O PÁRODO DA TRAGÉDIA SOFOCLEANA \" REI ÉDIPO \" TRADUÇÃO E COMENTÁRIO ORDEP SERRA

May 20, 2017 | Autor: O. Trindade Serra | Categoria: Sofocles, Édipo Rei, Tragédia Grega, Literatura Grega, Parodos
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O PÁRODO DA TRAGÉDIA SOFOCLEANA "REI ÉDIPO"
TRADUÇÃO E COMENTÁRIO

ORDEP SERRA


Chama-se de "párodo" (gr. párodos) o canto que marca o ingresso em cena do coro trágico. O conjunto coral apresenta-se dançando, numa evolução que compreende voltas (estrofes) e contravoltas (antístrofes). Em cada um desses movimentos, o grupo dançarino profere um segmento do seu canto. Este párodo de "Rei Édipo encerra três estrofes com as antístrofes correspondentes. Seu cantar combina lamento e prece fervorosa, em face da aflição suscitada pela calamidade descrita no Prólogo: a peste que assola Tebas.


PÁRODO


Grata de ouvir, ó palavra de Zeus
De Delfos, a dourada,
Como vens à gloriosa
Tebas? Temor estira-me
E palpita
Meu corpo.
Délio dos alaridos, Curador,
155 Cuido em ti, e estremeço: que obrigação
A repetir todo ano, uma nova
Ou antiga, será tua exigência?
Diz-me, dourada filha da esperança
Voz imortal!

Primeira nesta prece, filha de Zeus, te invoco
Atena eterna;
160 E a dona da terra, tua irmã
Ártemis, que no trono da praça redonda
Se assenta gloriosa;
E Febo, o que fere de longe, imploro:
Venham a mim os três protetores!
Se antes, alguma vez, a Cidade
165 Ameaçada por desgraças
Livraram, apartando o fogo do flagelo,
Também agora livrem.

Ó deuses, sofro males sem número.
Toda a minha tropa enferma,
E não tenho na idéia adaga
170 Que corte o mal.
Nem frutos brotam
Da terra ilustre, nem filhos
Dos trabalhos gementes obtêm as mulheres.





Um depois do outro, vê-se precipitar
175 meu povo, como pássaros de penas
Mais rápido que fogo infatigável
Nas ribas do deus do ocaso.

Morre a cidade nos mortos inúmeros.
180 Crianças não choradas no chão
Sem luto piedoso jazem mortíferas.
Esposas, mães grisalhas
Muitas, de muitos cantos, vêm às aras,
185 Choram míseras mágoas e suplicam;
O péano lampeja, e consoam soluços.
Manda-lhes, filha dourada de Zeus
O belo rosto de teu auxílio.

Ares, o violento, que hoje
191 Me assalta sem o escudo de bronze
Num alarido agressor em fogo,
Rápido recue de minha pátria
Banido para o grande
195 Tálamo de Anfitrite
Ou rumo às inóspitas praias
Das ondas trácias.
Se a noite o adia, o caso




Cabe acabar ao dia —
200 Ó Zeus Pai, dominador
Dos flamejantes coriscos,
Com o raio fulmina-o!

Senhor da Lícia, também
Tomara do teu arco de ouro
205 Venham as flechas indomáveis
Em meu socorro, e as fogosas
Flamas com que Ártemis salta
Quando corre nos montes lícios.
Suplico também o da mitra de ouro
210 Epônimo desta terra,
Évio Baco das faces de vinho
Guia das Mênades:
Que venha com o rosto iluminado
Por tocha de fogo, atacar
215 O deus que entre os deuses não se honra


NOTAS


Verso 151: [... ó palavra de Zeus...] Recorde-se o Hino Homérico a Hermes, v. 472: "Todos os oráculos vêm de Zeus..."

Verso 154 [ ... Délio dos alaridos... ] a epiclese iéie (voc.) reporta-se ao grito agudo de saudação ritual — ié! — com que Apolo era invocado. "Curador" reporta-se a Paián (o Paiéon homérico) epiclese de Apolo, resultado de um sincretismo: Paián, deus médico, acabou por confundir-se com Apolo. O mito do nascimento de Apolo em Delos justifica seu epíteto de Délio.

Verso 161 [ ... Se assenta gloriosa... ] O adjetivo eukléa na verdade concorda com thrónon; mas Sófocles aqui evidentemente faz uma evocação indireta de Ártemis Eucléia (a Gloriosa), muito cultuada em toda a Beócia. O "(glorioso) trono redondo" de Ártemis, no caso, seria a ágora de Tebas. De acordo com Pausânias (IX, 7, 1), um templo urbano da deusa se achava na ágora da Cidade Baixa dessa urbe.

Verso 177: O "deus do ocaso" (ou "do oeste", ou ainda "noturno") é Hades. Lembre-se que Homero já situava o reino dos mortos no extremo ocidental do mundo. Cf. Od. XII, 81.

Verso 186: [ ... O péano lampeja e consoam soluços... ] Péano, ou peã, é um canto de invocação e súplica aos deuses, dirigido mais freqüentemente a Apolo. As referências mais antigas ao péano se acham na Ilíada (I: 472 –4; XXII: 391). Ver também o Hino Homérico a Apolo ( 500, 516-519).

Versos 195-7: O "grande tálamo de Anfitrite" é o Oceano Atlântico: cf. Herod. I, 102. As "ondas trácias" correspondem ao Mar Negro.

Verso 203 [Senhor da Lícia...]: Apolo. Traduzi Lykeî ánax acompanhando a interpretação mais "clássica" desta apóstrofe, na seqüela de Willamowitz Möllendorf, de Schneidewin & Nauck (1970) et alii. Mas outros grandes especialistas em Sófocles entendem diferentemente. Kamerbeek (1967, comentário ad loc.), vê aí uma referência ao papel de Apolo como protetor dos rebanhos, assim oposto a um Ares lupino: o coro estaria a invocar, portanto, o "Senhor Mata-Lobos". Na sua tradução, a helenista portuguesa Maria do Céu Zambujo Fialho (1991: 69, nota 26) acompanha Kamerbeek. Alega também ela que Sófocles teria escolhido essa jaculatória com o interesse da ressonância que traz à mente a invocação de Ártemis, feita logo a seguir, nos versos 206-8, quando a deusa é representada a correr nos montes lícios. Sófocles teria explorado "a semelhança sonora" dos termos "para que... se vincasse a associação de dois deuses... associados desde o início do Párodo". Ora, esta vinculação se dá com maior ênfase ainda caso se entenda a apóstrofe do verso 203 como uma invocação do "Soberano Lício". Em todo caso, o ponto é duvidoso, e bons argumentos podem ser invocados para justificar ambas as opções aqui confrontadas.

Versos 209-13: [Suplico também o da mitra de ouro / Epônimo desta terra / Évio Baco das faces de vinho... ] Recorde-se o epíteto da "báquica Tebas", como a chama Sófocles em As Traquínias, v. 510. O título de Baco, ou Dioniso, Évio deriva da exclamação evoé [euoi], com que o deus era saudado.

Verso 215: [O deus que entre os deuses não se honra]: Ares... que, na Ilíada, o próprio Zeus diz detestar: cf. Il. V, 890.


OBRAS CITADAS


FIALHO, M. C. Z .
1991. Sófocles. Rei Édipo. Lisboa: Edições 70.
KAMERBEEK, J. C.
1967. The Plays of Sofocles. Comentaries IV. Leiden: E. J. Brill.
SCHNEIDEWIN, F. W. ; NAUCK, A.
1970. Sophokles II. König Oedipus. Zusammengestelt von E. Bruhn. Berlin.
WILLAMOWITZ-MÖLLENDORF, U. von.
1889. "Exkurse zur Oedipus der Sophokles." Hermes, XXIV: 59-74. Wiesbaden, 1889.



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