O paralelo 36º 30’ e a firmação da mentalidade do homem estadunidense

June 15, 2017 | Autor: Marcio Tótoli | Categoria: Estados Unidos, Guerra Civil
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Márcio Gandolfo Tótoli
UNIVERSIDADE DE FRANCA

O paralelo 36º 30' e a firmação da mentalidade do homem estadunidense

Os Estados Unidos no século XIX passou por momentos decisivos que, se outros fossem os rumos que foram tomados, possivelmente não teria conseguido encontrar sua identidade e a possibilidade de unidade sob uma só bandeira. A Declaração dos Direitos do Cidadão, a Independência e a Guerra de 1812 no Canadá contra sua antiga metrópole seguramente serviram para elevar o moral do novo território – então uma federação – que, no entanto, passava por uma crise de identidade que é ainda explicada por alguns como apenas uma diferença baseada em critérios econômicos e de produção, socioeconômica, que definiria a mentalidade do homem do Norte e a do homem sulista. Essa visão, entretanto, deixa de fora a análise de importantes nuances dessa mentalidade do norte-americano, além de levar a uma generalização dicotômica que na verdade não foi tão simplista.
Pode-se afirmar que tal generalização dicotômica entre o homem nortista e sulista tem seu início em 1820 quando, em época de recessão e aumento das diferenças regionais, foi feito o acordo para as anexações de Missouri e Maine, separando através de uma linha longitudinal estados escravistas (ao sul) e não escravistas (ao norte) – o paralelo 36º 30'. Em 1854, com o Ato Kansas Nebraska, esse paralelo foi violado, colocando em questionamento não somente a validade do acordo de 1820, mas a própria capacidade do Sul de cumprir um acordo, uma vez que o Kansas se encontrava sobre esse paralelo mais ao Norte. Como se pode constatar, então, realmente houve uma divisão geográfica entre sul e norte e suas respectivas políticas econômicas.
Entretanto, a escravidão sulista foi muito mais que apenas uma forma de coagir o homem negro a trabalhos forçados nas lavouras de algodão: tinha um caráter orgânico, isto é, era como devia ser devido a uma ordem natural pré-estabelecida seja por Deus, pelo evolucionismo ou mesmo pela natureza. O sulista, supersticioso, além do benefício óbvio que a escravidão o trazia, não era inclinado a perturbar esta ordem que foi tão justificada através dos vários meios disponíveis, inclusive a religião. Não cabe aqui buscar a gênese desta correlação – quem veio primeiro, a mentalidade e depois seu uso para legitimar a escravidão, ou vice-versa –, mas apenas pontuar sua existência e afirmar seu efeito sobre a mentalidade do homem dos estados escravistas. Isso traz em evidência uma das diferenças básicas entre a mentalidade de escravistas e não-escravistas: o valor da tradição.
O Norte dos Estados Unidos possuía uma economia mais dinâmica, com produção de bens de consumo e um comércio ativo. Assim, uma de suas características principais era a mobilidade que, por força, é difusora de ideias novas. O Sul, em contrapartida, temia justamente esse pensamento do Norte, que consideravam "moderno e perigoso", uma vez que com ideias novas circulando através de suas estradas de ferro poderia desencadear ações na população que viessem a perturbar a "ordem natural das coisas". O Norte, além disso, não era de confiança: sulistas o acusava de falso quanto à piedade, traiçoeiros para com os amigos, inconstantes no humor, no amor e nos negócios, sempre em movimento; o sulista, tão apegado às tradições, era rígido quanto a isso: mais estático, sua palavra servia como contrato e sua constância a legitimava. Mais uma vez, verifica-se que baseia seus atos no peso da tradição.
Entretanto, dizer que o norte-americano dos estados livres do Norte eram mais capitalistas que os tradicionalistas e escravistas dos estados do Sul não seria correto. Os sulistas eram capitalistas vorazes, sempre em busca de aumentar seus latifúndios e seus lucros com as exportações; se analisado o período da Reconstrução (após a Guerra Civil), vê-se claramente seu ímpeto em, mesmo em desvantagem acerca das novas diretrizes, explorar os homens que vinham a se fixar em suas terras através do sistema de arrendamento. Tão voraz como o comerciante ou industrial nortista, o sulista apenas possuía uma forma diferente de conseguir seu lucro, também essencial a ele.
No intuito de não se alongar a análise – que se prova muito mais complexa que esta, que é apenas um breve resumo dos fatores principais – pode-se, em linhas gerais, dizer que o peso do tradicionalismo foi de fundamental importância na diferenciação entre os homens de Norte e Sul dos Estados Unidos. A partir dele, teorias foram implementadas e legitimadas, e visões de mundo foram adotadas ou criticadas. Através de um dos mais antigos livros formadores de moral do homem – a Bíblia – justificou-se a escravidão como sendo de uma ordem natural das coisas, ordem essa que não deveria ser perturbada. Os Estados Unidos, após a Guerra Civil, adotaram em todos territórios as políticas dos Estados comerciais, talvez um dos mais significantes motivos de seu sucesso como nação, fazendo uso do Destino Manifesto; mas a mentalidade do sulista, mesmo com o Vale do Silício e todo o progresso que possa ter trazido, continua em sua grande parte baseada no peso do tradicionalismo, motivo ainda de escárnio e crítica por parte de seus compatriotas do Norte, mesmo nos dias de hoje.





Referências bibliográficas:
Open Yale Courses. Hist-119: The Civil War And Reconstruction Era, 1845-1877. Lecture 3 - A Southern World View: The Old South and Proslavery Ideology. Disponível em: http://oyc.yale.edu/transcript/544/hist-119. Acessado em: 07/04/2015.
Open Yale Courses. Hist-119: The Civil War and Reconstruction Era, 1845-1877. Lecture 4 - A Northern World View: Yankee Society, Antislavery Ideology and the Abolition Movement. Disponível em: http://oyc.yale.edu/transcript/545/hist-119. Acessado em: 07/04/2015.




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