua melhoria. Ou seja, o PIB poderá aumentar, dentre outras hipóteses, caso haja crescimento da força de trabalho – em número de trabalhadores, ou mesmo caso a mão-de-obra existente seja forçada a trabalhar por mais horas. Contanto que haja aumento da produção de uma dada economia, haverá crescimento econômico. Todavia, o desenvolvimento econômico será resultante apenas da melhoria das condições de produção (BLANCHFIELD, 1976).
De acordo com Blanchfield (1976), são nos estudos do desenvolvimento econômico que a economia política mais faz jus a seu nome. Isto, pois tais práticas envolvem não somente a compreensão de processos econômicos, mas, também, das dimensões políticas e sociais que os envolvem. Todavia, o autor explica que o desenvolvimento econômico não implica necessariamente em outras formas de desenvolvimento. Isto, pois, como dito anteriormente, o mesmo se refere a um aumento de produtividade, ou seja, trata de questões relativas à eficiência de uma economia, ao passo que as mesmas não necessariamente possuem relação de causa e efeito com tudo aquilo que pode ser descrito como desenvolvimento. A literatura de ciências sociais é vasta com relação a este tema, apontando diversos sub-temas, como desenvolvimento social, desenvolvimento humano e desenvolvimento econômico, dentre outros.
Neste sentido, Blanchfield (1976) afirma que as altas taxas de produtividade da economia americana na década de 1970, por exemplo, não alteraram o fato de que este se tratava, então, de um dos países mais poluídos do mundo – o que apontava, segundo o autor, para baixo desenvolvimento social. Portanto, conclui o autor, questões relativas às variáveis econômicas devem ser separadas daquelas relativas às variáveis sociais.

O paradigma desenvolvimentista latino-americano

O paradigma desenvolvimentista de relações internacionais dos países da América Latina, embora próprio – construído dentro do continente, por latino-americanos -, não pode ser visto como o único modelo desenvolvimentista existente no cenário internacional. Pelo contrário, Banuri (1990) explica que o mundo, no período do pós-guerra (a partir de 1945), pôde testemunhar a condução de diversos projetos semelhantes, hora chamados de modernizadores ou industrializantes, hora desenvolvimentistas. Estes se tratavam de projetos de "reengenharia social" (BANURI, 1990, p. 29) dos países do chamado Terceiro Mundo e se embasavam no que era compreendido como uma superioridade econômica e de valores do Primeiro Mundo. A crença filosófica era de que este teria se desenvolvido desde os idos períodos do iluminismo, tendo experimentado grande avanço desde então. Almejava-se, assim, no Terceiro Mundo, a recepção de transferências de tecnologia dos países do Primeiro Mundo, processo que muitas vezes era facilitado por meio da condução naquele, de mudanças institucionais e estruturais.
Dentro deste quadro, Cervo (2001) demonstra que o paradigma desenvolvimentista desenvolvido na América Latina foi construído entre 1930 e 1945, tendo sobrevivido até a década de 1970. Sua composição, todavia, contrasta com esta acima explanada, por este ter tido características próprias. Seu perfil teve como composição, de acordo com o autor, três elementos, a saber:

[(1)] a consciência de estar-se em uma fase de transição, provocada internamente pela emergência de novas necessidades sociais e, externamente, pela crise do capitalismo e pelo contexto de guerra; [(2)] o caráter funcional que se confere às diplomacias da região para obtenção de insumos de desenvolvimento mediante a ação externa e [(3)] a identificação de condições de êxito do movimento diplomático (CERVO, 2001, p. 59).

Aprofundando-se na apresentação de cada um destes elementos, Cervo (2001) explica que a fase de transição (1) trouxe consigo – tal como o resultado de um processo dialético, uma revisão ao chamado "paradigma liberal-conservador" (CERVO, 2001, p. 59), característico do século XIX. A abertura dos mercados dos países da América Latina ocasionou a geração de uma dependência da importação de produtos industriais e especialização na exportação de produtos primários, o que estancou a modernização interna.
Quanto ao caráter funcional apresentado (2), o autor argumenta que as ações das relações internacionais adquiriram o que pode ser compreendido como um formato mais objetivo, em que se buscava, por meio da ação externa, a importação de insumos úteis para o desenvolvimento interno. Cervo (2001) explica que a idéia de desenvolvimento posta em prática passa a levar em conta os interesses de todas as classes sociais, quais sejam: a plebe, que demanda por empregos e melhores níveis de renda; a classe burguesa, que deseja espaço para o desenvolvimento de seus negócios; as forças armadas, que buscam meios para executar sua razão de ser, que é a manutenção da ordem, ou seja, da segurança e da defesa interna; e os intelectuais, que criticam o atraso interno e defendem a tese da superação da dependência externa. Trata-se, em suma, da modernização interna dos países, que, cabe aqui a análise, pode ser vista, neste caso, como desenvolvimento econômico.
A princípio, o mero crescimento econômico bastaria para atender à grande maioria das reivindicações colocadas, mas não a todas, por não alterar, de forma qualitativa, o arranjo produtivo interno. Seria possível gerar mais empregos internamente – e, com isto, mais renda, com o mero aumento da produção de bens. Todavia, como apresenta Cervo (2001), o papel da ação externa era justamente o de alavancar o processo produtivo, por meio da importação de tecnologias novas, em forma de máquinas e equipamentos, e auferir recursos para a realização de grandes empreendimentos. Estas ações, postas em prática, levariam, em última análise, ao desenvolvimento econômico, que, conforme exposto, passa pela melhoria nas técnicas de produção – neste caso, industrialização, que carece de máquinas para a produção industrial e de capacitação da mão-de-obra para trabalhar com elas. Com isto, esperava-se ser possível alcançar a desejada modernização interna. Vale aqui, a título de reforçar a base conceitual desta análise, explicar que técnicas artesanais de produção são, a princípio, tão úteis à ação da classe empreendedora – produtora de bens para consumo – quanto são as técnicas industriais. A diferença destas consiste, de acordo com Slack, Chambers e Johnston (2009), justamente no avanço da tecnologia produtiva empregada, e no resultado que isto traz ao processo, sendo técnicas industriais, em suma maioria, mais eficientes. Pode-se, portanto, afirmar com segurança que a transição do uso de técnicas artesanais de produção para técnicas industriais – em outras palavras, industrialização – consiste em um vetor para o desenvolvimento econômico.
O resultado prático que se poderia esperar destas ações de modernização da indústria interna seria o desenvolvimento de um quadro de substituição de importações, embora este não fosse, explica Cervo (2001), um objetivo inicial da política – passou a ser apenas após a década de 1950, quando a Cepal teceu recomendações neste sentido. A idéia inicial era a promoção do desenvolvimento econômico interno, com o que, fatalmente, as importações seriam reduzidas.
Finalmente, sobre a avaliação do movimento diplomático (3), Cervo (2001) explica que sua eficiência foi posta a prova entre 1930 e 1945. Passou-se a requer deste, que contasse com

(a) autonomia decisória, para responder aos interesses nacionais; (b) caráter cooperativo e não conflituoso com as grandes potências, sobretudo para promover o impulso inicial do moderno sistema produtivo a implantar; (c) uma política de comércio exterior nem liberal nem protecionista, porém flexível e pragmática, a exemplo das nações avançadas que assim promoviam o volume e a diversificação dos negócios; (d) a associação da política internacional com resultados econômicos concretos da ação diplomática; (e) a concomitância entre as negociações com as grandes potências e as iniciativas bilaterais e coletivas com os países vizinhos (CERVO, 2001, p. 61).

Cervo (2001) explica que este paradigma desenvolvimentista foi construído entre os anos 1930 e 1945, justamente pela ação da diplomacia dos Estados latino-americanos, que, aos poucos, incorporou às suas práticas, tais padrões de conduta. Deitando os olhos sobre a política externa brasileira, o autor explica que as ações do Governo Vargas, à época, eram, justamente, aquelas da busca pela melhoria das técnicas internas de produção. Era da compreensão deste presidente, evidencia Cervo (2001), que um país deveria ser auto-suficiente, sendo que ao Brasil da época, para tanto, fazia-se necessária a melhoria da indústria interna.
Nunes (2003) explica que a industrialização, como objetivo, foi almejada no Brasil não somente pelo governo do presidente Getúlio Vargas, mas também, posteriormente – e já após 1945, pelo de Juscelino Kubitschek. Este autor defende a tese de que o desenvolvimentismo, como doutrina de política interna, constituiu as bases do Governo Juscelino, que, para tanto, afirma, "defendia a utilização do Estado como agente econômico para sustentar a industrialização" (NUNES, 2003, p. 104). No campo da ação externa, Nunes (2003) explica que coube a Kubitschek, já em 1951, romper relações com o FMI, alegando como justificativa para tal ato a defesa da idéia de que não interessava ao Brasil ser explorado por agentes externos – interessava, por outro lado, o recebimento de investimentos benéficos às metas nacionais. Nunes (2003) concorda, pois, com a idéia de Cervo (2001) acerca da busca pragmática de um país latino-americano – no caso, o Brasil – por seu desenvolvimento econômico, como característica do modelo de relações internacionais adotado durante o período desenvolvimentista.
Voltando-se este ensaio para o cruzamento dos fatos históricos com o conceito base da hipótese delineada, reafirma-se aqui ter sido o desenvolvimento econômico verdadeiramente buscado à época do desenvolvimentismo, ao menos pelo Brasil. Se o que o almejavam Vargas e Kubitschek era a industrialização do Brasil – ou seja, o avanço de técnicas artesanais de produção, para técnicas industriais, fatalmente estes presidentes ensejavam o desenvolvimento econômico.
Como se pode observar nos fatos até aqui elencados, a prática das relações internacionais brasileiras era, no período histórico analisado, profundamente dependente das questões internas do país. Bueno e Cervo (1986) lhe descrevem como monótona, ao analisarem os anos imediatamente anteriores e durante o Governo Vargas. Por outro lado, esses autores explicam que foi entre 1914 e 1930 que se deu no Brasil o que descrevem como declínio da influência britânica e aclive da estadunidense. São entre estes anos que os Estados Unidos se tornam, expõem Bueno e Cervo (1986), os maiores parceiros comerciais do Brasil. E é junto a eles posteriormente, já durante a Segunda Guerra Mundial, que Vargas barganha insumos para o desenvolvimento brasileiro, como troca por apoio a participações neste conflito (CERVO, 2001)
A incursão no modelo desenvolvimentista, conforme apontado por Cervo (2001), e já mencionado neste ensaio, deu-se quase que de maneira semelhante em todos os países latino-americanos. Não foi exclusividade do Brasil, expõe este autor, a busca pela modernização da indústria interna. Na prática, ao que se percebe, todos os países estavam preocupados com seu desenvolvimento econômico. Coube aos países mais populosos – Brasil, México e Argentina – a implantação do modelo com "maior coerência e com efeitos de maior impacto estrutural" (CERVO, 2001, p. 54). Não obstante, expõe Cervo (2001), todas as diplomacias latino-americanas se movimentavam em prol do desenvolvimentismo. O autor apresenta em seus estudos o caso da Bolívia, por exemplo, que também trazia a público seus anseios por industrialização e redução da dependência de potências externas.
Os anos de 1930 foram, no contexto externo da América Latina, muito mais amplo à política internacional de seus países do que esta própria, anos de crise do capitalismo. O modelo liberal, explica Cervo (2001), havia chegado ao fim, cabendo aos atores buscar alternativas para seus anseios. Este foi, também, um pano de fundo importante à criação do Estado desenvolvimentista. O mercado estadunidense, por exemplo, já não era mais tão favorável às exportações latino-americanas, fato este que levou os países do continente a buscar alternativas em seus próprios vizinhos latino-americanos. Igualmente, outras questões mais antigas do que o comércio com os vizinhos seguiam latentes, como alguns conflitos de fronteira, ainda não resolvidos. Este era o caso, por exemplo, da Guerra do Chaco, entre Paraguai e Bolívia. Estes países buscaram, à época, apoio junto a seus vizinhos de mais peso, Brasil e Argentina, tendo ambos os países permanecido neutros, de acordo com Cervo (2001).
Em face de todas estas questões, os anos 1930 foram palco para investimentos por parte dos Estados em suas chancelarias. O Brasil preparava as suas para servir melhor à administração dos interesses econômicos do país. O Chile emparelhou-se para gerir seus interesses no comércio internacional, por meio da criação de um departamento de comércio exterior mais avançado. Nesta busca, técnicos do país buscavam portos de destino para as exportações chilenas, como foi o caso de Cuba, com quem o país veio a celebrar tratados comerciais. A idéia do país andino era, mais adiante, fazer de Cuba um entreposto para comercialização de seus produtos no Caribe (CERVO, 2001).
No que tange às relações Brasil e Argentina, ao contrário do que pareciam desejar a imprensa de seus países vizinhos, Cervo (2001) indica que eram prósperas. Ambos os países desejavam a paz no continente, entendida como benéfica ao comércio exterior. Foi neste sentido que, mesmo frente aos anseios dos beligerantes Paraguai e Bolívia por intervenções na Guerra do Chaco que lhes fossem benéficas, tanto Brasil quanto Argentina optaram por trabalhar pela paz aqueles dois países. Mais adiante, estas duas potências da América do Sul investiam nas relações que mantinham, tendo a década de 1930 sido marcada por visitas dos presidentes de cada um dos dois países ao outro.
Cervo (2001) explica que o mesmo raciocínio foi desenvolvido pelo Governo Vargas quando este trabalhou como mediador do conflito travado por Colômbia e Peru pela posse de Letícia, território de fronteira entre estes países, por ambos almejado. A idéia era a de criar um ambiente favorável ao comércio entre as nações sul-americanas. Em outra esfera, aproveitando-se da boa imagem conquistada com tais esforços de mediação, o Governo Vargas trabalhava em uma estratégia de jogo duplo com a Alemanha Nazista e com os Estados Unidos, buscando, com isto, conquistar vantagens benéficas ao desenvolvimento econômico do Brasil.
De uma perspectiva analítica, pode-se ver que os esforços traçados pelos atores à época da construção do paradigma desenvolvimentista eram, de fato, no sentido do desenvolvimento econômico interno. Toda produção de uma determinada indústria precisa ser escoada, não bastando a esta que sua técnica produtiva seja aprimorada como um fim em si mesmo. Na verdade, não faz sentido melhorar a eficiência produtiva de uma indústria, sem que haja demanda para seus produtos. Isto apenas se justificaria se idéia fosse tão somente aquela da redução dos custos produtivos – o que não é, do ponto de vista social, também abarcado pelo desenvolvimentismo, fato gerador de emprego e renda. Os fatos até aqui apresentados, todavia, apontam na direção de que muito mais do que isso era almejado pelos países latino-americanos. Neste sentido, o desenvolvimento econômico só poderia ser alcançado com a melhoria das técnicas produtivas e aumento da demanda pela produção das indústrias. Pode-se argumentar, mais adiante, que a um Estado não concerne melhorar fábricas, mas sim desenvolver todo o seu arranjo interno, tanto no que tange ao contexto produtivo quanto social e outros. Frente a tal desafio, de forma pragmática, pode-se perceber que a ação diplomática dos países latino-americanos atendia a estes ensejos, por meio da busca por insumos para a industrialização e por mercados de exportação aptos a comprar os produtos desenvolvidos. Neste sentido, permanece comprovada até aqui a hipótese de que os países latino-americanos almejavam, de fato, o desenvolvimento econômico, ao colocarem em prática o paradigma desenvolvimentista em relações internacionais.
Na contramão destes anseios, aponta Cervo (2001), estavam os Estados Unidos, grande potência do continente americano. Este já se tratava de um Estado desenvolvido no que concerne à sua economia e, ainda que sempre caiba a alguma indústria a melhoria de sua técnica produtiva em algum nível, o autor explica que as preocupações da diplomacia estadunidense eram outras. A eles interessavam apoio para a guerra, bem como lhes interessavam manter os latino-americanos pouco desenvolvidos, funcionando permanentemente como produtor agrícola e de produtos de baixo valor agregado. Interessava-lhes, ainda, manter seus tradicionais mercados importadores latino-americanos, que compravam seus produtos industrializados. Este foi, portanto, nesta época, o objetivo da diplomacia estadunidense.

O paradigma desenvolvimentista no pós-guerra (a partir de 1945)

O paradigma desenvolvimentista foi esboçado, portanto, entre os anos 1930 e 1945. Todavia, foi entre 1945 e a década de 1970 que ele chegou a seu apogeu (CERVO, 2001). Cervo (2001) afirma que durante este período os países latino-americanos experimentaram o desejado desenvolvimento econômico. O setor privado se desenvolveu, como se almejava, ainda que muitas vezes a partir da entrada nos países – e conseqüente condução de operações – de empresas estrangeiras. Com isto, o quadro de exportações que até 1945 era exclusivamente de produtos primários passou a contar, também, com produtos industriais. Quanto aos setores produtivos estratégicos, apontados por Cervo (2001) como sendo os de "cimento, siderurgia, comunicação, petróleo e petroquímica, energia elétrica, nuclear, indústria aeronáutica, espacial e naval" (CERVO, 2001, p. 97), foram alavancados pela ação do governo, por meio de estatais. Isto, não porque assim preconizava o modelo desenvolvimentista – que os preferiria privados, mas porque faltou à iniciativa privada o desejo de explorá-los. Também a produção acadêmica latino-americana em economia política, à época, aponta Ricupero (2005), foi fortuita, tendo Celso Furtado publicado seus principais estudos sobre desigualdade entre os países e formas de combatê-la.
Sobre os pontos em que se percebe uma ação governamental mais contundente e objetiva do que a iniciativa privada cabe aqui uma inferência trazida por Lagos (2000). De acordo com esta autora, pode-se observar nas pessoas latino-americanas, de uma maneira geral, baixa confiança interpessoal, o que impacta, como se pode esperar, nos índices de confiança que estas esboçam de seu governo e instituições nacionais. Isto se reflete, portanto, nas atitudes dessas pessoas de uma maneira geral. Na América Latina, historicamente, a autora destaca que as pessoas não depositam muita confiança no processo democrático, que se torna, portanto, débil e frágil. É de se esperar que a mesma atitude se reflita na capacidade empreendedora da classe burguesa. Empreendimentos seguem funções de risco e retorno. O empresário opta por assumir o risco de um investimento em um determinado negócio – ou em uma determinada indústria – dado a expectativa que possui de retorno deste investimento. Investimentos de risco muito elevado possuem, normalmente, grande potencial de retorno, mas são, não obstante, vistos com cautela. Por sua vez, empreendimentos de capital elevado – como siderurgia, petróleo ou energia elétrica – apresentam, naturalmente, grande risco. Podem se tornar, assim, ainda menos atraentes para a iniciativa privada em locais onde reina a desconfiança. A iniciativa dos governos em países assim é, desta forma, imprescindível ao sucesso de iniciativas de grande risco.
Consoante à ação interna dos governos, a política externa – por meio da ação diplomática – durante o período do apogeu do paradigma desenvolvimentista foi também incumbida de responsabilidades no processo de modernização:

abrir mercados para os produtos de exportação, em uma primeira fase ainda os tradicionais produtos primários, mas, logo a seguir – para o Brasil, desde 1960, ao termo do governo de Juscelino Kubitscheck – os produtos da indústria e, mais tarde, os serviços de engenharia;
obter recursos que viessem complementar o volume interno de investimentos para sustentar o desejado ritmo de crescimento;
obter ciência e tecnologias, mormente por meio de empreendimentos estrangeiros a instalar-se no país, em quantidade igualmente adequada (CERVO, 2001, pp. 97 e 98).

Cervo (2001) argumenta que estas incumbências, caso se exacerbassem, teriam o potencial de levar o modelo de governo do país latino-americano a uma completa dependência externa. Na prática, o Estado poderia então ser percebido como um "grande esmoleiro", nas palavras do autor (CERVO, 2001, p. 98), pois seu desenvolvimento dependeria, necessariamente, de fatores externo.
Percebe-se aqui haver, de fato, um entrave para o desenvolvimento econômico. É fato que este se atém, enquanto conceito, ao avanço da técnica produtiva e qualificação da mão-de-obra. Não obstante, não se pode, por lógica, afirmar que a presença de técnica avançada e mão-de-obra qualificada dentro de um país signifique que este é economicamente desenvolvido. Se toda a técnica e mão-de-obra forem estrangeiras, por exemplo, o desenvolvimento não pertencerá ao país. Faz-se necessário, portanto, que o Estado se aproprie deste desenvolvimento.
Analisando-se a ação diplomática de forma crítica é possível afirmar que esta objetivava, sim, adquirir tecnologia. Não era a intenção dos Estados não se apropriar dela. O problema está, portanto, na forma como isto foi feito. Relações Internacionais são sobretudo um jogo de poder, em que os atores se lançam em busca do alcance de seus objetivos (PECEQUILO, 2004). Aos Estados Unidos, vizinho mais poderoso dos países latino-americanos – e líder do mundo capitalista durante o período da guerra fria – não interessava, de acordo com Chomsky (1999), o alcance de objetivo outro ao domínio do mundo. Para tanto, o autor é enfático ao afirmar que este Estado lança mão de diversos meios, que perpassam tanto sua ação diplomática quanto práticas mais destrutivas, como a intervenção externa na política de outros países. Isto foi posto em prática na América Latina, por exemplo, por meio do apoio à implantação dos regimes ditatoriais que marcaram a política de seus países no século XX. Cervo (2001), embora menos enfático, concorda com estas afirmações, apresentando indícios que as comprovam, em suas pesquisas em documentações diplomáticas do período da guerra fria.
Igualmente, a própria condição de "grande esmoleiro", de acordo com Cervo (2001) gerou desvios no paradigma desenvolvimentista e careceu de ser revertida, já na década de 1990, pelo paradigma neo-liberal adotado pelos Estados.
Cervo (2001) argumenta que a dependência externa migrou de problema para valor na América Latina, à medida que se fez mais notável o modelo de substituição de importações, adotado após a década de 1950. Em seu seio, a comunidade intelectual latino-americana criticou o modelo anterior ao desenvolvimentista, que era isolacionista. Isto, todavia, lhes levou a regredir ao paradigma do século XIX, justamente por haverem os países se contentado, na prática, com controlar uma sociedade primária, relegando a responsabilidade pelo desenvolvimento econômico à vontade de outros países.
Mantendo a discussão no âmbito das relações com os Estados Unidos, Cervo (2001) indica que estas seguiram sendo as de dominados – posição dos latino-americanos – com dominadores – posição dos estadunidenses. Ocorre que estes, como já se demonstrou, almejavam lograr êxito em seus objetivos de potência hegemônica, lançando mão, para isto, dos mais diversos meios. Internamente nas sociedades latino-americanas, por sua vez, a opinião pública se encontrava dividida. Alguns setores se sentiam atraídos pela idéia de uma sociedade aos moldes da estadunidense, em que reinavam os valores do capitalismo liberal. Tratava-se da antiga elite agro-exportadora, proprietária das propriedades rurais, dominante durante o século XIX em que os mercados estavam totalmente abertos. Tecnocratas, burgueses e massas urbanas, por sua vez, se interessavam pelo desenvolvimento econômico, bem como faziam seus ideólogos (CERVO, 2001).
Defensores do capitalismo liberal, conservadores, podiam ser encontrados em todos os países. Na Argentina, membros da antiga elite usavam de sua ainda existente influência no intuito do regresso ao modelo do século anterior, de mercados abertos ao comércio de seus produtos (CERVO, 2001). Cervo explica que em pouco se diferenciava desta a maneira de pensar dos políticos que, em 1989, aplicaram medidas de desnacionalização da economia argentina, logrando, com isto, regredi-la ao passado rural do século XIX.
No Brasil de 1951, aponta Cervo (2001), Vargas, agora em seu segundo governo, também teria que enfrentar conservadores com semelhante estrutura de raciocínio, que se opunham a suas políticas de modernização da indústria nacional, por ele então retomadas. Também neste ano foi realizada em Washington, aponta o autor, a IV Reunião dos Chanceleres Americanos, em razão da guerra na Coréia, então invadida pela União Soviética. O que desejavam os estadunidenses era cooptar os latino-americanos a endossar a luta contra o comunismo, tendo apenas conseguido destes um apoio lânguido. Fato é que os países da América Latina estavam muito mais voltados a si mesmos, preocupados em conseguir apoio para seus projetos de desenvolvimento interno.
Quanto ao chamado modelo substitutivo de importações, recomendado pela Cepal na década de 1950 e avidamente criticado pelo modelo neoliberal implantado na década de 1990, os indícios dos fatos históricos são de que não foi de todo ruim. A verdade é que, embora pareça atrasado se contraposto às modernas técnicas no neoliberalismo, serviu ao propósito de auxiliar a erguer uma economia antes rural, atrasada por mais de um século de liberalismo econômico extremo em condições de competição desigual (CERVO, 2001).
O modelo de substituição de importações, baseado na aquisição de tecnologia externa como insumo para a modernização do parque industrial latino-americano, pode não ter logrado todo o êxito almejado, mas não se pode dizer que tenha trabalhado contra o desenvolvimento econômico. Pelo contrário, a evidência de que as sociedades latino-americanas se modernizaram ao longo do século XX comprova que não foi um vetor contrário ao desenvolvimento, tendo, acredita-se, trabalhado em função deste. Se correções de rumo se fizeram latentes na década de 1990, estas não devem ser vistas como falha total do modelo anterior, mas como uma evolução nos rumos adotados pelos latino-americanos, que, justamente, tampouco parou com o neoliberalismo.
Durante o período do apogeu do paradigma desenvolvimentista, Cervo (2001) aponta que as relações internacionais engendraram também em esferas mais profundas para o desenvolvimento econômico, criando mecanismos, inclusive, para integração econômica. Vale ressaltar que foi neste período que foram lançadas as bases para o Mercosul, oriundas, justamente, da ação diplomática em busca da cooperação para o desenvolvimento. Se ações como estas nem sempre alcançaram os fins desejados, não se pode afirmar que o desenvolvimento econômico não foi almejado durante o período histórico. Pelo contrário, as evidências históricas até aqui analisadas comprovam que foi sim, e que a modernização foi alcançada, ainda que reste à América Latina muito espaço a caminhar neste processo.



Considerações finais

Estados se lançam em relações internacionais visando alcançar seus objetivos internos, que são de maneira indefectível, complexos e variados. Os interesses, todavia, variam conforme os momentos históricos, que apresentam conjunturas internacionais e necessidades internas distintas para os atores. O século XX não foi diferente desta regra, tendo, igualmente, sido palco da criação e utilização de um modelo de política internacional próprio pelos latino-americanos, com o qual estes atores tomaram as rédeas de sua política e desenvolvimento.
Buscou-se com este ensaio demonstrar que o paradigma desenvolvimentista de relações internacionais, adotado pelos Estados latino-americanos entre as décadas de 1930 e 1970, atendeu aos requisitos conceituais para ser visto como um modelo de desenvolvimento econômico. Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica acerca tanto do significado deste conceito quanto do período histórico estudado. A metodologia da análise, por sua vez, foi a confrontação dos fatos levantados com a descrição objetiva do conceito, com o que se buscou perceber as congruências e diferenças deste com aqueles.
Percebeu-se com tais esforços de pesquisa, ter sido necessário que países da América Latina, que buscassem meios em suas ações diplomáticas para a modernização e industrialização internas – necessárias à melhoria das técnicas produtivas -, condição básica para o desenvolvimento econômico. Isto foi feito, como se viu, tanto entre 1930 e 1945, quanto após este período, até a década de 1970.
Não foi sem problemas e desvios, todavia, que o paradigma desenvolvimentista foi implantado e vivenciado. Considera-se, aqui, por outro lado, que este é um resultado da vivência histórica de qualquer processo. Não são todos os projetos políticos que são implantados e vivenciados exatamente da maneira como são pensados e / ou desejados. Países são, finalmente, sistemas abertos, que se lançam em relações internacionais justamente por não se bastarem a si mesmos, ainda que este possa ser o desejo de algum político em alguma determina época.
Especificamente no que tange à América Latina, ficou evidenciado nos estudos que seus vizinhos Estados Unidos, potência econômica desenvolvida, colocou a força de sua própria diplomacia no sentido contrário do desenvolvimento latino-americano. Este se configurou como um vetor contrário ao desenvolvimento econômico ensejado, somando-se a outros desvios de rumo internos, próprios do paradigma desenvolvimentista.
Não obstante, considera-se aqui comprovada a hipótese de que o paradigma desenvolvimentista trouxe à América Latina desenvolvimento econômico. Outros estudos sobre esta mesma temática, envolvendo, dentre outros, dados numéricos de produção, poderiam ser úteis para o aprofundamento desta análise. O que se buscou com este trabalho foi elencar fatos que aprofundassem os estudos no campo conceitual, sendo este um ponto de partida útil para o aprofundamento desta mesma pesquisa.

Referências bibliográficas

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