O Parque Ibirapuera e a construção da imagem de um Brasil moderno

May 31, 2017 | Autor: Laura Cury | Categoria: History, Art History, Architecture, Photography
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Descrição do Produto

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Laura de Souza Cury

O Parque Ibirapuera e a construção da imagem de um Brasil moderno

MESTRADO EM HISTÓRIA

São Paulo 2016

LAURA DE SOUZA CURY

O Parque Ibirapuera e a construção da imagem de um Brasil moderno

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Área de concentração: História Social Orientadora: Prof.ª Dr.ª Denise Bernuzzi de Sant’Anna.

São Paulo 2016

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

E-mail: [email protected]

Catalogação da Publicação Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Cury, Laura de Souza. O Parque Ibirapuera e a construção da imagem de um Brasil moderno / Laura de Souza Cury; Orientadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna. – São Paulo, 2016. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.

1. Parque Ibirapuera. 2. São Paulo. 3. Fotografia. 4. Arquitetura. 5. Paisagem. 6. Modernidade. 7. Monumentalidade. 8. Progresso. 9. Identidade nacional.

CURY, L. S. O Parque Ibirapuera e a construção da imagem de um Brasil moderno. Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em História.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. Dr.: _________________________

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Assinatura: _______________________

Prof. Dr.: _________________________

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Prof. Dr.: _________________________

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Assinatura: _______________________

Para Vera Helena e Michel.

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

À FUNDASP e à CAPES pela concessão da bolsa de mestrado e pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa.

AGRADECIMENTOS À orientadora, Denise Bernuzzi de Sant’Anna, pelo incentivo e pela colaboração que viabilizaram este trabalho.

Aos integrantes da banca Amilcar Torrão Filho e Paulo César Garcez Marins pelas sugestões e indicações valiosas.

Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em História da PUC-SP, e em especial à Estefânia Knotz Canguçu Fraga, pelo conhecimento transmitido e pelo apoio concedido.

Aos fotógrafos German Lorca e Hans Günter Flieg pelas entrevistas concedidas.

Às instituições consultadas pela disponibilidade dos acervos e ao Instituto Moreira Salles pela cessão das imagens.

À Vera Helena e ao Michel Cury e ao Fernando Miramontes pela leitura crítica e pelos apontamentos pertinentes.

À Eliana Spinelli Luciano pelo apoio na formatação.

RESUMO

Esta dissertação trata das imagens do Parque Ibirapuera na cidade de São Paulo, privilegiando uma perspectiva histórica e, sobretudo, fontes fotográficas. O foco principal recai sobre fotografias, pois acredita-se que a reprodutibilidade técnica desse meio auxiliou a divulgação de determinado imaginário a respeito da obra, da cidade e até mesmo do país. As imagens pesquisadas são provenientes de importantes arquivos e publicações – nacionais e internacionais – entre as décadas de 1950 e 1970. A pesquisa buscou compreender o projeto de paulistaneidade e de nação que incitou a construção desse parque-monumento em circunstâncias socioeconômicas nacionais ainda periféricas, apesar do desenvolvimento da cidade de São Paulo na época. Pretendeu-se debruçar sobre como os símbolos arquitetônicos, urbanísticos e principalmente fotográficos do Parque Ibirapuera ajudaram a produzir sentido estético e político relacionados a noções de modernidade e de progresso, almejando a transformar a paisagem urbana de São Paulo e do Brasil.

Palavras-chave: Parque Ibirapuera; São Paulo; fotografia; arquitetura; paisagem; modernidade; monumentalidade; progresso; identidade nacional.

ABSTRACT

This dissertation deals with images of the Ibirapuera Park in the city of São Paulo, favoring a historical perspective and, above all, photographic sources. The main focus lies on photos, because it is believed that the mechanical reproduction of this medium helped to disseminate a certain imaginary about the architectural work, the city and even the country to the population. The images collected come from important archives and publications – both national and international – in the time period that spans from the 1950s to the 1970s. The research aimed to understand the project of “paulistaneidade” and of national identity that prompted the construction of this monument-park in peripheral socioeconomic circumstances, despite the development the city of São Paulo at the time. The research tried to look into how the architectural, urban and photographic symbols of the Ibirapuera Park helped to produce aesthetic and political sense related to notions of modernity and progress, aiming to transform the urban landscape of São Paulo and of Brazil. Keywords: Ibirapuera Park; São Paulo; photography; architecture; landscape; modernity; monumentality; progress; national identity.

Sumário

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................ 11 INTRODUÇÃO – REFERENCIAIS TEÓRICOS ........................................................... 17 CAPÍTULO 1 – SÃO PAULO, “A CIDADE QUE MAIS CRESCE NO MUNDO”, COMEMORA SEU QUARTO CENTENÁRIO ............................................................... 32 CAPÍTULO 2 – A INVENÇÃO DO PARQUE IBIRAPUERA ....................................... 51 2.1 A várzea do Ibirapuera ............................................................................................... 52 2.2 O Viveiro Manequinho Lopes .................................................................................... 56 2.3 De favela a jardim ...................................................................................................... 59 2.4 O Monumento às Bandeiras ........................................................................................ 66 2.5 Monumento-Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932 ................................... 73 2.6 A construção do Parque Ibirapuera ............................................................................. 77 CAPÍTULO 3: – A INAUGURAÇÃO DO PARQUE IBIRAPUERA ........................... 107 3.1 “Nasce Ibirapuera” ................................................................................................... 107 3.2 O Parque Ibirapuera na mídia estrangeira ................................................................. 115 3.3 O Parque Ibirapuera na mídia nacional ..................................................................... 120 3.4 Visualidade moderna ................................................................................................ 141 CAPÍTULO 4 – OS PRIMEIROS ANOS DO PARQUE IBIRAPUERA ...................... 146 4.1 Primeiras publicações internacionais: “Latin American Architecture Since 1945”, de Henry-Russell Hitchcock (1955) e “Modern Architecture in Brazil”, de Henrique E. Mindlin (1956) ............................................................................................................... 146 4.1.1 “Latin American Architecture Since 1945”, de Henry-Russell Hitchcock (1955) 146 4.1.2 “Modern Architecture in Brazil”, de Henrique E. Mindlin (1956) ...................... 148 4.2 Novas incorporações ao Parque Ibirapuera: Planetário, Ginásio de Esportes e Assembleia Legislativa .................................................................................................. 156 4.3 Monumentalidade e modernidade em cheque: a degradação do Parque Ibirapuera .... 171 4.4 Paisagens em disputa ................................................................................................ 180 4.5 Outras publicações internacionais: “New Directions in Latin American Architecture” e “Arquitectura Lationoamericana 1930/70”, de Francisco Bullrich (1969) e “Oscar Niemeyer”, de Rupert Spade e Yukio Futagawa (1971)............................................................................. 189 4.5.1 “New Directions in Latin American Architecture” e “Arquitectura Lationoamericana 1930/1970”, de Francisco Bullrich (1969) ..................................... 190 4.5.2 “Oscar Niemeyer”, de Rupert Spade e Yukio Futagawa (1971) .......................... 192

4.6 Influência do Parque Ibirapuera na arquitetura moderna brasileira ............................ 195 CAPÍTULO 5 – A CONSOLIDAÇÃO DE UM PARQUE OU DE UMA PAISAGEM HETEROTÓPICA ........................................................................................................... 199 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 214 7 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 218

APRESENTAÇÃO

Este trabalho trata de imagens do complexo do Parque Ibirapuera – incluindo, assim, para além do Parque em si, também o Palácio da Agricultura, o Ginásio de Esportes, a Assembleia Legislativa, o Monumento às Bandeiras e o Monumento-Mausoléu ao Soldado Constitucionalista – a partir de alguns momentos essenciais de sua história. Imagens fotográficas da obra arquitetônica e paisagística do Ibirapuera foram eleitas como tema principal da pesquisa devido à importância que se suspeitava, desde o início da formulação do projeto de pesquisa, que elas pudessem desempenhar no imaginário da população relacionado à modernidade em São Paulo e no Brasil. Para realizar este trabalho, foi preciso investigar, por meio das imagens e dos discursos sobre o Parque, três experiências que formam os principais eixos deste trabalho: a fotografia, a paisagem e o anseio de transformar a cidade de São Paulo em um exemplo de modernidade perante o restante do país. O objetivo principal desta pesquisa é, portanto, o de situar um conjunto diversificado de fotografias do complexo do Parque Ibirapuera em seus contextos promocionais históricos e analisar os papéis que as noções de modernidade contidas nelas desempenharam no imaginário paulistano e brasileiro. Perguntas como: ‘Quais são as principais representações do Parque?’ ‘Que pressupostos as enquadraram?’ ‘Que mensagens buscaram transmitir?’ ‘O que ocultaram?’ nortearam a pesquisa, que pretendeu, portanto, compreender o projeto de construção de identidade paulistana e de nação que incitou a construção desse parque-monumento, assim como a construção de um novo tipo de paisagem. A leitura das imagens e dos textos conduziu à importância de acompanhar o interesse dos grupos dominantes na construção de uma determinada percepção do que o Parque Ibirapuera deveria representar e construir uma nova percepção do que deveria ser a cidade de São Paulo no contexto do país. As obras arquitetônicas do Ibirapuera, assim como suas representações fotográficas, refletem projetos estéticos e políticos. As imagens fotográficas do conjunto do Ibirapuera revelam diferentes leituras sobre o modernismo, que era almejado como característica determinante para a nova identidade que se pretendia para o Brasil. Entre as imagens abordadas pela pesquisa, há típicas fotos de registros, que retratam o complexo do Ibirapuera na tentativa de se fazer estudos para a prefeitura, acompanhamento de obras e fiscalizações de processos. Outras fotografias, de caráter propositalmente mais estético e simbólico, também foram utilizadas para representar a cidade em revistas, livros e catálogos de exposições de arte e de arquitetura. Além desses dois grupos, há ainda um terceiro, com imagens que foram divulgadas nas páginas de jornais da época.

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Esta dissertação se concentra na análise e na interpretação dessas fotografias propondo um exame da maneira como elas divulgaram e perpetuaram determinadas visões de mundo e ideologias. Na medida em que as representações imagéticas eram, e, em boa medida, ainda são, vistas como reapresentações do ‘real’ 1 – marca esta que ajuda a definir a modernidade –, elas auxiliaram na constituição do imaginário da nova identidade, moderna, para São Paulo e para o Brasil. As imagens foram buscadas no período de tempo localizado entre as décadas de 1950 e de 1970 com o intuito de perceber algumas das correspondências possíveis entre circunstâncias históricas, políticas, econômicas, sociais e culturais ocorridas no Brasil neste período. Este recorte deve-se ao fato do Ibirapuera ter sido idealizado na década de 1950 (e inaugurado no dia 21 de agosto de 1954, por ocasião das comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo) e de que, a partir de 1970, inicia-se, segundo a literatura especializada, um momento de revisionismo crítico marcado pela emergência de diversos tipos de contestação sobre o caráter efetivamente moderno do modernismo brasileiro. 2 Este dado é importante pois é possível supor que o revisionismo crítico tenha produzido impacto na apreciação do Ibirapuera enquanto símbolo de modernidade nos meios de comunicação, e principalmente na crítica especializada, afetando, assim também, a percepção do público a respeito da obra. O período de 1950 a 1970 também é de interesse pois abarca o contexto da Guerra Fria e de suas ideologias marcantes que aparecem, ainda que nem sempre explicitamente, no projeto do Parque. A pesquisa, contudo, não considerou o recorte temporal estabelecido como limite rígido, mas apenas como elemento de orientação, permitindo alguma flexibilidade de idas e vindas para maior esclarecimento de dados. Com o intuito de perceber a história dessas representações, a pesquisa trabalhou com imagens de acervos e de publicações. Os acervos pesquisados foram o Acervo Fotográfico Arquivo Histórico de São Paulo, o Acervo Fotográfico do Museu da cidade de São Paulo, o Acervo Iconográfico da Prefeitura de São Paulo, os Arquivos Históricos Wanda Svevo e o Acervo do Instituto Moreira Salles. As publicações pesquisadas incluíram jornais, revistas, livros e catálogos de exposições. Foram pesquisados os jornais O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo. Dentre as revistas, foram analisadas as nacionais Módulo: Revista de Arquitetura e Artes Plásticas, Habitat: revista de artes no Brasil e Acrópole – Arquitetura, Urbanismo e Decoração; e as internacionais The Architectural Review, da

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Ver CHARNEY, Leo & SCHWARTZ, Vanessa R. O Cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 24. 2 Ver SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Modernismo brasileiro: entre a consagração e a contestação, Perspective [En ligne], Versions originales, mis en ligne le 30 septembre 2014, Disponível em: . Acesso em 14/08/2015.

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Inglaterra, The Architectural Forum, dos Estados Unidos, L’Architecture d’ Aujourd’hui, da França e Domus, da Itália. Também foram analisados os livros Modern Architecture in Brazil, de Henrique Mindlin, New Directions in Latin American Architecture, de Francisco Bullrich, Arquitectura Latinoamericana 1930/1970, do mesmo autor, Oscar Niemeyer, de Rupert Spade e Yukio Futagawa, assim como o catálogo da exposição Latin American Architecture Since 1945, de Henry-Russell Hitchcock. Em todos esses meios, foram coletadas por volta de quatrocentas fotografias, das quais somente cerca de metade foram incluídas na dissertação. Essas imagens foram eleitas devido aos seus caracteres expressivos e representativos. A maioria delas não possui crédito ao fotógrafo, prática ainda relativamente comum na época. Dentre os nomes creditados mais recorrentes neste trabalho, aparecem, no âmbito dos jornais, Antônio Pirozzelli e Gil Passarelli; no âmbito dos livros, a dupla Zanella-Moscardi, José Moscardi (já atuando sozinho), além do trabalho fotográfico de Yukio Futagawa; nas revistas, aparecem nomes como os de Alice Brill, Chico Albuquerque, Hans Günter Flieg e Zanella-Moscardi. O nome de German Lorca foi recorrente nos índices das revistas, mas foram poucas as imagens efetivamente atribuídas a ele. O peso atribuído a Lorca nessa dissertação, contudo, é grande, não só devido à entrevista especificamente concedida, mas principalmente pelo valor icônico que uma de suas imagens do Ibirapuera adquiriu com o passar dos anos. Assim, percebe-se que a documentação analisada incluiu principalmente fotografias, mas a pesquisa não deixou de considerar, em momentos pontuais, também alguns outros tipos de imagens, como desenhos e pinturas. Os textos que acompanharam as imagens em seus artigos de jornais e revistas, assim como em capítulos de livros, também foram levados em consideração, pois estes são, ainda que de maneira distinta, capazes de construir “imagens” mentais a respeito do Parque Ibirapuera.3 Apesar da utilização dos textos que acompanharam as imagens em seus veículos impressos, as fotografias analisadas nesta pesquisa não foram compreendidas como meras ilustrações dos escritos ou mesmo da arquitetura sendo retratada; foram utilizadas como uma forma de argumento, ou seja, elas constituem uma espécie de narrativa visual capaz de fornecer subsídios para os

Ao tratar especificamente de legendas – mas acredito que a ideia possa ser estendida para qualquer texto que acompanhe uma fotografia –, Walter Benjamin, em “Pequena história da fotografia”, considera que “qualquer construção fotográfica corre o risco de permanecer vaga e aproximativa” sem uma legenda. Para o autor, a função do texto seria a de conferir literalidade à fotografia, limitando sua possibilidade de conferir diferentes interpretações a uma foto. Ver BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas – volume 1. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.279. 3

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argumentos da escrita. As imagens apresentadas neste trabalho requisitaram análises próprias, levando-se em consideração seus partidos estéticos, ideológicos e institucionais. As imagens analisadas não foram agrupadas por veículo de comunicação, mas por ordem cronológica. Essa escolha deveu-se ao fato de que o intuito da pesquisa não era o de analisar propriamente os discursos das mídias que disponibilizavam essas imagens, mas sim, as fotografias do Ibirapuera que circulavam e que, consequentemente, ajudavam a formar determinado imaginário a respeito do conjunto do Parque. Os únicos meios que foram tratados de maneira específica foram os livros e o catálogo, pois estes foram publicações pontuais e, nesse sentido, assemelham-se, por exemplo, a um artigo de jornal ou de revista, que não abarca, assim, todo o período estudado nesta pesquisa. Por esse motivo, acreditou-se que a abordagem de destacar os livros e o catálogo manteria a ordem cronológica das imagens e dos dados. O confronto das diferentes fontes analisadas, de natureza similar ou não, levou à percepção de determinados padrões (e de suas exceções) e às indagações que constituíram os cinco capítulos deste trabalho. O primeiro capítulo (“São Paulo, ‘a cidade que mais cresce no mundo’, comemora seu quarto centenário”) trata da vontade das elites dirigentes de projetar a cidade de São Paulo enquanto modelo de desenvolvimento no Brasil – tanto no âmbito nacional quanto no internacional –, por meio do Parque Ibirapuera, com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, já reconhecido na época como um dos principais arquitetos modernistas do Brasil. O capítulo seguinte (“A invenção do Parque Ibirapuera”) trata do aparecimento do Parque na mídia impressa durante sua construção. Assim, procurou-se investigar como foi sendo formada, muito devido à vontade dos responsáveis, uma primeira impressão do Ibirapuera dentro da cidade, pois estabeleceu-se relação de suas imagens fotográficas com o projeto de modernização do país. O terceiro capítulo (“A inauguração do Parque Ibirapuera”) considera as imagens do Ibirapuera que circularam na mídia impressa no momento de sua inauguração, analisando o significado que a idealização do Parque teve dentro do contexto metropolitano e nacional. No quarto capítulo (“Os primeiros anos do Parque Ibirapuera”), são analisadas as repercussões do Parque e de suas imagens em jornais, revistas, livros e catálogos de exposições após sua inauguração. Buscou-se compreender os efeitos causados pela presença do Parque na cidade e no país após sua ligação direta com as comemorações do IV Centenário. No último capítulo (“A consolidação de um parque ou de uma paisagem heterotópica”),

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buscou-se compreender como as imagens fotográficas do Ibirapuera foram capazes de criar novas paisagens, ou, de acordo com a terminologia foucaultiana, construções heterotópicas. A reflexão acerca desse termo foi utilizada como filtro para a análise do espaço “natural” dentro do espaço urbano. São criadas, assim, paisagens relacionadas com a memória seletiva de momentos pretéritos da história ao mesmo tempo em que são criadas paisagens novas, que apontam para o futuro, na constituição de uma nova identidade social e cultural para a cidade e para o país. Os capítulos que seguem combinam contextualizações e análises históricas e visuais (formais), assim como discussões sobre arquitetura e urbanismo, relacionadas ao Parque Ibirapuera no período de sua construção, inauguração e anos subsequentes. Buscou-se uma discussão sobre os caracteres estético, histórico, simbólico e ideológico das obras, sejam elas arquitetônicas ou fotográficas. A pesquisa pretendeu abarcar, ao menos em parte, a complexidade de discussões que envolveram a definição da nova identidade nacional moderna que estava sendo almejada na época e buscou realizar uma avaliação crítica a respeito dessas discussões e analisar sua representação fotográfica. Defendeu-se a hipótese de que o Parque Ibirapuera pode ser compreendido como a construção de um símbolo de progresso e de modernidade, fundamental para uma nova identidade nacional que o Estado brasileiro buscou criar no período. Partiu-se da ideia de que a arquitetura moderna no Brasil não foi apenas uma manifestação artística independente de interesses políticos e ideológicos de sua época e que, nesse sentido, a fotografia desempenhou importante papel.

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Mapa Geral do Ibirapuera, Comissão do IV Centenário de São Paulo, 1954

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INTRODUÇÃO – REFERENCIAIS TEÓRICOS

Notas sobre fotografia Desde sua invenção, no século XIX, a fotografia sempre esteve relacionada à arquitetura. Isso se deveu à vontade de retratar as cidades aliada ao caráter estático das obras construídas, que eram passíveis de serem registradas mesmo com os longos períodos necessários de exposição do suporte fotográfico, na época, o que fazia com que a imagem não ficasse borrada pela movimentação de um ser animado. William Henry Fox Talbot retratou, em sua primeira fotografia oficial, uma janela e Nicéphore Niépce, o edifício que abrigava seu equipamento. As bordas bem definidas dos edifícios, assim como suas geometrias claras, eram capazes de produzir efeitos convincentes nas imagens fotográficas, o que também explicava sua relação inicial com a arquitetura. Com o passar dos anos, avanços tecnológicos permitiram que o tempo de exposição necessário para se captar uma imagem diminuísse, mas, mesmo assim, não houve diminuição no interesse em retratar as cidades e suas construções. Novas máquinas fotográficas, cada vez menores e com maior precisão tecnológica, começaram a surgir, democratizando a fotografia para o público e permitindo maior relação da imagem instantânea com as ruas, ampliando as possibilidades de retratação da arquitetura presente nas cidades. As fotografias puderam, assim, passar a responder, crescentemente, a uma

variedade e multiplicidade da vida urbana e a questões sobre como os espaços urbanos seriam percebidos e apresentados. Em síntese, a resposta da fotografia sempre foi em relação à complexidade visual da cidade tanto como imagem quanto como experiência4.

Já no início do século XX, a fotografia foi marcada por uma prolífica associação entre arquitetos e fotógrafos que ajudou a legitimar o movimento denominado “modernismo”. As relações entre arquitetos e fotógrafos, que podiam ser diretas ou indiretas, tratavam, entre outros motivos, de divulgar a arquitetura sendo realizada por meio da imagem dotada da capacidade de “reprodutibilidade técnica”5 – termo cunhado por Walter Benjamin – de maneira a alcançar um maior número de observadores e eventuais adeptos6. Gradualmente, as fotografias, que poderiam

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CLARKE, Graham. The Photograph. Oxford: Oxford University Press, 1997, p.75. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas – volume 1. São Paulo: Brasiliense, 1994. 6 Cabe notar que a “reprodutibilidade técnica” não se refere somente à fotografia; ela se refere também à própria arquitetura moderna. A engenharia e a fotografia permitem a circulação de modelos e protótipos dessa arquitetura que podem ser reproduzidos pelo mundo. 5

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mostrar a arquitetura de maneira totalizante ou apenas em seus detalhes mais marcantes e sugestivos, começaram a ser cada vez mais publicadas em jornais, livros, catálogos de exposições e revistas especializadas, possibilitando que inúmeras obras passassem a ser reconhecidas nacional e internacionalmente e se tornassem paradigmáticas. Assim, também é possível pensar como, no transcorrer do tempo, a fotografia deixou de simplesmente se apoiar na arquitetura como uma de suas principais temáticas, já que, numa espécie de inversão de valores, é a arquitetura que passa a se inclinar sobre a fotografia com o intuito de se revelar, de se fazer notar, de se divulgar e, até mesmo, de pertencer a uma cultura icônica.

(...) Cedo esses arquitetos perceberam na fotografia uma chave para garantir seu ingresso no seleto circuito internacional das revistas especializadas (...) Certamente há que ser considerado que o projeto moderno, por princípio universalizante, haveria de encontrar forte aliado na fotografia como meio de intermediar a disseminação de um ideário que se queria comum, além das fronteiras geográficas e idiomáticas7.

Muitos fotógrafos adotaram as cidades e suas arquiteturas como uma de suas principais temáticas, sem que houvesse necessariamente associações específicas com arquitetos e sem que fossem necessariamente contratados para esse fim. A estética modernista, tanto na fotografia quanto na arquitetura, era útil para a representação de um “espírito comum”. Oscar Niemeyer, comumente considerado como um dos principais arquitetos modernistas, autor do projeto do Ibirapuera, fez amplo uso de fotografias para divulgar seus projetos em livros, revistas e exposições:

Durante muitos anos, Marcel Gautherot foi o nosso fotografo preferido. 8 Quantas viagens fizemos juntos por esse Brasil afora! Ele a fotografar os edifícios que projetávamos. Pampulha, Brasília, São Paulo [...] Como o Marcel sabia enquadrar os pontos de vista adequados, os contrastes da arquitetura que tão bem conhecia!9

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INSTITUTO MOREIRA SALLES. O Brasil de Marcel Gautherot: fotografias. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2001, p.21. 8 Cabe notar que Gautherot não foi o único fotógrafo a registrar obras de Niemeyer. Outros fotógrafos como Richard Wurts, Jean Manzon, Rafael Landau, George Kidder Smith, Rosalie Thorne McKenna, os irmãos José e Humberto Franceschi, Yukio Futagawa, Alan Weintraub e Leonardo Finotti também documentaram seu trabalho. Em São Paulo, a fotografia de arquitetura em geral, e não só a de Niemeyer, foi realizada também por autores como Alice Brill, Francisco Albuquerque, Hugo Zanella e José Moscardi, German Lorca, Hans Günter Flieg, entre outros. 9 Depoimento de Oscar Niemeyer. In: INSTITUTO MOREIRA SALLES. O Brasil de Marcel Gautherot: fotografias. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2001, p.7.

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As obras modernistas começaram, então, a figurar entre as páginas de revistas especializadas de arte e arquitetura. Esses periódicos surgiram como alternativa para a disseminação de informação de arquitetura de uma forma mais acessível e frequente quando comparada com a que ocorre em livros ou monografias. A quantidade gradualmente crescente de revistas feitas com custos relativamente baixos, juntamente com o desenvolvimento da mídia técnica e cultural, ocorreu durante a segunda metade do século XX e ajudou a definir o formato impresso como sendo o ideal para divulgar arquitetura. Ainda que em 1950 um dos problemas que as revistas enfrentassem fosse o fato do público alvo ser reduzido, progressivamente, esse panorama começou a mudar, pois o aumento do número de cursos de arquitetura e de arquitetos, assim como o aumento de interesse pela arquitetura brasileira no exterior, ajudavam a criar um público leitor para essas edições. Igualmente, as Bienais de Arte de São Paulo, que tiveram início em 1951, impulsionaram debates no campo das artes visuais e, dentro desse escopo, também da arquitetura brasileira, municiando o seu debate nacional e internacional10. Jornais, esses sim com ampla circulação, também veiculavam imagens e pareceres, diretos ou indiretos, sobre a arquitetura moderna brasileira. Assim, a mídia impressa periódica (jornais e revistas) e, em menor escala, os catálogos e os livros, não cumpriam apenas papel informativo, pois foi também por meio deles que o gosto do grande público por arquitetura moderna foi constituído. Kenneth Frampton comenta esse panorama editorial e escreve que “a vantagem mais óbvia desse crescimento espetacular [editorial e iconográfico] é a maior divulgação de informação e o aumento geral de sensibilidade em relação à arquitetura.”11 À primeira vista, imagens fotográficas podem não ser compreendidas como representações, mas como dados objetivos, fragmentos visuais dos objetos em si, referentes realistas da obra arquitetônica e paisagística em pauta. Susan Sontag escreve que “a fotografia pode constituir perfeitamente a prova irrefutável de que certo evento ocorreu.”12 Essa primeira impressão do caráter factual da fotografia, apesar de não ser equivocada, é, contudo, incompleta, pois nem tudo que a fotografia registra refere-se necessariamente à realidade.

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Ver MIRANDA, Clara Luiza. A crítica nas revistas de arquitetura nos anos 50: a expressão plástica e a síntese das artes. Dissertação de mestrado. São Carlos – SP: EESC/USP, 1998. 11 FRAMPTON, Kenneth. Building impressions. Edited Architectures, Arquitectura Viva, nº 12, Madrid, 1990, p.16. In: MUÑOZ VERA, Gonzalo. Role of Photography on the understanding and spreading of architecture. Disponível em: . Acesso em 15/07/2014. 12 Essa afirmação será refutada no transcorrer de seu ensaio, para também abordar o aspecto ficcional da fotografia: “Apesar de haver um sentido em que a câmera de fato capta a realidade, e não apenas a interpreta, fotografias são tão interpretativas do mundo quanto pinturas e desenhos.” Ver SONTAG, Susan. On Photography. New York: Dell Publishing Co., Inc., pp.6-7.

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Isso, entretanto, não significa que a fotografia não possua relação direta com seu referente. Vilém Flusser considera que, justamente por conta do fato das fotografias aparentemente não precisarem ser decifradas devido ao seu caráter indicial, elas se tornam difíceis de entender ou de interpretar. É na transposição entre o fato e a foto, porém, que diversos tipos de interpretações e de manipulações podem se articular, fazendo com que a suposta verdade revelada na imagem precise sempre ser relativizada. Segundo o filósofo, “imagens não são símbolos “denotativos” (de uso literal) e, sim, “conotativos” (de uso expressivo, figurado), ou seja, oferecem aos seus receptores um espaço interpretativo.”13 Dessa maneira, diferentes representações fotográficas, articuladas e formadas por inúmeros fatores relacionados às esferas da cultura, da estética e da política, assim como aos modos de representar e de interpretar, propiciam leituras diversas. Em Imagem – Música – Texto, Roland Barthes escreve que o status puramente factual da fotografia, sua objetividade absoluta, “tem toda a chance de ser mítico.”14 Barthes, assim como outros teóricos, acredita que uma mensagem fotográfica possa estar imbuída de carga simbólica. O grande interesse desse tipo de efeito é que ele intervém discretamente, sem alerta, no plano da denotação. Utiliza a credibilidade do valor indicial da fotografia para passar uma mensagem altamente conotativa como meramente denotativa, segundo termos utilizados por Flusser. A função conotativa da fotografia está presente, desde seu início, com o repertório visual e cultural e com a intenção do fotógrafo que registrou a imagem; mas ao discorrer sobre narrativas escritas (e acredito que possamos estender esse pensamento também para narrativas visuais), Barthes reflete também a respeito do papel desempenhado pelo leitor (e no caso da fotografia, do observador). A unidade do trabalho não está somente em sua origem, mas também em sua destinação. Nesse sentido, ao imprimir uma fotografia, a mensagem capaz de ser transmitida não está fechada; ao contrário, ela agora estará apta a receber novas leituras e ressignificações. As representações fotográficas fazem parte, portanto, de um sistema complexo de comunicação. Como se viu, até mesmo a mais “técnica” das fotografias não deixa de ser, também, parcial e seletiva. Em seu livro Fotografia & História, Boris Kossoy escreve sobre a natureza de fragmento da realidade e de registro tanto documental quanto expressivo da fotografia. O registro desse meio é documental no sentido de que a imagem do real é retida pela fotografia, fornecendo testemunho visual e material dos fatos aos espectadores ausentes da cena. A imagem fotográfica,

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FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma Futura Filosofia da Fotografia. São Paulo: Hucitec, 1985, p.7. 14 Ibidem, p.19.

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conforme aponta o autor, possui, contudo, outras qualidades, pois é, além de um registro factual, também um produto que “caracteriza a intromissão de um ser-fotógrafo num instante dos tempos.” 15 A atuação do fotógrafo funciona como um “filtro cultural”, pois o registro visual documenta, também, a atitude do fotógrafo perante a realidade (assim como de um possível divulgador posterior das imagens), suas concepções estéticas, seu estado de espírito e sua ideologia; tudo isso pode transparecer nas imagens e nos seus meios veiculadores. Assim, Kossoy escreve sobre um caráter autônomo da imagem fotográfica no sentido em que ela possui uma realidade própria, para além daquela que inicialmente documentou. A imagem fotográfica pode também ser, portanto, compreendida como uma segunda realidade, ou seja, como a realidade específica do documento sendo analisado, como a realidade da representação. Dessa maneira, ela é pensada a partir de uma ambiguidade intrínseca, de um binômio indivisível: testemunho/criação16. As representações construídas sobre o mundo inserem-se no lugar dele, pois tornam presente o ausente, mas também fazem com que “os homens percebam a realidade e pautem a sua existência.” 17 As imagens de arquitetura que circulam na mídia ajudam a criar determinado imaginário a respeito dela, assim como da cidade e do país a que pertence. Dessa maneira, percebese como as representações podem ser portadoras do simbólico, como dizem mais do que aquilo que mostram à primeira vista e como “carregam sentidos ocultos que, construídos social e historicamente, se internalizam no inconsciente coletivo e se apresentam como naturais...”18 A ideia de que nossa visão das coisas é constituída historicamente por meio de diversos tipos de representações e de interações perceptuais, de maneira que “nossa compreensão é sempre uma forma de saber social”19 não é nova na historiografia contemporânea, principalmente dentro do âmbito da História Cultural, tal como apontou Roger Chartier. Para esse historiador, é importante tentar observar elementos culturais que transitam no campo social – objetos, fórmulas, símbolos, códigos e discursos – e buscar compreender “como uma realidade social é construída, pensada e dada a ler”20, considerando, assim, a prática do fazer cultural e sua apropriação, ou recepção, por parte do público. O próprio termo “apropriação” também é de relevância, pois, no conceito de Chartier, ele não se refere somente ao que é incorporado pelos receptores, mas também o que é recusado

KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001, p.41. Ibidem, p.53. 17 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p.39. 18 Ibidem, p.41. 19 STEPAN, Nancy Leys. Picturing Tropical Nature. London: Reaktion Books Ltd, 2001, p.15. 20 CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre Práticas e Representações. Lisboa: Difel, 1990, p.16. 15 16

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por eles num processo de filtramento e de seleção dos códigos e símbolos que são incorporados a determinados imaginários. Assim, a noção de representação é importante para relativizar dados que podem ser tidos como neutros e factuais e possibilitar a percepção das intencionalidades por trás deles. Isso pode ser observado dentro do constructo sociocultural, no qual se fundem realidade e ideologias, processo que auxiliou a formação do que se denominou “arquitetura moderna brasileira”. Em geral, a identidade desse estilo arquitetônico dependia largamente das representações visuais disponíveis. A maior parte das pessoas, fossem elas brasileiras ou não, não podia, nos anos de 1950 (pois não podem nem mesmo nos dias atuais, em que há, cada vez mais, expansão no acesso ao transporte e ao turismo), ver, ao vivo, obras específicas de arquitetura moderna brasileira, como o Parque Ibirapuera. A alternativa era tomar conhecimento dessas obras por meio de imagens, principalmente as fotográficas. Esse é o caráter público da fotografia, no sentido de que é possível que ela tenha uma circulação massiva. Essa expansão do acesso das imagens ao público começa a ocorrer principalmente a partir do entre-guerras e faz com que quase todo cidadão possa ter acesso ao conteúdo fotográfico de uma revista ou jornal ilustrado21. A análise das representações fotográficas do Ibirapuera, em sua condição de complexo arquitetônico e paisagístico moderno, levou ao questionamento de como – e com quais “espaços de experiência” e “horizontes de expectativa”, segundo termos utilizados por Reinhart Koselleck22 – o Parque foi construído, representado e compreendido como um paradigma de modernidade da cidade de São Paulo, criando uma nova paisagem e, também, uma nova identidade, moderna, para o país.

Notas sobre paisagem O conceito de paisagem, polissêmico e interdisciplinar, é de fundamental interesse para este trabalho. Paysage, em francês, vem do radical medieval pays, que significa tanto “habitante” quanto “região”, revelando, portanto, uma relação intrínseca entre o homem e a terra. 23 Em português, similarmente ao francês, o termo paisagem possui o radical “país”, referindo-se ao local de origem, sem necessariamente considerar as implicações políticas

Ver FERNÁNDEZ, Horácio (ed.) Fotografia Pública – Photography in Print 1919 – 1939. Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia. Madrid: Aldeasa, 2000. 22 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-RJ, 2006. 23 Ver CORBIN, Alain. L’Homme dans le paysage. Paris: Textuel, 2001, pp.18-19. 21

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modernas deste termo, mas sim, sua acepção inicial de relação entre as pessoas de uma região com o local que habitam. A relação moderna entre um país e sua paisagem também é de grande relevância, pois a própria paisagem possui características concretas que auxiliam na constituição de identidades específicas, como o que ocorreu em meados do século XX, quando a paisagem urbana passou a tornar-se um dos referenciais necessários para a criação de uma identidade moderna para o Brasil. A paisagem é uma maneira de analisar e de representar o espaço, “uma leitura indissociável da pessoa que contempla o espaço considerado.”24 Augustin Berque relaciona as concepções de que a paisagem sempre esteve presente no mundo, como compreendida na esfera das ciências naturais, e a de que ela é, também, representação, já que existe justamente porque é percebida e concebida pelo ser humano, que interage com o meio que o cerca. É a partir dessa dupla chave interpretativa que o autor escreve sobre o “nascimento da paisagem”25. Paisagens não são, portanto, naturais; são criações humanas formadas por diferentes elementos, tanto do domínio natural, como do humano, do social, do cultural e do econômico, que se articulam uns com os outros. Assim, paisagem é a constante produção e representação do espaço por sujeitos; é um filtro utilizado para se compreender melhor o espaço e as implicações históricas e sociológicas que ocorrem nele. Perceber o espaço significa perceber, igualmente, a interpretação simbólica que determinados grupos sociais conferem ao ambiente, suas justificativas estéticas e ideológicas e o impacto de suas representações sobre a vida coletiva 26 . Em seu artigo “A geografia está em toda a parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas”, Denis Cosgrove identifica dois tipos de paisagens: “da cultura dominante” e as “alternativas”. As paisagens de cultura dominante constituem uma das formas de poder do grupo

Mantido e reproduzido (...) por sua capacidade de projetar e comunicar, por quaisquer meios disponíveis e através de todos os outros níveis e divisões sociais, uma imagem do mundo consoante com sua própria experiência e ter aquela imagem aceita como reflexo verdadeiro da realidade de cada um27.

CORBIN, Alain. L’Homme dans le paysage. Paris: Textuel, 2001, p.11. Ver BERQUE, Augustin. El pensamento paisajero. Madri: Biblioteca Nueva, 2009. 26 Ver CLAVAL, Paul. A Geografia Cultural. Florianópolis: UFSC, 1999. 27 COSGROVE, Denis. A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas. (1989). In: MARIA, Yanci Ladeira. Paisagem: entre o sensível e o factual. Uma abordagem a partir da Geografia Cultural. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Geografia da FFLCH – USP. São Paulo, 2010. 24 25

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As paisagens alternativas são aquelas criadas por grupos não dominantes e que apresentam menor visibilidade. Pode-se ainda pensar num terceiro tipo de paisagem, a “excluída”, associada às minorias e aos grupos pouco integrados. Esses tipos de paisagem são de interesse para o estudo do Ibirapuera, como se verá no transcorrer desta pesquisa, que analisa as representações de modernidade no Parque. Estudar arquitetura, urbanismo, paisagismo e fotografia ajuda a compreender a produção e a representação do espaço, pois a paisagem é compreendida como a escolha do enquadramento – seja ele estético e/ou ideológico – das ações do homem sobre o espaço em que ele habita e transforma. A fotografia, por exemplo, revela uma paisagem afetada pelo homem, mas de acordo com a percepção do fotógrafo. Os observadores desta fotografia perceberão uma imagem produzida a partir da perspectiva de outro. Essa intermediação interfere na relação direta e pessoal do sujeito com o patrimônio, que perderá sua própria percepção empírica do mundo 28. A fotografia pode, portanto, ser compreendida como uma construtora de paisagens sociais e culturais. Anne Cauquelin escreve sobre a “invenção da paisagem” em livro homônimo e investiga as origens da noção de paisagem. Para a filósofa, parece que só se pode ver aquilo que já foi visto anteriormente, ou seja, aquilo que já foi “contado, desenhado, pintado, realçado.”29 É a representação que torna evidente algo que até então havia sido ignorado. “O mesmo ocorre com a paisagem, sua “realidade” social, uma construção que é passada por filtros simbólicos, antigas heranças.”30 Dessa maneira, a paisagem não deve ser compreendida como algo estanque. Para Augustin Berque, ela é “trajetiva” pois está sempre em trânsito e é, inclusive, o trajeto em si 31. A paisagem está, portanto, em constante processo de modificação, sendo adaptada conforme as atividades humanas. Assim, o presente transforma-se imediatamente em passado. Segundo Milton Santos, a paisagem é passado porque

o presente que escapa das nossas mãos já é passado também. Então, a cidade nos traz, através de sua materialidade, que é um dado fundamental da compreensão do espaço, essa presença dos tempos que se foram e que permanecem através das formas e objetos que são também representativos de técnicas32.

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Ver SONTAG, Susan. On Photography. New York: Dell Publishing Co., Inc., 1977. CAUQUELIN, Anne. A Invenção da Paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.94. 30 Ibidem, p.96. 31 Ver BERQUE, Augustin. El pensamento paisajero. Madri: Biblioteca Nueva, 2009. 32 SANTOS, Milton. O Tempo nas Cidades, p.22. Disponível em: . Acesso em 16/09/2014. 29

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Paisagem é, portanto, o “palco” do homem; é o lugar onde suas atividades são desenvolvidas. É também o local no qual se pode perceber justaposições de atividades passadas, formando o que Milton Santos denomina de “rugosidades”33: aquilo que resta do passado como forma ou espaço construído, fazendo com que diversos elementos se substituam e se acumulem, formando uma coexistência de diversos tempos no presente. A acumulação de diferentes tempos no espaço e a possibilidade de justaposição de vários pequenos espaços, incompatíveis entre si, contidos simultaneamente dentro de um outro maior, são alguns dos princípios que Michel Foucault utiliza para definir o conceito de heterotopia34, que seria uma espécie de meio termo entre utopias (projeções humanas que não possuem lugar na geografia física, pois são somente formulações mentais) e topias (lugares que têm existência real no mundo físico). A heterotopia seria, assim, um espaço concreto no qual idealizações e representações se encontram presentes, formando um novo tipo de paisagem. Pode-se pensar que alguns sítios que contêm obras de arquitetura moderna sejam heterotópicos, no sentido em que buscam criar novas identidades para determinada cultura. Símbolos arquitetônicos de modernidade em São Paulo, dentro do contexto maior do Brasil, parecem se enquadrar nessa categoria, pois pretendem refletir a grandeza da cidade – assim como do país –, enquanto produtora de riquezas.

Notas sobre Modernidade O Modernismo, no âmbito da arquitetura, foi um movimento artístico e cultural que se iniciou na Europa e que surgiu devido à necessidade de encontrar soluções para problemas que vinham sendo gerados pelas mudanças sociais e econômicas desde a Revolução Industrial. A questão da reprodutibilidade estava, portanto, intimamente ligada à tentativa de resolver, em larga escala, o problema da habitação popular, o que justificava a abolição de ornamentos e favorecia o uso de formas geométricas definidas35. No Brasil, durante o período da arquitetura moderna, o projeto de industrialização como um todo ainda era, em determinados aspectos, incipiente. Mesmo em sua cidade mais desenvolvida economicamente, São Paulo, havia (como ainda há) problemas relacionados à distribuição de riqueza e ao desenvolvimento “desigual e concentrado”, segundo termo cunhado por Milton

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SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. São Paulo: HUCITEC, 1986. 34 Sobre o conceito “heterotopia” ver: “Of Other Spaces, Heterotopias.” Architecture, Mouvement, Continuité 5 (1984) & Les Hétérotopies, France-Culture, 7 décembre 1966. 35 Ver Weston, Richard. Modernism. London: Phaidon Press, 1996.

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Santos36. A vontade de produzir obras arquitetônicas modernistas pode ser, assim, compreendida como maior do que a necessidade socioindustrial de construí-las, ainda que se pudesse argumentar que fosse imperativo abrigar uma massa de trabalhadores historicamente marginalizados no país. A escassez de propostas sociais e urbanas simultâneas à construção dos edifícios monumentais modernos suscita reflexões 37 . Segundo Luiz Recaman, a arquitetura moderna brasileira é essencialmente antiurbana por desenvolver-se, em grande parte, em sítios desertos, ou em “páginas em branco”, onde não havia construção ou vivência urbana anterior38. Entre alguns exemplos de arquitetura construída dessa maneira, como o conjunto da Pampulha (1943) e até mesmo a cidade de Brasília (1960), está o Parque Ibirapuera (1954). Ainda que esse novo espaço público estivesse relacionado a um programa de cultura e de lazer para determinada parcela da população urbana – mesmo que restrita, já que o acesso por meio de transporte público era, na década de 1950, escasso –, o crescimento de São Paulo, assim como de outras cidades brasileiras no período, exigia avaliações e respostas aos novos problemas. O envolvimento da arquitetura e do urbanismo modernos com as grandes cidades era improrrogável, mas as alternativas foram diversas, devido ao desejo de se criar uma especulação imobiliária e, talvez, à facilidade de criação das obras. Nesse sentido, cabe a indagação sobre o que suscitou a vontade de “ser moderno”, segundo parâmetros ocidentais vigentes no período. O fato do complexo do Ibirapuera estar situado em São Paulo, cidade que, na época, surgia como a maior e mais industrializada metrópole do país, parece corroborar a hipótese de que ele desempenhasse importante função no imaginário relacionado à modernidade no Brasil. Essa “modernidade” constituiu-se progressivamente ao longo da história e não deve ser aceita tacitamente como algo dado, nem como uma continuação exata do movimento que se iniciou na Europa. No Brasil, o modernismo, que começou a ter seus ideais difundidos a partir

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SANTOS, Milton. A Urbanização Desigual: A Especificidade do Fenômeno Urbano em Países Subdesenvolvidos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010. 37 Cabe aqui observar que alguns autores, como Lauro Cavalcanti, traçam um panorama um pouco diferente a respeito da questão social da arquitetura moderna brasileira, escrevendo que soluções pensadas para a morada dos mais pobres, por exemplo, constitui a última base do tripé – em conjunto com a construção de edificações monumentais e a instalação de uma política de preservação da memória nacional – que possibilitou aos modernos o domínio do campo arquitetônico, em detrimento dos acadêmicos e neocoloniais, em meados do século XX, no Brasil. Contudo, o mesmo autor cita Oscar Niemeyer, filiado ao Partido Comunista, que disse: “Num regime capitalista não me atraía essa ideia de habitação mais barata. Atender ao pobre para ele continuar sendo pobre.” Cavalcanti escreve, ainda, que os projetos utópicos para habitação popular nunca se realizaram plenamente no Brasil, devido a problemas de ordem política e econômica. Ver CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro. A história de uma nova linguagem na arquitetura (1930 – 1960). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.126. 38 BARROS, Luiz Antônio Recaman. Oscar Niemeyer: forma arquitetônica e cidade no Brasil moderno. São Paulo, 2002. Tese – Universidade de São Paulo.

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do início do século XX, assumiu características específicas e deu início a uma nova fase estética na qual houve a integração de tendências fundamentadas na valorização da realidade nacional. Para Ronaldo Brito:

Paradoxal modernidade a de projetar para o futuro o que tentava resgatar do passado. Enquanto as vanguardas europeias se empenhavam em dissolver identidades e derrubar os ícones da tradição, a vanguarda brasileira se esforçava para assumir as condições locais, caracterizá-las, positivá-las, enfim. Este era o nosso Ser moderno39.

Adrian Gorelik é outro autor que problematiza a noção de vanguarda na América Latina como sendo distinta da presente na Europa e nos Estados Unidos 40 . Para o estudioso, a modernidade modifica o componente trágico da decadência do ocidente, pois acreditava-se que o “jovem continente era uma terra mais predisposta para a construção ex nihilo de uma nova sociedade.” 41 Nesse sentido, é invertida a análise weberiana, associada com processos de racionalização e com o desencantamento do mundo, já que a modernidade passa a ser compreendida como um instrumento para alcançar o desenvolvimento, criando uma tradição que se realiza a partir da década de 1930, quando o Estado toma para si essa tarefa com o intuito de finalizar o processo de unificação nacional. Segundo Gorelik, essa é uma chave explicativa capaz de dar conta das relações atípicas, geradas nos países da região, entre Estado e arquitetura, que aparece como construtora de imaginários nacionais modernos que podem homogeneizar vastos territórios. Esses dados evidenciam como a noção de vanguarda nos países latino-americanos é, portanto, específica, pois não cumpre alguns dos requisitos teóricos básicos das vanguardas clássicas: o combate às instituições ou à tradição, o internacionalismo. Pelo contrário, as vanguardas modernistas da América Latina propuseram a construção de uma nova tradição, pautada, em parte, em referências históricas e uma renovada identidade nacional que, no caso brasileiro, esteve associada à vontade de ser moderno. Annateresa Fabris, ao comentar escritos de Ronaldo Brito, escreve sobre outro elemento desse modernismo almejado que merece ser destacado: “o caráter incipiente de nosso

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BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: Vértice e Ruptura do Projeto Construtivo Brasileiro. In: FABRIS, Annateresa. Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro. In FABRIS, Annateresa (Org.). Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1994, p.15. 40 É possível pensar, contudo, que a valorização de aspectos nacionais era, no caso brasileiro, também uma prática nova com relação ao que se praticava tradicionalmente. 41 GORELIK, Adrián. Cultura urbana sob novas perspectivas. In: Revista Estudos Novos CEBRAP, n. 84, São Paulo, CEBRAP, agosto 2009, p.241.

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desenvolvimento tecnológico e científico.” 42 Essa característica levou os artistas, segundo a autora, a introjetar a problemática na constituição do “Real moderno”, antes de vivê-la objetivamente. Isso significa que por mais que determinadas partes do Brasil estivessem, no final do século XIX e início do XX, experimentando uma etapa de modernização (socioeconômica), esse processo talvez ainda fosse muito incipiente para ensejar tamanha força no modernismo (cultural e artístico), de maneira a forjar a modernidade. Assim, à presente pesquisa, foi de interesse buscar compreender como a arquitetura moderna, que pressupõe avanços em técnicas construtivas e dinheiro disponível para implementálas, se desenvolveu tão frutiferamente num país ainda tido como periférico no cenário internacional. A revista norte-americana Architectural Forum, por exemplo, lançou a pergunta: “Como é que um país ‘atrasado’ [como o Brasil] pôde de repente produzir uma arquitetura tão vibrante e contemporânea?”43 O confronto da documentação analisada com o referencial teórico estudado levou à interrogação das representações que se pretendiam criar sobre a modernidade paulistana e brasileira. Se o programa moderno pretendia obter atualizações compreendidas, na época, como necessárias por parte de um Estado forte e empreendedor, a utopia moderna apresentava-se, contudo, como “miragem de progresso”44: “impossível deixar de reconhecer na marcha triunfal da moderna arquitetura nacional a mera marca cruel do subdesenvolvimento...”45 O modernismo brasileiro firmou-se, portanto, como estilo e contribuiu para a formação da nova identidade da cultura nacional que se pretendia construir. Mesmo com origens europeias, pautadas no racionalismo e no funcionalismo, os modernistas brasileiros criaram uma linguagem própria, unindo o legado do passado e os almejos para o futuro em suas obras. A história do início da arquitetura moderna brasileira não se restringiu, entretanto, apenas ao contato com renovadores europeus; os Estados Unidos também foram fundamentais para a consolidação, afirmação e autonomia do estilo moderno. Isso aconteceu no contexto amplo da Guerra Fria, em que o capitalismo ocidental, liderado pelos Estados Unidos, buscava assegurar seu controle sobre outros países, inclusive os do hemisfério Sul, tidos como “aliados naturais”, numa disputa por áreas de influência e, em decorrência, por hegemonia mundial. Nesse período, houve preocupação em propagar a

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FABRIS, Annateresa. Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro. In FABRIS, Annateresa (Org.). Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1994, p.15. 43 SMITH, Chloethiel Woodard Smith, “Brazil”, Architectural Forum 87, November (1947). pp.66-67. 44 ARANTES, O. e ARANTES, P. O Sentido da Formação: Três Estudos sobre Antonio Candido, Gilda De Mello e Souza e Lúcio Costa. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p.121. 45 Ibidem, p.122.

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concepção do modelo do mundo livre como arma contra o comunismo 46. Havia tentativas claras de manter o Brasil, assim como outros países, inclusive os da América Latina, na esfera ocidental da cultura47. A cultura era mobilizada, nesse contexto, para tornar evidente uma geografia com valores comuns e a arquitetura moderna esteve presente nesses esforços. O Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), que estava inserido dentro do escopo dessas ações governamentais norte-americanas pretendidas diante da Guerra Fria, 48 foi pioneiro em introduzir a arquitetura moderna no âmbito das relações culturais entre a América Latina e os Estados Unidos. Em seu prefácio para o catálogo de Brazil Builds (1943), exposição que, segundo Patricio del Real49, apresentava uma clara sobreposição entre a política e a cultura de arquitetura moderna na tentativa de se criar um hemisfério ocidental unificado e defensável, Philip Goodwin comenta que a ansiedade “por travar relações com o Brasil, um país que ia ser nosso futuro aliado”50 era um dos motivos para a realização da mostra.

O caráter político do Brasil como progressista e democrático foi firmemente instalado desde o começo ao lado do modernismo brasileiro. O modernismo era um código estético que aproximava o Brasil dos Estados Unidos sob a bandeira da democracia51.

Assim, o MoMA “havia se tornado o mais influente centro mundial para a difusão do modernismo.”52 Além da Brazil Builds, o museu realizou outras importantes exposições sobre arte e arquitetura brasileiras: Portinari do Brasil (1940), De Le Corbusier à Niemeyer (1949) e Latin

A “política de boa vizinhança” já vinha, desde meados da década de 1930, tentando uma maior aproximação com a América Latina. Ver TOTA, António Pedro. Cultura e Dominação: Relações Culturais entre o Brasil e os Estados Unidos Durante a Guerra Fria. Perspectivas, São Paulo, 27, 2005, p.113. 47 “Éramos, no entanto, um teatro secundário, pois a Europa era o foco privilegiado de uma Guerra Fria cultural [...] Mesmo que o Brasil tenha sido considerado um teatro secundário, a política cultural do Departamento de Estado, por meio de esmerada propaganda, se preocupou em levar, por todos os meios de comunicação, à população brasileira a ideia do modelo do mundo livre liderado pelos EUA. Para o Departamento de Estado, essa era a melhor arma contra o comunismo.” Ver TOTA, António Pedro. Cultura e Dominação: Relações Culturais entre o Brasil e os Estados Unidos Durante a Guerra Fria. Perspectivas, São Paulo, 27, 2005, p.115. 48 Havia uma relação clara e pública entre o museu e o governo norte-americano por meio da OCIAA (The Office of the Coordinator of Inter-American Affairs), liderada por Nelson Rockefeller. Ver REAL, Patricio del. Building a Continent: The Idea of Latin American Architecture in the Early Postwar. Tese de doutorado. Columbia University, 2012. 49 Ver REAL, Patricio del. Building a Continent: The Idea of Latin American Architecture in the Early Postwar. Tese de doutorado. Columbia University, 2012. 50 Esse trecho foi originalmente citado em GOUVEIA, Sonia Maria Milani. A Fotografia de Arquitetura de Peter Scheier em três Publicações. Pós v. 15, n˚ 24, São Paulo, 5.7. 51 REAL, Patricio del. Building a Continent: The Idea of Latin American Architecture in the Early Postwar. Tese de doutorado. Columbia University, 2012, p.98. 52 CAVALCANTI, Lauro Pereira. Moderno e brasileiro. A história de uma nova linguagem na arquitetura (1930 – 1960). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.165. 46

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American Architecture Since 1945 (1955). No início de 1950, o Programa dos Quatro Pontos do presidente estadunidense Harry Truman já visava assistência econômica e tecnológica para países em desenvolvimento, visando combater críticas sobre o foco de seu governo somente na reconstrução europeia e em sua luta ideológica contra o comunismo, deixando os países sulamericanos sem a atenção que esses exigiam. Neste contexto, a exposição do MoMA intitulada Latin American Architecture Since 1945 surtiu efeitos que alcançaram os principais centros mundiais de cultura. “Críticos e arquitetos desviaram sua atenção para a sofisticada produção de um país cuja imagem esteve sempre associada ao folclore tropical.”53 Arthur Drexler, curador do departamento de Arquitetura e Design do MoMA, já enfatizava a dualidade entre de fato ser moderno e a aparência de modernidade – e dizia que a quantidade de edificações na região conferia uma aparência de cidades predominantemente modernas. A nova construção brasileira teve, portanto, significativa carga simbólica e, dessa maneira, pode ser considerada mais institucional e monumental do que propriamente social 54. Ironicamente, a arquitetura moderna triunfou na periferia do capitalismo, onde não se esperaria que ela obtivesse êxito, e desmascarou algumas razões, formais, da nova arquitetura. Igualmente, razões formais, além de ideológicas, marcaram a representação imagética, notadamente a fotográfica, sobre a arquitetura moderna brasileira, da qual o Parque Ibirapuera é representativo. Segundo Carlos Lemos, ao refletir sobre a construção do Ibirapuera:

a partir daquele momento houve a aceitação definitiva da arquitetura moderna no país. As pessoas se referiam a ela como ‘Estilo Bienal’. Depois da criação do Ibirapuera, nenhuma outra obra pública ignorou o moderno na arquitetura.55

O Parque Ibirapuera foi, portanto, concebido, na década de 1950 e às vésperas do IV

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CAVALCANTI, Lauro Pereira. Moderno e brasileiro. A história de uma nova linguagem na arquitetura (1930 – 1960). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.170. 54 Autores como David Underwood discordam dessa análise. Underwood escreve que uma análise mais profunda da obra de Niemeyer revela que sua arte é “intensamente espiritual em sua procura por um sentimento poético e uma íntima ligação com o infinito. A arquitetura de Niemeyer extrai seu poder precisamente disto: ao refletir a múltipla dicotomia da experiência brasileira, projeta igualmente uma universalidade emotiva que poucos arquitetos lograram atingir.” Ver UNDERWOOD, David Kendrick. Oscar Niemeyer e o modernismo de formas livres no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, p.17. Já Max Bill, em palestra proferida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em junho de 1953, criticou a arquitetura moderna brasileira e apontou para o risco da produção local incorrer num “academicismo antissocial.” Bill referia-se ao uso de formas que considerava aleatórias e meramente decorativas nos projetos de Oscar Niemeyer. Ver BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001, p.714. 55 Artigo publicado na Folha de São Paulo, 2003. Disponível em: . Acesso em: 03/04/2014.

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Centenário da cidade de São Paulo, enquanto símbolo do que se almejava ser: ponta de lança da modernidade, exemplo nacional de arrojamento. Isso aconteceu, em grande parte, devido ao poder de divulgação da obra por meio de imagens fotográficas, como as que serão apresentadas aqui. Uma crítica publicada no New York Times, em novembro de 1955, por Aline Saarinen, dizia que a arquitetura da América Latina – e o Brasil ocupou lugar de prestígio nessa categoria – era “a mais fotogênica do mundo.”56 A relação entre o fotógrafo e essa arquitetura fotogênica – e, por extensão, a relação entre o observador e a imagem veiculada – era de sedução. Criava-se, assim, uma nova identidade nacional, moderna, para o Brasil.

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Ver REAL, Patricio del. Building a Continent: The Idea of Latin American Architecture in the Early Postwar. Tese de doutorado. Columbia University, 2012.

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CAPÍTULO 1 – SÃO PAULO, “A CIDADE QUE MAIS CRESCE NO MUNDO”, COMEMORA SEU QUARTO CENTENÁRIO

Na década de 1950, a reinvenção do Brasil como país moderno esteve aliada a um momento de inflexão da história da cidade de São Paulo, definido pela consolidação da metrópole57. Esse foi o período em que São Paulo tornou-se o maior centro industrial brasileiro, gerando mais de cinquenta por cento de toda a produção industrial do país. A industrialização, substituindo a cafeicultura, transformava-se, já desde o final do século XIX, no catalizador da prosperidade paulista. As medidas de incentivo à industrialização promovidas, em meados da década de 1930, por Getúlio Vargas e a necessidade de substituição de importação de bens manufaturados com o advento da Segunda Guerra Mundial, quando foi suspensa boa parte da produção europeia, ajudaram a fazer com que, em meados do século XX, São Paulo estivesse crescendo a altas taxas e passasse a ser representada como se fosse a “locomotiva do Brasil.” Nessa época, a população brasileira cresceu cerca de quarenta e cinco por cento e metade desse montante foi absorvida pelas áreas urbanas. Muitos saíram do campo ou de cidades estagnadas, pequenas ou médias, em rumo às cidades mais dinâmicas em busca de perspectivas de trabalho e de melhores condições de sobrevivência. Essas perspectivas eram causadas, em grande medida, pela aura criada em torno das metrópoles, promovida pelos meios de comunicação de massa, principalmente pelas imagens que circulavam em jornais e em revistas, ou mesmo no cinema e na televisão, que mostravam “ao vivo uma paisagem urbana que suscitava admiração e surpresa.”58 Assim, o país também recebeu novas levas de imigrantes. Tudo isso fez com que a classe operária urbana crescesse mais que o dobro. São Paulo, que no ano de seu IV Centenário (1954) já possuía uma população que ultrapassava os dois milhões e trezentos mil habitantes59, foi de fundamental importância dentro desse processo. Em meados da década de 1950, a metrópole já possuía aproximadamente vinte e duas mil indústrias e empregava quase quinhentos mil operários60.

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Em meados do século XX, outras cidades, como o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, e Brasília, a nova capital que seria construída entre 1957-60, além de Porto Alegre e Belo Horizonte, também ganham destaque no cenário nacional e internacional. 58 ROMERO, José Luis. América Latina: as cidades e as ideias. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, p.360. 59 BREFE, Ana C. Fonseca. As cidades brasileiras no pós-guerra. São Paulo: Atual, 1995, p.11. 60 Indicações compostas a partir de dados publicados em: O Cruzeiro, 23.01.1954 e Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, Rio de Janeiro, IBGE, 1958, vol. XXX.

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A expansão da atividade siderúrgica e da produção de concreto armado impulsionou a construção civil e a verticalização da cidade, símbolo de modernidade segundo padrões principalmente norte-americanos. Segundo Ana C. Fonseca Brefe, São Paulo não era somente “a cidade que mais cresce no mundo”, mas também uma das cidades que “mais se edificava no mundo.”61 Ainda na década de 1950, Roger Bastide escreveu sobre o processo de verticalização de São Paulo, caracterizando-o como um traço fundamental da paisagem urbana dessa cidade:

A mão do arquiteto aqui substitui a mão de Deus. (...) Foi o homem que fez São Paulo, e sente-se nesta cidade reviver a vontade sobranceira do bandeirante paulista; não se trata mais de conquistar uma terra desconhecida para ofertá-la a Portugal, nem de arrancar o ouro ao pedregulho dos rios: trata-se agora de escalar o céu, de prender as nuvens aos cimos dos edifícios de vinte, de trinta, de quarenta andares, do esmagar as torres das igrejas velhas ou as chaminés longínquas das fábricas modernas sob enormes movimentos de cimento, numa obsessão de verticalidade62.

No âmbito internacional, havia um sentimento generalizado de otimismo com o fim da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, não se havia vivenciado a devastação da Guerra e, aliada à instauração do chamado regime democrático no país a partir de 1945, essa conjuntura ajudou a exaltar ainda mais o sentimento de otimismo e de esperança. A população brasileira, e principalmente a que vivia nos grandes centros urbanos como São Paulo, era, pois, sensível ao sonho de modernização veiculado pela propaganda de numerosos produtos industrializados. Tendia-se a compreender a industrialização como um caminho a ser percorrido para a obtenção do “desenvolvimento”. Segundo Nicolau Sevcenko, esse período foi marcado pela arrancada para o desenvolvimento autossustentado, “cujo símbolo por excelência seria a construção da cidade modernista de Brasília, em 1960 (...). Mas se Brasília seria o símbolo, a realidade era São Paulo”63, cidade geradora de metade da produção industrial do Brasil e já em adiantado processo de conurbação com os municípios vizinhos, dando origem à chamada “grande São Paulo”. O sentimento de euforia não era, portanto, gratuito. De fato, a feição de São Paulo estava sendo radicalmente transformada. Novas instituições culturais surgiam, além das – e também devido às – indústrias. Esse processo foi, em grande medida, estimulado pela política externa

61

BREFE, Ana C. Fonseca. As cidades brasileiras no pós-guerra. São Paulo: Atual, 1995, p.13. BASTIDE, Roger. Brasil, terra de contrastes. São Paulo: Difusão europeia do livro, 1959, p.129. 63 SEVCENKO, Nicolau. Orvalho leve na noite negra: São Paulo, imagens líricas de luto e luta. In: COSTA, Carlos e BUITONI, Dulcilia Schroeder. A Imagem e a Cidade. Jundiaí-SP: In House, 2013, p.13. 62

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norte-americana, que via a cultura, e principalmente a chamada “alta cultura”, como meio capaz de promover a melhoria do padrão de vida no Brasil e, assim, manter o país como aliado. Dentro desse ideário, o empresariado brasileiro deveria adotar “estratégia modernizadora e compreender que a cultura era um instrumento ideológico de grande potência quando usada conforme a dinâmica do capitalismo liberal.”64 Dentro desse contexto, surgiu o que Antônio Pedro Tota denominou de “corrida dos museus”, disputa velada entre o jornalista e empresário Assis Chateaubriand e o industrial ítalo-brasileiro Francisco Matarazzo Sobrinho para abrir o primeiro museu em São Paulo. O Museu de Arte de São Paulo (Masp) foi criado em 1947 por iniciativa de Chateaubriand. O Museu de Arte Moderna (MAM) foi inaugurado no ano seguinte por Matarazzo, que também patrocinou: o Teatro Brasileiro de Comédia, em 1948; a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em 1949; e a Bienal de São Paulo, em 1951. Com todos esses investimentos,

o ambiente cultural paulistano viveu um intenso e acelerado processo de renovação de suas referências artísticas internacionais. De forma inédita, os museus e a Bienal possibilitavam ao público da cidade o acesso a obras de importância histórica ou que representavam os parâmetros mais atualizados de modernidade65.

De acordo com Maria Cecília França Lourenço, em meados do século XX, “São Paulo quer ser Nova York, a capital dos negócios e da cultura.”66 São Paulo era um polo industrial que estava avançando também no campo cultural e, portanto, pretendia alcançar renome dentro do país e fora dele. Apesar de todo o seu crescimento, contudo, São Paulo era, em parte, vista pela mídia especializada em arte e arquitetura como uma cidade “periférica”. O Rio de Janeiro continuava figurando muito mais nas páginas de revistas semanais da época e em livros e revistas de arte e arquitetura modernas, no âmbito nacional e principalmente no internacional, nas quais se procurava mostrar “não apenas a beleza de sua paisagem, desenhada pelo mar e pela montanha, mas também seu traçado urbano”67.

64

TOTA, Antônio Pedro. O amigo americano: Nelson Rockefeller e o Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2014, pp. 340-341. 65 ESPADA, Heloisa. Fotoformas: a máquina lúdica de Geraldo de Barros. Dissertação apresentada à ECA-USP, 2006, p.20. 66 LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus Acolhem Moderno. São Paulo: EDUSP, 1999, p.20. In: ESPADA, Heloisa. Fotoformas: a máquina lúdica de Geraldo de Barros. Dissertação apresentada à ECA-USP, 2006, p.28. 67 BREFE, Ana C. Fonseca. As cidades brasileiras no pós-guerra. São Paulo: Atual, 1995, p.7.

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Na década de 1950, São Paulo parecia ser objeto de uma reversão dessa situação; era necessário adequar a imagem da cidade ao seu novo contexto de expansão. Uma maneira de se fazer isso foi por meio da mídia impressa e, nesse sentido, começaram a surgir cada vez mais publicações, com textos e fotografias, voltadas para a cidade 68 : imagens com objetivo celebrativo, que reiteravam o crescimento e a transformação de São Paulo, eram frequentes nas páginas de jornais, revistas, livros e álbuns fotográficos (muitas vezes bilíngues – ou seja, pretendidos para conferir visibilidade à cidade para além da esfera nacional), editados tendo em vista o aniversário dos quatrocentos anos de fundação de São Paulo, cujos festejos foram comandados pela Comissão do IV Centenário. Por meio de patrocínios e convênios dentro do âmbito público, a Comissão viabilizou e incentivou a divulgação de São Paulo nas esferas cultural, econômica e turística 69 , o que aconteceu, em grande parte, por meio de imagens fotográficas, além de textos e de peças publicitárias. Paralelamente ao crescimento de São Paulo, surgia uma camada social emergente que passava a compor a nova elite local, formada principalmente por empresários industriais ligados a famílias de imigrantes. Desse novo contexto, emergiu a já comentada figura de Francisco Matarazzo, mais conhecido pelo apelido de “Ciccillo”, que se tornou o “mecenas do que pode ser chamado o ‘ressurgimento’ paulista nesse período.”70 Dentre seus vários projetos, Ciccillo atuou na Presidência da Comissão Organizadora dos festejos do IV Centenário. Os objetivos da Comissão foram, desde o início, ambiciosos e abarcavam diferentes setores culturais da cidade e do estado: artes plásticas, arquitetura, dança, música, teatro, cinema e, conjuntamente, eventos esportivos, educativos e de negócios. Nesse sentido, seria organizada uma grande feira internacional. Pode-se dizer que essa feira visasse ajudar a consagrar o Brasil como uma potência econômica. Ao expor novidades das diferentes indústrias, não só do Brasil, mas de vários países do mundo, a feira ajudaria a inserir São Paulo, e o próprio país, no fluxo do ideal de modernidade, dado, também, por meio do consumo. Assim, “era essencial exaltar a cultura dos países que já apresentavam uma produção e consumo de bens em escala mais

68

Ver CARVALHO, Vânia Carneiro de e LIMA, Solange Ferraz de. Fotografia e cidade: da razão urbana à lógica do consumo: álbuns da cidade de São Paulo, 1887-1954. Campinas-SP: Mercado de Letras, 1997, p. 22. 69 Ainda que informações quantitativas precisas sobre a circulação dessas imagens sejam difíceis de se obter, podese deduzir um acesso amplo por meio de jornais impressos. Algumas pistas sobre a força de apelo que as imagens da cidade tinham no período podem ser identificadas por meio da análise de documentos produzidos pela comissão organizadora dos festejos do IV Centenário. 70 SEVCENKO, Nicolau. Orvalho leve na noite negra: São Paulo, imagens líricas de luto e luta. In: COSTA, Carlos e BUITONI, Dulcilia Schroeder. A Imagem e a Cidade. Jundiaí-SP: In House, 2013, p.14.

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elevada que a nossa.”71 Havia, enfim, uma tentativa de integrar as principais atividades que movimentavam a cidade e que, simultaneamente, eram capazes de representar sua vitalidade. É possível perceber a demanda de imagens referentes à cidade que atingiam “a esfera privada através da venda a varejo, a esfera pública e privada, no seu nível institucional, através da comissão e o exterior através dos representantes da autarquia ou dos escritórios e embaixadas brasileiras.” 72 A Comissão Organizadora dos festejos pretendia construir uma autoimagem positiva da cidade, criando uma memória, selecionada, capaz de espelhar a construção hegemônica da metrópole. O IV Centenário apresentava-se, portanto, como um espaço privilegiado para a construção desse campo simbólico. A festa deveria se projetar enquanto espaço e oportunidade para a exaltação e a afirmação dos significados pretendidos pela elite de São Paulo perante si mesma e, inclusive, perante o restante da nação (que deveria se espelhar na cidade para, ela também, obter maior desenvolvimento). As representações simbólicas que seriam construídas no IV Centenário funcionariam, desse modo, para ocultar eventuais aspectos indesejados e para exaltar o progresso de aspectos modernos já alcançados, tidos como elementos fundamentais para a consolidação da liderança paulistana no cenário nacional. “São Paulo se propunha a ser uma espécie de resumo do Brasil ou seu ponto de convergência.”73 É importante notar, contudo, que “um parque gigantesco como o Ibirapuera, portador de projetos arquitetônicos e paisagísticos de prestígio internacional e inequivocamente “modernos”, não mereceu nestes álbuns [de São Paulo] sequer uma fotografia.”74 Uma possível explicação para essa ausência é o fato de muitas das fotografias selecionadas para os álbuns terem sido buscadas dentre imagens já produzidas anteriormente, pertencentes a arquivos. Outro fato passível de cogitação é que muitas produções desses álbuns ocorreram concomitantemente à construção do Ibirapuera, ou seja, quando essas publicações começaram a ser pensadas, o Parque ainda não estava concluído. Segundo Vânia Carneiro de Carvalho e Solange Ferraz de Lima, também é possível supor que a ausência do Ibirapuera nos álbuns seja devida ao fato de, na época, o centro da cidade ainda estar muito atrelado a noções de modernidade e de progresso, devido a sua relação com o processo de verticalização e metropolização. Igualmente, no centro percebiase explicitação ideológica do poder econômico da sociedade de consumo, já que essa área

Ver LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo – a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. 2002. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p. 121. 72 CARVALHO, Vânia Carneiro de e LIMA, Solange Ferraz de. Fotografia e cidade: da razão urbana à lógica do consumo: álbuns da cidade de São Paulo, 1887-1954. Campinas-SP: Mercado de Letras, 1997, p. 25. 73 LOFEGO, Silvio Luiz. op. cit., p. 35. 74 CARVALHO, Vânia Carneiro de e LIMA, Solange Ferraz de. op. cit., p.160. 71

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concentrava grupos de maior poder aquisitivo e, portanto, caracterizava paulistanos prósperos. Assim, no início da década de 1950, as imagens de arquitetura mais simbólicas eram as do Banco do Estado, dos túneis da avenida Nove de Julho, do Estádio Municipal do Pacaembu, entre outras. Os álbuns fotográficos de São Paulo eram muito similares, seguindo uma linha editorial bem definida e baseada nos mesmos ícones. Nesse sentido, as imagens do Ibirapuera que começavam a aparecer, em meados do século XX, em jornais, revistas, livros e catálogos, visavam transferir a noção de progresso para além do centro, relacionando-as também com regiões novas, ainda periféricas no traçado urbano da cidade. Havia, em São Paulo, um desejo por parte das elites de transformar a cidade em um dos principais símbolos de modernidade do Brasil. Com esse intuito, começou-se a construir uma nova imagem de paisagem urbana para o país. “São Paulo precisava seguir Londres, Nova York e Buenos Aires.”75 Nelson Rockefeller, que incentivava a modernização do Brasil como arma na luta contra o comunismo, acreditava ser necessário pensar na falta de planejamento urbano da capital paulista e entrou em contato com a prefeitura, convencendo as autoridades da necessidade de um programa para estudar os gargalos existentes. Nesse contexto, foi publicado o Programa de Melhoramentos Públicos para a Cidade de São Paulo, estudo encomendado à equipe de Robert Moses, urbanista renomado que já havia feito transformações em cidades como Nova York, Chicago e Pittsburgh. “Era a versão americana e mais contemporânea do barão Haussmann, que reurbanizou a cidade de Paris no reinado de Napoleão III.”76 O relatório de Moses indicava que São Paulo carecia de vias amplas, de grande acesso, e de meios de transporte coletivo. A melhoria dessas características ajudaria a criar uma cidade lisa, saneada, com fácil conexão entre subúrbio e centro. O relatório também indicava a necessidade de se instaurar um sistema de parques, jardins e instalações recreativas,

especialmente nos bairros; e as possibilidades de expandi-lo vão desaparecendo rapidamente, em consequência da alta vertiginosa dos preços de terrenos e da construção descontrolada dos edifícios, que absorvem todos os espaços livres. […] Os grandes parques são também inadequados77.

75

TOTA, Antônio Pedro. O amigo americano: Nelson Rockefeller e o Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2014, p.215. 76 Ibidem, p.216. 77 MOSES, Robert. Programa de Melhoramentos Públicos para a Cidade de São Paulo. Program of Public Improvements. International Basic Economy Corporation/ Technical Services Corporation, nov. 1950. pp. 9-17. In TOTA, Antônio Pedro. O amigo americano: Nelson Rockefeller e o Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2014, p. 220.

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Ainda que o Relatório de Moses não abordasse a questão específica do Ibirapuera, uma das maneiras pelas quais o sistema de espaços livres recreativos foi almejado ocorreu por meio da construção desse parque metropolitano.

Ponto privilegiado da metrópole, de fácil acesso pelas avenidas Brasil e Brigadeiro Luís Antônio, o Ibirapuera foi “descoberto” pela comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo (...). Entre as várias comemorações previstas para festejar o IV Centenário, a urbanização do Ibirapuera constituirá no ponto alto pois será sede, no próximo ano, de uma grande exposição – feira internacional78.

Tão importante era o Parque dentro do escopo das ressignificações pretendidas pela elite paulistana que a Revista Cidade, em seu artigo “Ibirapuera, Ontem e Hoje”, destaca que “a construção do Parque consumiu oitenta por cento do orçamento total da Comissão do IV Centenário.”79 O nome de Ciccillo à frente da Comissão conferia prestígio ao evento e também transformava a comemoração em uma oportunidade de divulgar o modernismo brasileiro, já que era considerado “patrono das artes” modernas no país. Foi ele o grande responsável pela escolha do local onde seriam realizados os festejos, pressionando para que os eventos comemorativos fossem concentrados no Ibirapuera. Dessa maneira, a cidade teria, na construção do Parque, um espaço para concentrar as atividades comemorativas do aniversário da cidade e, também, um espaço adequado a um programa formal de cultura e lazer para parcela da população urbana. Nesse sentido, Matarazzo pretendia erguer pavilhões que pudessem abrigar feiras e exposições dentro do espaço. Com o intuito de obter um prédio específico para sediar a Bienal de Artes da cidade, projeto que desenvolvia na época, Ciccillo pretendia disseminar a arte moderna e toda uma ideologia modernista para o público de São Paulo. Isso porque

São Paulo não podia parar, não podia ficar só com a glória da inauguração do Masp e do MAM. A cidade não podia contentar-se com a ideia de que dois museus eram suficientes para marcar sua “superioridade” artística sobre o Rio. Chatô e Ciccillo fizeram uma trégua na guerra mútua não declarada, e Matarazzo preparou novo ataque para manter a Pauliceia na vanguarda80.

Diário da noite: 13/03/1953. In LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo – a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. 2002. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p.74. 79 LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo – a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. 2002. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p. 77 80 TOTA, Antônio Pedro. O amigo americano: Nelson Rockefeller e o Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2014, p. 359. 78

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A construção, no Ibirapuera, de pavilhões em caráter permanente (e não temporário, como se chegou a supor) resultaria nos espaços expositivos necessários para esse projeto. Ainda que diferentes propostas tenham sido apresentadas para o Parque, no sentido de representar a força de São Paulo, predominou a visão de Matarazzo, mais em sintonia com visões modernistas de efervescência econômica e cultural. Ainda em 1951, o arquiteto Rino Levi, então presidente da seção paulista do Instituto dos Arquitetos do Brasil, foi convidado para liderar uma Equipe de Planejamento para elaborar o projeto para as obras das comemorações do IV Centenário. Rino Levi indicou alguns colegas para comporem a Equipe de Planejamento: Oswaldo Bratke, Roberto Cerqueira César, Eduardo Kneese de Mello e Ícaro de Castro Mello, assim como Carlos Alberto Gomes Cardim Filho e Carlos Brasil Lodi, funcionários da Prefeitura. O contrato para os trabalhos da Equipe de Planejamento incluía um plano de conjunto, com anteprojeto, compreendendo traçados viários, circulação, estacionamento, comunicações e distribuição de áreas para parques, jardins, assim como a implantação de vários edifícios. Os trabalhos urbanísticos e arquitetônicos eram orientados para a criação de um conjunto de espaços recreativos, culturais, artísticos, paisagísticos e esportivos em São Paulo. A princípio, essa equipe deveria também fazer o projeto definitivo do conjunto, após acerto do anteprojeto. A equipe fez o plano do conjunto e, portanto, definiu, a princípio, o programa de projetos dos pavilhões do Ibirapuera. No entanto, houve desentendimentos entre os membros da Equipe de Planejamento e a Comissão em relação aos honorários a serem pagos aos arquitetos e isso provocou a dissolução do grupo. Assim, uma nova equipe, liderada pelo arquiteto carioca modernista Oscar Niemeyer, foi indicada para desenvolver o projeto dos pavilhões. Segundo o arquiteto:

Por ocasião dos festejos do quarto centenário da cidade de São Paulo, Ciccillo Matarazzo me procurou para projetar o Parque do Ibirapuera, era um trabalho importante, e eu declarei que aceitava realizar o projeto, mas que não o faria sozinho, convocando dois arquitetos daquela cidade. E com Hélio Uchôa, do Rio, e Lotufo e Kneese de Mello, de São Paulo, elaborei aquele projeto. Três grandes prédios para exposições, a entrada monumental com um museu e um auditório, e a grande marquise ligando todo o conjunto81.

A equipe de planejamento também contou com a colaboração de Gauss Estelita e de Carlos Lemos, representante do escritório de Niemeyer em São Paulo. A Comissão claramente

81

NIEMEYER, Oscar. Minha Arquitetura. Rio de Janeiro: Revan, 2000, p.31.

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procurava um arquiteto modernista para realizar o projeto do Parque. A escolha de Oscar Niemeyer deveu-se por este ser o representante de uma linguagem internacional nacionalizada de arquitetura, conforme sugeria Le Corbusier. Niemeyer procurou o equilíbrio entre a arquitetura mais anônima e impessoal do racional-funcionalismo internacional e a tradicional arquitetura colonial brasileira. Niemeyer já era referenciado, na época, como um dos mais renomados arquitetos modernistas por conta dos projetos do pavilhão brasileiro na feira mundial de Nova Iorque, em 1939, e, principalmente, do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, em 1943. Pode-se considerar que o projeto do Parque Ibirapuera seja análogo a esse último. Segundo Paulo César Garcez Marins, no Ibirapuera, o lago, que é articulador da arquitetura da Pampulha, é substituído pela marquise, espécie de “espelho d’água de concreto.”82

Primeiro Projeto para o Parque do Ibirapuera do grupo de arquitetos liderado por Oscar Niemeyer, 1952 [Anteprojeto da Exposição do IV Centenário de São Paulo. São Paulo, 1952]

82

MARINS, Paulo César Garcez. O Parque Ibirapuera e a construção da identidade paulista. In: Anais do Museu Paulista, História e Cultura Material, vol. 6/7, São Paulo: USP/Museu Paulista, 1998-1999, p.26.

41

A exemplo do ocorrido com a Pampulha, então, é possível pensar que os integrantes da Comissão Organizadora do IV Centenário, que convidaram Niemeyer para projetar os pavilhões destinados a abrigar as exposições dos festejos, pretendessem estabelecer São Paulo como uma cidade de vanguarda, pois a escolha por um arquiteto modernista carioca nas comemorações do aniversário de São Paulo é simbólica. A escolha de Niemeyer poderia facilitar a projeção do Parque Ibirapuera e da cidade para alguns tipos de veículos, como revistas e livros especializados, aumentando a visibilidade do projeto de modernização em pauta, pois “no início dos anos 50 do século XX (...), este parque essencialmente urbano, destacava-se antes de mais nada, pela obra daquele que já era considerado um dos mais importantes arquitetos da atualidade, e não só no Brasil.”83

A Comissão organizadora do IV Centenário de São Paulo encontra, portanto, nesse conjunto arquitetônico a indicação perfeita e adequada, a linguagem ideal para transmitir, a quantos quiserem saber, a importância e o grau de desenvolvimento técnico e industrial do grande Estado, através de quatro séculos de existência84.

Isso fica evidente na análise de edições importantes de arquitetura moderna publicadas internacionalmente, como Brazil Builds, com textos de Philip Goodwin e fotos de G. E. Kidder Smith, de 1943 e The Work of Oscar Niemeyer, de Stamo Papadaki, de 1950. Essas publicações foram fundamentais para a “difusão internacional do nome do arquiteto [Oscar Niemeyer] – com edições nos Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Japão – e para a sua consolidação como o mais importante criador da jovem arquitetura moderna brasileira.”85

83

SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Teatro do Parque Ibirapuera: Em nome de quem?. Textos Especiais Arquitextos, n. 051.01. São Paulo, Portal Vitruvius, jul. 2003. Disponível em: . Acesso em 20/06/2015. 84 CARDOSO, Joaquim. NIEMEYER, Oscar. Anteprojeto da Exposição do IV Centenário de São Paulo. São Paulo: Dante Paglia, 1952, p.21. In: MARINS, Paulo César Garcez. MARINS, Paulo César Garcez. O Parque Ibirapuera e a construção da identidade paulista. In: Anais do Museu Paulista, História e Cultura Material, vol. 6/7, São Paulo: USP/Museu Paulista, 1998-1999, p.30. 85 SCHLEE, Andrey Rosenthal, BREIER, Ana Claudia Böer, PEREIRA, Maíra Teixeira. Fotógrafos perpetuando visões da arquitetura. Disponível em: . Acesso em: 02/07/2014.

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“The work of Oscar Niemeyer”, de Stamo Papadaki: capa da segunda edição, 1951 (1ª ed. de 1950)

“Brazil Builds”, de Philip Goodwin: página de rosto com o Cassino da Pampulha, 1943

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A contracapa de Brazil Builds já traz fotografia colorida (uma das poucas do catálogo) de uma obra de Niemeyer: o recém-inaugurado Cassino da Pampulha. Essa escolha revela, conforme já apontou Nelci Tinem, a atração pelo moderno por parte de Goodwin e de KidderSmith86, assim como o prestígio de Niemeyer. Em Brazil Builds, metade das obras registradas encontrava-se no estado do Rio de Janeiro, enquanto somente um quarto estava em São Paulo e o outro quarto em Minas Gerais e em estados do Nordeste. Niemeyer foi o arquiteto que teve o maior número de obras selecionadas para a exposição: o Ministério de Educação e Saúde Pública (MESP); o Pavilhão brasileiro na feira de Nova Iorque; a Obra do Berço no Rio de Janeiro; as residências Cavalcanti, Johnson e Niemeyer (da Gávea); o Hotel de Ouro Preto; o Cassino, a Casa do Baile e o Yacht Club da Pampulha. O conjunto da Pampulha conferiu notoriedade praticamente instantânea a Niemeyer, e suas imagens foram largamente difundidas no exterior como “as jóias do Brazilian Style.”87 Ao analisar livros como o de Papadaki e o de Goodwin, pode-se perceber o papel que eles desempenharam enquanto instrumentos de divulgação da arquitetura brasileira no exterior. Dessa maneira, também valorizaram a arquitetura moderna dentro do contexto nacional, já que conferiram reconhecimento estrangeiro às obras desenvolvidas no país. Somadas a edições especiais de revistas como a Architecture d’Aujourd’hui, essas publicações foram, em parte, responsáveis pela “mitificação de Oscar Niemeyer como o grande arquiteto nacional, símbolo e representante brasileiro em pé́ de igualdade com o que havia de melhor na produção mundial.”88 Em meados do século XX, Roberto Burle Marx também já começava a aparecer como importante paisagista modernista. Seus projetos para o complexo da Pampulha, por exemplo, estão dentre os selecionados para as edições dos livros de Papadaki e de Goodwin e outros de seus projetos também constam em revistas especializadas nacionais e internacionais. Burle Marx chegou a fazer um projeto para o Parque Ibirapuera, ressaltando uma natureza tropical delimitada em desenhos geométricos, mas não simétricos, traços que são característicos de sua obra. Segundo artigo assinado por Siegfried Giedion na L’Architecture d’aujourd’hui:

86

Ver TINEM, Nelci. Arquitetura Moderna Brasileira: a imagem como texto. Disponível em: . Acesso em: 16/06/2014. 87 PONTES, Ana Paula Gonçalves. Diálogos Silenciosos: arquitetura moderna brasileira e tradição clássica. Rio de Janeiro: Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, 2004, p.25. 88 LEAL, Daniela Viana. Oscar Niemeyer e o Mercado Imobiliário de São Paulo na Década de 1950. O Escritório Satélite sob Direção do Arquiteto Carlos Lemos e os Edifícios Encomendados pelo Banco Nacional Imobiliário. Disponível em: < http://www.docomomo.org.br/seminario%205%20pdfs/040R.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.

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(...) Ele é pintor abstrato. É um artista sensível que compreende a linguagem das plantas. Em seu país exótico, ele pesquisou as plantas nativas nas florestas virgens amazônicas. Mas ele encontrou, também, a maneira de usar as plantas mais simples, aquelas que crescem em todo lugar. As flores são plantadas em massas e cores uniformes. Esses tufos de cores fortes, com formas livres, são como que extraídos de uma tela e pousados sobre o relvado. Esta afinidade com a arte contemporânea é o segredo dos jardins de Burle Marx89.

Burle Marx Projeto do Parque Ibirapuera. Plano de implantação. Guache sobre cartão, 1953 / Acervo MoMA – N.Y.

Burle Marx. Projeto do Parque Ibirapuera. Perspectiva. Guache sobre cartão, 1953 / Acervo MoMA – NY.

GIEDION, Siegfried. Burle Marx et le jardin contemporain. L’Architecture d’aujourd’hui, Boulogne: 11 out, 1952, p. 42. In: SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900 – 1990. São Paulo: Edusp, 1999, p.111. 89

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O projeto de Burle Marx para o Ibirapuera, apesar de ser apreciado pela crítica e de estar dentro do escopo de produção modernista que se pretendia, só foi executado parcialmente e, mesmo assim, só posteriormente. Segundo Isabela Ono, sócia e coordenadora geral do escritório de Paisagismo Burle Marx, no Rio de Janeiro, foram executados os projetos para o Viveiro Manequinho Lopes, na década de 1990, e o Jardim das Esculturas, entre a Oca e o MAM, em 200690. Por ocasião da inauguração do Ibirapuera, nenhum projeto do paisagista havia sido ainda implementado. Na época, o projeto paisagístico eleito foi o de Otávio Augusto Teixeira Mendes, que também se vinculava à produção modernista. Em seu projeto para o Ibirapuera, Teixeira Mendes sugeriu um traçado de caminhos em harmonia com o conjunto arquitetônico, propondo diferentes perspectivas dos mesmos. Segundo o próprio paisagista:

(...) procurou-se, dentro dos postulados da moderna arquitetura paisagística, obter um traçado singelo, funcional e como que envolvente daquele mesmo grupo. Procurou-se sobretudo valorizar o conjunto arquitetônico (...). É óbvio que o aspecto paisagístico de um parque com as características do Ibirapuera, não se improvisa. Todavia, muito se poderá conseguir, se se contar com elementos adequados. O chamado viveiro “Manequinho Lopes”, da Prefeitura, possui regular coleção de plantas adaptáveis e aproveitáveis no Parque Ibirapuera: de alto porte algumas, porém, susceptíveis de serem transplantadas (...)91.

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Informações obtidas por conversa telefônica com a Sra. Isabela Ono no dia 06/08/2015. Apresentação de Teixeira Mendes de seu projeto paisagístico em setembro de 1952. Arquivo Histórico Municipal, pasta do IV Centenário, caixa 197, processo 1120. 91

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Teixeira Mendes. Parque Ibirapuera, Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo. Versão não definitiva do projeto paisagístico para o Parque do Ibirapuera, 5 de fevereiro de 1953. Escala 1:2000 (planta geral do parque), 105x137 cm, guache sobre cópia heliográfica / Arquivo Histórico de São Paulo.

Teixeira Mendes, mesmo fora da comissão julgadora, emitiu uma opinião desfavorável ao projeto do concorrente Burle Marx:

Chegou-nos às mãos um novo projeto para ajardinamento do Ibirapuera. Não nos parece oportuno por razões que passamos a expor. Em primeiro lugar, o que se tem vista é um grande parque e não um grande jardim ou conjunto de jardins, como apresenta o referido projeto; sobre ser de construção caríssima, a sua conservação seria mais onerosa ainda. Para o caso em pauta, só um grande parque, moderno porém sóbrio, poderá envolver com vantagem o grande conjunto arquitetônico, sendo, além disso, de construção e conservação muito mais baratas. Por outro lado, o projeto dos jardins não foi decalcado de acordo com as características locais, nem se consultou a um levantamento altimétrico imprescindível em área tamanha; ali se considerou um terreno ideal, o que não se dá; a sua execução traria grande movimento de terra, notadamente no setor oeste do Palácio das Indústrias; ali justamente se destacam zonas paisagísticas de primeira grandeza, que não foram consideradas. Não foram considerados também os grupos florestais já existentes e que não poderão, em absoluto, ser eliminados; não se trata dos maciços eucaliptos, porém de conjuntos de árvores de real valor que já embelezam e valorizam o local (...). Um ajardinamento no Ibirapuera, com custosos serviços de pavimentação, pisos, fontes, repuchos, “parteres”, etc., além de onerar sobremodo aquilo que já está em andamento, fugiria daquilo que o povo realmente espera e precisa: a grande área verde para o repouso de todos92.

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Críticas de Teixeira Mendes sobre o projeto paisagístico de Burle Marx, em abril de 1953. Arquivo Histórico Municipal, pasta do IV Centenário, caixa 197, processo 1946.

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Para Teixeira Mendes, haveria, portanto, uma carência de tempo para a execução dos projetos de Burle Marx, além de um elevado custo adicional, já que as obras em andamento significariam perda de estudos, de material e de força de trabalho. O maior argumento do paisagista, porém, é em relação a um desvirtuamento que ocorreria das finalidades do local em questão, pois o Ibirapuera se assemelharia mais a um jardim do que a um parque 93. Apesar do projeto paisagístico do Ibirapuera não ser de autoria de Burle Marx, como ocorreu na Pampulha, os dois complexos, conforme já comentado anteriormente, guardam semelhanças. As propostas também são análogas no sentido em que ambas deslocam a questão do centro ao levar representações importantes das cidades para as periferias. O Parque Ibirapuera, assim como a Pampulha, foi planejado numa área livre de construções (legalizadas) anteriores. O Parque e seus pavilhões foram projetados numa espécie de ‘página em branco’, facilitando a criação e promovendo especulação imobiliária. Isso significa, para Luiz Recaman, que conflitos entre a unidade arquitetônica e a cidade não foram superados94. Pode-se supor que na cidade de São Paulo dos anos de 1950, surgia uma força urbanoindustrial que exigia uma formulação arquitetônica diferente em relação à síntese relacionada ao Estado, que propiciava construções que sintetizavam ícones da identidade nacional, como a sinuosidade do barroco colonial e da paisagem nacional. As estruturas inusitadas que resultaram dessa preocupação pouco dialogaram, entretanto, com a realidade socioeconômica do país, segundo Recaman. Nesse momento de consolidação da força industrial e da metrópole, a presença de Oscar Niemeyer em São Paulo foi de grande importância. No entanto, dadas as especificidades urbanas, sociais e econômicas da cidade, o modelo da chamada “escola carioca” 95 encontrou limites, pois os conflitos do desenvolvimento conservador, que não vislumbrou de forma efetiva transformações sociais desde a base, teve como pano de fundo, para além da falta de atividade urbana prévia propriamente dita, a pujança do setor privado e a consolidação da periferia pobre da capital paulista.

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Há a possibilidade, diante dos argumentos de Teixeira Mendes, de cogitar outros motivos para a rejeição ao “jardim” de Burle Marx, conforme será visto mais adiante neste trabalho. 94 Ver BARROS, Luiz Antônio Recamán. Curvas e retas não alcançam as cidades no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 13/02/2015. 95 “Escola Carioca” é o termo utilizado para se referir à produção moderna da arquitetura brasileira. Trata-se originalmente da obra produzida por um grupo radicado no Rio de Janeiro, que, com a liderança de Lucio Costa e de Oscar Niemeyer, cria um estilo nacional de arquitetura moderna que se dissemina pelo país entre os anos 1940 e 1950, contrapondo-se ao “international style”, hegemônico até os anos 1930. Já “Escola Paulista” trata-se da arquitetura produzida por um grupo de arquitetos radicados em São Paulo que, com a liderança de Vilanova Artigas, realiza obras marcadas pela ênfase em técnicas construtivas, pela adoção do concreto armado aparente e pela valorização da estrutura.

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Ainda segundo Recaman, “o edifício ensimesmado, introverso, recria no terreno disponível (no mais das vezes, lotes urbanos em bairros nobres da cidade) uma sociabilidade distinta daquela, injusta, que desenha e destrói a cidade ao redor.”96 Da mesma cidade, entretanto, o edifício moderno herda sua principal característica formal: a volumetria fechada no lote, sem maiores interações com o entorno, pois não se abre suficientemente à cidade real, com suas determinações físicas e históricas. Dela, herda, também, marcante característica social: “a união do saber técnico e racional e a mão-de-obra do trabalhador urbano alienado.”97 É dessa união, do intelectual e do técnico com o proletariado urbano, que surgem, segundo o autor, os grandes vãos de concreto armado com marcas de moldes de madeira manualmente aparelhados. O formalismo das formas orgânicas em concreto armado é uma das grandes marcas da arquitetura moderna brasileira. Em meados do século XX, muitas construções foram erguidas nesse estilo, ainda que se possa argumentar que a preocupação tenha sido prioritariamente estética e ideológica, ao propagar determinadas visões de mundo, e menos sociais. Às construtoras, interessava mais o crescimento da cidade, com seus imponentes conjuntos arquitetônicos. Pode-se associar esse dado, como de fato alguns associaram na época do IV Centenário, à ideia das bandeiras enquanto expansoras de fronteiras e conquistadoras de territórios; mas, dessa vez, promovendo expansão não apenas no sentido horizontal, mas também no vertical, sem limites impostos pela pátria ou por fronteiras naturais. Essa associação era benéfica ideologicamente ao formar uma narrativa ufanista de progresso. A cidade verticalizada era algo novo. Os arranha-céus constituíam-se como a nova selva (agora de concreto) a ser explorada pelos bandeirantes. Pouco foi dito, contudo, dos problemas e das dificuldades que a jovem metrópole enfrentava.

Os aspectos negativos desse processo foram silenciados pela promessa de superação. A ideia era de que não havia limites para o desenvolvimento de São Paulo. A periferia, enquanto imagem da cidade, diluía-se ou ficava oculta nos principais trabalhos sobre São Paulo, em 195498.

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Ver BARROS, Luiz Antônio Recamán. Curvas e retas não alcançam as cidades no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 13/02/2015. 97 Ibidem. 98 LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo – a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. 2002. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p.186.

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A explicação para o fato da cidade de São Paulo ser a que “mais crescia no mundo”, que naturalizava o crescimento urbano e o tornava uma espécie de predestinação, apoiava-se na reafirmação do mito da bravura e da força dos bandeirantes. No entanto, conforme aponta Silvio Luiz Lofego, a história foi, “sem nenhum pudor, romantizada, deixando de lado outros aspectos dos bandeirantes, como o de caçador de índios.”99 A cidade aparecia, em narrativas escritas ou visuais, como forte e predestinada à grandeza. O grande sujeito que aparece nas imagens não é tanto o cidadão que a habitava, mas partes selecionadas da cidade em si. Não foi por acaso que o símbolo do IV Centenário, e que deveria ter se tornado um grande monumento na entrada principal do Parque, foi uma “aspiral”. Apesar do formato do símbolo lembrar uma espiral, de acordo com o arquiteto Zenon Lotufo, um de seus criadores, ele não é geometricamente uma espiral e, sim, um helicoide. Por isso, Matarazzo denominou a forma de “aspiral”, que era uma maneira de fazer alusão à aspiração para o alto, pela ânsia de São Paulo por progresso.

Inauguração do Parque do Ibirapuera / Monumento do IV Centenário de São Paulo [Fantasia Brasileira – o balé do IV Centenário. São Paulo, SESC, 1998]

LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo – a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. 2002. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p. 186. 99

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Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, de 17 de agosto de 1954, a espiral deveria ser erguida “numa altura de 17 metros (maior do que um edifício de 5 andares), toda em cimento armado, que é o material típico do século, brotando diretamente do solo, sem pedestal, e com um ponto de apoio único, apesar do arrojado ângulo de 60 graus de sua haste.”100 Esse monumento, ainda que não tenha resistido ao tempo por problemas técnicos101, assumiu o papel de logo do IV Centenário devido a sua forte carga simbólica e foi utilizado em propagandas e reportagens publicadas em jornais e revistas a respeito do Ibirapuera e dos festejos. Teve início, assim, a construção efetiva e simbólica do Parque Ibirapuera no imaginário da população.

LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo – a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. 2002. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p.131. 101 Ver ARANTES, Antônio A. Paisagens Paulistanas: transformações do espaço público. Campinas: UNICAMP: Imprensa Oficial, 2000. 100

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CAPÍTULO 2 – A INVENÇÃO DO PARQUE IBIRAPUERA

A partir do início de sua construção, imagens fotográficas do Parque Ibirapuera começaram a aparecer em jornais, revistas e livros de fotografia e arquitetura brasileiras. O fato do Ibirapuera estar atrelado às comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, de possuir grandes dimensões e projeto arrojado chamou a atenção da mídia e do público. De acordo com Robert Elwall, a fotografia moderna influenciou também a crítica especializada e, principalmente, a percepção do público sobre a arquitetura moderna 102 . A importância assumida pela fotografia nesse contexto levou à criação de algumas visões simbólicas de edifícios e complexos arquitetônicos. Arquitetos, como Niemeyer, logo perceberam o poder das fotografias de interpretar um projeto e de determinar como a obra arquitetônica seria compreendida. O poder da fotografia era, assim, também o de conquistar o público e, portanto, as imagens foram amplamente divulgadas em diversos veículos de informação. Segundo o fotógrafo paulista German Lorca, que participou do Foto Cine Clube Bandeirante103 e registrou a paisagem da cidade de São Paulo em meados do século XX, “para ser divulgada, a arquitetura precisa de boas fotografias, pois só desenhos não são suficientes. A foto mostra o que já existe e foi feito.”104 Por meio das imagens do Ibirapuera que foram sendo divulgadas na mídia, é possível contar versões da história do Parque e identificar alguns pontos de vista, estéticos e ideológicos, presentes naquele momento.

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ELWALL, Robert. Building with light: the international history of architectural photography. Londres; Nova York: Merrel Publishers, 2004, p. 125. In: ESPADA, Heloisa. Monumentalidade e Sombra: a representação do centro cívico de Brasília por Marcel Gautherot. Tese de doutorado apresentada à ECA-USP em 2011, p.128. 103 Dentro do contexto de crescimento industrial e urbano pelo qual o Brasil passou no pós-guerra, houve o renascimento de diversos clubes fotográficos nas cidades mais industrializadas do país, notadamente São Paulo. O fotoclubismo, com expoentes como o Foto Cine Clube Bandeirante, criado em 1939 em São Paulo, teve grande desenvolvimento no período e foi inserido no debate sobre modernidade no Brasil. A estética da imagem fotográfica deixou de ser pautada em parâmetros típicos do academicismo reinante e em práticas pictorialistas, em que havia uma hegemonia da técnica e preponderância de temas tradicionais da arte. Abriu-se espaço, então, para o surgimento de experimentalismos, que fundiram aspectos da arte abstrata com a figurativa. Ver COSTA, Heloise & SILVA, Renato Rodrigues da. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2004, p.80. 104 LORCA, German. Citação obtida em entrevista concedida para esta pesquisa no dia 13/05/2015.

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2.1 A várzea do Ibirapuera

Parque do Ibirapuera, vista do terreno, antes da construção, 06/09/1935, autoria desconhecida/Acervo Fotográfico Arquivo de São Paulo, classificação PMSP-DOSM.DO-Opu-RF

Antes de meados de 1950, não havia o Parque. Os terrenos da várzea do Ibirapuera haviam pertencido a uma aldeia indígena durante o período colonial. Os índios denominavam o local como Ibirapuera (Yby-ra-puêra), que quer dizer “árvore apodrecida” em tupi: “ybira” significando árvore e “puera”, podre. Essa toponímia constitui indício de que a área apresentava lençol freático superficial e que as espécies arbóreas não adaptadas a esta condição morriam ou apodreciam. As fotografias reproduzidas acima retratam o charque do Ibirapuera, planície de inundação dos córregos Caaguaçu e Sapateiro, antes da construção do Parque e logo após o período em que “as terras da várzea ainda eram utilizadas como pasto de animais, principalmente os da Companhia de Bombeiros e as boiadas vindas do interior destinadas ao

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Matadouro Municipal, localizado nas imediações.”105 As fotografias acima foram tiradas, em meados da década de 1930, pela Prefeitura de São Paulo por questões técnicas, provavelmente como uma forma de levantamento do terreno, para se conhecer o local de implantação e fazer estudos de possibilidades de melhoramentos do solo, alagadiço. As fotografias também parecem querer mostrar a imensidão do local. Essa amplitude retratada pode ter auxiliado no alargamento das possibilidades de uso do espaço em questão. Ainda que não se tenha registro de que essas imagens tenham circulado em veículos impressos, ajudando a formar uma identidade para o Parque e para a cidade, elas são de interesse para que se possa compará-las com as imagens efetivamente divulgadas em maior escala. É importante atentar para o que era veiculado nas mídias, mas também para o que era “escondido”. Nesse sentido, imagens como essas lançam luz sobre alguns silêncios por parte dos planejadores e dos canais de comunicação sobre a história do Parque e de São Paulo (dentro do contexto maior do país), que estava sendo construída na época. O projeto de se construir o Ibirapuera havia surgido nos anos de 1920 quando José Pires do Rio, engenheiro civil e então prefeito de São Paulo, percebendo, como tantos outros, que a cidade era carente de espaços verdes, idealizou a transformação da área em um parque. Sua intenção era que esse futuro espaço público pudesse ser semelhante aos existentes na Europa, paradigmas de modernidade na época: “Esses terrenos se prestam [...] à construção de um imenso jardim ou parque, com área igual à do “Hide Park” de Londres, igual à metade do “Bois de Boulogne” de Paris.”106 A localização do terreno entre bairros de classe média e alta também foi importante para a decisão do prefeito:

A menos de dez minutos de bonde da Liberdade ou de Higienópolis, na vizinhança de Vila Mariana e do Jardim América, temos essa grande extensão de terreno público vazia de construções. Impunha-se a iniciativa de um vasto parque, útil à higiene da população urbana107.

Parque Ibirapuera / [Editor] Instituto Cultural Itaú. – São Paulo: ICI, 1996, p.9. Prefeitura do Município de São Paulo. Relatório de 1926 apresentado pelo Dr. J. Pires do Rio, Prefeito do Município de São Paulo. São Paulo: Secção de Obras d’O Estado de São Paulo, 1927, p.10. In BARONE, Ana Cláudia Castilho. Ibirapuera: parque metropolitano (1926-1954). Tese apresentada em 2007 na FAU-USP. 107 Ibidem. 105 106

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O uso, por parte do prefeito, da expressão “útil à higiene da população urbana” deve ser ressaltado, pois “a ideia de utilidade se constrói galgando o terreno da sanidade.”108 Dentro dessa perspectiva, um ambiente passível de utilização deve ser higiênico, um local em que focos de doenças sejam exauridos. Assim, a ideia da construção de um parque ganha sentido e pretende alterar a impressão que se tinha da área, alagadiça, na época. A questão das águas para a arquitetura moderna em São Paulo, de maneira geral, é significativa. A paisagem composta pelos cursos fluviais, que marcaram intensamente a história e o cotidiano da cidade, foi pouco reconhecida no decorrer do tempo. A mudança da paisagem aquática de São Paulo deveu-se a diversos fatores e foi favorecida pela ênfase sanitarista, disposta a higienizar o espaço público, principalmente a partir da proclamação da República 109 . Acreditava-se que as exalações que eram emitidas de pântanos e de corpos em decomposição, também chamadas de miasmas, como acontecia no Ibirapuera na primeira metade do século XX (lembrando que Ibirapuera significa, em tupi, “árvore apodrecida”), infectavam o ar e incubavam epidemias. Essa suspeita não foi específica de São Paulo ou dos médicos e higienistas brasileiros; conforme várias pesquisas já demonstraram, o risco das doenças provocadas pelas águas e pelos ares considerados impuros foi amplamente divulgado na época110. Segundo Alain Corbin, “o penetrante odor fétido do corpo em decomposição (...) era uma parte integrante do processo. O fétido e a umidade revelavam e definiam corrupção.”111 Esses miasmas remetiam ao atraso e à desorganização e provocavam pânico nas populações; daí a necessidade de se procurar promover a instauração da salubridade urbana, compreendida como importante para a “conquista da ordem pública e do progresso social.”112 Progressivamente, os perigos do mundo invisível a olho nu (os micróbios), que poderiam estar em toda parte, atraíram a atenção de parcela crescente da população, inclusive de médicos e de engenheiros sanitaristas, que percebiam, nas águas, a possibilidade de transmissão de doenças como a cólera e o tifo. Estudos sobre maneiras de evitar essas doenças

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OLIVEIRA, Fabiano Lemes de. O Parque do Ibirapuera: Projetos, Modernidades e Modernismos. Disponível em: . Acesso em: 11/05/2014. 109 Ver SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. São Paulo das Águas. Tese de Livre-Docência apresentada ao departamento de História da PUC-SP, 2004, p.13. 110 Ver também BENCHIMOL, Jaime Larry. Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Editora UFRJ, 1999 & BRESCIANI, M. S. M. Sanitarismo e configuração do espaço urbano. In: Simone Lucena Cordeiro. (Org.). Os cortiços de Santa Ifigênia: sanitarismo e urbanização (1893). São Paulo: Imprensa Oficial/Arquivo Público do Estado de S. Paulo, 2010. 111 CORBIN, Alain. The Foul and the Fragrant. Odor and the french social imagination. New York: Berg Publishers, 1986, p.17. 112 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. op. cit., p.178.

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“influenciaram diretamente as obras públicas e, em particular, as maneiras de conceber a canalização da água e dos esgotos.”113 Assim, surgia a necessidade de evitar a contaminação dos rios e dos lençóis freáticos. Na cidade de São Paulo do início do século XX, pode-se pensar que o conhecimento do sanitarismo ainda estivesse vinculado às “noções miasmáticas somadas a imprecisas noções microbianas.” 114 As águas paradas eram símbolo de atraso e, portanto, deveria ocorrer o desaparecimento de portos e o aterramento de várzeas. Nesse sentido, a construção do Ibirapuera num terreno anteriormente alagadiço insere-se no contexto em que se acreditava ser necessário limpar a cidade das águas paradas, julgadas nefastas à saúde. Limpar, nesse momento, significa, “não tanto lavar, mas (...) drenar; o essencial é assegurar o escoamento, a evacuação da imundície.” 115 Assim, a drenagem das águas constitui marcante característica da arquitetura moderna paulistana, que teve origem no século XIX e permaneceu como prática no século XX. Segundo a documentação analisada, eucaliptos foram plantados para drenar as águas do Ibirapuera, possibilitando a futura implantação do espaço público. Essa ação teve início com os trabalhos de Manoel (“Manequinho”) Lopes de Oliveira, entomologista e depois diretor da Divisão de Matas, Parques e Jardins durante a administração do prefeito Fábio da Silva Prado (1934-1938).

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. São Paulo das Águas. Tese de Livre-Docência apresentada ao departamento de História da PUC-SP, 2004, p.188. 114 Ibidem, p.200. 115 TORRÃO FILHO, Amilcar. Sete portas e uma chave: a constituição de saberes técnicos e teóricos sobre a cidade. In: POLITEIA: Hist. e Soc., Vitória da Conquista, v.9, n.1, 2009, p. 52. 113

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2.2 O Viveiro Manequinho Lopes

Fotografia do Viveiro Manequinho Lopes, no Ibirapuera, 1938, Benedito Junqueira Duarte / Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo, classificação DC/0000515/A

Fotografia do Viveiro Manequinho Lopes, no Ibirapuera, 1938, Benedito Junqueira Duarte / Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo, classificação DC/0000522/A

As fotografias reproduzidas acima retratam o Viveiro Manequinho Lopes cerca de dez anos após a sua implantação e são de autoria do fotógrafo paulista Benedito Junqueira Duarte, que trabalhou, a convite de Mário de Andrade, na Seção de Iconografia do Departamento de Cultura e Recreação (D.C.R.) da cidade de São Paulo entre 1935 e 1965. Na época, essas imagens foram materializadas em catálogos, revistas, anais de congressos e curtas-metragens, compondo propagandas das ações educativas promovidas pelo D.C.R. Isso significa que as imagens produzidas pelo fotógrafo tiveram visibilidade para além de usuários e pesquisadores de arquivos e, dessa maneira, foram capazes de influenciar a percepção do público sobre as obras e criar determinados imaginários a respeito delas.

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O trabalho de B. J. Duarte é significativo dentro da produção fotográfica brasileira também por outros motivos, pois ele foi um dos fundadores do Foto Cine Clube Bandeirante e um precursor da fotografia moderna no Brasil. Registrou a metrópole em constante transformação, principalmente entre as décadas de 1930 e 1950. Um partido estético nitidamente mais moderno pode ser visto em outras imagens do viveiro do Ibirapuera, também de autoria de B. J. Duarte.

Fotografia do Viveiro Manequinho Lopes, no Ibirapuera, 1938, Benedito Junqueira Duarte / Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo, classificação DC/0000523/A

Fotografia do Viveiro Manequinho Lopes, no Ibirapuera, 1938, Benedito Junqueira Duarte / Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo, classificação DC/0000526/A

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As últimas duas últimas fotografias reproduzidas aqui se distinguem daquelas anteriores de teor mais documental. Apesar dessas imagens de B. J. Duarte serem da mesma data, e portanto provavelmente do mesmo ensaio, diferentemente das anteriores, as últimas não parecem se destinar somente a documentar a obra ou ilustrar um relatório técnico. A ênfase principal, agora, parece ser o ato de registrar uma composição fugaz, um arranjo temporário de linhas, formas, texturas e tons, causado por jogos de luz e sombra, equilibrado dentro de uma estrutura mais rígida. Ainda que estas fotografias estejam documentando o viveiro, os detalhes da obra parecem estar dispostos de maneira a valorizar os elementos artísticos da imagem. Assim, os seus elementos gráficos, que constituem padrões geométricos constituídos pelas estruturas arquitetônicas e por suas sombras contra a luz, expressam uma visão mais subjetiva e estetizante do espaço em questão. Por mais que B. J. Duarte estivesse vinculado ao D.C.R. de São Paulo, que possivelmente lhe encomendasse imagens de teor documental, isso não excluía o olhar mais subjetivo do fotógrafo, assim como de tantos outros em circunstâncias similares. O próprio B. J. Duarte se auto proclamava um defensor do reconhecimento do estatuto artístico da fotografia no Brasil, enquanto que para alguns outros artistas modernistas, como Oswald de Andrade, por exemplo, a iconografia fotográfica era tida como “subarte”. Esse dado ajuda a explicar a postura de B. J. Duarte perante a câmera no segundo grupo de imagens do Viveiro Manequinho Lopes aqui apresentado. Cabe também observar que se alguns modernistas não reconheciam o estatuto artístico da fotografia, havia valorização da natureza documental do meio por parte de intelectuais como Mário de Andrade, que via a fotografia como importante instrumento de documentação e cultivo de aspectos culturais nacionais. Como administrador cultural no D.C.R., Mário de Andrade fez uso da fotografia enquanto instrumento de pesquisa etnográfica e como meio de recuperação e formação de um acervo sobre a memória iconográfica da cidade de São Paulo. Segundo Carolina da Costa e Silva, B. J. Duarte não concebia sua produção como um “simples registro histórico sobre algo. Percebia as imagens fotográficas e fílmicas como uma manifestação artística, como obra de arte, à busca da “composição bem equilibrada”, ou “a maciez de um ‘flou’ numa paisagem bem ‘angulada’”.

Desta maneira, B. J. Duarte não só compõe a imagem educacional na condição de funcionário público, mas na de um artista diante de sua obra: a preocupação na composição dos elementos na imagem, as funções dos ângulos e das formas, tomadas de baixo para cima, a ênfase na expressividade dos sujeitos capturados (...). Foi com

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este refinamento do olhar que o fotógrafo-cinegrafista construiu sua narrativa iconográfica acerca das políticas educacionais do D.C.R.116.

A partir de obras como as de B. J. Duarte e de outros fotógrafos vinculados ao Foto Cine Clube Bandeirante, a fotografia moderna buscou uma linguagem autônoma, específica para si, em vez de se pautar estritamente em parâmetros regentes de outras formas de artes visuais. A pesquisa por essa autonomia formal levou a fotografia aos limites do abstracionismo, mas os objetos representados continuaram sendo objetos, figurativos por natureza. Desse modo, a dinâmica figurativismo/abstracionismo foi típica da produção moderna e ajudou a representar o surgimento de novas perspectivas, conforme pode-se observar nas imagens do viveiro do Ibirapuera. Para além da pesquisa formal, as imagens de B. J. Duarte retratam as espécies vegetais sendo cultivadas no espaço em questão. A prática de plantar grande número dessas espécies no Viveiro permitiu que as mudas pudessem ser distribuídas à população de São Paulo. Além de transformar a paisagem local, essa ação ajudou a criar um primeiro espaço de identidade entre a população da cidade e a antiga região alagadiça. Uma reportagem da Revista Cidade considera esse fato como o embrião do projeto concretizado pela Comissão do IV Centenário em 1954117.

2.3 De favela a jardim

Apesar das benesses que um parque pode oferecer à região metropolitana, a decisão de implantá-lo na várzea do Ibirapuera encontrou resistências. O projeto de 1926, durante a gestão de Pires do Rio, ia, a princípio, de encontro com a iniciativa anterior da Prefeitura Municipal, durante a gestão de Washington Luís (1914 – 1919), de lotear a gleba e transformar a área em um bairro-jardim, de elite, criando o “Jardim Lusitânia”. Por isso, o parque de Pires do Rio teve que ser idealizado de maneira a não interferir diretamente nos lotes já comercializados do novo bairro, situando-se em terrenos localizados acima do prolongamento da Rua Conselheiro Rodrigues Alves, ainda não ocupados.

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COSTA E SILVA, Carolina da. Benedito J. Duarte e o Departamento de Cultura de São Paulo: Construindo Imagens de uma Pauliceia Cultural (1935-38). Disponível em: . Acesso em: 04/03/2015. 117 Ver LOFEGO, Silvio Luiz. São Paulo das Águas. Tese de Livre-Docência apresentada ao departamento de História da PUC-SP, 2004, p.78.

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Os bairros-jardins são uma expressão típica da primeira modernidade, pois surgiram na Inglaterra no século XIX como reação ao modelo de cidades industriais, vistas como foco de problemas como a insalubridade e a violência. Dentro desse contexto, começa a surgir o urbanismo enquanto área do saber e seus pensadores propõem soluções, muitas vezes utópicas, aos problemas urbanos, como a de Ebenezer Howard. Esse (pré) urbanista ficou conhecido por sua publicação Cidades-jardins de Amanhã (1898), onde descreveu uma cidade utópica em que pessoas viviam em contato com a natureza, numa espécie de simbiose do campo com a cidade. A publicação resultou na fundação do movimento das cidades-jardins. No Brasil, o conceito foi inaugurado pela Companhia City, que se instalou em São Paulo em 1912, apenas um ano após sua fundação em Londres. Esses bairros-jardins de São Paulo demonstram como o urbanismo da época estava se apropriando das ideias de Howard. Se as primeiras soluções urbanísticas ao crescimento excessivo das cidades, dentre outras consequências advindas do processo de industrialização, vislumbravam propostas urbanas de inspiração socialista que pudessem propiciar maior qualidade de vida aos seus habitantes no espaço concreto urbano (nesse sentido, os bairrosjardins podem ser considerados como heterotopias), a maneira como essas ideias são incorporadas posteriormente ao traçado urbano das cidades pressupõe diferenciação entre os habitantes de um mesmo espaço.

Anúncio imobiliário publicado em O Estado de S. Paulo, 17 de janeiro de 1943, p. 5118

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Disponível em: . Acesso em 20/05/2014.

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Os bairros-jardins, como a proposta do “Jardim Lusitânia” ou do “Jardim Ibirapuera”, eram destinados para a elite. O processo de modernização que ocorria em São Paulo no período, apesar de estimulante em vários sentidos, precisa ser relativizado, pois não foi desprovido de contradições 119. Houve conflitos uma vez que os idealizados crescimento e embelezamento urbanos, apregoados por urbanistas e por intelectuais, ia de encontro com uma outra realidade, diversa, configurada por habitantes marginalizados, desprovidos de condições sociais adequadas de vida120. Isso aconteceu, também, na região do Ibirapuera. Para a construção do Parque Ibirapuera e dos novos bairros circundantes, em 1952, a prefeitura de São Paulo teve que remover uma favela situada na altura da rua França Pinto e entre as ruas Padre Manoel da Nóbrega e Abílio Soares. O terreno estava sendo ocupado por duzentas e quatro famílias em cento e oitenta e seis barraco 121. Praticamente todos eram de madeira, com exceção de três, que eram de alvenaria. Todos, também, eram ocupados por servidores da Secretaria de Obras do Estado 122 . Cento e oitenta dessas famílias foram deslocadas para terrenos próprios e seis para a favela do Canindé, na zona norte de São Paulo, uma das primeiras a se aproximarem do centro da cidade 123 . A remoção dos barracos do Ibirapuera foi feita pelo Departamento de Obras e pela Divisão de Parques e Jardins e constituiu tentativa de deslocar aspectos desagradáveis da cidade para a periferia, sem meios adequados de se atender às necessidades e às demandas da população desalojada.

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Sobre o processo contraditório da modernização em São Paulo, ver MORSE, Richard. De Comunidade à Metrópole. Biografia de São Paulo. São Paulo: Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, Serviço de Comemorações Culturais, 1954. 120 À questão da construção de habitações populares, um dos pilares do tripé do modernismo, não foi conferida a devida atenção. Segundo Henrique Mindlin, “falta-nos a visão concreta, realizada na prática, dos grandes problemas sociais de coletividade. Faltam-nos habitações populares, faltam-nos escolas, hospitais, locais decentes de trabalho. Faltam-nos, sobretudo, um urbanismo de sentido social, um urbanismo voltado para a necessidade do povo (...)” MINDLIN, Henrique. A Nova Arquitetura e o Mundo de Hoje – Conferência Pronunciada pelo Arquiteto Henrique E. Mindlin na Escola de Engenharia Mackenzie em 30-8-45. In: SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Edusp, 1999, p.113. 121 O termo “barraco” era utilizado amplamente no período para designar as habitações improvisadas geralmente agrupadas no que se convencionou chamar “favelas”. Ver BONDUKI, Nabil. Origens da Habitação Social no Brasil. São Paulo: Estação Liberdade, 1998, p.271. 122 Informações obtidas no Arquivo Histórico Municipal. Pastas do IV Centenário da cidade de São Paulo, caixa 62, processo 1267. 123 Carolina Maria de Jesus (1914-1977), escritora e moradora da favela do Canindé escreveu: “Eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.” Disponível em: . Acesso em 22/05/2015.

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Marshal Berman defende que nas intervenções realizadas em cidades de países periféricos, “sonhos de modernidade” impulsionaram novas construções124. Já para T. J. Clark, o processo destrutivo que permite a realização de bulevares e espaços abertos data da Paris de Haussmann125, onde a cidade foi construída, segundo o autor, “como uma imagem”, como algo a ser consumido em espaços concebidos para este fim: passeios, programas de final de semana, grandes exposições, desfiles oficiais. O autor denomina essas realizações de espetáculo 126 , “observamos em retrospecto a haussmanização e vemos as várias maneiras pelas quais ela fazia a cidade ser consumida em abstrato, como uma ficção conveniente.”127 A retirada de pessoas da área do Ibirapuera também visou à criação de uma narrativa diversa para a cidade, que não deixa de poder ser pensada igualmente como espetáculo, passível de ser registrado, inclusive, em imagens fotográficas. Nesse sentido, fotografias que contradissessem a “ficção conveniente” da modernidade e do progresso não seriam bem vindas; daí, inclusive, a atitude de deslocar essas visões para a periferia. Segundo carta do Prefeito Armando Arruda Pereira para o Secretário de Estado dos Negócios da Viação e Obras Públicas, Nilo Andrade Amaral, havia “necessidade inadiável de ser efetuada a demolição dos casebres construídos em terrenos de propriedade do Estado.” 128 Esse processo afastou as favelas do centro de atenções da cidade espetacularizada, longe dos olhos da população e das lentes dos fotógrafos. Também nesse sentido, a existência da favela e o processo de liberação da área do Ibirapuera quase nunca eram mencionados nos históricos do Parque ou das comemorações do IV Centenário, até recentemente. Não é de se estranhar, pois buscava-se divulgar uma imagem positiva da cidade, de sua pujança e de seu desenvolvimento. Havia uma discrepância entre o discurso, que se pretendia moderno, e uma realidade muito distinta para outra parte da população, ocultada. Segundo Regina Meyer:

esta sucessão de ocupações da área do Ibirapuera não aponta apenas para a substituição da penúria pelo equipamento moderno, da favela pela Feira Internacional [que seria planejada para as comemorações do aniversário da cidade] destinada a

124

Ver BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.219. Segundo estimativas do próprio Haussmann, suas ações urbanísticas desalojaram 350 mil pessoas. Ver CLARK, T. J. A Pintura da Vida Moderna. Paris na arte de Manet e de seus seguidores. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.77. 126 T. J. Clark adverte que “o espetáculo nunca é uma imagem estabelecida segura e definitivamente; é sempre uma representação do mundo que compete com outras e encontra resistência de formas diferentes, às vezes tenazes, de prática social.” Ver CLARK, T. J. A Pintura da Vida Moderna. Paris na arte de Manet e de seus seguidores. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.76. 127 Ver CLARK, T. J. A Pintura da Vida Moderna. Paris na arte de Manet e de seus seguidores. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.76. 128 Carta do Prefeito Armando Arruda Pereira para o Secretário de Estado dos Negócios da Viação e Obras Pública, Nilo Andrade Amaral, em 21 de janeiro de 1952. Arquivo Histórico Municipal. Pastas do IV Centenário da cidade de São Paulo, caixa 42, processo 224. 125

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exibir nossa incipiente mas promissora indústria. Esta remoção, que o relatório [para a Comissão do IV Centenário sobre as providências tomadas para reaver o espaço destinado à construção do parque] empenha-se em afirmar que foi ‘executada sem incidentes de violência’, aponta sobretudo para o agudizamento dos problemas de uso do solo urbano na metrópole paulistana que cumpria seu caminho inexorável de modernização129.

Maria Arminda Arruda ainda comenta: “Assim, o projeto modernista do Ibirapuera desenvolveu-se no solo vivo da cidade industrial periférica ocupada por vastas zonas de moradia dos marginalizados, infensos a planejamentos dessa natureza.”130 Na origem do Ibirapuera e de sua região circundante, portanto, há a memória (apagada pelo Parque) de exclusão social. Ainda que se possa argumentar que a escala dos desalojamentos no Ibirapuera tenha sido pequena, ela é, contudo, simbólica. Desde os anos de 1940, o processo de urbanização com a abertura de largas avenidas na região mais central da cidade expulsou os moradores de cortiços para bairros mais afastados, que surgiam acompanhando o traçado das ferrovias, autoestradas e as novas áreas industriais 131. A década de 1950 em São Paulo foi marcada por outras ações do gênero, como o despejamento de prostitutas na região da Luz, denominada de “Boca do Lixo”132.

Fotografia da favela onde fica hoje o Parque Ibirapuera, 1950, Sebastião Assis Ferreira / Acervo Iconográfico da Prefeitura de São Paulo / Folha de S. Paulo

129

MEYER, Regina Maria Prosperi. Metrópole e Urbanismo. São Paulo Anos 50. 1991, pp.60-61. ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e Cultura. São Paulo no Meio Século XX. Bauru: EDUSC, 2001, p.90. 131 Ver BREFE, Ana C. Fonseca. As cidades brasileiras no pós-guerra. São Paulo: Atual, 1995, p.13. 132 Ver ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1997. 130

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Fotografia das favelas construídas com madeiras e cobertas com folhas de latas no Ibirapuera, 1951, Sebastião Assis Ferreira / Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo, classificação DC/0000251/F

As imagens da favela do Ibirapuera, de autoria de Sebastião Assis Ferreira, fotógrafo funcionário da Prefeitura, que atuou entre as décadas de 1940 e 1970 na Seção de Iconografia do Departamento de Cultura e que também prestou serviços junto à Assessoria de Imprensa do Gabinete do Prefeito, demonstram interesse prioritariamente documental. Há aproximações com o fotojornalismo nesse sentido e preocupação em registrar aspectos de cunho social. A própria existência da favela, registrada nas imagens, e, principalmente, o modo com o qual se lidou com ela para que o Parque pudesse ser implantado, revelam outra face, o avesso ou o “negativo”, do progresso. O que aparece aqui é a lógica excludente do capital; a faceta da modernidade que é excludente e heterogênea. As favelas desvalorizavam os locais onde eram instaladas (numa época em que havia grande processo de especulação imobiliária, conforme atesta a criação do bairro Jardim Lusitânia) e apresentavam uma imagem distinta do imperativo do desenvolvimento econômico que se buscava definir como uma nova e moderna identidade municipal e nacional. Assim, percebe-se a convivência entre o privilégio e a miséria que ocorria na região do Ibirapuera, em São Paulo e, por extensão, também no Brasil durante a década de 1950. Essa simultaneidade possuía natureza excludente, pois ao definir áreas de privilégio, muitas vezes as populações pobres e marginalizadas foram excluídas, realocadas para as periferias distantes. As áreas para onde iam essas populações possuem, nesse sentido, característica de

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“invisibilidade”, segundo termo utilizado por Nicolau Sevcenko 133. As intenções de representação de São Paulo propostas para as comemorações do IV Centenário da cidade eram evidentemente diversas das imagens da precariedade de condições de vida de parcela significativa da população. A demolição das favelas na região do Ibirapuera permitiu, assim, ressemantização do espaço por meio da criação do Parque e dos bairros de elite que começaram a surgir ao seu redor. A incorporação dos bairros arborizados para áreas residenciais provocou valorização do preço dos terrenos e começou a transformar a imagem que a população fazia a respeito da área circundante do Ibirapuera. A inauguração do Parque Ibirapuera e do Jardim Lusitânia aconteceu por ocasião das comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1954, e não tardou para que as consequências da especulação imobiliária começassem a mostrar resultados.

Anúncio imobiliário publicado em O Estado de S. Paulo, 28 de janeiro de 1960

Anúncio imobiliário publicado em O Estado de S. Paulo, 2 de outubro de 1966

A comissão planejadora dos festejos do IV Centenário, que era composta por membros representativos da força econômica de São Paulo, além daqueles ligados à classe intelectual, como jornalistas, escritores e professores universitários, buscava mostrar o dinamismo e o desenvolvimento da metrópole. O fato da mobilização do poder público ter acontecido cinco anos antes do evento programado não deixa de indicar, conforme aponta Silvio Luiz Lofego, “o propósito em orquestrar um grande movimento para a cidade que possuísse o sentido de uma grande ‘cruzada’” 134, uma que exaltasse os feitos de São Paulo e suas contribuições para a

133

Ver SEVCENKO, Nicolau. São Paulo: não temos a menor ideia. Revista Carta Capital, 29/09/1999. LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo – a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. 2002. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p. 40. 134

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nação. Nesse sentido, não havia espaço para a publicação de fotografias que mostrassem o impacto de determinados sistemas nas vidas dos menos privilegiados; não havia espaço para fotografias que contradissessem a imagem idealizada e espetacularizada do Ibirapuera, parquemonumento sendo construído dentro do contexto das comemorações do IV Centenário de São Paulo, “a cidade que mais cresce no mundo.”

2.4 O Monumento às Bandeiras

O Monumento às Bandeiras, de autoria de Victor Brecheret135, foi implantado no que hoje é conhecido como o complexo do Ibirapuera na década de 1940, antes, portanto, das comemorações do IV Centenário. Atualmente o monumento integra-se ao “complexo Ibirapuera” e dificilmente pode-se imaginar o Parque sem ele, e vice versa. O projeto do Monumento foi iniciado ainda na década de 1920, com vistas às comemorações do Centenário da Independência, mas aprovado somente em 1936, já durante a gestão de Getúlio Vargas, às vésperas da centralização do Estado Novo. A efetiva construção do Monumento teve início no mesmo ano, mas com o advento da Segunda Guerra Mundial, os recursos que seriam aplicados na obra foram reduzidos, diminuindo o ritmo da construção que foi, posteriormente, totalmente paralisada. Em 1944, o Governo do Estado transferiu suas obrigações em relação à construção do Monumento para a Prefeitura, que firmou um contrato com Brecheret em 1946. A intenção era “completar o parque do Ibirapuera e proporcionar ambiente paisagístico e arquitetônico ao Monumento às Bandeiras, assim como estabelecer ligação do Parque com a avenida Brasil.”136 No dia 25 de janeiro de 1953, antes do IV Centenário da fundação da cidade de São Paulo e depois de trinta anos de sua concepção, a obra foi inaugurada, ainda que uma nova cerimônia tenha sido realizada também em janeiro de 1954. Naquele momento, Brecheret visava desvincular o Monumento de conteúdos meramente regionais para alcançar aspectos mais abrangentes da nação – “Como você sabe, pretendi transformar isto num Altar da Pátria. Aqui estão as raças que formaram o Brasil. Aqui

135

O italiano Brecheret, na época, era considerado brasileiro. Ver MARINS, Paulo César Garcez. O Parque Ibirapuera e a construção da identidade paulista. In: Anais do Museu Paulista, História e Cultura Material, vol. 6/7, São Paulo: USP/Museu Paulista, 1998-1999, p.13. 136 BARONE, Ana Cláudia Castilho. Ibirapuera: parque metropolitano (1926-1954). Tese apresentada à FAUUSP em 2007, p.44.

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se encontram o índio, o negro e o branco”137. Na face lateral esquerda do pedestal da obra, foi colocada uma placa em granito polido com a inscrição: “Glória aos heróis que traçaram o nosso destino na geografia do mundo livre, sem eles o Brasil não seria grande como é.”138 Apesar da generalização e da tentativa de abarcar todos os brasileiros dentro da obra, havia valorização (seletiva) de certas características, desbravadoras, dos bandeirantes paulistas. Artigo publicado no jornal Folha da Manhã em 1953, por ocasião da inauguração do Monumento às Bandeiras, traz fotografias de autoria de Antonio Pirozzelli, fotógrafo que atuou em São Paulo nas décadas de 1950 e de 1960.

Folha da Manhã, 25 de janeiro de 1953, fotografias de Antonio Pirozzelli 139

BATISTA, Marta Rossetti (Org.). BANDEIRAS de Brecheret – história de um monumento (1920-1953). São Paulo: PMSP/SMC/DPH, 1985. p.123. In: MARINS, Paulo César Garcez. O Parque Ibirapuera e a construção da identidade paulista. In: Anais do Museu Paulista, História e Cultura Material, vol. 6/7, São Paulo: USP/Museu Paulista, 1998-1999, p.18. 138 Ver. Acesso em: 09/04/2014. 139 Disponível em: . Acesso: 20/05/2014. 137

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Além de uma fotografia revelando o Monumento em si, o artigo também traz detalhes dos rostos das figuras esculpidas. Ainda que não se possa identificá-las especificamente, é possível perceber nelas os diferentes tipos que formaram o homem brasileiro, “numa síntese de três raças.”140

Cabeça de índio

Cabeça de negro

O branco, o negro e o índio

A construção mítica do bandeirante não era algo novo. Desde o final do século XIX, buscava-se representá-lo de maneira heroica, como espécie de causa e efeito da ascensão dos paulistas republicanos de maneira a legitimar, historicamente

a pujança das elites paulistas ligadas aos negócios da cafeicultura e ao governo da própria República, e que estivera unida de alguma forma aos momentos-chave da nação como o início da colonização ou a própria aclamação ao grito do Ipiranga.

140

Artigo de Leonardo Arroyo publicado na Folha da Manhã, em 25 de janeiro de 1953, p.16. Disponível em: . Acesso em: 20/05/2014.

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Ligavam-se assim as elites triunfantes da República ao patriciado da São Paulo colonial e, mediante esses laços de sangue, uniam-se as gentes à própria História.141

Essa história do movimento das bandeiras foi, contudo, idealizada, deixando de comentar outros aspectos menos louváveis da atividade dos bandeirantes, como, por exemplo, a caça de índios. A narrativa que interessava ressaltar era somente aquela que naturalizasse o crescimento da nação ao explicá-lo enquanto espécie de predestinação, devido à força e à bravura dos paulistas.

“Na praça Armando de Salles Oliveira inaugura-se hoje o Monumento das Bandeiras”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 25 de janeiro de 1953, p. 13142

A fotografia reproduzida acima foi publicada por ocasião da inauguração do Monumento às Bandeiras no jornal O Estado de S. Paulo. Com um enquadramento de plano geral, revela o Monumento como um todo. Na legenda da imagem lê-se: “despojado e cheio de força, o Monumento das Bandeiras exprime, pela linha ascensional que vai da última à primeira figura, a todos unindo num mesmo movimento, o ímpeto que fazia os desbravadores avançarem sempre.” Atentar para o componente de movimento presente na composição dessa imagem é de um interesse maior do que é sugerido pela legenda, que já conduz o observador pelas fotografias.

141

MARINS, Paulo César Garcez. O Parque Ibirapuera e a construção da identidade paulista. In : Anais do Museu Paulista, História e Cultura Material, vol. 6/7, São Paulo: USP/Museu Paulista, 1998-1999, p.12. 142 Disponível em: . Acesso em: 20/05/2014.

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Apesar das figuras humanas estáticas, o monumento como um todo, assim como as nuvens que aparecem ao fundo da imagem fotográfica, no segundo plano, parecem apontar para o mesmo sentido: para frente. Essa indicação de movimento – o texto jornalístico usa a expressão “tudo, ali, é força, movimento e ação” – propicia uma interpretação da imagem como sendo representativa de uma visão de paulistaneidade propagadora de grandeza para o Brasil. O próprio texto do jornal, que acompanhou as imagens, diz:

Cabe a São Paulo fazer uma afirmação, que fixe o seu propósito de lutar para que, no naufrágio em que os outros se afogarão, se salve esta bela e nobre Nação, que é o Brasil, e com ela os puros ideais do homem cristão (...). A nossa atitude não pode ser de defesa, mas de ação enérgica, que desperte por todo o país simpatias e emulações. (...)143.

O Estado de S. Paulo, 25 de janeiro de 1953, autoria não creditada144

143

Discurso de Armando de Salles Oliveira, Governador do Estado, proferida ao Legislativo em 9 de junho de 1936, publicado no Estado de S. Paulo em 25 de janeiro de 1953, p.13. Disponível em: . Acesso em: 20/05/2014. 144 Disponível em: . Acesso em: 20/05/2014.

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Já as últimas imagens aqui reproduzidas, publicadas na mesma página de jornal, revelam alguns dos pormenores do Monumento. Para representá-los, o fotógrafo fez uso do ângulo visto “de baixo”, bastante característico de algumas vertentes da fotografia moderna145. Essa perspectiva valoriza o aspecto monumental da obra ao agigantá-la. Os bandeirantes aparecem como figuras ainda mais heroicizadas, com corpos fortes e determinados. As mãos, principalmente, parecem se beneficiar desse processo, remetendo à tradição modernista de retratação de trabalhadores brasileiros, como na obra de Candido Portinari, por exemplo, em que as deformações dos pés e das mãos transmitem sensação de desgaste físico simultâneo à imponência e à monumentalidade dos indivíduos, que obtêm êxitos por meio de trabalho árduo. Ainda que geralmente se associe a pintura de Portinari à valorização do trabalhador dentro do contexto social brasileiro, é possível relacionar a interpretação do agigantamento das mãos dos bandeirantes, na obra inaugurada em 1953, não à valorização do indivíduo, mas à valorização do trabalho em si, que, em sentido diferente, era tido como responsável pelo próprio agigantamento da cidade de São Paulo na história, desde a pequena vila de Piratininga à grande metrópole que estava surgindo em meados do século XX. Às vésperas de seu IV Centenário, a cidade era vista por muitos como

Milagre do trabalho, surgindo e crescendo impulsionada exclusivamente pela força da inteligência, adquirindo corpo e se expandindo graças a um determinismo decretado pelo homem, São Paulo é o espelho fiel da grandeza de seu povo. Esta cidade que está completando 400 anos de existência e que se projetou como o centro urbano mais trepidante, dinâmico do mundo, parece trazer no peito a vitalidade inesgotável daqueles seus filhos mamelucos, os bandeirantes heroicos que empurraram, na boca de seus bacamartes, o Tratado de Tordesilhas até quase os primeiros contrafortes da Cordilheira dos Andes146.

Ainda segundo o artigo de O Estado de S. Paulo, que publicou as imagens do Monumento às Bandeiras reproduzidas nessa pesquisa:

145

A pesquisadora Heloisa Espada cita Aleksander Ródtchenko como exemplo de fotógrafo moderno que fazia uso dessa prática. A rotação da câmera do fotógrafo previa a desestabilização do eixo de visão tido como natural e, assim, pretendia estimular formas diferentes de ver. Para Ródtchenko: “Os pontos mais interessantes hoje são os “de cima para baixo” e os “de baixo para cima”, e devemos trabalhá-los. (...) Novos assuntos têm de ser fotografados de vários pontos, de modo a representar o assunto completamente.” Ver ESPADA, Heloisa. Monumentalidade e Sombra: a representação do centro cívico de Brasília por Marcel Gautherot. Tese de doutorado apresentada à ECA-USP em 2011, p.24. 146 O Cruzeiro, 23 de janeiro de 1954 In: BREFE, Ana C. Fonseca. As cidades brasileiras no pós-guerra. São Paulo: Atual, 1995, p.12.

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(...) Dois bandeirantes, os chefes, vão na frente, a cavalo: é o princípio da autoridade, o mais forte esteio da civilização, que o comunismo tenta destruir. (...) E como de tudo isso, de autoridade, de disciplina, de hierarquia, de solidariedade, de ação inteligente e construtora, de um largo, generoso e fecundo idealismo – de tudo isto é que o Brasil precisa, propõe-se que esse monumento seja levantado numa praça de São Paulo, atestando o desejo dos paulistas de renovar os princípios e os feitos que constituíram os fundamentos da nacionalidade147.

Autoridade, trabalho, força e luta contra o comunismo nutrem os ideais expressos num discurso recorrente sobre São Paulo e que se pretendia comum. O que importava a Brecheret, ao poder público que encomendou a obra e possivelmente ao fotógrafo das imagens publicadas no jornal O Estado de S. Paulo, era mostrar a importância do paulista para o desbravamento de novos territórios para “desvendar e integralizar o arcabouço geográfico da Pátria”148, algo compartilhado pelos imigrantes chegados ao Brasil a partir do século XIX e aos industriais do século XX. A despersonalização dos bandeirantes, conforme aponta Paulo César Garcez Marins, contribuiu para essa leitura mais generalizante, capaz de promover a identificação com vários grupos, associando bandeirantes com paulistas e até mesmo com brasileiros de maneira geral. O artigo chega a comentar o conteúdo simbólico da obra, que une, “num mesmo espírito de brasilidade empreendedora e heroica”149, a conquista da terra no passado e a conquista do progresso que se inicia no presente e ruma ao futuro. Em ambas essas etapas da história do país, São Paulo aparece desempenhando fundamental papel. No sentido dessa intersecção, cabe notar a simbologia presente no local de implantação do Monumento e nas vias que o circundam. A praça em que ele foi erguido levou o nome, em 1953, do Governador do Estado de São Paulo entre 1935 e 1936, e então sócio do jornal O Estado de S. Paulo, Armando de Salles Oliveira. A praça constitui-se de uma grande área livre que possibilita uma perspectiva avantajada, já que a massa verde do Parque, que é duplicada pelo espelhamento que ocorre no lago à frente, aparece como pano de fundo. A praça é localizada entre o início de duas avenidas, a Pedro Álvares Cabral e a Brasil. A implantação do

147

Discurso de Armando de Salles Oliveira, Governador do Estado, proferida ao Legislativo em 9 de junho de 1936, publicado no Estado de S. Paulo em 25 de janeiro de 1953, p.13. Disponível em: . Acesso em: 20/05/2014. 148 MARINS, Paulo César Garcez. O Parque Ibirapuera e a construção da identidade paulista. In: Anais do Museu Paulista, História e Cultura Material, vol. 6/7, São Paulo: USP/Museu Paulista, 1998-1999, p.14. 149 LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo – a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. 2002. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p.125.

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Monumento entre avenidas com esses nomes é indicativa de determinada narrativa histórica que estava sendo criada na época: a invenção do Brasil por sua descoberta e a formação das fronteiras e do território nacional com a ação dos bandeirantes.

2.5 Monumento-Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932

Algumas das características simbólicas do Monumento às Bandeiras também estão presentes no segundo monumento erguido na região do Ibirapuera, o Monumento-Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932, do escultor ítalo-brasileiro Galileo Emendabile em coautoria com o engenheiro Mário Pucci. No Monumento, os defensores da constituição podem ser comparáveis aos seus antepassados sertanistas, pois, semelhantemente, são tidos como pioneiros e exaltados pela bravura. A associação foi feita em um momento em que se requisitava a

união política de todos os residentes no estado, forasteiros ou não. O bandeirante era assim, além de despersonalizado como no Monumento às Bandeiras, transposto temporalmente para o movimento constitucionalista, momento em que novos e velhos paulistas deviam nele se espelhar150.

Em 1934, esse Monumento foi escolhido por meio de concurso, mas foi somente em 1949, passado o governo Vargas e, assim, favorecendo a homenagem aos constitucionalistas, que se lançou sua “pedra fundamental”. As obras começaram após a assinatura do contrato, em 1951, e ganharam ritmo acelerado na medida em que deviam integrar os festejos do IV Centenário.

150

MARINS, Paulo César Garcez. O Parque Ibirapuera e a construção da identidade paulista. In: Anais do Museu Paulista, História e Cultura Material, vol. 6/7, São Paulo: USP/Museu Paulista, 1998-1999, p.22.

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O Estado de S. Paulo, 20 de agosto de 1953, p.9, autoria não creditada 151

A imagem publicada em O Estado de S. Paulo revela o Governador do Estado, Lucas Nogueira Garcez, e o escultor Galileo Emendabile, observando uma maquete do Monumento ao Soldado Constitucionalista, na época em execução na região do Ibirapuera com inauguração prevista para 9 de julho de 1954. A inauguração oficial do Mausoléu atrasou e só ocorreu em 1955, quando foram depositados, no Monumento, os restos mortais de Martins, Miragaia, Drausio, Camargo e Paulo Virgílio.

“No Ibirapuera, o povo assiste à chegada das carretas do corpo de bombeiros que conduziam as urnas dos cinco mártires”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 10 de julho de 1955, p. 23152

151

Disponível em: . Acesso em: 20/05/2014. 152 Disponível em: . Acesso em: 20/05/2014.

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O uso das representações simbólicas dos paulistas foi, assim, capaz de unir a população local. A imagem acima revela aglomeração de pessoas em torno da homenagem aos “soldados” de 1932 e à cidade de São Paulo que, nas palavras dos estudantes de direito publicadas no artigo de O Estado de S. Paulo,

sem partidos ou grupos políticos, lutou pela constitucionalização do país, exigindo a volta à lei e o respeito à liberdade. Com isso, São Paulo cresceu, sublimou-se, agigantou-se, dignificou-se e venceu, derrotado embora, nos campos de batalha.153

Evidencia-se aqui um discurso em construção por meio da ação seletiva de momentos da história de São Paulo que, cada um a sua maneira, contribuiu para o “agigantamento” do Brasil. O poema de Guilherme de Almeida, gravado nas faces do obelisco que encima o mausoléu reitera a criação desse imaginário: “Aos épicos de julho de 32 que, fiéis cumpridores/ de sagrada promessa feita a seus maiores/ os que houveram as terras e as/ gentes por sua força e fé/ na lei puseram sua força/ e em São Paulo sua fé.”154As próprias estrofes do poema foram intercaladas com relevos que figuravam alternadamente os soldados e os bandeirantes.

O Estado de S. Paulo, 17 de junho de 1955, p. 10, autoria não creditada155

153

Fotografia do Obelisco, 1958, autoria desconhecida / Acervo Fotográfico Arquivo Histórico de São Paulo, PMSP-SEC-DC-RF

Palavras proferidas pelos estudantes de direito publicadas em O Estado de S. Paulo, 10 de julho de 1955. Disponível em: . Acesso em: 20/05/2014. 154 Ver MARINS, Paulo César Garcez. O Parque Ibirapuera e a construção da identidade paulista. In: Anais do Museu Paulista, História e Cultura Material, vol. 6/7, São Paulo: USP/Museu Paulista, 1998-1999, p.22. 155 Disponível em: . Acesso em: 20/05/2014.

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Para Paulo César Garcez Marins, a própria expressão dos corpos e rostos esculpidos é associável às soluções sintéticas da escultura italiana do período fascista, que procurava ressaltar a força e a firmeza da “raça”156. Assim, características físicas e morais do passado bandeirante migram para o soldado, depois para o agricultor e, finalmente, para o operário urbano, todos representados nos mosaicos internos, “amalgamando temporalidades, fundindo e refundando o ‘paulista’” 157 . Busca-se afirmar a imagem do paulista como homem forte e empreendedor, incansável trabalhador que deveria servir de modelo a todos os brasileiros. Com mais um monumento instalado no complexo do Ibirapuera, a narrativa sendo construída sobre a importância do modelo paulista dentro do contexto nacional fica ainda mais evidente por meio da resistência à ditadura varguista. Somada à modernidade do Parque, essa narrativa é ampliada. Igualmente, é simbólica a implantação do Monumento de setenta metros de altura no eixo da avenida 23 de maio, que recebeu este nome em referência ao dia em que foram mortos os estudantes conhecidos pelo acrônimo MMDC, em 1932. O nome da avenida foi definido em 1954, com a justificativa de que era necessário homenagear a reconquista da autonomia paulista em face da ditadura. A simbologia é ampliada quando se pensa que, juntamente com a avenida 9 de julho, a avenida 23 de maio forma um vértice na Praça das Bandeiras, “um V que alto falará à alma paulista, simbolizando a vitória de São Paulo.”158 Apesar de a simbologia já estar estabelecida em 1954, a avenida 23 de maio foi sendo entregue ao público gradualmente, com sua inauguração oficial tendo ocorrido somente em 1969.

156

Ver também ZIMMERMANN, Silvana Brunelli. A obra escultórica de Galileu Emendabili: uma contribuição para o meio artístico paulistano. Dissertação (Mestrado) –Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000, p. 136. 157 MARINS, Paulo César Garcez. O Parque Ibirapuera e a construção da identidade paulista. In: Anais do Museu Paulista, História e Cultura Material, vol. 6/7, São Paulo: USP/Museu Paulista, 1998-1999, p.22. 158 São Paulo Bairros. Avenida Vinte e Três de Maio. Disponivel em: . Acesso em: 21/03/2015.

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2.6 A construção do Parque Ibirapuera

Construção do Parque, s/d, autoria desconhecida / Foto Folhapress

As fotografias acima reproduzidas revelam o espaço livre sendo trabalhado para que a implantação do Parque Ibirapuera pudesse acontecer. O fotógrafo, não creditado, parece ter se interessado não somente pelo grande vazio que seria ocupado, mas também pelos operários responsáveis pela transformação que ocorreria com a construção do Ibirapuera. Os homens aparecem trabalhando ainda com materiais simples, distantes da alta tecnologia construtiva a que o Parque finalizado pode aludir. O Parque em construção é ainda um terreno sendo remexido, uma paisagem rústica e disforme. A modernidade construída, conforme mostram as imagens, ainda está por vir. Não tardam, porém, reportagens nos jornais a respeito de todo o trabalho sendo empenhado para que o Ibirapuera fosse finalizado e utilizado como palco das comemorações do aniversário de São Paulo. Manchetes como “3.000 operários trabalhando” e “A sinfonia das máquinas no tapete verde do Ibirapuera, não cessa o trabalho – a 25 de janeiro de 1954 deverá ser inaugurado o maior parque do Brasil”159 evidenciam a narrativa que estava sendo criada a respeito da importância do Parque dentro da cidade e do país e sobre como não estavam sendo poupados esforços para que ele pudesse ser implementado. O uso da palavra “trabalho” é significativo, pois, como já se viu, remete ao esforço paulista no passado e no presente, dentro do âmbito do capitalismo que propicia a modernidade da cidade. O uso simbólico da expressão

159

Folha da Manhã em 5 de abril de 1953, p.1. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2014.

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“sinfonia das máquinas” remete a um trabalho bem orquestrado que, com o uso de tecnologia, além do esforço humano, irá resultar em uma grande obra.

Folha da Manhã, 5 de abril de 1953, autoria de Gil Passarelli e Angelo Pirozelli160

As fotografias são de autoria de Gil Passarelli, que trabalhou na Folha de S. Paulo por mais de cinquenta anos, consagrando-se como um dos mais importantes fotojornalistas brasileiros, e de Angelo Pirozzelli, um fotógrafo com poucos registros biográficos. As imagens destacam os operários, relacionando, mais uma vez, a pujança de São Paulo ao trabalho que era incessante e que levava à construção de “uma casa de seis em seis minutos”, fazendo com que a cidade fosse conhecida como “fermento”161.

160

Disponível em: . Acesso em:22/05/2014. Slogans da época. Ver BREFE, Ana C. Fonseca. As cidades brasileiras no pós-guerra. São Paulo: Atual, 1995, p.12. 161

79

/

Folha da Manhã, 13 de setembro de 1953, p. 9, autoria de Gil Passarelli162

Igualmente, artigo publicado na Folha da Manhã, em setembro de 1953, com fotografias também de Gil Passarelli, traz a manchete “Em ritmo acelerado as gigantescas obras do Ibirapuera” 163 , em que o uso do adjetivo “gigantescas” é significativo e faz alusão à dimensão que o Parque terá dentro do escopo geral da cidade.

Folha da Manhã, 29 de março de 1953, p.1, autoria não creditada164

Segundo o texto que acompanhou a imagem que revela o projeto do Ibirapuera, publicada na Folha da Manhã em março de 1953,

A gravura mostra, em pormenores, como se apresentará o Parque Ibirapuera no ano de 1954, depois de concluídas as obras de construção de edifícios, de pavimentação, ajardinamento e arborização que a Comissão do IV Centenário de São Paulo está realizando naquele logradouro, o qual será, assim, recuperado e definitivamente

162

Disponível em: . Acesso em: 22/05/2014. Folha da Manhã em 13 de setembro de 1953. Disponível em: 164 Disponível em: . Acesso em: 22/05/2014. 163

80

entregue com os requisitos do parque público ao uso da população paulistana e de nossos visitantes. Noite e dia, sem parar, centenas de operários executam as tarefas.165

Mais uma vez, percebe-se a alusão ao trabalho incessante que estava em curso para que a cidade de São Paulo pudesse ganhar este novo e “gigantesco” logradouro público. No Ibirapuera, começaram a ser construídos os seguintes pavilhões: o Palácio das Indústrias, atualmente conhecido como Pavilhão Ciccillo Matarazzo, sede da Fundação Bienal, concebido originalmente para abrigar exposições da indústria paulista na Feira Internacional; o Palácio das Exposições, hoje denominado de Pavilhão Lucas Nogueira Garcez ou de ‘Oca’, destinado, em 1954, a abrigar uma exposição da história de São Paulo; o Palácio das Nações, hoje conhecido como Pavilhão Manoel da Nóbrega, sede do Museu Afro-Brasileiro, destinado, em 1954, a abrigar as exposições dos países participantes da Feira; o Palácio dos Estados, que originalmente abrigou as exposições dos estados brasileiros participantes da Feira, é atualmente conhecido como Pavilhão Engenheiro Armando Arruda Pereira, tendo sido sede do Prodam e que hoje constitui o Pavilhão das Culturas; o Palácio da Agricultura, antigo prédio do DetranSP e que hoje abriga o MAC-USP, que, segundo projeto original, seria salão de exposições, restaurante e hospedaria. Começou a ser construída também a marquise, em que se empregou a maior quantidade de ferro já utilizada na América do Sul. Com sua forma irregular, abarcando mais de seiscentos metros de comprimento, a marquise interligava os pavilhões das Indústria, das Nações e dos Estados. Foi elaborado ainda, como parte integrante da área livre do Parque, um conjunto de lagos que ocupam uma área de cento e cinquenta e sete mil metros quadrados.

165

Folha da Manhã em 29 de março de 1953. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2014.

81

Lago do Parque Ibirapuera em construção, 1952, Sebastião Assis Ferreira / Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo, classificação DC/0000199/F

Construção de um dos lagos do Ibirapuera em 1952, autoria não creditada / Folhapress.

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Para a formalização dos lagos sinuosos do Ibirapuera, os projetistas represaram o córrego do Sapateiro, que corria na região e ajudava a criar a várzea do Ibirapuera 166.

Onde antes, principalmente no período das chuvas, se acumulava grande volume de água que não raro se tornava putrefata; onde os menores desocupados iam banhar-se e onde chegaram mesmo a desaparecer algumas vidas, há hoje lagos a embelezar aquele logradouro. Para recreação dos visitantes da Exposição do IV Centenário e I Feira Internacional de São Paulo, está se procedendo presentemente à instalação de um serviço de barcos a motor, que servirão igualmente para transportes individuais e coletivos, tendo cada embarcação destinada a este último fim, capacidade de abrigar confortavelmente de dez a vinte passageiros. Ao longo das margens dos lagos haverá quatro embarcadouros flutuantes, cada um dispondo, ao lado, de um bar, que atenderá aos que esperam a vez de embarcar para passeios ou para transportar-se aos pontos mais distantes do parque167.

Apesar de estar previsto em projetos, o Auditório, que deveria abrigar congressos e

apresentações teatrais e musicais, não foi construído em 1954. O conjunto que seria formado pelo Palácio das Exposições e pelo Auditório era enfatizado, por Niemeyer, como elemento de grande importância arquitetônica e plástica para o Ibirapuera.

Cabe notar que, conforme apontou Yuri Tavares Rocha, o sítio natural do Ibirapuera “não foi valorizado, com aproveitamento dos cursos d’água e sua integração ao projeto, a não ser para serem represados e formarem os lagos. Também não se utilizaram plantas adaptadas às várzeas e plantas aquáticas integradas ao projeto. Ou seja, a água e os ambientes associados, componentes principais da paisagem natural original, não foram incorporados devidamente ao projeto do Parque.” Ver ROCHA, Yuri Tavares. Teoria Geográfica da Paisagem na Análise de Fragmentos de Paisagens Urbanas de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. In: Revista Formação, n.15 volume 1, p.29. 167 As obras do Parque Ibirapuera no IV Centenário de São Paulo, Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, 1953. Arquivo Histórico Wanda Swevo. 166

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Folha da Manhã, 30 de junho de 1953, p. 8, autoria não creditada 168

Este edifício, contudo, só foi erguido em 2005. Segundo Niemeyer:

Durante anos a entrada do Parque Ibirapuera não foi completada, e a cúpula destinada a grandes exposições, entregue à Aeronáutica para mostra de aviões. E esse equívoco, que lhe tirava a escala, levou-me a esquecê-la completamente169.

Como o projeto original do Parque não foi executado, com uma das supressões “mais clamorosas” tendo sido o Auditório, destinado a abrigar cerca de duas mil pessoas, o uso de imagens de maquetes, principalmente na revista Módulo, ganha particular relevância, pois permite ao observador compreender como o projeto foi idealizado e não somente como ele foi “deformado”, segundo artigo publicado na mesma revista. A Módulo apresentava-se como uma revista de arquitetura e artes plásticas e era dirigida por Oscar Niemeyer, além de outros integrantes: o engenheiro Joaquim Cardoso, Rodrigo Melo Franco de Andrade, então diretor do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), o escritor Rubem Braga e o arquiteto Zenon Lotufo. O fato da revista possuir alta qualidade gráfica e artigos resumidos em inglês, francês e alemão, nos primeiros números, para depois serem traduzidos na íntegra e reunidos em separata, demonstra

168 169

Disponível em: < http://acervo.folha.uol.com.br/fdm/1953/06/30/1/>. Acesso em: 22/05/2014. NIEMEYER, Oscar. Minha Arquitetura. Rio de Janeiro: Revan, 2000, p.31.

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sua ambição de ser internacional e de revelar, portanto, os projetos modernistas de Niemeyer não somente para o Brasil, mas também para o exterior170. A Módulo foi, assim, um veículo relevante para a divulgação e consagração nacional e internacional do modernismo arquitetônico brasileiro, ainda que ela fosse voltada, prioritariamente, para as obras do Rio de Janeiro e, em seguida, para as de Brasília.

“Anteprojeto original” / Módulo no.1, março de 1955, p.19171

“Projeto aprovado e projeto executado”, respectivamente / Módulo no.1, março de 1955, p.19172

Nesse sentido, o uso de fotos de maquetes do Ibirapuera permitia a divulgação não só da obra em si, mas também do que não havia sido construído de acordo com o projeto, o que, para os arquitetos, o havia “mutilado”:

Suprimiram o Auditório – e o conjunto ficou inegavelmente capenga. Basta atentar para o seu traçado atual e se compreenderá o que foi dito. A arrojada “marquise” parece algo inacabado (e, realmente, o é) ou mal iniciado: sai de um ponto qualquer, desagarrada. É que foi suprimido o seu alongamento até o Auditório, também suprimido173.

Apesar da discrepância entre projeto e execução, as obras no Ibirapuera continuaram em andamento e fotógrafos continuaram a registrá-las, ainda que, como nos exemplos das fotografias

Ver ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana. Marcel Gautherot na revista Módulo – ensaios fotográficos, imagens do Brasil: da cultura material e imaterial à arquitetura. Anais do Museu Paulista. Disponível em: . Acesso em: 17/09/2015. 171 A autoria (não especificada) é de um dos fotógrafos listados no índice da revista: Jean Manzon, José e Humberto Franceschi, Kasmer, Marcel Gautherot ou Rafael Landau. 172 A autoria (não especificada) é de um dos fotógrafos listados no índice da revista: Jean Manzon, José e Humberto Franceschi, Kasmer, Marcel Gautherot ou Rafael Landau. 173 Módulo no.1, março de 1955, p.18. 170

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de maquetes publicadas na Módulo, muitas vezes os fotógrafos nas revistas não fossem creditados especificamente. No caso desse primeiro número da revista, os fotógrafos cujas imagens foram utilizadas foram listados, mas somente no índice, em ordem alfabética: Jean Manzon, José e Humberto Franceschi, Kasmer, Marcel Gautherot e Rafael Landau. A menção à autoria junto a cada imagem específica não ocorreu nessa primeira edição. Cabe notar que o

anonimato do fotógrafo de arquitetura era a regra no cenário internacional, tema estudado na literatura estrangeira a respeito das revistas modernistas da vanguarda que circulam fartamente ilustradas desde os anos 1920. (...) A partir dos anos 1940, quando a arquitetura moderna brasileira começara a ocupar as páginas de livros e periódicos internacionais, a tendência de não citar o nome do fotógrafo em relação a cada clichê permaneceu, podendo seus nomes, todavia, constar em sumários ou nos textos de apresentação174.

Ainda que houvesse inconstância do crédito ao fotógrafo nas imagens impressas, um nome significativo na fotografia de arquitetura é o de Francisco Albuquerque, fotógrafo cearense que participou do Foto Cine Clube Bandeirante em São Paulo e que também trabalhou com retratos, publicidade e cinema. A produção de Chico Albuquerque, como era conhecido, era essencialmente moderna com relação a sua escolha de enquadramento do espaço e a sua linguagem. Por isso é importante entender sua obra dentro do contexto do circuito do Foto Cine Clube Bandeirante que, naquele período, estruturou a linguagem moderna na fotografia brasileira.

ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana. Marcel Gautherot na revista Módulo – ensaios fotográficos, imagens do Brasil: da cultura material e imaterial à arquitetura. Anais do Museu Paulista, p. 16. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-47142014000100011&script=sci_arttext>. Acesso em: 17/09/2015. 174

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Parque do Ibirapuera em construção, 1954, Chico Albuquerque/ Acervo IMS

A imagem de Chico Albuquerque revela experimentação formal ao explorar caminhos geométricos valorizados com o recorte do olhar. A vista oferecida pela fotografia em questão é pontual, pois isola o motivo de seu contexto maior, de modo que não se pode identificar qual a obra sendo construída. A principal intenção parece ser a articulação dos objetos e dos trabalhadores de maneira a fazer uma composição formal, de efeito valorativo. Nessa fotografia, os sujeitos humanos aparecem retratados como elementos importantes da composição, embora suas imagens estejam ensombradas, como silhueta. Os operários parecem estar flutuando entre as estruturas de ferro e o trabalho parece ser “esvaziado de conotações conflituosas.”175 Ainda que não constitua o foco principal da imagem, pode-se perceber a condição precária de trabalho dos sujeitos, pois não lhes parece ter sido providenciado nenhum tipo de medida de segurança.

175

CARVALHO, Vânia Carneiro de e LIMA, Solange Ferraz de. Fotografia e cidade: da razão urbana à lógica do consumo: álbuns da cidade de São Paulo, 1887-1954. Campinas-SP: Mercado de Letras, 1997, p.189.

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Pode-se, assim, interpretar essas imagens como modernas, tanto no sentido imagético quanto no sentido da lógica heterogênea do capital. A pouca atenção conferida aos operários, assim como a condição precária de trabalho deles, que pode ser percebida nas imagens, demonstram atitudes que podem ser interpretadas como excludentes, pois estariam promovendo uma modernização incompleta, sem alterar as bases historicamente marginalizadas da sociedade brasileira. A qualidade arquitetônica, contudo, apresenta-se como moderna ao inovar em suas formas, atitude possibilitada, para além da capacidade imaginativa dos projetistas, por uma tecnologia construtiva avançada. Igualmente, a qualidade plástica da imagem de Albuquerque revela uma modernidade estética, que reformulou preceitos pictorialistas até então vigentes e promoveu uma valorização das especificidades da linguagem fotográfica. Outras imagens significativas do Ibirapuera dizem respeito à construção do Palácio de Exposições, mais conhecido atualmente como “Oca”. Essa construção, que consiste de uma seção de esfera, é um dos edifícios mais facilmente reconhecíveis do Ibirapuera por remeter a um espaço lunar, ou mesmo a uma espaçonave. Contudo, ao mesmo tempo em que a forma arquitetônica remete ao futuro, ela também refere-se ao passado. O próprio nome popular do pavilhão, “oca”, refere-se à semelhança que a estrutura hemisférica possui com a típica habitação indígena, em tupi-guarani. Essa construção parece simbolizar o intuito da arquitetura moderna brasileira de unir passado e presente para construir um novo futuro.

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“O prédio da Oca em construção”, 1954, autoria incerta / Revista Abril – IV Centenário176

A Acrópole, revista de arquitetura voltada para a divulgação principalmente do modernismo paulista, mas que também publicava artigos sobre obras de outras partes do Brasil e mesmo de outros países, trouxe, em agosto de 1954, fotografias dos diferentes estágios de construção do Palácio das Exposições, de autoria de Zanella-Moscardi, dupla formada pelo imigrante italiano Hugo Zanella e José Moscardi, natural de Campinas, mas também de origem italiana. Moscardi era cunhado e sócio de Zanella e ambos começaram a trabalhar documentando arquitetura moderna paulista para a Acrópole ainda na década de 1940, prática que se estendeu até 1970, um ano antes do término da revista.

Apesar da Revista Abril não ter creditado a imagem, o mini catálogo “Parque Ibirapuera / (Editor) Instituto Cultural Itaú – São Paulo: ICI, 1996, p.30” indica essa fotografia como sendo de autoria de Boer. Disponível em: . Acesso em 19/05/2014. 176

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“Palácio de Exposições em construção”, Zanella-Moscardi / Acrópole 191, agosto de 1954, p.497

Por meio das fotografias de Zanella-Moscardi, e de suas legendas, é possível perceber o interesse em documentar os diferentes estágios de construção do edifício: “1. Detalhe da armação dos pilares e anel do caso; 2. Detalhe de execução: vêem-se as sapatas da cúpula e a 1ª lage, note-se o poço de inspecção do dreno; 3. Detalhe de execução: vêem-se as sapatas da cúpula, o muro de arrimo, lage do 1º pavimento e moldes do 2º pavimento; 4. Cimbramento em execução, vendo-se uma cambota mestra de onde partem as cambotas secundárias; 5. Detalhe da armação, dos pilotis, e anel das cascas; 6. Detalhe da armação das rampas.” É possível pensar que esse interesse fosse devido à vontade de retratar o próprio avanço tecnológico (moderno) que permitiu a construção da obra, descrita no próprio artigo da revista como sendo “das mais grandiosas”, com setenta e seis metros de altura de cobertura, livres de pilares ou colunas. Em virtude de sua forma circular e do tipo de teto adotado, sem vigas aparentes, houve uma grande concentração de ferragens, conforme pode-se observar na última fotografia da página da revista, formando um padrão gráfico.

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Como de costume nas imagens da época, a arquitetura é o principal objeto retratado; os operários aparecem em miniatura, sem características particulares, apenas conferindo escala à obra “gigantesca”. “A gestualidade dos corpos dos operários está voltada para a finalidade produtiva (...) os sentidos de disciplina e funcionalização são predominantes.”177 O layout dessa página da Acrópole é de um interesse que ultrapassa as imagens individuais que nela aparecem. Percebe-se, na página, uma relação próxima entre imagem e palavra. Nesse caso, ambas são mostradas de forma complementar. É necessário abordar, contudo, apesar da complementariedade, a preponderância da imagem em comparação com o texto. Essa é uma característica que começa, na década de 1950, a ser dominante nas publicações de arquitetura. Esse deslocamento entre as duas formas de comunicação responde a uma imersão icônica existente sobre os conteúdos relacionados a essa disciplina. Mais especificamente “a imagem não mais ilustra a palavra”; “é a palavra que se torna, estruturalmente, um parasita de imagem.” 178 A predominância da imagem fica ainda mais evidenciada pelo fato de fotografias estarem sendo consideradas, na época, como o recurso ideal para o transporte de informação visual179.

177

CARVALHO, Vânia Carneiro de e LIMA, Solange Ferraz de. Fotografia e cidade: da razão urbana à lógica do consumo: álbuns da cidade de São Paulo, 1887-1954. Campinas-SP: Mercado de Letras, 1997, p.186. 178 BARTHES, Roland. The obvious and the obtuse. Barcelona: Paidos, 1986, p.21. 179 Contudo, também é preciso notar, conforme aponta Gonzalo Munõz Vera que, sem legendas, imagens fotográficas como essas, apesar de possuírem destaque, perdem clareza. O texto, seja ele em forma de legenda ou não, pode, por vezes, desempenhar papel secundário em relação à fotografia, mas esse papel é importante para conferir equilíbrio entre racionalismo e subjetividade, características inerentes à própria fotografia. Ver MUÑOZ VERA, Gonzalo. Role of Photography on the understanding and spreading of architecture. Disponível em: . Acesso em: 15/07/2014.

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Página publicitária do Palácio das Exposições em construção, autoria não creditada / Módulo no.1, março de 1955

As imagens do Palácio de Exposições em obras, reproduzidas acima, foram publicadas na revista Módulo, sem autor identificado, para fins de publicidade da empresa responsável pela construção do edifício: Monteiro, Wigderowitz & Monteiro, Ltda. A primeira fotografia da página, maior em tamanho, enfoca uma parte do prédio ainda sem parcela de sua “casca branca” e com materiais de construção espalhados pelo chão. A dimensão do edifício pode ser percebida por meio do uso da escala humana: alguns homens encontram-se trabalhando no topo da cúpula. A tira de três fotografias, na parte inferior da página, também revela diferentes estágios da construção do edifício. A já referida edição de agosto da revista Acrópole também publicou imagens internas do Palácio das Exposições. Essas fotografias, também de Zanella-Moscardi, valorizam a sinuosidade do espaço interior da obra.

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“1o pavimento; vêem-se os oblôs e 2o pavimento”, Zanella-Moscardi. / Acrópole 191, agosto de 1954, p.496

“Vista do 3o pavimento; vêem-se a cúpula, rampas, 2o e 1o pavimentos”, Zanella-Moscardi. / Acrópole 191, agosto de 1954, p.496

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“Detalhe de um oblô (janela), visto de dentro para fora”, Zanella-Moscardi. / Acrópole 191, agosto de 1954, p.496

Percebe-se nessas imagens, além do aspecto informativo – que deveria evidenciar a obra para o público leitor –, forte ênfase formal: enquadramentos atípicos e geometrização das formas, características que flertam com composições abstratas. As fotografias não perdem de vista, entretanto, o elemento figurativo. São as próprias formas arquitetônicas que parecem sugerir, ao olhar atento e estético do fotógrafo, os desenhos formados na imagem fotográfica. As imagens dessa série são uma maneira de se experimentar a arquitetura moderna enquanto possibilidade para composições imagéticas, compostas por linhas diagonais, jogos de luz e sombra, ângulos retos e elementos esféricos. Uma mesma linha, mais autoral, foi seguida por Chico Albuquerque, em sua interpretação do interior do Palácio das Exposições em construção.

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Edifício da Oca em construção, 1954, Chico Albuquerque / Acervo IMS.

Mais uma vez, o olhar é atraído pelos oblôs, janelas da edificação. Suas formas esféricas são multiplicadas pela sombra criada no chão e pelas sombras claras criadas no teto, também ele semiesférico. No canto inferior esquerdo da imagem, no chão, observa-se uma maleta e, no centro, há o que parece ser um tripé. Essas podem ser interpretadas como sendo marcas da presença do autor no espaço e na imagem, característica não de todo incomum no universo das artes plásticas ainda em períodos anteriores ao advento da fotografia. Interessante observar que o Ibirapuera é contemporâneo de um período no qual era bastante veiculado, na imprensa, o fascínio pela corrida espacial, integrante da Guerra Fria. É, portanto, tentador ver, em várias dessas imagens, e em especial nas do Palácio de Exposições, uma espécie de paisagem lunar ou sideral, produzida pela mídia a respeito da corrida espacial, que aponta para o futuro.

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A comparação entre o passado e o presente é uma das características da arquitetura moderna do Brasil. Nesse sentido, o modernismo brasileiro diferiu do europeu, que buscava, pelo contrário, romper com as particularidades regionais e criar um estilo internacional, conforme dizia Le Corbusier. Isso não significa que não houvesse identificação com a arquitetura moderna europeia, segundo os pontos definidos por este arquiteto, como o prédio ser erguido sobre pilotis, deixando um vão livre para transeuntes. Com o passar do tempo, entretanto, os pilotis começaram a assumir formas próprias, conforme pode-se observar no Palácio da Agricultura. Esse prédio é atualmente conhecido como o novo prédio do MAC-USP e encontra-se localizado fora do conjunto do Ibirapuera organizado pela grande marquise, mas ainda pertencente ao seu complexo. Foi projetado por Oscar Niemeyer em 1951 e finalizado em 1953. O Palácio da Agricultura contou com um programa arquitetônico específico para abrigar a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo após as comemorações do IV Centenário. Em seu desenho original, o pavimento térreo do edifício teria um salão de exposições e um restaurante. Haveria também um grande espaço para diversos departamentos e repartições, previstos para o funcionamento da Secretaria e, na cobertura, estariam concentrados apartamentos destinados à hospedagem, salão, copa e terraços.

“Maqueta do Palácio da Agricultura”, autoria não creditada / Folha de S. Paulo, 20 de setembro de 1953, p.6180

180

Disponível em: . Acesso em: 22/05/2014.

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Antes mesmo da finalização de sua construção, imagens de maquetes do edifício já começaram a circular nos jornais da época, sinalizando para o público paulistano a natureza e a dimensão da obra sendo erguida no Ibirapuera. Nesse sentido, cabe notar que

a fotografia de maquetes arquitetônicas é um tipo intrigante de imagem, ainda um pouco intratável que, até agora, escapou de análises atentas. Nascida do encontro entre duas mídias distintas, este imaginário híbrido combina a força probatória da fotografia com o mundo de fantasia dos modelos, alcançando assim a representação realista paradoxal de um ambiente virtual181.

Enquadrada pela câmera, a maquete entra em um campo diferente de percepção, onde suas propriedades originais de forma, textura e escala são reconfiguradas. A ampla circulação de fotografias de maquetes (que ocorreu durante a fase de construção e mesmo de inauguração do Ibirapuera) provoca certa mistura entre as fotos do Ibirapuera em si e as fotos de maquetes de seus edifícios. Sendo assim, o observador, por vezes, não percebe se está olhando para uma imagem de maquete ou para uma imagem do Parque construído. A esse respeito, Anthony Vidler observa que, “enquanto o modelo de arquitetura é (...) uma miniatura do real, a fotografia obstrui esta escala, permitindo que potenciais usuários e clientes tenham uma visão de como o edifício vai ficar quando construído a partir de seus ‘pontos de vista’.”182 Um dos pontos mais marcantes na arquitetura do Palácio de Agricultura, e que já aparece na fotografia da maquete, no canto esquerdo da imagem, são os pilotis em forma de “V” que, de acordo com Niemeyer, deveriam liberar mais espaço no piso térreo. Nesse sentido, o térreo livre deixa de ser uma mera superfície vazia sob a projeção da construção para assumir condição de articulador urbano, devido à ausência de obstáculos.

181

DERIU, Davide. Transforming Ideas into Pictures: Model Photography and Modern Architecture. Disponível em: . Acesso em: 13/10/2015. 182 VIDLER, Anthony. Staging Lived Space: James Casebere’s Photographic Unconscious, in C. Chang, J. Eugenides and Anthony Vidler, James Casebere: The Spatial Uncanny. Milan: Charta, 2001, p10. In: DERIU, Davide. Transforming Ideas into Pictures: Model Photography and Modern Architecture. Disponível em: . Acesso em: 13/10/2015. Obs.: Cabe notar que, apesar de sua utilidade, a fotografia de maquetes tem permanecido às margens da pesquisa histórica. Ela encontra-se ausente do cânone da fotografia de arquitetura, que se preocupa principalmente com o edifício acabado como sendo o principal produto da arquitetura e, em menor medida, com as outras maneiras com que a câmera pode mediar o processo de criação.

97

Palácio da Agricultura em construção / Módulo no. 7, fevereiro de 1957, p. 9183

O formato dos pilotis permite não apenas a sustentação do edifício, viabilizando a utilização do espaço térreo, mas também uma leitura visual instigante. O vão formado pelo “V” cria uma espécie de janela pela qual a paisagem ao fundo do edifício é recortada. A fotografia reproduzida na revista Módulo enfoca diretamente esse vão e confere monumentalidade ao edifício também por meio da representação dos trabalhadores que, mais uma vez, aparecem pequenos e em silhueta, trabalhando no canteiro de obras. O Palácio das Nações também foi registrado em fase de construção, dessa vez pela revista Acrópole, de fevereiro de 1954, que estampava, inclusive, uma fotografia dele, além de outra do Palácio dos Estados, na capa.

183

A autoria (não especificada) é de um dos fotógrafos listados no índice da revista: Jean Manzon, José e Humberto Franceschi, Kasmer, Marcel Gautherot, Rafael Landau, Foto Carlos, Carlos Botelho.

98

Palácio das Nações e Palácio dos Estados / Acrópole, no. 185, de fevereiro de 1954

Nessa revista, mais uma vez, o piloti em formato de “V” ganha destaque, tanto de forma mais estilizada (em ângulo de 45 graus) no exterior do edifício quanto na forma plena em seu interior.

99

Palácio das Nações em construção / Acrópole, no. 185, de fevereiro de 1954, p. 215184

As formas geométricas são valorizadas, principalmente na imagem do interior do edifício, pois contrastam as linhas verticais formadas pelos pilotis retos com as linhas diagonais, formadas pelos pilotis estilizados, assim como pelo ângulo formado pela obra no canto inferior esquerdo. Ainda que o edifício esteja sendo construído, pode-se perceber, em meio à desordem do canteiro de obras, a amplitude do espaço e uma atmosfera de imponência. A monumentalidade da arquitetura do Ibirapuera é um tema recorrente nas imagens fotográficas da época. Mesmo em processo de construção, jornais e revistas não deixavam de apontar para a grandiosidade e para o “gigantismo” das obras sendo erguidas, fato interpretado como sendo resultante do progresso técnico e do trabalho, tidos como próprios do espírito paulista. Nesse sentido, o Palácio das Indústrias, que atualmente abriga as Bienais de Arte de São Paulo, era significativo, pois, além de sua amplitude espacial, foi nesse prédio que os estandes de diversas companhias divulgaram seus produtos e serviços, a favor de uma (ideia de) nação mais moderna.

184

A autoria (não especificada) é de um dos fotógrafos listados no índice da revista: Boer e Zanella-Moscardi.

100

“Trabalhando na gigantesca laje do segundo andar do Palácio das Indústrias”, autoria não creditada / Folha da Manhã em 13 de setembro de 1953, p.9

“Aspecto das obras do gigantesco Palácio das Indústrias”, autoria não creditada / Folha da Manhã em 13 de setembro de 1953, p.9185

Edifício da Bienal em construção, 1954, Chico Albuquerque/ Acervo IMS

185

Disponível em: . Acesso em 22/05/2014.

101

Chico Albuquerque também registrou o interior do edifício no que parecem ser os estágios finais de sua construção. A sinuosidade das rampas é enfatizada, assim como sua monumentalidade, já que a pequenez dos homens ajuda, mais uma vez, a conferir escala e amplitude ao espaço retratado. Interligando todos os edifícios do conjunto do Ibirapuera, foi construída uma grande marquise que, também sinuosa, conduz o visitante por meio de caminhos externos aos edifícios. A ideia por trás do projeto era facilitar a circulação, a promenade arquitetural, já que as curvas da marquise encontram-se com as curvas das rampas dos pavilhões. Com a construção da marquise, mais uma vez saudou-se, na mídia impressa da época, a velocidade com que a obra com tanta precisão técnica foi erguida: “a rapidez com que essa construção foi empreendida é justificada somente pela perfeita organização do trabalho. (...) Para maior segurança do ritmo acelerado dado à obra, foi adquirida maquinaria de grande eficiência e precisão.”186

Acrópole, no.185, de fevereiro de 1954, p. 218187

186 187

“Grande Marquise”, artigo publicado na revista Acrópole, no.185, de fevereiro de 1954. A autoria (não especificada) é de um dos fotógrafos listados no índice da revista: Boer e Zanella-Moscardi.

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Imagens do desenvolvimento da obra em concreto armado, tecnologia sendo amplamente utilizada na arquitetura moderna no Brasil, eram recorrentes, demonstrando a malha sendo formada pelas estruturas de ferro, que permitia grandes feitos de engenharia. Segundo artigo publicado na revista Acrópole, “quem visitar o recinto onde se acha instalada a Bienal ficará indefectivelmente espantado com a grandiosidade dessa marquise, uma das maiores coberturas já construídas até hoje em todo o mundo.”188

Acrópole, no 185, de fevereiro de 1954, p 216

Acrópole, no.185, de fevereiro de 1954, p 217189

“ A marquise ficou pronta dentro do prazo previsto”, autoria não creditada / Folha da Manhã, 5 de fevereiro de 1954, p. 8190

“Grande Marquise”, artigo publicado na revista Acrópole, no.185, de fevereiro de 1954. A autoria (não especificada) é de um dos fotógrafos listados no índice da revista: Boer e Zanella-Moscardi. 190 Disponível em: . Acervo em: 23/05/2014. 188 189

103

A revista Acrópole também publicou uma fotografia, aérea e panorâmica, do Parque, evidenciando a maneira pela qual a marquise interliga os diversos edifícios do conjunto do Ibirapuera. Essa imagem, na programação visual da revista, ultrapassa a página inteira em sua horizontalidade, invadindo a página lateral, conferindo maior destaque ao caráter panorâmico da imagem, que possibilita ao observador compreender o espaço mais amplamente, assim como envolvê-lo na ideia e no assunto abordados. A imagem possui uma legenda que identifica o fotógrafo como William Brigatto, que pertenceu ao Foto Cine Club Bandeirante e que desenvolveu linguagem fotográfica que, com o transcorrer do tempo, levou ao abstracionismo e ao concretismo. O fato do nome do fotógrafo aparecer logo abaixo da imagem, e não nos créditos no índice da revista, era, na época, ainda pouco usual, mas é relevante pois a sofisticação da fotografia de arquitetura, juntamente com o desenvolvimento de uma legislação mais rigorosa sobre direitos autorais, revela que os arquitetos e os editores de mídia impressa estavam atribuindo a profissionais externos a tarefa de documentar as obras arquitetônicas. Em vez de executar uma obra tida como secundária, o fotógrafo começa a aparecer como um especialista qualificado, capaz de dignificar projetos por meio de imagens bem construídas. A imagem de Brigatto possibilita ao observador identificar o Parque em construção em seu principal conjunto com relação à arquitetura, evidenciando o Palácio das Indústrias, o Palácio de Exposições, Palácio dos Estados e Palácio das Nações. Ao fundo, pode-se perceber uma mancha, ainda que não particularmente grande, de árvores, que são os eucaliptos utilizados para drenar o solo, antes alagadiço, e, um pouco mais adiante, a cidade em expansão. A terra está toda remexida, ainda sem grama, com marcas dos caminhões e tratores que transportavam materiais de construção para o canteiro de obras.

“Vista aérea da grande marquise”, William Brigatto. / Acrópole, no.185, de fevereiro de 1954, pp.216-217

104

É possível perceber, no conjunto que estava sendo erguido no Ibirapuera, a construção, por parte dos responsáveis, de uma imagem que exaltava valores do capitalismo, como a apologia à indústria e ao trabalho. Esses valores eram tidos como fundamentais no processo de consolidação da posição econômica e no “progresso” da cidade de São Paulo.

“O conjunto arquitetônico do Ibirapuera espelha o progresso da nossa engenharia”, autoria das imagens não creditada / Folha da Manhã, 4 de abril de 1954, p.12191

Segundo artigo publicado na Folha da Manhã em abril de 1954, um pouco antes da inauguração do Parque, portanto, a grande realização do IV Centenário da cidade de São Paulo era o Ibirapuera, que tinha mudado muito de feição desde suas origens indígenas até o parquemonumento da época. O articulista ressalta a audaciosa concepção urbanística do projeto, que se deveu a um grupo de profissionais “que representam o que a engenharia brasileira tem de

191

Disponível em: . Acesso em 23/05/2014.

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mais expressivo...”192 Comenta ainda o “tempo record” em que foram construídos os vários palácios, a marquise, os lagos e os jardins, numa “demonstração eloquente do dinamismo paulista.” A ideia do trabalho incessante é valorizada, como de costume, e ressalta o dinamismo da metrópole no contexto do capitalismo ocidental. Outro aspecto do artigo da Folha da Manhã que merece destaque é referente à natureza das obras construídas:

... os céticos, boquiabertos, vêem saírem da terra aquelas gigantescas estruturas de concreto, que transformam em realidade figuras arquitetônicas que outrora somente existiam na imaginação dos leitores de histórias em quadrinhos com aventuras interplanetárias193

Esse trecho é relevante pois faz menção a conceitos importantes para esta pesquisa. Ao usar a expressão “saírem da terra” para se referir às novas edificações do Ibirapuera, o autor confere a ideia de que a arquitetura “brota” do chão, como se fosse uma planta e remete a uma nova paisagem emergindo da natureza. O conceito faz referência à noção tradicional de identidade nacional pautada na fertilidade do solo. É interessante notar que essa ideia parece se opor à valorização do trabalho humano, mas pressupõe-se que o autor não pretendesse criar essa diferenciação, somente criar uma imagem da rapidez com que as obras eram erguidas. Não é a natureza que envolve as obras construídas do Ibirapuera que “brota da terra”, mas o concreto. A natureza do Parque é urbanizada, ela mesma concreta. É como se houvesse, para os paulistanos da época, uma espécie de predestinação na grandeza e na modernidade da arquitetura e da história paulista ou mesmo brasileira. Importante também é a ideia de que as obras do Ibirapuera estavam transformando formulações mentais em realidade. Nesse sentido, o Ibirapuera é descrito pelo articulista, ainda que indiretamente e provavelmente inconscientemente, como uma heterotopia, espaço concreto em que idealizações se encontram presentes. Essa heterotopia transforma em realidade formas típicas de “aventuras interplanetárias” e, nesse sentido, está relacionada à

192

Folha da Manhã, 4 de abril de 1954, p.12. Disponível em: . Acesso em 23/05/2014. 193 Folha da Manhã, 4 de abril de 1954, p.12. Disponível em: . Acesso em 23/05/2014.

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ideia já comentada anteriormente do fascínio pela corrida espacial, principalmente dentro do contexto da Guerra Fria. Assim, o Parque Ibirapuera, em São Paulo, é apresentado como um lugar de vanguarda e de progresso. Em outros momentos e em diferentes contextos, as marcas que simbolizam a cidade são pensadas para serem firmadas como uma possibilidade de identidade para o Brasil:

No campo político, a importância dessa imagem se efetivava num processo que buscava representar, antes de tudo, um modelo de nacionalidade – questão que agitava os projetos políticos nas primeiras décadas que sucederam à proclamação da República. Estava em jogo a definição de qual região seria capaz de impor seu tom ao conjunto nacional. Que características a capacitariam a exercer o papel de matriz da nacionalidade?194

Apesar dos esforços para se inaugurar o Parque na data do IV Centenário, ou seja, no dia 25 de janeiro de 1954, o Ibirapuera só foi aberto ao público no dia 21 de agosto do mesmo ano. O projeto desse espaço público de arte, cultura, esportes e recreação permitiu que novas técnicas e novos materiais fossem empregados (como, por exemplo, a utilização de concreto armado nas obras), seguindo uma também nova concepção de formas e espaços construídos e suas relações com o vazio. As imagens do Ibirapuera continuarão a sugerir esse imaginário ao público, principalmente no contexto das comemorações do IV Centenário e com a inauguração do Parque Ibirapuera.

194

MOTTA, Marli Silva da. A Nação faz 100 anos: a questão nacional no centenário da independência. São Paulo: FGV. CPDOC. 1992, p.79.

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CAPÍTULO 3 – A INAUGURAÇÃO DO PARQUE IBIRAPUERA

Em 21 de agosto de 1954 foi inaugurado o Parque Ibirapuera, que passou a centralizar os principais eventos celebrativos oficiais do IV Centenário de São Paulo. As publicações eram importante aspecto dos festejos; jornais e revistas prepararam edições especiais e a Comissão Organizadora patrocinou uma “biografia” da cidade195 e criou a Revista do IV Centenário de São Paulo.

3.1 “Nasce Ibirapuera”

“Nasce Ibirapuera” foi o título dado à reportagem sobre o Parque na Revista do IV Centenário de São Paulo, edição comemorativa da data, publicada em 1954, pela Editora Abril.

Capa e 1ª página do artigo “Nasce Ibirapuera”, da Revista do IV Centenário de São Paulo, Editora Abril, 1954

195

O título da publicação é De comunidade à metrópole: biografia de São Paulo, do historiador norte americano Richard Morse. O livro foi publicado em 1954 pela Comissão do IV Centenário / Serviço de Comemorações Culturais.

108

A primeira página da reportagem traz uma grande fotografia do Palácio de Exposições em construção e outra, menor, do espaço do Ibirapuera antes da existência do Parque, identificada como sendo de autoria do Dr. Hélio Lepage, diretor do Instituto Biológico. A fotografia da capa da revista é de German Lorca, fotógrafo comumente descrito como “oficial” do IV Centenário. Lorca foi um dos profissionais que fotografou o Ibirapuera para a edição, mas não o único. A pesquisa efetuada entre os documentos do Parque Ibirapuera no Arquivo Histórico Municipal não sugere que tenha havido um fotógrafo oficial para a inauguração do Parque196. O próprio Lorca diz ter conseguido o trabalho extraoficialmente ao acompanhar Geraldo de Barros, que estava fazendo o cartaz do IV Centenário, a uma reunião com Matarazzo. Lorca pediu para realizar documentação fotográfica e Matarazzo concordou, mas não foi pago pelo trabalho, já que sua intenção era ajudar e projetar seu nome no âmbito da fotografia profissional197. A fotografia publicada na capa da Revista do IV Centenário retrata, à esquerda, o Palácio das Nações, hoje ocupado pelo Museu Afro-Brasileiro, à direita, uma senhora com um menino e, ao fundo, uma árvore. Essa fotografia foi tirada de maneira espontânea, enquadrando o menino (filho de Lorca, Fred) e uma senhora. No momento em que o corpo editorial da revista selecionou a imagem para a capa, contudo, a figura da senhora, que era da família do fotógrafo, foi alterada198. O processo deve ter sido constituído de uma espécie de ‘colagem’ e, nesse sentido, atesta para o caráter nem sempre factual da fotografia como sendo uma prova de que algo aconteceu, pois manipulações podem ocorrer em diversos estágios de produção da imagem. Essa primeira fotografia que abre a publicação, da senhora com o menino, simboliza um encontro de gerações no Parque, “traduzindo um caminho para o futuro.”199 A imagem obteve boa recepção na época, mas nunca (nem naquele momento, nem hoje) fez tanto sucesso quanto uma outra foto de Lorca, similar a essa, mas que enquadrou o Palácio de Exposições em vez do das Nações.

196

Foi encontrada somente documentação autorizando Oscar Campiglia, um estudioso de arte e arquitetura, a fotografar o Parque. Em carta de José Roberto W. Penteado, diretor de Relações Públicas, ao Dr. Waldemar Rodrigues Alves, diretor do S.E.I.C, em 19/03/1954, este era um “assunto de máxima urgência e da maior importância para esta Comissão, peço a V.S. que determine aos responsáveis pela zeladoria do parque não só que lhe sejam dadas todas as facilidades para que se possa desincumbir do serviço em questão, como também que se restabeleça a ligação elétrica no laboratório fotográfico instalado no Palácio das Nações.” Informações obtidas no Arquivo Histórico Municipal. Pastas do IV Centenário da Cidade de São Paulo, caixa 127, processo 3223. 197 Informações obtidas com Sr. German Lorca em entrevista concedida para esta pesquisa no dia 13/05/2015. 198 Informações obtidas com Sr. German Lorca em entrevista concedida para esta pesquisa por e-mail no dia 14/10/2015. 199 LORCA, German. Entrevista concedida para esta pesquisa por e-mail no dia 14/10/2015.

109

O prédio da OCA em 1954, German Lorca / Revista do IV Centenário de São Paulo, Editora Abril, 1954200

O intuito de Lorca ao fotografar o IV Centenário foi bem sucedido, pois suas fotos do Ibirapuera, e principalmente a reproduzida acima, ficaram amplamente conhecidas pelo público brasileiro interessado em fotografia. Essa imagem, além de ter sido divulgada na revista, também figurou em diversos livros e em mostras de arte e de fotografia. Segundo o próprio fotógrafo “essa foto foi muito usada porque mostra uma época, é significativa nesse sentido.”201 A imagem em questão, assim como todo o trabalho que Lorca fez sobre o Ibirapuera, não foi influenciada por visões de como deveriam ser as fotografias por parte de Niemeyer, por parte de outro arquiteto da equipe planejadora ou por parte de Ciccillo Matarazzo; Lorca fez as imagens de acordo com pontos de vista exclusivamente seus 202. A fotografia revela o terreno vazio, que antes era alagadiço e que continha favelas, agora pronto para receber a implantação de algo moderno. Os rastros dos caminhões e tratores que aparecem no chão são a marca do antigo em rumo ao novo, do trabalho que ainda estava sendo feito no Parque, como a colocação do gramado e das cercas. O rumo ao futuro, ao moderno, é simbolizado pela edificação do Palácio de Exposições. Essa simbologia também ocorre com a senhora guiando a criança: uma geração mais velha guiando outra mais jovem a uma promessa de futuro.

200

Disponível em: < http://www.abril.com.br/especial450/materias/ibirapuera/foto1.html>. Acesso em 19/05/2014. LORCA, German. Entrevista concedida no dia 13/05/2015. 202 Informações obtidas com Sr. German Lorca em entrevista concedida para esta pesquisa no dia 13/05/2015. 201

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O pós-guerra, assim como grande parte do período da Guerra Fria, fomentou uma noção de tempo mais acelerada e urgente do que até então se estava acostumado a sentir. A imagem de Lorca, que, como outras do Palácio de Exposições, remete a uma paisagem lunar (pois a própria arquitetura remete a isso), parece corroborar essa afirmativa. A imagem cria uma noção de tempo que não é mais a estritamente do ser humano. Nela, as pessoas não caminham mais somente em seus próprios passos em direção ao futuro; o futuro também parece chocar-se para cima delas. A possibilidade de viajar para além dos limites da natureza terrestre estava sendo concretizada nessa época com a invenção de foguetes, dentre eles o satélite russo Sputnik, lançado em 1957 e, assim, o primeiro a abrir caminho para o desbravamento de novos horizontes para além do planeta Terra. Ainda que a inauguração do Parque seja anterior ao lançamento do foguete, é possível supor que essa fosse uma atmosfera na qual os arquitetos e os fotógrafos da época estivessem imersos; esse repertório fazia parte de seus ‘horizontes de expectativa’, para voltar a usar termo cunhado por Koselleck. Outras ideias desse historiador, relacionadas à primeira, também dizem respeito à nova noção de tempo que surge na modernidade, ainda que, em seus escritos, Koselleck não estivesse se referindo ao tempo abordado nesta pesquisa 203. Isso é porque o tempo histórico passa a ter uma lógica específica, indo além do natural, contínuo e mensurável do cotidiano. Para Koselleck, a história tem um tempo próprio que depende das experiências específicas dos sujeitos e da maneira como eles articulam, em cada tempo presente, a dimensão do passado com a experiência adquirida e a dimensão de futuro, incluindo nela suas expectativas e previsões. A tese defendida por este mesmo historiador é que, com o advento da modernidade, surge um novo conceito de tempo, distinto daquele cronológico e natural que se havia experimentado até então. De certa maneira – ainda que isso possa parecer paradoxal no contexto desta pesquisa, que articula a seleção de memórias para explicar a previsão de um futuro “glorioso” para São Paulo e para o Brasil –, a produção de mudanças de forma mais acelerada na modernidade fez com que a experiência passada tivesse sua pertinência diminuída na capacidade explicativa das novas experiências, tornando o futuro mais imprevisível. As próprias pesquisas atômicas e a exploração do espaço sideral, que algumas obras arquitetônicas do Ibirapuera parecem sugerir, são demonstrativas disso. A imprevisibilidade do futuro foi percebida pelos sujeitos modernos como se o tempo se acelerasse: “o tempo que se acelera em si mesmo, isto é, nossa própria história, abrevia os campos da experiência, rouba-lhes sua

203

Em seu livro Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos, Koselleck trata da modernidade do final do século XVIII.

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continuidade, pondo continuamente em cena mais material desconhecido.”204 Para Koselleck, o conceito de “progresso” permitiu uma melhor compreensão dessa nova experiência de tempo, onde se manifesta certa determinação temporal e se vislumbra um caminho estruturado, que levaria a um futuro melhor. Esse novo tempo da modernidade acarretou em outras novas experiências que, por sua vez, mudaram a concepção que se tinha dos acontecimentos passados. “Em outras palavras, os acontecimentos perderam seu caráter histórico estável”205, fazendo com que a história tivesse que ser sempre reescrita, pois os pontos de vista de cada presente mudam de acordo com sua própria historicidade. Nesse âmbito, pode-se pensar que a Comissão Organizadora do IV Centenário, assim como os idealizadores e projetistas do Parque Ibirapuera e de seu complexo mais amplo, estivessem tentando reescrever a história de São Paulo de maneira a permitir uma narrativa futura, mais brilhante, também para o Brasil. Ainda que o modernismo brasileiro não tenha produzido um hiato entre passado e futuro, houve espaço para reinterpretações, mesmo que possamos ter uma postura crítica com relação à seleção e às ocultações que foram feitas na década de 1950. Essa atmosfera geral, contudo, habitava o imaginário das pessoas da época, fossem elas arquitetas, fotógrafas ou observadoras. As personagens da fotografia de Lorca não foram flagradas ao acaso. Trata-se de uma espécie de encenação (“espécie” pois a imagem mostra a realidade do local na época) em que Lorca adicionou modelos à paisagem para conferir maior força à arquitetura e à imagem fotográfica. Apesar da imagem possuir elementos de encenação, o fotógrafo as produziu espontaneamente, de acordo com suas ideias e concepções206. Ao pedir para que esses modelos – na realidade, seus familiares: sua avó e seu filho – andassem em direção ao pavilhão, Lorca pretendia mostrar a presença simultânea de três gerações distintas: a senhora simbolizando o passado, o Parque simbolizando o moderno, e a criança, o futuro. “É uma comparação filosófica ou psicológica. Fiz porque gostei da ideia da comparação do moderno com o antigo.”207 Lorca conclui: “Foi um trabalho marcante para mim, tanto no aspecto jornalístico como também serviu para poder exercitar a parte criativa da fotografia.”208

204

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006, p.36. 205 Ibidem, p.287. 206 Nesse sentido, pode-se pensar na fotografia como representação e como ‘ficção’, pelo menos no sentido em que ela não é uma mera ‘janela do mundo’. 207 LORCA, German. Entrevista concedida para esta pesquisa em 13/05/2015. 208 LORCA, German. Entrevista concedida para esta pesquisa por e-mail em 14/10/2015.

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Outros fotógrafos também se debruçaram sobre os novos edifícios do Ibirapuera para compor suas imagens. O Palácio de Exposições continuou sendo foco de interesse.

Caravela, 1954, Hans Günter Flieg / Acervo IMS

Hans Günter Flieg, alemão radicado no Brasil, realizou grande parte de sua fotografia de arquitetura associada a trabalhos comissionados para indústrias. A imagem da caravela acima, contudo, não foi resultante de uma encomenda. Ao visitar o Ibirapuera para fotografar estandes de indústrias expostas na Feira, o olhar do fotógrafo foi atraído também por outros elementos e a fotografia acima resultou desse interesse 209. Ela foi tirada durante a Exposição Histórica de S. Paulo dentro do quadro da História do Brasil, que ocorreu no Palácio de Exposições, inaugurando, em conjunto com a Bienal, a tradição das grandes exposições no Parque Ibirapuera. O português Jaime Cortesão foi o principal idealizador da mostra, que contou com várias seções temáticas, compreendendo aspectos da história do Brasil desde o

209

Informações obtidas em entrevista telefônica com Sr. Hans Günter Flieg em 21/10/15.

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descobrimento, passando pela fundação de São Paulo, pela formação do bandeirismo e a expansão das fronteiras do país, pela Independência e, depois, pelo Império até chegar na República.

A imagem de Flieg claramente pertence à primeira seção, dedicada ao

descobrimento. Na exposição da qual a foto é representativa, percebe-se nítida simbologia na eleição de aspectos selecionados da história do Brasil e de São Paulo. Nessa narrativa, os fatos possuem continuidade cronológica e o presente exaltado é explicado por meio de referências específicas ao passado. Ainda que Flieg possa não ter pensado nesses aspectos ao tirar sua foto, ela não deixa de ser condizente com esse espírito – até mesmo por que foi tirada dentro do âmbito da exposição pensada com esse fim –, já que revela, no primeiro plano, um modelo de caravela, como as utilizadas pelos portugueses para as suas navegações e, ao fundo, a arquitetura moderna com linhas sinuosas do Palácio de Exposições. A Exposição Histórica, assim como a Feira Internacional, ajudou a marcar o início das comemorações do IV Centenário e a inauguração do Parque Ibirapuera. Recentemente, em 2015, descobriu-se que a Exposição Histórica de S. Paulo foi composta por quatro painéis em madeira, assinados pelos modernistas brasileiros Tarsila do Amaral (1886-1973), Di Cavalcanti (1897-1976), Clóvis Graciano (1907-1988) e pelo português Manuel Lapa (1914-1979). As obras mostravam as naus saindo de Portugal em direção ao Brasil, uma fazenda de café, as minas de ouro e uma procissão católica no campo e evidenciam uma escolha de representação do Brasil típica do ideário modernista, valorizando determinados aspectos da história do país e utilizando formas simplificadas e cores locais, sejam elas fortes e expressivas, ou claras e mais singelas, remetendo ao universo caipira.

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Painel de Di Cavalcanti

Painel de Tarsila do Amaral

A partir de sua inauguração, o Parque Ibirapuera começou a aparecer com mais frequência em jornais, revistas, livros e catálogos de exposições de arte, fotografia e arquitetura brasileiras, principalmente, conforme esperado, no âmbito nacional, mas também, em menor escala, no âmbito internacional. Segundo Ana Luiza Nobre, é possível pensar que a qualidade estética das imagens fotográficas das obras modernas brasileiras tenha ajudado na divulgação e na boa recepção da arquitetura moderna brasileira, inclusive, no exterior210.

210

INSTITUTO MOREIRA SALLES. O Brasil de Marcel Gautherot: fotografias. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2001, p. 22.

115

3.2 O Parque Ibirapuera na mídia estrangeira

A revista especializada francesa L’Architecture D’aujourd’hui fez menção à inauguração da exposição do IV Centenário de São Paulo e da Bienal de Artes em 1954. Publicou também uma planta estilizada do Ibirapuera, ainda que não tenha publicado imagens fotográficas da arquitetura presente no Parque.

Planta do Ibirapuera para divulgação da Exposição do IV Centenário de São Paulo. L’Architecture D’aujourd’hui, no. 52, 1954, p. VII

A revista inglesa The Architectural Review foi além e publicou reportagem sobre como a arquitetura moderna brasileira estava sendo compreendida no exterior. Um dos autores que escreveu sobre o assunto, Peter Craymer, arquiteto britânico que chegou a trabalhar no Brasil, começou seu artigo de maneira significativa, relacionando o poder das fotografias e da mídia impressa em divulgar essas imagens e sobre o novo polo de atração que estava sendo constituído pelo “imã” que era a cidade de São Paulo com sua Bienal:

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Para o arquiteto europeu poucas criaturas podem parecer tão fabulosas como a sua contraparte brasileira que aparece nas histórias que voltam do Rio (...) nem poderia qualquer torre de vidro da imaginação medieval parecer tão improvável quanto os arranha-céus que são relatados ter voltado a posição vertical por macacos hidráulicos descansando em areias movediças refrigeradas. O nosso problema é a falta de testemunha ocular com qualidade de autoridade, pois o Brasil é uma província “boom” do Movimento Moderno, e uma que os mestres do Movimento quase não visitaram desde que Le Corbusier emprestou sua autoridade e apoio aos esforços pioneiros de Costa e Warchavchik nos anos trinta; e, desde os relatórios definitivos sobre Goodwin e Kidder-Smith no Brazil Builds, tivemos que contar com fotografias e histórias de jornais inflacionados que não parecem ter qualquer relação um com o outro, nem com a situação na qual Philip Goodwin o deixou. Agora, porém, o imã de São Paulo, a bonança da cidade de arquitetura contemporânea, e sua Bienal têm atraído os mestres da Europa e América do Norte211.

Já Max Bill, que também assina um dos artigos da revista, criticou um “espírito academicista modernizante”, que julgava imperar na arquitetura brasileira. Assinalou quatro elementos que lhe chamaram a atenção: a forma livre, que lhe parecia estar sendo usada de maneira meramente decorativa e não funcional; as paredes de vidro, que, com o sol e luz fortes, se tornavam intoleráveis para o ser humano sem o auxílio de ar condicionado e serviços técnicos cuidadosos; a necessidade, portanto, dos brise-soleils, que eram usados, segundo Bill, como fórmula pronta, sem que houvesse busca por novas alternativas; e os pilotis, que não eram mais usados da maneira tradicional, mas que começavam a assumir “formas barrocas”, portanto, também decorativos. Bill indagava sobre a nova forma estrutural que surgia no país: “Será mesmo uma forma caracterizada pela liberdade de planejamento, por pilotis, brise-soleils e paredes de vidro? Será que tudo tem que ser tão fotogênico e espetacular212 assim? Não acredito nisso.”213 Para Bill, o mais importante na arquitetura não deveria ser a monumentalidade e, sim, a capacidade da obra de exercer determinada função útil à sociedade. Para ele, o arquiteto moderno não poderia ter “nenhum pensamento de como ele pode causar uma sensação entre seus colegas ou no público, ou de quão interessante uma publicação214 sobre sua criação será. Não: seu motivo orientador será, com toda a modéstia, o serviço à humanidade.”215 Pode-se concordar ou discordar da opinião de Bill, mas é relevante observar os termos e conceitos utilizados por ele: fotogênico, espetacular, pensar a obra por meio de uma possível publicação posterior. A relação entre a arquitetura moderna brasileira, da qual o Parque Ibirapuera é exemplo marcante, e imagens é significativa.

211

CRAYMER, Peter. The Architectural Review, vol. 116, no. 691, july 1954, p.235. Grifo nosso. 213 BILL, Max. The Architectural Review, vol. 116, no. 691, july 1954, p.239. 214 Grifo nosso. 215 BILL, Max. The Architectural Review, vol. 116, no. 691, july 1954, p.239. 212

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A reportagem na The Architectural Review prossegue com notas sobre o IV Centenário de São Paulo e traz a fotografia de uma maquete do conjunto do Parque Ibirapuera.

The Architectural Review, vol. 116, no. 691, July 1954, p.241, autoria não creditada

O texto que acompanha a fotografia comenta as mudanças que ocorreram no Parque entre as fases de projeto e de execução no que diz respeito especialmente aos Palácios das Indústrias, das Nações e dos Estados.

“Palácio da Agricultura com um ‘close-up’ do Palácio dos Estados dentre os pilotis”, autoria não creditada / The Architectural Review, vol. 116, no. 691, July 1954, p.242

118

A reportagem também comenta o projeto do Ginásio de Esportes, de Ícaro de Castro e Mello, dizendo que o complexo iria providenciar facilidades que faltavam na cidade há algum tempo.

“Maquete, corte do ginásio e perspectiva do grupo completo”, autoria não creditada / The Architectural Review, vol. 116, no. 691, July 1954, p.241

119

“Ginásio de Esportes em construção”, autoria não creditada, / The Architectural Review, vol. 116, no. 691, July 1954, p.241

Apesar da reportagem não fazer nenhum comentário negativo sobre as estruturas do Ibirapuera em si e de louvar o ginásio como um complexo necessário na cidade de São Paulo, pode-se relacionar a fotografia do ginásio em obras com uma atmosfera menos celebrativa. A arquitetura mais asséptica e fria contrasta com o calor da fumaça preta que aparece saindo da chaminé ao fundo. A imagem da construção remete também a um espaço em ruinas que, aliado ao pano de fundo, composto pela fumaça e por uma cidade industrial sem vida, parece já, ainda em sua construção, estar ultrapassado e renegado. Essa transitoriedade que transforma o presente quase que instantaneamente em passado é típica da modernidade, conforme apontaram autores como Louis Aragon e Walter Benjamin 216. A importância das revistas especializadas enquanto veículo de divulgação da arquitetura moderna brasileira no exterior é conhecida, principalmente no início da década de 1950. Essas revistas ajudaram a promover a arquitetura brasileira e, assim, contribuíram para a consolidação do discurso hegemônico sobre a arquitetura moderna local, que privilegiou, de modo geral, a arquitetura carioca como simbólica do país como um todo. A arquitetura paulista, e principalmente uma como a do Parque Ibirapuera, atrelada às comemorações do IV Centenário, foi foco de alguma atenção, mas não da mesma maneira como isso aconteceu na mídia nacional.

216

Ver ARAGON, Louis. Le Paysan de Paris (1926). Paris: Gallimard, Coll. Folio, 2003 e BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.

120

3.3 O Parque Ibirapuera na mídia nacional

No âmbito nacional, o IV Centenário e o Parque Ibirapuera foram praticamente sempre louvados, no momento de sua inauguração, como um grande acontecimento e uma grande obra arquitetônica, como um monumento para exaltar a modernidade de São Paulo e, até mesmo, do Brasil.

“Exposição do IV Centenário”, autoria das imagens não creditada / O Estado de São Paulo, 25 de agosto de 1954, p. 10217

217

Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014.

121

“A Exposição do IV Centenário da cidade de São Paulo”, autoria das imagens não creditada / O Estado de São Paulo, 12 de agosto de 1954, p.9218

As campanhas publicitárias aqui reproduzidas, originalmente publicadas no mês da inauguração do Parque, evidenciam o objetivo de transformar São Paulo, e mais especificamente o Ibirapuera, em uma síntese do que havia de melhor no país, já que “o Brasil inteiro vai desfilar.” O palco para expor todas as benesses da cidade e da nação era o Parque, idealizado para cumprir justamente essa função. A indústria paulista, que estava sendo exposta na Feira, era compreendida como herdeira dos passos do bandeirante e como algo que, a seu exemplo, iria levar seus produtos a todo país, construindo, a partir de São Paulo, o futuro do Brasil. “Vinde ver a sua indústria, o seu comércio, a sua agricultura, a sua arte, os seus costumes, a sua história, o seu progresso.” O Ibirapuera era apresentado ao público como “harmonioso conjunto”, “ambiente moderníssimo e acolhedor”, como o “maior conjunto arquitetônico, no gênero, em todo o mundo!” 219 As imagens fotográficas contidas nas peças publicitárias revelam, elas também, esse intuito. As formas geométricas, sinuosas ou compostas por ângulos

218

Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014. 219 O Estado de São Paulo, 12 de agosto de 1954, p. 9. Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014.

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retos, apontam para “o que de mais moderno havia no país”220. Em diversos anúncios acerca da data comemorativa da cidade de São Paulo publicados nos jornais, um viés ufanista é evidenciado. Esses discursos fizeram uso da trajetória, supostamente heroica, do paulista e a reapresentaram como sendo portadora do progresso e da modernidade. Enquanto palco das comemorações do IV Centenário, o Parque Ibirapuera produziu símbolos que foram largamente utilizados nos meios de comunicação; neles, a arquitetura moderna brasileira foi incorporada como emblema dos novos tempos.

Inaugura-se hoje, em São Paulo, a exposição do IV Centenário, autoria das imagens não creditada / Folha da Manhã, 21 de agosto de 1954, p. 7

Inaugura-se hoje, em São Paulo, a exposição do IV Centenário, autoria das imagens não creditada / O Estado de S. Paulo, 21 de agosto de 1954, p.9

Chama a atenção que, na data de inauguração do Parque, dia 21 de agosto de 1954, os jornais Folha da Manhã e O Estado de S. Paulo publicaram páginas idênticas a respeito da inauguração do Ibirapuera. Esta era, e de certa maneira ainda é, uma prática comum no âmbito jornalístico. O fato demonstra como ideias comuns (ou, nesse caso, iguais) eram veiculadas para o grande público a respeito da obra.

220

LORCA, German. Entrevista concedida para esta pesquisa no dia 13/05/2015.

123

A reportagem dedicada ao Parque possui caráter celebrativo: “São Paulo está de parabéns! São Paulo está em festas!” 221 Destaque é conferido à exposição nacional e internacional e, principalmente, a de São Paulo, que ocupava o Palácio das Indústrias. “São Paulo – dinamismo, São Paulo – trabalho, o monumental São Paulo – progresso (...). Mais de seiscentas indústrias paulistas estão ali representadas, numa soberba demonstração de trabalho e de capacidade industrial.” 222 Para o articulista, este era “o mais moderno logradouro público do mundo”, expressão recorrente na mídia da época, e era “como milagre” que o pântano anterior havia se transformado “na maravilha que aí está.”223 A sensação de grandiosidade continua no momento em que se afirma que se os sacos de cimento utilizados na obra fossem empilhados, alcançariam uma altura equivalente a seis vezes a do Monte Everest; que o ferro empregado no concreto correspondia ao peso de aproximadamente sessenta locomotivas; que a área pavimentada do Parque equivalia a dez quilômetros de rua com dez metros de largura. “O Parque Ibirapuera é, realmente, um monumento à grandeza paulista e brasileira, (...) uma realização destinada a ficar para sempre – como esplêndida demonstração do gênio e do trabalho brasileiros.”224

“Fotografia de vista interna do Palácio das Indústrias”, autoria não creditada / Folha da Manhã e no Estado de S. Paulo, 21 de agosto de 1954

221

Prédio da Bienal, 1956, autoria não creditada / Folhapress

Folha da Manhã & O Estado de S. Paulo, 21 de agosto de 1954. Disponível em: e . Acesso em 23/05/2014. 222 Folha da Manhã & O Estado de S. Paulo, 21 de agosto de 1954. Disponível em: e . Acesso em 23/05/2014. 223 Folha da Manhã & O Estado de S. Paulo, 21 de agosto de 1954. 224 Ibidem.

124

A fotografia do Palácio das Indústrias, publicada tanto na Folha da Manhã quanto no Estado de S. Paulo, revela as curvas presentes no interior do edifício. Ainda que a qualidade da impressão no jornal esteja muito precária, é possível notar o partido nitidamente estetizante procurado pelo fotógrafo, não creditado. A fotografia é muito semelhante a uma outra imagem pertencente ao acervo da Folha de S. Paulo, de 1956 e, portanto, tirada já após a inauguração, que nos permite observar as características formais da imagem, como o jogo de claro e escuro e a sinuosidade da arquitetura, que contrasta com as linhas retas dos pilares e das caixas de luz no teto, que formam linhas em perspectiva. Na segunda imagem, mais nítida, percebe-se um grupo de pessoas ao fundo que, além de evidenciar o espaço sendo utilizado pelo público, confere também, devido ao seu pequeno tamanho, sensação de amplitude e monumentalidade à obra edificada.

“ Palácio das Indústrias visto do Palácio das Exposições”, autoria não creditada / Folha da Manhã, 21 de agosto de 1954

Também se publicou, nos mesmos jornais, uma fotografia que focaliza uma janela que evidencia a arquitetura no exterior, similar em espírito a outra, de Zanella-Moscardi, publicada na revista Acrópole, ainda antes da inauguração do Parque225. A imagem acima, assim como a outra referida, remete a um aparato de olhar, como o próprio visor da máquina fotográfica, com a vista nitidamente recortada pelo orifício visualizador. Com suas linhas de grade, que na

225

Ver o Capítulo 2 desta dissertação.

125

câmera ajudam o fotógrafo a enquadrar e focalizar a imagem, a fotografia do Palácio das Indústrias, visto pela janela, sugere, ainda que indiretamente, o poder imagético da arquitetura erguida no Parque Ibirapuera.

“Voo de demonstração da aeronave Convair-340”, 1954, autoria não creditada / Folhapress

Vista aérea do Ibirapuera, Oswaldo Luiz Palermo / O Estado de S. Paulo, 24 de dezembro de 1954, p. 28226

As imagens reproduzidas aqui são vistas aéreas do Parque pertencentes a arquivos de jornais de 1954. A primeira, da Folhapress, evidencia, no primeiro plano, um avião, de onde o fotógrafo fez sua imagem. Ao fundo, aparecem partes da cidade e do conjunto do Ibirapuera. Na segunda imagem, publicada em O Estado de S. Paulo, quase a mesma porção do Parque é

226

Disponível em . Acesso em: 21/05/2014.

126

revelada, ainda que de outro ângulo. Fotografias como essas possuem clara intenção de providenciar informação ao público na medida em que revelam noção do conjunto da obra, evidenciando os diferentes espaços existentes dentro do âmbito maior do Ibirapuera. As fotografias também permitem a visualização da calibragem entre vias de circulação (as ruas e avenidas) e o espaço de permanência (o Parque). Essas imagens são de interesse para o receptor, pois oferecem uma visão que não seria possível a olho nu, a partir da perspectiva usual do pedestre que percorre os caminhos e os edifícios do Ibirapuera. Esse tipo de perspectiva, aérea, não é incomum aos arquitetos, que também fazem uso de “vistas de topo” para projetar suas obras por meio de desenhos técnicos, as plantas arquitetônicas. Já fotografias vistas de cima oferecem visão mais abrangente e facilmente inteligível ao observador leigo. Diferentemente dos desenhos técnicos, fotografias aéreas são ainda capazes de capturar: sombras e padrões inesperados; relações mais claras com o entorno (local de implantação da obra); vestígios de pessoas e/ou veículos, que ajudam a conferir escala às obras e “realismo” às imagens. A imagem vista de cima propicia, no receptor, um distanciamento dos acontecimentos e dos tumultos do cotidiano. Simultaneamente, propicia, também, sensação de onipresença e, portanto, de poderio, capaz de ser assimilada pela consciência coletiva. A mesma vista de topo ocorre em outras propagandas da inauguração do Parque, como a que segue, patrocinada pela empresa Cassio Muniz S.A. Segundo o convite, a inauguração será um “grande acontecimento” a ser festejado.

127

“Venha festejar conosco este grande acontecimento”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 20 de agosto de 1954, p. 9227

A segunda imagem do convite para a inauguração do Parque é uma fotografia de maquete, que também oferece uma espécie de perspectiva aérea do Ibirapuera, proporcionando visão de parte de seu conjunto. A primeira imagem da propaganda não é uma fotografia; é um desenho. Essa imagem remete, contudo, a outra, dessa vez fotográfica, frequentemente divulgada em revistas e livros, de autoria de Alice Brill, fotógrafa alemã naturalizada brasileira que viveu e trabalhou em São Paulo e que enquadrou a metrópole em transformação nos meados do século.

227

Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014.

128

Marquise do Ibirapuera, 1954, Alice Brill / Acervo IMS

Imagens como essa do Ibirapuera fazem parte de um conjunto maior, resultante de convite de Pietro Maria Bardi a Alice Brill para a produção de documentação de São Paulo, entre 1952 e 1954, para compilação de um livro sobre a cidade em comemoração de seu IV Centenário 228 . Nessas imagens, a fotógrafa revelou as linhas de diversos trechos da cidade e, dentro desse escopo, do recém-inaugurado Ibirapuera, em contraluzes, ângulos e enquadramentos inusitados. O livro comemorativo com estas fotografias, contudo, não se concretizou. A série de fotografias produzida com esse fim permanece inédita em sua totalidade, sendo que algumas fotografias foram expostas ou publicadas em livros229, bem como na Habitat, revista de arquitetura e artes no Brasil, fundada

228

Hipótese confirmada pela Sra. Silvia Czapski, jornalista e filha de Alice Brill, em e-mail recebido no dia 07/08/2015. Livros que tiveram imagens desta série publicadas: Francisco Rocha. Adoniran Barbosa, o poeta da cidade. São Paulo, Ateliê Editorial, 2002; Antonio A. Arantes. Paisagens Paulistanas, transformações no espaço público. São Paulo/Campinas, Imprensa Oficial/Unicamp, 2000; Erika Billeter. Canto a La realidad. Madrid, Lunwerg, 1993; Isto é São Paulo. São Paulo, Melhoramentos, 1954; Pietro M. Bardi. The Arts in Brazil. 229

129

por Lina Bo e Pietro Maria Bardi e que, na década de 1950, circulava nas principais cidades do país e no exterior. A fotografia de Alice Brill aqui reproduzida recorta a vista, beneficiando-se da sinuosidade das curvas da obra de Niemeyer, remetendo à arquitetura barroca ou até mesmo a uma espiral, como a que simbolizou o IV Centenário da cidade de São Paulo. O jogo de luz e sombra, que cria contrastes na imagem, ajuda a conduzir a esse tipo de analogia e valoriza o aspecto moderno e tipicamente brasileiro da arquitetura, ainda que características da arquitetura moderna internacional também sejam evidenciadas, como a utilização de pilotis e de estruturas que fazem uso de ângulos retos. Ainda é possível pensar em outra interpretação, distinta, pois também há, na imagem de Brill, uma simplicidade e quase uma melancolia de um grande espaço vazio. Esse traço, de não valorizar apenas o avanço monumental de São Paulo, mas também revelar o seu lado “não saudável”, como escreveu Levi-Strauss em Tristes Trópicos, conforme apontado por Giovanna Bragaglia 230 , é característico da artista, que revela essas impressões distintas sobre a realidade que observa.

“Palácio das Indústrias” / Habitat no.18, Setembro – Outubro de 1954, p.77231

Milão,1956; Pietro M. Bardi. Em torno da fotografia no Brasil. São Paulo, Banco Sudameris, 1987; Pietro M. Bardi. Profile of new Brazilian Art. São Paulo, Kosmos, 1970; Alice Brill. Da Arte e da Linguagem. São Paulo, Perspectiva, 1988. Ver MOREIRA, Marina Rago. Alice Brill, retratos de uma metrópole. Primeiros Escritos, no.18, junho 2012. 230 Texto curatorial de Giovanna Bragaglia para a exposição Alice Brill: impressões ao rés do chão. IMS – São Paulo, 2015. 231 A autoria da imagem não é especificada. Apenas são listados, no índice da revista, os fotógrafos que contribuíram com a edição. São eles: A.C. Cooper, A.F.I., Alice Brill, Anatole Saderman, Ars Film, Bertrand Weill, Bosio Press, Bulloz, Carlos, Ciolfi, Contreras, Div. de Doc. Da Reitoria da Univ. Se São Paulo, Ernesto Mandowsky, Etienne Bertrand Weill, Folha da Manhã, Galerie Denise René, German Lorca, Guglielmo, Intercontinentale, Jean Fichter, J. P. Sudre, Knoedler, Marc Vaux, M. Holzman, M. Novais, Noveau Fémina, Pierre Leclerc, R. Maia & Francheschi, Raymond Wilson, Robert G. Smith, Sascha Harnisch, S. Ohana, Valintos, Viguier Yves Hervochon.

130

A fotografia do Palácio das Indústrias foi publicada em 1954, na revista Habitat. A reportagem descreve uma “arrojada concepção urbanística do plano de obras do Parque Ibirapuera” e comenta suas linhas “modernas, elegantes e harmoniosas.”232 Esse edifício não faz uso, em sua fachada, das sinuosidades, descritas como sendo tipicamente brasileiras; pelo contrário, as formas geométricas de ângulo reto dominam a paisagem construída. A transparência dos vidros utilizados, contudo, permite o estabelecimento de relação com a paisagem que se encontra do lado de fora do prédio. Igualmente, a geometria rígida do edifício é articulada pela sinuosa marquise, como pode se ver na imagem abaixo, publicada na revista Módulo. Cabe notar que Philip Goodwin, em Brazil Builds 233 , elege o caráter aberto da arquitetura moderna brasileira, sua relação com a paisagem exterior, como uma das qualidades mais interessantes das construções nacionais, pois incentiva relação estreita entre interior e exterior234.

“Palácio das Indústrias, visto debaixo da marquise” / Módulo no.1, março de 1955, p. 28235

Revista Habitat no.18, setembro – outubro de 1954, p.77. GOODWIN, Philip. Brazil Builds. Architecture new and old 1652-1942. New York, MoMA, 1943. 234 Também cabe ressaltar que essa relação entre interior e exterior remete, conforme aponta Nelci Tinem, à afirmação de uma vertente Americana de uma arquitetura que se aproxima à de Frank Lloyd Wright e outros expoentes da arquitetura moderna americana e às imagens e aos valores que esta transmitia por meio de publicações. Para Tinem, Goodwin oferece, ainda que inconscientemente, o caminho que vincula essas duas arquiteturas americanas. Esse ponto, contudo, passou praticamente despercebido nos escritos posteriores sobre o Brasil, que insistem numa ausência de influência norte-americana. A própria ideia de uma arquitetura aberta, que vincula aspectos da arquitetura brasileira à norte-americana, anunciada em Brazil Builds, foi obscurecida por outra afirmação do próprio autor, que diz que não há influência norte-americana na arquitetura brasileira. Ver TINEM, Nelci. Arquitetura Moderna Brasileira: a imagem como texto. Disponível em: . Acesso em: 16/06/2014. 235 A autoria (não especificada) é de um dos fotógrafos listados no índice da revista: Jean Manzon, José e Humberto Franceschi, Kasmer, Marcel Gautherot ou Rafael Landau. 232 233

131

A própria ligação entre os diversos edifícios do Parque, obtida por meio da marquise, estabelece essa ponte entre o interior e o exterior. Na fotografia do Palácio das Indústrias publicada na revista Módulo essa condição é evidenciada. A imagem redonda e opaca causada pela deformação de perspectiva do ponto de vista do fotógrafo, sob a marquise, contrasta com a geometria de ângulos retos e com a transparência do Palácio das Indústrias ao fundo. Cabe notar que essa fotografia foi tirada à noite, fato pouco comum nas imagens do Ibirapuera, talvez devido ao seu caráter de espaço público, que é utilizado predominantemente à luz do dia. Pode-se cogitar também a possibilidade do predomínio de imagens diurnas se dever ao fato de que o dia é frequentemente associado ao tempo do trabalho, característica exaltada pelas autoridades da Comissão do IV Centenário. Na época, a noite tendia (como ainda tende hoje) a ser associada com a malandragem, com o oculto, com a boemia. Em São Paulo, estava sendo forjado um imaginário de cidade do trabalho e da produção e, portanto, a luz do dia era muito mais propícia para o registro das obras de um de seus grandes marcos arquitetônicos. As fotografias noturnas existentes do complexo podem ser compreendidas como um desvio à regra geral e talvez tenham sido tiradas nesse período para melhor registrar o jogo de transparências causado pelas fachadas envidraçadas, ou mesmo para exaltar a imponência e a monumentalidade das formas claras dos edifícios, iluminadas perante a escuridão do céu, dos campos ou dos lagos.

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Inauguração do Parque Ibirapuera, s/ data, Alice Brill / Acervo IMS

Palácio dos Estados à noite, s/d, autoria desconhecida / Centro de Documentação “Francisco Matarazzo Sobrinho” do Arquivo Histórico Wanda Swevo da Fundação Bienal de São Paulo.

133

A revista Acrópole de fevereiro de 1954 também publicou duas imagens noturnas do Ibirapuera e a de outubro de 1954 dedicou artigo ao Palácio das Indústrias, não deixando de, antes, comentar sobre a grandiosidade de São Paulo em texto que se sobrepõe a uma marca d’ água de maquete da espiral do progresso.

“Palácio das Indústrias. Comissão do IV Centenário de São Paulo” / Acrópole, São Paulo, n. 193, out. 1954, p. 53-57236

O texto da revista diz:

Perto de três milhões de pessoas fazem de nossa terra um dos centros de mais rápido progresso de todo o mundo. Não é exagero. São Paulo apresenta um espetáculo grandioso pelas formas gigantescas de seu comércio. Há entretanto outros pontos que tornam a metrópole bandeirante deveras impressionante. Um deles, temos à noite, desde ao acender das luzes, quando a urbe magnífica se desfaz em cordéis de infinita luminosidade. São cordéis que tremeluzem com a mesma força, tanto no coração da cidade como no Ibirapuera. Agora, todos os olhares de nossa metrópole estão voltados para a obra gigantesca empreendida nesse local. E o espetáculo é de infinita grandiosidade!237

236 237

O índice da revista credita as imagens do Palácio das Indústrias a E. Mandowski, L. Liberman, Zanella-Moscardi. Revista Acrópole no. 193 outubro de 1954, p.53.

134

“Vista para a rampa externa & vista da rampa externa para a fachada posterior” / Acrópole no. 193, Outubro de 1954, p.55238

Ao comentar o Palácio das Indústrias, a Acrópole tece elogios ao edifício destinado à exposição das indústrias nacionais e o descreve como sendo “excelente em suas linhas arquitetônicas” e como uma das melhores expressões “da magnífica e moderna arquitetura brasileira.” Os ângulos das fotografias tiradas sob a marquise criam interessantes perspectivas que cativam o olhar ao criar novos padrões geométricos e, assim, enfatizam a paisagem construída do Ibirapuera. Os ângulos também simulam a visão que se tem ao estar dentro do Parque e embaixo da marquise, sugerindo para o observador como é estar no interior desse espaço. A edição da revista Habitat de Novembro – Dezembro de 1954, novamente comentou o Palácio das Indústrias e “a beleza de suas linhas totalmente funcionais” que impressionam e conferem “novo crédito à arquitetura brasileira.”239 Nesse momento, apesar de constarem, na mesma reportagem, imagens do interior do edifício hoje comumente conhecido como o Pavilhão da Bienal, com suas curvas acentuadas, é possível notar uma admiração pela arquitetura construída no Ibirapuera, tida como arrojada e, assim, como um bom exemplo, brasileiro, do estilo moderno internacional.

238

As fotografias (não especificadas) desse artigo são de autoria de E. Mandowski, L. Liberman, ou de ZanellaMoscardi. 239 Revista Habitat no.19 novembro – dezembro de 1954, p.87.

135

Outros aspectos, também modernos, sendo constituídos a partir de esforços brasileiros, como a primeira escada rolante fabricada no Brasil, são reforçados, exaltando a capacidade crescente da indústria brasileira. Na mesma reportagem, aparecem inúmeras fotos de estandes de várias empresas (Elevadores Atlas, Philips, Atlante S.A., Tapetes Bandeirantes S.A., Pirelli S.A., entre outras).

"Estande Pirelli S.A." / Habitat nº.18, Set–Out de 1954240

240

"Escada rolante” / Habitat nº.19, Nov–Dez de 1954, p.87241

Autoria para a imagem não especificada. Apenas são listados, no índice da revista, os fotógrafos que contribuíram com a edição, sem especificação de autoria para cada imagem individual. Eles são: A.C. Cooper, A.F.I., Alice Brill, Anatole Saderman, Ars Film, Bertrand Weill, Bosio Press, Bulloz, Carlos, Ciolfi, Contreras, Div. De Doc. Da Reitoria da Univ. Se São Paulo, Ernesto Mandowsky, Etienne Bertrand Weill, Folha da Manhã, Galerie Denise René, German Lorca, Guglielmo, Intercontinentale, Jean Fichter, J. P. Sudre, Knoedler, Marc Vaux, M. Holzman, M. Novais, Noveau Fémina, Pierre Leclerc, R. Maia & Francheschi, Raymond Wilson, Robert G. Smith, Sascha Harnisch, S. Ohana, Valintos, Viguier Yves Hervochon. 241 Autoria para a imagem não especificada. Apenas são listados, no índice da revista, os fotógrafos que contribuíram com a edição, sem especificação de autoria para cada imagem individual. Eles são: Alice Brill, A.C. Cooper, Bérard, Bernand, Comissão do IV Centenário, Ernesto Mandowsky, F. Albuquerque, Folha da Manhã, Francsico Adorian, Feruzzi, German Lorca, Galeria Charpentier, Hélène Adant, Marc Vaux, M. Wagner, Marcus Margulies, Sascha Harnisch, Zanella e Moscardi.

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Fotografias do estande da indústria Peixe/Duchen, localizada no interior do galpão construído no Parque do Ibirapuera exclusivamente para a Feira Internacional do IV Centenário, 1954, Hans Günter Flieg/ Acervo IMS

Hans Günter Flieg, conforme já comentado, realizou grande parte de sua fotografia de arquitetura associada a trabalhos comissionados para indústrias, mas essas imagens vão além do mero registro e possuem muitas características autorais, e enfoque nitidamente moderno. Suas

137

fotografias são conhecidas por possuírem grande qualidade técnica, pois são bem compostas, expostas e reveladas. No caso da imagem do estande da Peixe-Duchen no Ibirapuera, Flieg emoldura a imagem por meio da perspectiva criada pelo grande círculo branco e atrai o foco do observador por meio do círculo menor, que parece ser uma abertura no painel, a qual se encontra no centro da imagem, próximo ao “peixe” sendo divulgado. Dentro do círculo maior, também se pode observar uma maquete da fábrica Duchen, de autoria de José Zanine Caldas242. Segundo Lorenzo Mammi, a respeito da obra geral de Flieg, “os ângulos de captura e as linhas de composição, mais que simplesmente registrar instalações físicas, de fato produziram um imaginário industrial cheio de reminiscências fotográficas e cinematográficas.”243 Também foram divulgadas imagens de estandes de vários países abrigados no Palácio das Nações: Portugal, Inglaterra, França, Bélgica, Suíça, Japão, Líbano, Venezuela, Uruguai, entre outros. Fotos mostrando as várias bandeiras dos países presentes na feira conferiram tom cosmopolita e oficial ao evento.

“Palácio das Nações” / Módulo no.1, março de 1955244

242

José Zanine Caldas foi promotor da integração do artesanato tradicional e do modernismo. FARKAS, Thomaz, FLIEG, Hans Gunter, GAUTHEROT, Marcel, MEDEIROS, José. Modernidades Fotográficas: 1940-1964. São Paulo: IMS, 2013, p. 17. 244 A autoria (não especificada) é de um dos fotógrafos listados no índice da revista: Jean Manzon, José e Humberto Franceschi, Kasmer, Marcel Gautherot ou Rafael Landau. 243

138

Palácio das Nações, 1954. Alice Brill/ acervo IMS

A revista Habitat também dedicou longo artigo a esse tema, publicando imagens dos estandes individuais de nações representadas.

“Pavilhão do Japão” / Habitat no.19, Nov-Dez de 1954, p. 98

245

“Pavilhão do Uruguai” / Habitat no.19, Nov-Dez de 1954, p.105245

Autoria para a imagem não especificada. Apenas são listados, no índice da revista, os fotógrafos que contribuíram com a edição, sem especificação de autoria para cada imagem individual. Eles são: Alice Brill, A.C. Cooper, Bérard, Bernand, Comissão do IV Centenário, Ernesto Mandowsky, F. Albuquerque, Folha da Manhã, Francisco Adorian, Feruzzi, German Lorca, Galeria Charpentier, Hélène Adant, Marc Vaux, M. Wagner, Marcus Margulies, Sascha Harnisch, Zanella e Moscardi.

139

Dentre esses países, parece significativo apontar para o tema “átomos para o bem da humanidade”, apresentado pelos Estados Unidos na Exposição Internacional do IV Centenário de São Paulo.

“Pavilhão dos Estados Unidos” / Habitat no.19, Nov-Dez de 1954, p. 103246

Essa mostra foi um componente da propaganda norte-americana no contexto da Guerra Fria em sua estratégia de contenção do comunismo. A proposta era incentivar o uso civil da tecnologia nuclear para áreas como agricultura, indústria e comércio e, assim, evitar pesquisas nucleares que pudessem ser aplicadas no âmbito militar, mas sem transferência de tecnologia. Ao estender o uso dessa tecnologia para esferas civis, como o comércio, pode-se estabelecer relação desse dado com o papel sendo desempenhado pela indústria em expansão no Brasil e, principalmente, em São Paulo. O Palácio da Agricultura também figurou entre páginas de revistas e seu característico piloti em forma de “V” chegou mesmo a ser capa do primeiro número da Módulo, em 1955.

246

Autoria para a imagem não especificada. Apenas são listados, no índice da revista, os fotógrafos que contribuíram com a edição, sem especificação de autoria para cada imagem individual. Eles são: Alice Brill, A.C. Cooper, Bérard, Bernand, Comissão do IV Centenário, Ernesto Mandowsky, F. Albuquerque, Folha da Manhã, Francisco Adorian, Feruzzi, German Lorca, Galeria Charpentier, Hélène Adant, Marc Vaux, M. Wagner, Marcus Margulies, Sascha Harnisch, Zanella e Moscardi.

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Capa da Módulo no.1, março de 1955: “arranjo” de Athos Bulcão com pilotis recortados de fotografia do Palácio da Agricultura do Parque Ibirapuera

A capa da Módulo nº. 1 traz os pilotis robustos de concreto bruto recortados de fotografia do Palácio da Agricultura, que fez parte de artigo sobre a “Arquitetura Brasileira”, descrita pelo articulista como sendo “moderna e nacional”. Um dos elementos a que se atribui tais características é o piloti reformulado247 e o fato dele constar na capa da edição demonstra o peso que lhe é atribuído. Os pilotis em “V” já tinham sido utilizados por Niemeyer antes do Ibirapuera como apoio de elementos acessórios às formas principais de alguns projetos, como marquises e beirais. Em 1951, mesmo ano do projeto do Palácio da Agricultura, o pilar em “V” foi utilizado no Edifício Califórnia, no centro de São Paulo e a forma plástica do piloti acabou por se tornar uma das marcas registradas de Niemeyer, e até mesmo da arquitetura moderna brasileira, e reapareceu em diferentes variações em outros projetos de edifícios, como a Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, de 1955, o edifício de apartamentos em Berlim, de 1954 e o Edifício Copan, na região central de São Paulo, em 1966.

247

Essa concepção difere da de Max Bill, publicada na revista The Architectural Review, vol. 116, no. 691, july 1954.

141

3.4 Visualidade moderna

O formato do “V” não se aplicou somente à arquitetura, porém. O recorte causado pelo formato, decorrente de pilotis ou não, também atraiu o olhar de muitos fotógrafos, tanto no âmbito nacional quanto no internacional.

“Palácio das Nações” / Habitat no.19, Novembro – Dezembro de 1954, p.95248

A fotografia acima tem, como objeto, o Palácio das Nações. O fotógrafo responsável pela imagem não foi creditado na edição da Habitat, mas evidencia-se a importância que conferiu à paisagem construída, destacando a transição fluida entre espaços interiores e exteriores. Nesse sentido, a experiência de andar sob a marquise, olhando entre os pilotis para o Parque, é relevante. O ângulo que surge por meio do vão criado pelos pilotis estilizados cria um enquadramento para a composição imagética, recurso não incomum na produção de outros fotógrafos modernos da época, principalmente dos que trabalhavam com arquitetura, conforme sugerem algumas imagens de Lucien Hervé, ou mesmo de Ezra Stoller, ambos fotógrafos de arquitetura que costumam ser citados como divulgadores do Modernismo.

248

Autoria não especificada. Apenas são listados, no índice da revista, os fotógrafos que contribuíram com a edição, sem especificação de autoria para cada imagem individual. Eles são: Alice Brill, A.C. Cooper, Bérard, Bernand, Comissão do IV Centenário, Ernesto Mandowsky, F. Albuquerque, Folha da Manhã, Francsico Adorian, Feruzzi, German Lorca, Galeria Charpentier, Hélène Adant, Marc Vaux, M. Wagner, Marcus Margulies, Sascha Harnisch, Zanella e Moscardi.

142

Unité d'habitation à Nantes-Rezé, 1952-1954

ISAI (Immeubles sans affectation individuelle), 1956, Le Havre, Lucien Hervé, respectivamente

View of large planter at the courtyard plaza, 19521953

View of large planter at the lobby of the Lever House, 1952-1953, Ezra Stoller

Segundo Heliana Angotti-Salgueiro, “as similitudes dos ângulos captados por diferentes fotógrafos é um dado da circulação internacional de imagens” 249 que já ocorria devido à “reprodutibilidade técnica” da fotografia em meios impressos. Na fotografia do Palácio das Nações – com recorte similar, mas espelhado –, evidencia-se filiação a um partido estético moderno. Esse tipo de filiação moderna e recorte do olhar é recorrente em muitas imagens da época do Parque Ibirapuera, tanto das provenientes das lentes de fotógrafos autores, direcionadas a um público mais especializado, quanto das divulgadas para o grande público em jornais de grande circulação.

ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana. Marcel Gautherot na revista Módulo – ensaios fotográficos, imagens do Brasil: da cultura material e imaterial à arquitetura. Anais do Museu Paulista, p.16. Disponível em: . Acesso em: 17/09/2015. 249

143

Inauguração do Parque Ibirapuera, 1954. Alice Brill / acervo IMS

O Estado de S. Paulo, 21 de agosto de 1954, p.7 , autoria não creditada

250

“Foto tomada da ‘marquise’ vendo-se ao fundo o Palácio de Exposições”, autoria não creditada / Folha da Manhã, 21 de agosto de 1954250

Disponível em: Acesso em 23/05/2014.

144

Edifício da Oca em construção, visto sob a marquise, 1954, Chico Albuquerque / Acervo IMS

Como é possível observar, a fotografia de arquitetura, muitas vezes, confere maior destaque a temas como linhas, ângulos, detalhes e formas do que ao edifício em sua totalidade. Não há somente intenção de reproduzir, da maneira mais neutra possível, a imagem da obra construída, pois ao evidenciar um recorte do seu olhar, o fotógrafo explora aquilo que chama mais sua atenção, aquilo que percebe como elemento marcante da arquitetura sendo retratada. Assim, muitas fotografias de arquitetura moderna parecem retratar mais o espírito dos lugares e uma visualidade moderna do que os edifícios em si. Percebe-se, nesses tipos de imagens, um caráter formal que remete a algumas experiências da arte abstrata. Depois da Primeira Guerra Mundial, o interesse pela abstração, que era predominante em meios como a pintura e a escultura, por exemplo, se estendeu também para a arquitetura e alguns profissionais desta área se propuseram a tentar, apesar das

145

dificuldades colocadas pelo aspecto concreto das obras, a criar abstrações arquitetônicas. Essa medida também suscitou indagações a respeito da aparente contradição que apresentava com algumas das ideias que nortearam a arquitetura moderna, como o racionalismo estrutural. Nesse sentido, a fotografia de arquitetura desempenhou importante papel, pois era capaz de comunicar a ideia de uma arquitetura abstrata ao público por meio de características próprias da imagem – composição, geometria, ausência de cor e de contexto –, nem sempre coincidentes com características da arquitetura em pauta. Assim, conforme aponta Claire Zimmerman, a fotografia também ajudou a adequar a arquitetura moderna a seu momento cultural251. Existem, portanto, diferenças entre a imagem que foi construída – pois a arquitetura também não deixa de ser, ela mesma, uma imagem – e a imagem fotográfica da construção. A arquitetura é uma forma de representação e, simultaneamente, um tema para outras representações. O resultado do complexo do Ibirapuera e sua representação fotográfica suscitou reflexões sobre o espaço moderno e nacional, e discussões de identidade da arquitetura e da nação brasileiras. Devido ao seu caráter moderno e emblemático, o Ibirapuera continuou sendo reproduzido por fotografias que foram publicadas na mídia impressa após sua inauguração e após as comemorações dos quatrocentos anos da cidade de São Paulo. O imaginário criado a seu respeito, nesses primeiros momentos, foi, em parte, reforçado e até mesmo questionado.

251

Ver ZIMMERMAN, Claire. Photographic Architecture in the Twentieth Century. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2014.

146

CAPÍTULO 4 – OS PRIMEIROS ANOS DO PARQUE IBIRAPUERA

O fim dos festejos do IV Centenário não fez com que o Parque Ibirapuera deixasse de figurar na mídia. Enquanto maior parque da cidade, ele continuou marcando presença nos meios de comunicação, já que as relações do público com o espaço também passaram a ser alvo de notícia. Nas revistas especializadas, em livros e catálogos de exposições, o Ibirapuera apareceu como representante da arquitetura e fotografia modernas brasileiras e, nesse sentido, passou até mesmo a ser compreendido enquanto fonte de inspiração para obras que o seguiram.

4.1 Primeiras publicações internacionais: “Latin American Architecture Since 1945”, de Henry-Russell Hitchcock (1955) e “Modern Architecture in Brazil”, de Henrique E. Mindlin (1956)

4.1.1 “Latin American Architecture Since 1945”, de Henry-Russell Hitchcock (1955)

A exposição “Latin American Architecture Since 1945”, montada pelo MoMA em 1955, apresentou ao público obras de arquitetura moderna selecionadas pelo curador Henry-Russell Hitchcock. Isso foi feito, em grande medida, por meio de imagens fotográficas de autoria de Rosalie Thorne McKenna, ampliadas e suplementadas por slides coloridos em 3D em aparelhos individuais de visualização. A exposição surtiu efeitos que alcançaram os principais centros mundiais de cultura. Quarenta e sete edificações de autoria de cinquenta e seis arquitetos, entre eles Jorge Hardoi, Amâncio Williams, Le Corbusier, Emilio Duhart, Wallace Harrison, Luis Barragan, Felix Candela, Juan O’Gorman, Mario Pani, Antonio Bonet, Julio Vilamajó, Carlos Raúl Villanueva e Oscar Niemeyer. O catálogo fez menção ao grande prestigio deste carioca, já que ele foi descrito como sendo “o arquiteto cuja fama [na América Latina, não apenas no Brasil] é justificadamente a maior.”252 Niemeyer foi distinguido com o maior número de construções

252

HITCHCOCK, Henry-Russell. Latin American Architecture Since 1945. New York: Museum of Modern Art, 1955, p.30.

147

estudadas: o Banco Boa Vista, a Igreja da Pampulha, a Casa de Canoas, o Centro Técnico de São José dos Campos e o Ministério de Educação e Saúde Pública. Nessa lista, percebe-se que o Ibirapuera não foi selecionado para compor a mostra, de modo que não há nenhuma foto do complexo no catálogo. Tampouco houve qualquer menção ao Parque no texto. Comentou-se, porém, o crescimento de São Paulo:

A boa arquitetura moderna no Brasil não é, de modo algum, confinada à capital. Muitas outras cidades brasileiras contêm obras de mérito, algumas por arquitetos cariocas, outras por homens locais. São Paulo é uma metrópole que dificilmente perde [em tamanho] para o Rio e está crescendo ainda mais rapidamente. (...) Mais do que qualquer outra cidade da América Latina, São Paulo sintetiza a transformação incrivelmente rápida do cenário arquitetônico nos últimos quinze anos, embora já fosse uma cidade considerável do século XX muito antes disso253.

Comentou-se também sua Bienal:

Na arquitetura, a América Latina é mais do que capaz de se manter a par com o resto do mundo ocidental. Não é descabido que os principais prêmios internacionais em arquitetura sejam agora os indicados na Bienal de São Paulo254.

Esses dados são significativos já que a pujança de São Paulo é comentada, mas não por intermédio do Ibirapuera, o que constitui indício da hipótese de que, para Henry RussellHitchcock, o Parque não foi de maior relevância para o cenário arquitetônico da cidade. Outra hipótese passível de ser considerada é que como a exposição foi inaugurada logo após o Ibirapuera, as imagens de outras obras tenham sido escolhidas por uma questão de praticidade e de tempo hábil para a montagem da exposição e de seu catálogo. Não tardou, porém, para que o Parque Ibirapuera figurasse em outra publicação internacional.

253

HITCHCOCK, Henry-Russell. Latin American Architecture Since 1945. New York: Museum of Modern Art, 1955, p.36. 254 Ibidem, p.61.

148

4.1.2 “Modern Architecture in Brazil”, de Henrique E. Mindlin (1956)

O livro Modern Architecture in Brazil, de Henrique Mindlin, trouxe um inventário da arquitetura moderna brasileira até o momento de sua publicação, em 1956, atualizando o levantamento feito por Philip Goodwin para o MoMA intitulado Brazil Builds, de 1943. A edição original do livro de Mindlin foi publicada apenas em inglês, francês e alemão, sem texto em português, o que só aconteceu posteriormente, em edição de 2000. Para Nelci Tinem, a imagem historiográfica da arquitetura moderna brasileira difundida no âmbito internacional é “produto de um processo de acumulação e seleção de textos e imagens que se inicia em plena guerra, com Goodwin, segue com Costa e continua com Mindlin.”255 Para Sigfried Giedion, que assina o prefácio ao livro, “Modern Architecture in Brazil (...) serve ao valioso propósito de abrir os olhos do mundo exterior para a arquitetura contemporânea que surgiu no Brasil.”256 Nesse sentido, a publicação participa do processo de formação e consolidação de uma versão historiográfica paradigmática da arquitetura moderna brasileira. No livro de Mindlin, é possível perceber o início de uma mudança de peso atribuído principalmente ao Rio de Janeiro como sendo o local onde se encontrava arquitetura digna de nota, como aconteceu em Brazil Builds, por exemplo. Em Modern Architecture in Brazil, a proporção entre as obras de São Paulo e do Rio de Janeiro já aparece de maneira mais equilibrada, ainda que a capital carioca predomine. Dentro do âmbito da arquitetura paulista registrada, a erguida no Parque Ibirapuera obteve papel de destaque nessa publicação, fato que pode ser observado na própria na capa do livro.

255

TINEM, Nelci. Arquitetura Moderna Brasileira: a imagem como texto. Disponível em: . Acesso em: 16/06/2014. 256 GIEDION, Sigfried. Prefácio de MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil. Rio de Janeiro: Collibris, 1956, p.IX.

149

Capa do livro “Modern Architecture in Brazil”, de Henrique E. Mindlin. 1956

Nas imagens fotográficas estampadas na capa aparecem, ao lado de três estudos sobre o Ministério de Educação e Saúde, duas fotos de igual tamanho: do Parque Guinle, na zona sul do Rio de Janeiro, de Lúcio Costa, e do Palácio dos Estados, no Parque Ibirapuera de São Paulo, de Oscar Niemeyer. A essas duas obras, Mindlin confere destaque e valor, pois são tidas como exemplos de uma vertente arquitetônica moderna, mas que ainda retoma questões relacionadas à tradição nacional257. A capa do livro de Mindlin e suas imagens internas revelam determinadas preferências e evidenciam resposta às críticas internacionais que a arquitetura moderna brasileira vinha recebendo de autores como Max Bill. No livro de Mindlin, os textos e as imagens evidenciavam

a vontade de mostrar a solidez desse movimento que não se resume a algumas obras ‘fotogênicas’ incensadas pela crítica, revelando uma produção mais extensa que paralelamente a sua originalidade plástico-formal e apresenta uma qualidade técnica digna de registro258.

257

Esse vínculo entre passado, presente e futuro aparece, ainda, na página de rosto do livro, na foto do Ministério da Educação secundado pela Igreja de Santa Luzia, imagem essa que foi veiculada em inúmeras publicações (tanto de livros quanto de revistas) posteriormente. 258 TINEM, Nelci. Arquitetura Moderna Brasileira: a imagem como texto. Disponível em: . Acesso em: 16/06/2014.

150

Na fotografia do Palácio dos Estados, há valorização de alguns elementos tidos como importantes na produção arquitetônica brasileira: os brise-soleils e o edifício erguido sobre pilotis (estes assumindo um formato diferenciado do reto, como originalmente proposto por Le Corbusier, de maneira a liberar o espaço térreo para circulação e para convivência do público, ajudando a formar uma arquitetura aberta ao exterior, que permite maior contato com a paisagem circundante). O primeiro edifício do Ibirapuera que aparece no livro é justamente o Palácio dos Estados, que recebe atenção em página dupla juntamente com o Palácio das Nações, já que ambos são, conforme aponta Mindlin, “idênticos em projeto.”259 Como essa é a primeira vez que o autor irá abordar o Parque Ibirapuera, ele abre sua análise afirmando que o complexo arquitetônico não foi inteiramente terminado:

O Auditório está faltando e com ele a conexão da grande marquise ao Palácio das Artes e ao Auditório, bem como os jardins de Burle Marx. Se tivesse sido inteiramente terminado, teria fornecido um raro exemplo de planejamento integral e harmonioso aplicado a um conjunto de edifícios permanentes para exposições e feiras de todo o tipo, espalhados por uma vasta área adequadamente ajardinada260.

“Modern Architecture in Brazil”, Henrique E. Mindlin, 1956, p.184. Fotografias de Zanella-Moscardi e de Boer

259 260

MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil. Rio de Janeiro: Collibris, 1956, p.184. Ibidem, p. 184.

151

Ao comentar os Palácio das Nações e dos Estados, Mindlin ressalta o uso de pilotis, que permitem a utilização do térreo para a instalação de bares e de cafés. O autor comenta ainda a interligação entre os dois edifícios por meio da marquise. As fotografias dessa página do livro são de autoria de Zanella-Moscardi (a primeira e a última) e de Boer, fotógrafo atuante na revista AD – Arquitetura e Decoração. Nas imagens de Zanella-Moscardi, os fotógrafos posicionaram-se a alguma distância dos edifícios, de maneira a focalizá-los como um todo. Os ângulos formados pela fachada envidraçada e pela fachada cega também aparecem em ambas as imagens. A fotografia de Boer, menor em tamanho, providencia um detalhe dos brise-soleil utilizados na obra. As imagens também apresentam, ainda que de maneira secundária, uma perspectiva da paisagem circundante: aparecem árvores, veículos, um guarda e até mesmo um dos lagos do Parque. Pode-se notar, na primeira imagem da página, um padrão semelhante ao usado nas pinturas de paisagem acadêmicas, do século XIX: terra, água, terra, ar. É possível que isso seja somente uma coincidência, mas também se pode pensar que determinados cânones visuais fossem perpetuados inconscientemente, por habitarem o repertório das pessoas da época.

“Modern Architecture in Brazil”, Henrique E. Mindlin, 1956, p.186. Fotografias de Zanella-Moscardi

152

Na seção referente ao Palácio das Indústrias foram veiculadas quatro fotografias de Zanella-Moscardi, três das quais já haviam sido publicadas na revista Acrópole, em outubro de 1954261, dado que revela como muitas das imagens do Ibirapuera circulavam em diferentes meios, ajudando a criar um repertório comum a respeito do Parque. O que mais se fez notar no Palácio das Indústrias, para o autor, foi o “olhar imaginativo e espetacular [do interior] que contrasta com a sobriedade impressionante do tratamento exterior, simplicidade que acentua a pouco usual grande escala do edifício.”262 O próximo edifício tratado por Mindlin é o Palácio de Exposições ou, como é chamado no livro, o Palácio das Artes. Referência a ele já aparece no prefácio:

Além do caos dos arranha-céus no Rio e em São Paulo, temos visto muitas vezes os resultados de um dom inerente para se conectar volumes no espaço (...), especialmente em manifestações recentes, como o abobadado Palácio das Artes de Oscar Niemeyer e outros, projetado para exposições de escultura. Neste caso, o interesse principal consiste na perfuração do espaço interior através de três níveis, abaixo e acima do solo263.

“Modern Architecture in Brazil”, Henrique E. Mindlin, 1956, p.188. Fotografias de Zanella-Moscardi e de Boer

261

A única fotografia que não foi identificada como tendo sido publicada na Acrópole no.193 é a localizada no canto inferior direito da segunda página. 262 MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil. Rio de Janeiro: Collibris, 1956, p.186. 263 GIEDION, Sigfried. Prefácio de MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil. Rio de Janeiro: Collibris, 1956, p.IX.

153

Mindlin concorda com os louvores do edifício e complementa:

Se há um toque de espetacular no tratamento do Palácio das Indústrias, no interior desta unidade, projetada especialmente para exposições de escultura, o efeito é verdadeiramente “Wellsian” 264 , uma espécie de projeção otimista para um futuro menos sujeito às rigorosas exigências da gravidade ou pelo menos às suas interpretações convencionais265.

A referência ao autor de ficção científica H. G. Wells é significativa, pois há algo de “futurista”266 no Palácio de Exposições, tanto em sua casca exterior, que remete a um espaço lunar ou a uma aeronave, quanto em seu interior, com suas rampas sinuosas e oblôs. As fotografias desta página dupla são, mais uma vez, de Boer e de Zanella-Moscardi. A imagem localizada no canto inferior esquerdo da segunda página, de Zanella-Moscardi, já havia sido publicada na revista Acrópole, em agosto de 1954.

Detalhe de imagem publicada em “Modern Architecture in Brazil”, Henrique E. Mindlin, 1956, p.189

264

Relativo à H.G. Wells (1866-1946), escritor Inglês considerado progenitor da ficção científica. MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil. Rio de Janeiro: Collibris, 1956, p.188. 266 O termo “futurismo” não se refere, aqui, ao movimento artístico e literário que surgiu oficialmente em 1909 com a publicação do Manifesto Futurista, de Filippo Marinetti. O termo está sendo utilizado nesta dissertação no sentido de acreditar-se que parte da arquitetura do Ibirapuera possui características ligadas ao avanço tecnológico, principalmente no que diz respeito à tecnologia espacial e, nesse sentido, estaria ligada ao imaginário do universo de ficção científica (“Wellsian”, conforme aponta Henrique Mindlin). Cabe ainda notar que Warchavchik denominava os defensores dos novos princípios arquitetônicos que defendia como “futuristas” em oposição aos “passadistas”, aqueles que “transcorrem a vida toda a adotar figuras e coisas que passaram.” A esse respeito, ver artigo “Arquitetura do século XX (IV- Passadistas e futuristas”), publicado no Correio Paulistano, São Paulo, 23 de setembro de 1928, In: WARCHAVCHIK, Greogori. Arquitetura do século XX e outros escritos. São Paulo: Cosac Naify, 2006, pp.89-96. 265

154

A primeira imagem, que ocupa praticamente meia página, revela uma pessoa caminhando do Palácio de Exposições em direção ao observador, ao lado de uma placa em que se lê: “trânsito proibido.” Diferentemente da imagem de Lorca, que também retrata pessoas caminhando na frente do edifício, o chão, na imagem de Zanella-Moscardi, já não se encontra mais remexido. As mudas de árvores que haviam sido aparentemente plantadas há pouco, próximas ao pavilhão, parecem justificar a presença da placa.

“Modern Architecture in Brazil”, Henrique E. Mindlin, 1956, p.190267

O Palácio da Agricultura, com seus pilotis em formato de “V”, também mereceu destaque no livro de Mindlin. Neste livro, foram publicadas duas fotografias: uma, maior, enfocando o aspecto horizontal e estável da obra e o vão criado em baixo devido ao uso dos pilotis estilizados; e outra de um dos pilotis em si, de maneira a examiná-lo mais proximamente. O último elemento arquitetônico do complexo do Ibirapuera tratado por Mindlin é a grande marquise, que é descrita da seguinte maneira:

267

Não foi encontrado, no índice do livro, o autor dessas imagens.

155

de concreto armado, apoiada em colunas delgadas, forma um passeio coberto para visitantes, ligando todos os prédios e enfatizando a unidade do conjunto, colocada ordenada e precisamente em meio à paisagem caprichosa do parque. Livremente projetada em linhas fluidas, ela apresenta, em qualquer ponto, uma perspectiva dinâmica que contrasta com a estabilidade tranquila dos vários blocos 268.

“Modern Architecture in Brazil”, Henrique E. Mindlin, 1956, p.192. Fotografias de Boer

A sessão que trata da marquise traz duas fotos, ambas de Boer. A primeira revela um ponto de vista a partir do caminhar sob a marquise e confere sensação de estar imerso dentro da arquitetura269. A segunda fotografia é de uma maquete, de maneira a mostrar o conjunto da extensão da marquise e o projeto do Parque como um todo, imagem recorrente, conforme se tem visto, em diversas publicações que abordaram o Ibirapuera.

268

MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil. Rio de Janeiro: Collibris, 1956, p.192. Entretanto, deve-se atentar para o fato de que, conforme afirma o fotógrafo Nelson Kon, “a vivência da arquitetura é insubstituível. Não há forma de representação que possa reproduzir a experiência de estar, ver, sentir, cheirar, conviver com a arquitetura.” Ver KON, Nelson. Fotógrafos, AU, n. 183, jun., 1999. Ainda para o historiador Bruno Zevi, o estudo da arquitetura deve ser feito, preferencialmente, in loco, vivenciando diretamente o espaço, percebendo suas estruturas fixas e suas dinâmicas, intuindo suas interações locais e com a paisagem. Ver ZEVI, B. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 269

156

A análise dos créditos fotográficos de Modern Architecture in Brazil é indicativa do perfil da produção da fotografia especializada de arquitetura no Brasil em meados do século XX, conforme apontou Sônia Gouveia 270. Os dois maiores centros da arquitetura moderna, Rio de Janeiro e São Paulo, constituíam-se como locais de trabalho dos fotógrafos. “Essa concentração justifica-se não apenas pela demanda, mas também pelo número de fotoclubes e escolas, pelo acesso mais fácil a materiais, equipamentos e bibliografia.” 271 Em São Paulo, o registro fotográfico da arquitetura moderna era realizado por Boer, Alexandre Smilg, Ernesto Mandowski, Francisco Albuquerque, Sascha Harnish, Hugo Zanella, José Moscardi, Hans Günter Flieg, Peter Scheier, Leon Liberman, entre outros. Os fotógrafos encontrados no livro eram, portanto, nomes frequentes nas revistas especializadas, como Acrópole, Habitat e Módulo.

4.2 Novas incorporações ao Parque Ibirapuera: Planetário, Ginásio de Esportes e Assembleia Legislativa

Em 1957, o Parque Ibirapuera ganhou duas novas incorporações ao seu complexo arquitetônico. O primeiro foi o Planetário, de autoria dos arquitetos Eduardo Corona, Roberto G. Timbau e António Carlos Pitomba. Esse foi o primeiro planetário a ser instalado na América Latina.

“Entrada principal com suave rampa”, José Moscardi. / Acrópole no. 225, 1957, p. 313

270

Ver GOUVEIA, Sônia Maria Milani. A Fotografia de Peter Scheier em Três Publicações. São Paulo: pós v.15, n.24, dezembro 2008. 271 Ibidem.

157

A fotografia acima foi publicada na Acrópole no. 225 em 1957, e é de autoria de José Moscardi, nesse momento já trabalhando sozinho, sem a parceria com Hugo Zanella. Moscardi chegou a ser considerado como “o fotógrafo da Acrópole” por Max Gruenwald, proprietário da revista entre 1953 e 1971, e foi uma grande referência na área de fotografia de arquitetura em São Paulo. Nessa publicação, o nome de José Moscardi aparece logo abaixo da imagem aqui reproduzida, no canto inferior direito da faixa branca. Conforme já se comentou anteriormente, o fato da autoria das imagens começar a figurar com maior destaque nas publicações significa maior importância sendo atribuída ao fotógrafo, cada vez mais especializado e reconhecido, que foi o caso de Moscardi na Acrópole, conforme apontou Max Gruenwald.

“Vista de conjunto no Ibirapuera com lago à frente”, José Moscardi. / Acrópole no. 225, 1957, p. 314

“Entrada com marquise”, José Moscardi / Acrópole no. 225, 1957, p. 315

158

Pode-se observar nas fotografias reproduzidas aqui que o edifício do Planetário manteve-se fiel ao estilo dos anos de 1950, principalmente dentro do escopo da obra de Niemeyer (e que também aparece no projeto do Parque Ibirapuera, como no Palácio de Exposições), que possui características referidas como modernistas, mas, mais especificamente, como “futuristas”272. A grande cúpula e a entrada principal remetem a uma espaçonave, forma condizente com a função do edifício. Questionamentos a respeito do papel que planetários possam ter desempenhado na Guerra Fria podem ser pertinentes aqui, já que simbolizam o embate travado entre o Leste e o Oeste em meados do século XX. A maior parte dos planetários do mundo foi construída justamente durante esse período 273. O ano de 1957 é o da construção do Planetário do Ibirapuera e também o do lançamento do satélite soviético Sputnik. A arquitetura em pauta, assim como sua representação fotográfica, parece sugerir que as possibilidades relacionadas à tecnologia espacial pudessem estar presentes, consciente ou inconscientemente, no imaginário dos arquitetos e artistas da época. A revista Acrópole exalta o novo edifício e a tecnologia nele empregada em sua reportagem, comentando que a cúpula em concreto armado “ficou sendo uma das mais perfeitas do mundo em casca de concreto.”274 Comenta também que “para abrigar esse notável engenho do homem, imaginou-se o edifício ora implantado no Ibirapuera, satisfazendo todos os requisitos necessários ao seu bom funcionamento e obedecendo aos principais fundamentos da arquitetura moderna.”275

Mais uma vez, o termo “futurista” está sendo empregado com referência ao avanço tecnológico e ao imaginário da ficção científica, e não ao movimento futurista em si, encabeçado por Marinetti. Cabe aqui menção à denominada “Googie Architecture”. A arquitetura Googie é uma forma de arquitetura moderna, uma subdivisão da arquitetura futurista, influenciada pela cultura dos carros, dos jatos, da Era Espacial e da Era Atômica ao valorizar curvas, formas geométricas e arrojado uso de vidro, aço e néon e ao tomar inspiração de objetos como discos voadores, átomos e parábolas. Mais tarde, a Googie ficou amplamente conhecida como parte do estilo moderno de meados do século. O termo “Googie” recebe seu nome de um café, hoje extinto, construído em West Hollywood, projetado por John Lautner. Estilos arquitetônicos similares também são referidos como “Doo Wop”. 273 Ver FAIDIT, Jean-Michel. Planetariums in the world. The Role of Astronomy in Society and Culture, E9. Proceedings IAU Symposium No. 260, 2009. Disponível em: . Acesso em: 17/03/2015. 274 Acrópole no. 225, 1957, p.313. 275 Ibidem, p.313. 272

159

“Planetário”, José Moscardi / Acrópole no. 225, 1957, p. 318

As imagens de José Moscardi publicadas na Acrópole n°. 225 retratam a estrutura construída em concreto no estilo modernista, mas com algo da iconografia de ficção científica. Esse imaginário está aparente não só no projeto arquitetônico como também nas imagens de Moscardi, que possuem ar de mistério e de estranhamento. Cabe notar que esse tipo de referencial não era de todo incomum, pois o design americano na década de 1950 também fez uso de imagens de ficção científica, inspiradas na corrida espacial 276.

276

Ver BANHAM, Mary. (1976). A Tonic to the Nation: The Festival of Britain, 1951. London: Thames & Hudson Ltd, 1976.

160

Planetário do Ibirapuera, 1965, autoria não creditada / Folhapress

Outra construção do ano de 1957, e que tem uma arquitetura que, em parte, remete a do Planetário, é o Ginásio Geraldo José de Almeida, localizado na rua Manoel da Nóbrega, próxima ao Parque.

Ginásio do Ibirapuera, 1957, autoria não creditada / Folhapress

161

O ginásio, projetado pelo arquiteto Ícaro de Castro Mello, faz parte do Complexo Esportivo Ibirapuera e possui noventa e cinco mil metros quadrados, tendo capacidade para comportar onze mil pessoas. Essa imagem mostra o ginásio em sua totalidade, visto de fora. Sua estrutura também remete ao imaginário “futurista.” O fato de o edifício estar implantado numa área relativamente vazia e da fotografia da Folha de S. Paulo, aqui reproduzida, não ter flagrado presença humana – a não ser de maneira indireta, por meio dos carros que aparecem pequenos ao fundo –, parece corroborar essa interpretação. A revista Acrópole, de março de 1957, também publicou reportagem com fotos do Ginásio, de autoria de José Moscardi.

“Detalhe do Ginásio, vendo-se uma das entradas”, José Moscardi / Acrópole no. 221, março de 1957, p. 158

“Detalhe das arquibancadas e cabines de televisão, rádio e imprensa”, José Moscardi / Acrópole no. 221, março de 1957, p. 159

“Aspecto interno, vendo-se à esquerda o reservado para a imprensa, rádio e televisão”, José Moscardi / Acrópole no. 221, março de 1957, p. 161

162

Planetário, José Moscardi / Acrópole no. 221, março de 1957, p. 159

A revista francesa L’Architecture d’Aujourd’hui, de fevereiro de 1958, também publicou reportagem a respeito do Ginásio e, apesar do fotógrafo não ter sido identificado na publicação, percebe-se que as três imagens localizadas na parte superior das páginas são as mesmas que foram publicadas na Acrópole, no. 221, de março de 1957, de autoria de Moscardi. A única fotografia que não parece ser deste autor é a do canto inferior.

L’Architecture d’Aujourd’hui, nº 76, de fevereiro de 1958, pp. 26-27

163

A imagem de Moscardi do espaço interno do Ginásio remete a outras, do fotógrafo Hans Günter Flieg. Suas fotografias circularam em outros meios e também podem ser interpretadas como possuidoras de imaginário referente aos avanços tecnológicos e determinada noção de futuro. O uso do termo “interpretadas” é relevante, pois o próprio Flieg não identifica essas características como sendo marcantes 277.

Ginásio do Ibirapuera em construção, 1966, Hans Günter Flieg / Acervo IMS

277

Informações obtidas em entrevista telefônica com Sr. Hans Günter Flieg em 21/10/15.

164

Ginásio do Ibirapuera, 1966, Hans Günter Flieg / Acervo IMS

Conforme já comentado anteriormente, Flieg realizou grande parte de sua produção fotográfica associada a trabalhos comissionados para indústrias e para empresas fornecedoras de equipamentos e de materiais para grandes obras em São Paulo, conforme pode-se observar nesse seu ensaio do Ginásio do Ibirapuera, encomendado pela Companhia Brasileira de Alumínio. O Ginásio foi erguido em 1957 e as imagens de Flieg, que parecem retratar o edifício ainda em construção, são de quase dez anos depois. Essa discrepância entre a data de inauguração do prédio e a data das imagens de Flieg é devida à troca da cobertura do Ginásio. A primeira cobertura, da época da inauguração da obra, havia ruído e, segundo o fotógrafo,

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chegou até mesmo a matar algumas pessoas278. Foi nesse contexto que a Companhia Brasileira de Alumínio foi contratada para fornecer o material – chapas de alumínio – para a nova cobertura e foi também nesse contexto que Flieg foi chamado para desenvolver seu ensaio fotográfico. Ainda que as imagens tenham sido comissionadas pela empresa, algumas ainda tiveram circulação para além do âmbito empresarial na época, pois chegaram a figurar em revistas de arquitetura como a Habitat e a Acrópole279.

Ginásio do Ibirapuera, 1966, Hans Günter Flieg / Acervo IMS

Outra imagem de Flieg, bastante conhecida, é, segundo o fotógrafo, comumente confundida com o Ginásio e com a marquise do Ibirapuera. Trata-se de fotografia da fábrica Duchen, em Guarulhos, de 1953.

278

Informações obtidas em entrevista telefônica com Sr. Hans Gunter Flieg em 21/10/15. Em entrevista telefônica, em 21/10/15, Sr. Hans Günter Flieg comentou que por vezes era indicado pelos arquitetos das obras ou pelos diretores das revistas para fornecer imagens. Atualmente, algumas imagens foram publicadas em livros e mostradas em exposições. 279

166

Fábrica Duchen, Guarulhos – SP, 1953, Hans Günter Flieg / Acervo IMS

Para o fotógrafo, é interessante observar as semelhanças dos recursos arquitetônicos, que eram típicos da época280. Da mesma forma, é possível pensar que a maneira de abordar a retratação da arquitetura também apresentasse similaridades, ajudando a explicar as causas do equívoco. Apesar das fotos do Ginásio terem sido encomendadas a Flieg, revelando a intenção de propaganda e divulgação da empresa contratante, isso não significa ausência de criatividade, pois o trabalho ainda resulta em uma tomada de ponto de vista específico, subjetivo e estético, por parte do fotógrafo. As imagens possibilitam perceber a quantidade de alumínio e de ferro necessária para a realização das estruturas das formas arquitetônicas modernas, mas elas também são dotadas de dramaticidade devido ao uso de luz e sombra e aos recortes do objeto, pois o assunto arquitetônico é fragmentado. Nessas fotografias, Flieg preocupou-se menos com o contexto geral da obra e investiu em enquadramentos mais fechados, que acabam adquirindo certa autonomia em relação ao referente. Nas imagens selecionadas, a atenção aos detalhes e ao jogo de luz e sombra, formado pelas estruturas metálicas, adquirem a qualidade de gravuras ou de desenhos, formando uma “paisagem gráfica”281 de impacto visual. Na representação dessas estruturas, os trabalhadores que ajudaram a construí-las são pouco notados. Percebe-se apenas, na terceira imagem, um único trabalhador erguido junto à claraboia. A estrutura arquitetônica aparece imensa frente à pequenez do sujeito que a constrói.

280

Informações obtidas em entrevista telefônica com Sr. Hans Günter Flieg em 21/10/15. Termo utilizado por ESPADA, Heloisa. In: Monumentalidade e Sombra: a representação do centro cívico de Brasília por Marcel Gautherot. Tese de doutorado apresentada à ECA-USP em 2011, p.60. 281

167

A ênfase da imagem está na arquitetura em construção, seu estranhamento e, simultaneamente, na sua monumentalidade. Nesse sentido, pode-se pensar que haja algo de sublime nas imagens de Flieg, não no sentido que estariam relacionadas de alguma maneira ao transcendental, mas no sentido que elas provocam mistério e espanto no observador282. Cabe notar que se costuma julgar como sublime não o objeto em si, mas o estado de espírito de quem o contempla283. Segundo Edmund Burke, o assombro refere-se ao estado de alma em que tudo fica em suspenso. Assim, a mente do observador fica tão entretida com o objeto contemplado que ela não pode se ocupar com a contemplação de qualquer outro objeto. Desse mistério surge, com maior clareza, o conceito de paisagem, compreendida como um espaço sacralizado, que vai além de um simples lugar físico e utilitário 284. A sucessão e a uniformidade das partes que podem ser observadas nessas imagens do Ginásio constituem uma espécie de infinidade artificial e, assim, produzem efeito de sublimidade na arquitetura. Igualmente, os efeitos provocados pelos jogos de luz e sombra nas fotografias causam inquietação. A escuridão gera sensação de mistério, mas a intensidade forte de luz, como a que passa pela claraboia, também pode causar similar sensação, já que parece ofuscar a vista, não permitindo que se enxergue claramente; trata-se de uma luz que, “justamente por seu excesso, converte-se em uma espécie de escuridão.”285 Esse assombro é o efeito do sublime e seus efeitos no observador são admiração, reverência, respeito e poderio, todas características sendo evocadas, direta ou indiretamente, no Ibirapuera. Esses sentimentos podem ser associados ao efeito de monumentalização e essa sensação também ocorre no trabalho do fotógrafo de outras maneiras.

282

A respeito da noção de sublime ver: BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo. Campinas: Unicamp/Papirus, 1993& KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993 & FERRY, Luc. Homo Aestheticus: l'invention du goût à l'âge démocratique. Paris: B. Grasset, 1990. 283 Se a vivência do sublime está ligada à intuição e ao subjetivo, para se afirmar que algo é sublime deve-se pressupor que todos têm o mesmo discernimento e julgamento das coisas. Diferentes pessoas, porém, possuem diferentes universos sociais, culturais e emocionais que devem ser levados em consideração. O sublime, portanto, deve ser percebido na escala individual: “as diferentes sensações de contentamento ou desgosto repousam menos sobre a qualidade das coisas externas, que as suscitam, do que sobre o sentimento, próprio a cada homem.” Ver Immanuel KANT. Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime; Ensaio sobre as Doenças Mentais. Campinas: Papirus, 1993, p.19 284 Ver também OLWIG, Kenneth Robert. Landscaping racial and natural progress. In: Landscape, nature and the body politic. Wisconsin: The University of Wisconsin Press, 2002. 285 BURKE, Edmund Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo. Campinas: Unicamp/Papirus, 1993, p.86.

168

Ginásio do Ibirapuera e Monumento às Bandeiras, 1966, Hans Günter Flieg / Acervo IMS

A imagem do Ginásio ao fundo, com fragmento do Monumento às Bandeiras no primeiro plano, revela a grandiosidade do conjunto, privilegiando a obra mais antiga. A relação, contudo, entre passado e presente cria narrativa capaz de explicar as grandes conquistas dos paulistanos, e dos brasileiros, por meio de continuidades históricas. Essa era uma relação frequente nas imagens desse período e que aparece não só em fotografias de autor, mais relacionadas às esferas artística e intelectual, mas também em peças publicitárias.

169

“700 dias para você julgar!”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 25 de janeiro de 1957, p. 9286

No dia 25 de janeiro de 1968, portanto mais de dez anos após a incorporação do Planetário e do Ginásio de Esportes ao complexo do Ibirapuera (e na data simbólica do aniversário da cidade de São Paulo), foi inaugurado o prédio da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, localizado na avenida Brasil, com projeto dos arquitetos Adolfo Rubio Morales, Ricardo Sievers e Rubens Carneiro Viana 287. A Assembleia Legislativa também é denominada de Palácio Nove de Julho, como tributo ao movimento constitucionalista de 1932, já homenageado com um monumento no complexo do Ibirapuera, e com a promulgação da Constituição Estadual de 1947.

286

Disponível em: . Acesso em: 22/05/2014. 287 O projeto da Assembleia Legislativa, porém, é de 1962.

170

“Este é o futuro prédio da Assembleia Legislativa, no Ibirapuera”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 04 de maio de 1967, p. 15288

A entrada principal da Assembleia é feita por meio da esplanada localizada na avenida Brasil e sua monumentalidade é acentuada pelas palmeiras imperiais e pelos mastros de bandeiras, conforme pode-se observar na fotografia que segue.

“Assembleia Legislativa”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 30 de agosto de 1968

288

Disponível em: . Acesso em 22/05/2014.

171

O edifício possui forma retangular, de maneira não incomum a outros “Palácios” do Ibirapuera, em monobloco horizontal, e:

entendimento plástico simples, (...) tranquilo pela proporção e severo pela implantação, poderiam conferir ao edifício a nobreza que se nos afigurou necessária, dado o tema em questão. (...) E admitindo também que o Poder Legislativo se impõe por segurança, sobriedade e nobreza, requerendo mesmo generosidade nos espaços circundantes, bem como proteção e distanciamento.289

O edifício da Assembleia Legislativa constitui, também ele, um marco na paisagem da região do Ibirapuera e representa o poder e a organização na cidade de São Paulo. É, portanto, “símbolo e exemplo do quadro urbano moderno projetado para o local onde está inserido.”290 Com a inauguração da Assembleia Legislativa, fecharam-se as construções do complexo arquitetônico do Ibirapuera no período, pois somente em 2005 será construído o Auditório, previsto no projeto original.

4.3 Monumentalidade e modernidade em cheque: a degradação do Parque Ibirapuera

Terminadas as comemorações do Centenário, surgiu uma proposta de ocupação do Parque Ibirapuera por serviços burocráticos. Prestes Maia, engenheiro civil que já havia considerado o Ibirapuera em seu “Plano de Avenidas” (1930)291 e que estava envolvido com política na época, dizia não ter o que se fazer com o Parque, atitude que foi denominada de “profecia negra” pela mídia, reduzindo, portanto, o Ibirapuera a um quartel, depósito ou garagem de serviços de transportes públicos. Em 1956, a sede da Prefeitura Municipal de São Paulo ocupou o Palácio das

289

Revista Acrópole, no. 273, p. 310. PEREIRA, Raquel Machado Marques e ZEIN, Ruth Verde. A Monumentalidade e sua implantação urbana: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e Parlamento Escocês. In: 9˚ Seminário Docomomo Brasil. Interdisciplinaridade e experiências em documentação e preservação do patrimônio recente. Brasília, junho de 2011. Disponível em: . Acesso em: 08/05/2015. 291 No Plano de Avenidas de 1930, plano de estruturação viária composto de avenidas radiais, perimetrais e diagonais, o Ibirapuera foi apresentado como um parque monumental, articulado ao sistema viário da cidade e situado em um sistema de espaços livres cujas principais funções eram a higienização da cidade, pois áreas livres possibilitariam maior ventilação e também a prática esportiva ao ar livre, assim como seu embelezamento. 290

172

Nações, o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) ocupou o Palácio da Agricultura e a Empresa Processamento de Dados do Município (Prodam) ocupou o Palácio dos Estados. A sociedade civil se opôs a essa destinação de partes do complexo do Ibirapuera, acreditando que o Parque deveria se prestar a um programa de lazer à população da cidade, com seus gramados e “magníficos pavilhões (...) que bem definiam as possibilidades da arquitetura moderna nacional.”292 Contra a instalação de órgãos burocráticos no Parque, foi convocada uma convenção de intelectuais e artistas em defesa do Ibirapuera, pois a sua utilização para repartições “acarretaria a mutilação de um conjunto arquitetônico planejado exatamente para servir, após os festejos do IV Centenário, a um centro cultural como o que foi sugerido aos poderes estaduais.”293 A “mutilação” do Ibirapuera, porém, não se deveu somente à apropriação dos edifícios pelas repartições públicas. Nos anos subsequentes às comemorações do Centenário, o Parque Ibirapuera, com seu conjunto de edifícios, gramados e lagos, ficou em mau estado de conservação. Isso ficou evidente por meio da análise de reportagens com imagens fotográficas que eram veiculadas principalmente nos jornais. Nas revistas especializadas, o assunto não mereceu maior destaque, pois não havia construções novas sendo incorporadas ao complexo do Ibirapuera nesse período e, sem construções novas para comentar, a função dessas imagens nas revistas de arquitetura era significativamente diminuída.

Estado de S. Paulo, 25 de setembro, autoria não creditada, p. 34

292

O Estado de S. Paulo, 29 de setembro de 1957, autoria não creditada, p. 25294

O Estado de S. Paulo, 07 de outubro de 1958, p.18. Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014. 293 O Estado de S. Paulo, 03 de janeiro de 1956, p.9. . Acesso em: 21/05/2014. 294 Disponível em: e , respectivamente.

173

As fotografias acima reproduzidas retratam o Palácio das Nações, onde ocorreu a IV Bienal de São Paulo, inundado por águas de chuva, que escorriam por goteiras devido à presença de rachaduras nas paredes e nas lajes superiores. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a situação já precária do edifício foi agravada naquele ano durante os festejos do dia Nove de Julho, quando a Prefeitura instalou, sobre o Palácio das Nações, estruturas para a apresentação de um espetáculo pirotécnico. As fortes explosões enfraqueceram a cobertura do edifício, alargando as frestas pelas quais a água penetrava. As imagens do edifício alagado com poças d’água provocam forte impacto. As fotografias que, por estarem numa página de jornal, deveriam ter função principalmente informativa, impressionam pela modernidade no tratamento do assunto, principalmente devido ao caráter geométrico e ao forte contraste estabelecido pelo jogo de luz e sombras. A silhueta do homem que aparece ao fundo da primeira imagem indica que a fotografia tenha sido tirada em contraluz. Segundo Helouise Costa,

se a iluminação é, em geral, utilizada para dar harmonia à cena fotografada, garantindo-lhe veracidade, no caso do contraluz ocorre a quebra da unidade da cena, deixando evidente a interferência do fotógrafo na sua execução. Disso resultam composições em que se sobressaem massas e volumes recortados, aludindo à bidimensionalidade da cópia fotográfica295.

Em ambas as fotografias, o elemento arquitetônico das janelas, com seus brise-soleils e seus reflexos nas poças, permitiu uma composição com ênfase na geometrização das imagens, que remetem até mesmo a pinturas modernistas, como as composições de Mondrian, por exemplo. As fotografias em questão parecem ser, ainda que indiretamente, tributárias da influência do Foto Cine Clube Bandeirante enquanto expansor da experiência moderna, renegando o caráter exclusivamente documental da fotografia e abrindo novas frentes de pesquisa296. Mesmo que o caráter moderno e arrojado dos edifícios, enquanto símbolos do progresso que São Paulo vivenciava na década de 1950, estivesse sendo colocado em cheque, pelo menos em seus aspectos construtivos, as imagens da degradação apontam para outro tipo de modernidade, a imagética.

295

COSTA, Helouise & SILVA, Renato Rodrigues da. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2004, p.41. 296 Ibidem, p.47.

174

O Palácio das Nações não foi o único edifício do Ibirapuera a sofrer deteriorações no final da década de 1950. O conjunto arquitetônico, como um todo, encontrava-se em mau estado e alguns jornais chegaram mesmo a falar na possibilidade de desabamento, que poderia ser devido a uma conjunção de fatores da ordem de projeto, de construção e de conservação. Artigo de página inteira publicado no O Estado de S. Paulo, em meados de 1958, traz fotografias que retratam vários dos problemas encontrados nos edifícios do Parque, ainda recém construído. A primeira imagem da página é uma fotografia de vista aérea do conjunto do Ibirapuera em que, à distância, “as falhas não são percebidas e o espetáculo é, ainda, bastante agradável.”297 Outra foto, no canto direito inferior da página, proporciona um detalhe da grande marquise, manchada com infiltrações de água. Uma foto do Palácio de Exposições evidencia o destacamento das pastilhas utilizadas como revestimento exterior e as rachaduras na cobertura. Uma fotografia interna da mesma construção evidencia, igualmente, rachaduras e infiltrações. Há também uma fotografia do Palácio das Indústrias inundado por água de chuva, muito parecida com as fotografias já comentadas do ocorrido no Palácio das Nações.

297

O Estado de S. Paulo, 01 de junho de 1958, p. 96. Disponível em . Acesso em: 21/05/2014.

175

“Desintegra-se o Ibirapuera”, autoria das imagens não creditada / O Estado de S. Paulo, 01 de junho de 1958298

Os lagos do Parque Ibirapuera também sofreram abandono. Nessa época, eles eram tidos como um retrato fidedigno da administração municipal: “sempre sujos, feios, malcheirosos, criadouros de pernilongos, que atormentam a população dos bairros vizinhos. Imensa camada de lodo reveste os lagos, que até tempos atrás constituíam uma das atrações do Parque Ibirapuera.”299

298

Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014. 299 O Estado de S. Paulo, 21 de setembro de 1958, p. 26. Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014.

176

“Retrato de uma administração”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 21 de setembro de 1958300

Até mesmo o símbolo do IV Centenário, a espiral do progresso, entrou em decadência, restando, na década de 1960, apenas sua estrutura metálica. Esse fato não deixa de ser significativo num período em que a administração municipal relegou o espaço simbólico da força e da pujança de São Paulo – o Ibirapuera –, ao “abandono”, segundo termo frequentemente utilizado na época. A estrutura metálica remete aos trilhos de uma montanha russa e a analogia, conforme proposta por Nicolau Sevcenko, ainda que se referindo a momento histórico anterior, é propícia.

O Estado de S. Paulo, 22 de janeiro de 1960, p. 10, autoria não creditada301

300

Disponível em . Acesso em: 21/05/2014. 301 Disponível em . Acesso em: 21/05/2014.

177

O IV Centenário, época em que foram erguidas muitas estruturas do Ibirapuera, deveria representar a utopia do moderno, a subida constante e otimista da montanha russa, interpretada como sendo rumo ao progresso302. O período referente à “queda vertigionosa”303 da montanha russa, nesta análise do Ibirapuera, estaria sendo representado pelo momento em que a fotografia da espiral publicada em O Estado de S. Paulo foi tirada, no final da década de 1950 quando, passadas as comemorações para as quais o Parque foi construído, ele entrou em decadência.

“Ibirapuera abandonado ainda é atração”, autoria das imagens não especificada / O Estado de S. Paulo, 25 de março de 1960, p. 8304

Reportagem de O Estado de S. Paulo, em março de 1960, comenta a situação deplorável em que se encontrava o Ibirapuera: “nem bem se conseguira a meta desejada – a “Brasília” do prefeito de então – nem bem a opinião pública se firmara favorável à realização,

302

Na análise de Nicolau Sevcenko, contudo, a época referente à ascensão da montanha-russa vai do século XVI a meados do século XIX. Ver SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 303 Na análise de Nicolau Sevcenko, essa época refere-se a, aproximadamente, 1870. Ver SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 304 Disponível em .. Acesso em: 21/05/2014.

178

as obras que custaram uma fortuna eram abandonadas...”305. Cabe notar aqui o paralelo sendo estabelecido entre o conjunto do Ibirapuera e a cidade de Brasília, ambas obras construídas em sítios sem experiência urbana (ao menos formal) anterior – as tais “páginas em branco” – e com edifícios projetados por Oscar Niemeyer. Ambas foram construídas para simbolizar modernidade e, assim, ajudar a criar uma identidade renovada para o país. Essa nova identidade, pujante e atrativa, porém, podia ir, rapidamente, “da frescura à decrepitude”306; havia uma “precocidade dos estragos”307. Lévi-Strauss escreveu as seguintes palavras a respeito de São Paulo, que parecem se enquadrar bem no contexto de deteriorização do Parque Ibirapuera, antes símbolo de modernidade e de progresso:

No instante em que se erguem os novos bairros, quase não chegam a ser elementos urbanos: são demasiado novos, brilhantes e alegres para o serem. Assemelham-se mais a uma feira, a uma exposição internacional construída para durar alguns meses. Passado esse período de tempo, acaba a festa e essas bugigangas gigantescas definham: as fachadas estalam, a chuva e o musgo enchem-nas de sulcos, o estilo passa de moda, a ordenação arquitetônica primitiva desaparece com as demolições que são exigidas, e também por uma nova impaciência. (...) as [cidades] do Novo Mundo vivem febrilmente numa doença crônica: eternamente jovens, nunca são todavia saudáveis308.

Apesar da deterioração do Ibirapuera, o Parque continuava a ser frequentado pelo público. A reportagem em questão traz quatro fotografias inteiras (as outras estão sangradas) do uso do Parque pela população. As três menores, no canto esquerdo da página, retratam: o Planetário com um casal passeando no primeiro plano pois, segundo a legenda, o edifício está “sempre cheio de estudiosos”; jovens em motocicletas, veículos para os quais “há sempre lotação garantida”; e um barco coletivo para passear pelo lago. A foto maior retrata um casal num barco no meio do lago e traz a legenda “a fotografia nos convence de que um barco para dois é bem mais romântico.”309

305

O Estado de S. Paulo, 25 de março de 1960, p. 8. Disponível em . Acesso em: 21/05/2014. 306 LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. Lisboa: Edições 70 Lda, 1955, p. 86. 307 Ibidem, p. 87. 308 Ibidem, p. 87. 309 O Estado de S. Paulo, 25 de março de 1960, p. 8. Disponível em . Acesso em: 21/05/2014.

179

Detalhes das imagens publicadas em O Estado de S. Paulo, 25 de março de 1960

O trecho da legenda “a fotografia nos convence” merece ser comentado, pois confere ênfase ao fato de que a imagem fotográfica nunca é totalmente neutra e isenta; ela é sempre, em maior ou menor escala, uma forma de representação com potencial semântico, capaz de comunicar mensagens e de provocar ideias. Cabe notar que, nessas fotografias, os usuários do Parque aparecem com muito mais frequência enquanto sujeitos da imagem, ao passo que, durante a construção e inauguração do Ibirapuera, a arquitetura sempre foi a principal retratada. Isso pode ser devido ao fato de que existe certa ‘tradição’ da imagem arquitetônica ser, muitas vezes, desprovida de presença humana, para que ela possa se concentrar na composição e na textura dos volumes retratados.

(...) as reproduções impressas adquiriram um discurso de enfoques livres e picados (...) a abstração esteve presente na exposição dos novos edifícios e, curiosamente, embora a própria arquitetura seja um objeto criado para se habitar, a ausência de pessoas nas imagens tornava-se cada mais evidente à medida que a fotografia firmou presença nas páginas das revistas especializadas310.

MÉNDEZ, Patricia. “Fotografias en revistas de arquitectura: un discurso de la modernidade en Buenos Aires. 1930-1950.” Atrio, 15-16 (2009-2010), p. 176. 310

180

Outras visões a respeito da fotografia de arquitetura se opõem à representação dos edifícios como objetos estáticos ou como obras de arte que devem ser meramente contempladas e propõem imagens mais “realistas” da arquitetura, buscando evidenciar a maneira como ela é na vida cotidiana, utilizada e animada por seres humanos, que lhe conferem escala e até mesmo valor social. Para Iain Borden a representação de características temporais da arquitetura em determinado período histórico revela o modo como as pessoas vivem e a forma como as cidades e os edifícios mudam e evoluem311.

4.4 Paisagens em disputa

Com todos os problemas surgidos no Parque Ibirapuera após sua inauguração e com todas as críticas feitas à Prefeitura, começaram a surgir alguns sinais de melhora ainda no começo da década de 1960. Um dos primeiros edifícios que apareceu na mídia como alvo de remodelação foi o Palácio de Exposições, que iria “receber pintura plástica idêntica à utilizada pelos norteamericanos em seus foguetes estratosféricos.”312 A pintura igual a dos foguetes não deixa de ser significativa dado o imaginário “Wellsian” da obra, conforme apontado por Mindlin e, inclusive, seu uso como Museu da Aeronáutica a partir de 1956313.

Ver PETROVICI, Liliana-Mihaela. Photography – a vehicle of architectural communication Disponível em: . Acesso em: 21/02/2015. 312 Folha de S. Paulo, 15 de março de 1961, p. 14. Disponível em: . Acesso em: 23/05/2014. 313 Cabe notar que aeronáutica é a atividade e o estudo da locomoção aérea no interior da atmosfera terrestre, bem como dos meios utilizados para esse fim (aeronaves). A locomoção aérea fora da atmosfera terrestre (acima dos 200.000 m de altitude) passa a estar incluída no âmbito da astronáutica.” 311

181

Folha de S. Paulo, 15 de março de 1961, p. 14, autoria não creditada314

A fotografia do pavilhão ressalta o caráter reluzente do material utilizado em seu revestimento exterior. O facho de luz em perspectiva, criado pela sombra da marquise, resulta em sensação de movimento e, assim, também condiz com o material de foguetes que seria utilizado no revestimento da obra. Nem todas as imagens do período foram utilizadas para remeter a esse tipo de concepção de futuro, pois este também apareceu, indiretamente, de maneiras mais singelas. O chegar da primavera foi utilizado simbolicamente pelos jornais com o intuito de demonstrar a promessa de nova vida ao Parque. Nesse sentido, as construções deixaram de ser o foco principal de atenções e a natureza ganhou maior destaque. Se a infinitude dos componentes de construções pode causar efeito assombro e de sublimidade na arquitetura, pode-se pensar, nos espaços verdes do Parque, em outro tipo de infinidade, um que causa prazer. Esse sentimento pode ser associado com o pitoresco. A primavera salientada nos jornais, por exemplo, é compreendida como um acontecimento agradável, pois “a imaginação é alimentada com a promessa de algo mais e não se fixa no objeto presente dos sentidos.”315

314

Disponível em: . Acesso em: 23/05/2014. BURKE, Edmund. Uma Investigação Filosófica Sobre a Origem das Nossas Ideias Sobre o Sublime e o Belo. Campinas: Unicamp/Papirus, 1993, p.84. 315

182

“A quase primavera”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 05 de agosto de 1965, p. 56

“A paisagem renovada”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 08 de outubro de 1965, p. 34316

Artigo publicado pelo O Estado de S. Paulo em 1965 tratou do fim do inverno e da aproximação da primavera, com os sinais das primeiras folhas nas árvores: “é o caso das paineiras do Parque do Ibirapuera”317. Alguns dias depois, outro artigo do mesmo jornal fez referência a uma “paisagem renovada”, uma vez que “mais de 200 novas árvores já foram plantadas no Ibirapuera pela Prefeitura, de acordo com o plano de remodelação do Parque, para o qual poderá ser adotado projeto de Burle Marx.”318 Há algo de idílico nessas imagens, principalmente na segunda, que revela uma luz vindo do fundo da imagem em direção ao observador. De maneira pouco usual ao que foi observado até agora, essas fotografias retratam o Parque com foco não na modernidade da arquitetura, mas no espaço verde oferecido à contemplação. A atenção deixa, nesse momento, de recair no complexo arquitetônico para se debruçar sobre a paisagem natural (ainda que se deva argumentar, conforme já citado anteriormente, que paisagem nunca é ‘natural’, pois é sempre

316

Disponível em: e . Acesso em: 21/05/2014. 317 O Estado de S. Paulo, 05 de agosto de 1965, p. 56. Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014. 318 O Estado de S. Paulo, 08 de outubro de 1965, p. 34. Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014.

183

um construto sociocultural). De qualquer modo, a mudança de foco de um tipo de paisagem para outro é significativa do uso que se pretendia que a população fizesse desse espaço. Além das árvores, os lagos também começam a aparecer com mais frequência nas fotografias em meados da década de 1960, já que, se limpos, seriam capazes de proporcionar “ao paulistano, principalmente nos fins de semana, horas de agradável divertimento. O Parque vai ser submetido a um processo de remodelação a fim de que possa oferecer maiores atrativos.”319 Era importante que a população da cidade pudesse usufruir do espaço público do Ibirapuera. A condição deteriorada do Parque dificultava esse uso e a capacidade de recreação e relaxamento dos usuários. Por isso, era preciso que o Parque pudesse oferecer “maiores atrativos.” O artigo de O Estado de S. Paulo, publicado em junho de 1965, comenta sobre o início da limpeza geral do Ibirapuera, inclusive dos lagos, e a colocação de novos gramados que estavam sendo realizados pela Prefeitura. Entre os melhoramentos em vista estavam os projetos de iluminação do Parque, estacionamentos, policiamento e ampliação do parque infantil com balanças e gangorras. Pensava-se também na possibilidade de por em prática os projetos paisagísticos de Burle Marx, que nunca haviam sido executados, e até mesmo na exibição de exposições ao ar livre em baixo da grande marquise. Com relação à limpeza dos lagos, previa-se a canalização de parte do córrego do Sapateiro para que o esgoto não fosse lançado in natura, poluindo e até mesmo secando os lagos do Ibirapuera. Com os lagos limpos, a paisagem do Parque pode aparecer relacionada à recreação e ao descanso do público. A natureza é vista como um ambiente variado, acolhedor e propício que favorecia, no usuário e/ou observador, o desenvolvimento de sentimentos sociais. Isso pode ser observado na retratação das águas calmas com barcos que transportam famílias e namorados e com as cadeiras colocadas às margens do lago, oferecendo momentos de relaxamento e de contemplação ao público do Parque320.

319

O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 1965, p. 26. Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014. 320 Cabe notar que, ainda no século XIX, os fotógrafos do Pitoresco, conscientemente ou não, ajudaram a legitimar a reivindicação da fotografia de ser aceita como uma forma de arte, inserindo-a na tradição estabelecida de pinturas e de gravuras de paisagem. Ver ACKERMAN, James S. The Photographic Picturesque. Artibus et Historiae, Vol. 24, No. 48 (2003), IRSA s.c. Disponível em: . Acesso em: 09/10/2015. Acesso em: 03/09/2015.

184

“Remodelação”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 1965, p. 26

“Este é um dos lagos do Ibirapuera que vai ser dragado”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 06 de setembro de 1966, p. 14321

Nas duas imagens dos lagos aqui reproduzidas, é possível atentar para a serenidade que pode ser proporcionada aos usuários do Ibirapuera, localizado em meio à cidade moderna. Com o skyline verticalizado ao fundo da primeira imagem e com a construção moderna erguida na segunda que, nesse caso, compõe a paisagem do Parque, o (aparente) contraste entre a metrópole moderna e a tranquilidade do espaço público pode ser notado. É dessa possibilidade de o Ibirapuera oferecer um espaço para lazer e relaxamento ao público metropolitano que vieram as maiores críticas a sua deterioração e algumas das mais fortes razões, justamente por parte desse público, para sua remodelação.

Paulistanos no Ibirapuera, 1965, autoria não creditada / Folhapress

321

Dimanche après-midi à l’île de La Grande Jatte, 1884-1886, Georges Seurat,

Disponível em: e . Acesso em: 21/05/2014.

185

Na fotografia acima, os usuários do Ibirapuera estão no primeiro plano, imersos em suas atividades de lazer nas margens do lago; ao fundo, num segundo plano, observa-se o skyline de São Paulo. Esse contraste parece procurar simbolizar o oásis verde, de ordem e harmonia, que existe dentro do espaço mais desordenado e frenético que é a metrópole moderna. A fotografia remete à pintura modernista de Georges Seurat intitulada Dimanche après-midi à l’île de La Grande Jatte: o corpo d’água possui formato similar e encontra-se na mesma posição, barcos velejam nele; meninos sentam à beira do lago; crianças correm na grama; famílias passeiam no espaço público. Na tela, o pintor busca encontrar forma para a aparência de classe na sociedade capitalista, especialmente para a burguesia. O tema de Seurat, contudo, “é a rigidez do lazer parisiense, desanimado e avacalhado, no qual a própria recreação é cheia de pose.”322 Suas personagens são retratadas como “pessoas endomingadas, que caminham sem prazer pelos lugares onde se supõe que devem caminhar aos domingos.”323 Já a imagem fotográfica do Ibirapuera em 1965 revela, até mesmo pelo caráter próprio da fotografia, personagens mais dinâmicas, em movimento. No primeiro plano, na lateral esquerda da fotografia, há a figura de uma menina de pé, que se encontra em posição similar à da figura feminina da tela. A imagem da menina da fotografia, contudo, está borrada devido ao movimento que fez no momento da captura da imagem, enquanto a personagem de Seurat encontrase estática. Apesar da diferença em dinâmica, a classe das personagens da pintura e da fotografia parece ser a mesma. As pessoas retratadas ocupando este espaço público não são iguais às que o ocupavam antes da implantação do Ibirapuera. Os cidadãos que são incluídos dentro do projeto de modernização – e não excluídos dele, como aconteceu com a população que morava na favela do Ibirapuera no início da década de 1950 – parecem pertencer à mesma classe média, burguesa. Essa observação não deixa de causar estranhamento, pois com tamanha deterioração descrita, seria de se esperar que o Parque fosse frequentado por classes mais marginalizadas, ou excluídas, da sociedade. As fotografias analisadas para esta pesquisa, porém, não revelam isso. Mesmo com as dificuldades enfrentadas no Ibirapuera, parcelas da população paulistana ainda frequentavam o espaço. Era importante, porém, dar início às reformas necessárias, até mesmo para que esse uso pudesse ser ampliado. De acordo com artigo de O Estado de S. Paulo,

322

FÈVRE, Henry. La Revue de Demain. In: CLARK, T.J. A Pintura da Vida Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 350. 323 PAULET, Alfred. Paris, 5 de junho de 1886. In: CLARK, T.J. A Pintura da Vida Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 351.

186

de 1967, as obras parciais de reforma do Parque tiveram início somente neste ano, “no setor onde está localizado o obelisco em homenagem aos heróis de 1932.”324

“Para o dia 9 de Julho, o Parque do Ibirapuera será reformado”, autoria não creditada / O Estado de S. Paulo, 09 de junho de 1967, p. 12325

Dois anos depois, em 1969, foi entregue à população da cidade o trecho da avenida 23 de Maio até o Parque Ibirapuera, além da ligação da avenida 23 de Maio com a avenida Rubem Berta. A perspectiva criada pela ligação da 23 de Maio, de onde já se avista o Mausoléu, até o Parque ajuda a completar a narrativa a respeito da ação seletiva de momentos da história de São Paulo que contribuíram para o “agigantamento” do Brasil. Apesar do início das obras de reforma, as críticas com relação ao mau estado de conservação do “Ibirapuera, o parque que S. Paulo não tem”326, não cessaram.

324

O Estado de S. Paulo, 09 de junho de 1967, p.12. Disponível em: < http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/1967060928267-nac-0012-999-12-not/busca/Ibirapuera>. Acesso em: 21/05/2014. 325 Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014. 326 O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1967, p.33. Disponível em: < http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/1967082528333-nac-0033-tur-1-not/busca/Ibirapuera>. Acesso em: 21/05/2014.

187

“Ibirapuera, o parque que São Paulo não tem”, autoria das imagens não creditada / O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1967, p. 33327

Dentre as imagens publicadas no artigo, quatro retratam crianças – com balões, brincando no trepa-trepa, com fitas, sentadas na grama –, vistas como as principais prejudicadas pelo estado de abandono do Parque. Somente uma imagem retrata homens trabalhando para a recuperação do Ibirapuera, prometida pela Prefeitura em razão do apelo da população e da mídia. O Ibirapuera foi tido como “dívida da Prefeitura”, já que era utilizado por diversos “tipos” que o frequentavam: “juventude (...), velhice (...), estadistas (...) artistas, cientistas, homens de negócio (...), do País e do estrangeiro”328. O Parque, que era considerado a “sala de visitas de São Paulo”, possuía, como “hostess (...) uma dama desleixada.” 329 O articulista ainda relaciona o estado de conservação em que se encontrava o Parque com a etimologia do nome Ibirapuera e sugeriu: “que se

327

Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014. 328 O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1967, p. 33. Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014. 329 O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1967.

188

mude o nome para fugir à predestinação. Yby-ra-puêra significa pau podre, árvore antiga, extinta, que foi e já não é (Melhor que o Parque Ibirapuera, que nem mesmo ainda chegou a ser).”330

“Ibirapuera é dívida da Prefeitura”, autoria das imagens não creditada / O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1967, p.35331

Mais uma vez, aparecem as figuras que frequentam o Parque – crianças, famílias, namorados – e somente duas das fotos dessa página de jornal são de obras construídas: o Ginásio e o Monumento às Bandeiras. A imagem desse último, acompanhado de sua legenda – “e nós não conseguimos desbravar um parque” – é expressiva.

330

O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1967, p. 35. Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014. 331 Disponível em: . Acesso em: 21/05/2014.

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Detalhe de O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1967

O bandeirismo, que até então aparecia somente como positivo, sinal de bravura e de força, é usado agora, passados os festejos do IV Centenário para os quais o Ibirapuera foi planejado e construído, para mostrar a incapacidade de manter o Parque em bom estado de conservação para usufruto do público. Há uma espécie de inversão de valores na ironia da legenda, que marca esse novo momento da história do Parque.

4.5 Outras publicações internacionais: “New Directions in Latin American Architecture” e “Arquitectura Lationoamericana 1930/70”, de Francisco Bullrich (1969) e “Oscar Niemeyer”, de Rupert Spade e Yukio Futagawa (1971)

Entre o final da década de 1960 e o início da de 1970, surgiram novas publicações de escopo internacional a respeito da arquitetura produzida na América Latina e, dentro desse escopo, também no Brasil. Francisco Bullrich, crítico e arquiteto argentino, foi um dos pioneiros ao historiar a arquitetura do subcontinente. Em 1969, publicou duas obras sobre a arquitetura latino-americana: New Directions in Latin American Architecture foi publicada em Londres e Arquitetctura Latinoamericana 1930/70, em Buenos Aires. Ambos os livros seguem uma mesma linha de interesse na arquitetura latino-americana enquanto contribuição à arquitetura linha de interesse na qual a arquitetura latino-americana aparece enquanto contribuição à arquitetura moderna. Yukio Futagawa foi um fotógrafo de arquitetura japonês que também atuou como editor, tendo fundado a “A.D.A. Edita” e sido diretor da revista fotográfica “Global Architecture”. Futagawa viajou pelo mundo retratando edifícios que lhe chamassem atenção. Dessa maneira,

190

produziu um arquivo enorme de imagens de obras arquitetônicas, que não só documentou, mas das quais também apresentou sua interpretação pessoal da história da arquitetura. Em 1971, Futagawa lançou, juntamente com o crítico de arquitetura Rupert Spade, livro sobre a obra de Oscar Niemeyer, com título homônimo. Essas publicações, apesar de conterem textos explicativos e analíticos, conferem prioridade às fotografias das obras arquitetônicas e, assim, ajudaram a divulgar imagens da arquitetura moderna da região em outros âmbitos.

4.5.1 “New Directions in Latin American Architecture” e “Arquitectura Lationoamericana 1930/1970”, de Francisco Bullrich (1969)

O livro New Directions in Latin American Architecture foi pretendido como uma espécie de catálogo dos exemplos mais significativos, segundo seu autor, Francisco Bullrich, da arquitetura sendo produzida na América Latina no período. Dentre os exemplos selecionados para representar a produção brasileira, encontram-se muitas obras de Niemeyer, como o MESP, a Casa das Canoas, o Hospital Sul América, todos no Rio de Janeiro, o conjunto da Pampulha, em Minas Gerais, e Brasília. De São Paulo, um dos poucos exemplos é o Hotel Copan. Importante notar que o Parque Ibirapuera não consta entre esses principais exemplos, ainda que o autor tenha advertido, em seu prefácio, que seria impossível possuir conhecimento detalhado e atualizado de todos os desenvolvimentos no âmbito arquitetônico através da América Latina e que “é possível que um projeto muito recente interessante tenha sido omitido.”332 Como o livro é de mais de uma década após a inauguração do Parque Ibirapuera, esse não pode ser pensado como um motivo possível para a omissão. Antes, é possível pensar que o estado de deterioração em que o Ibirapuera já se encontrava no final da década de 1960 tenha contribuído para sua exclusão na compilação de Bullrich. Ainda que o Ibirapuera não tenha figurado entre as páginas do livro, seu principal arquiteto, Oscar Niemeyer, foi destacado como importante profissional brasileiro de reconhecimento internacional. Bullrich comenta as qualidades “de sonho, de imaginação quase de ficção científica” 333 de suas obras, características que reconhece ainda mais nas maquetes arquitetônicas do que nas obras em si.

332 333

BULLRICH, Francisco. New Directions in Latin American Architecture. London: Studio Vista, 1969, p. 11. Ibidem, p. 24.

191

É possível pensar que a fotografia de maquetes tenha contribuído de maneira importante para a percepção de Bullrich acerca do caráter “futurista” e imaginativo da obra de Niemeyer. No sentido de ser impossível conhecer todas as obras existentes na região, é interessante notar que o autor comenta que ainda que tenha viajado muito pelo continente, ele teve que recorrer a periódicos quando informações de primeira mão não estavam disponíveis. Essa afirmação ajuda a atestar o valor fundamental que fotografias tiveram na divulgação (e percepção) das obras arquitetônicas modernas. Em Arquitectura Lationoamericana 1930/1970, Bullrich ressalta, entre os exemplos de arquitetura brasileira, obras predominantemente cariocas: o MESP, a Obra do Berço, o Conjunto Pedregulho, o Parque Guinle, entre outros, apesar de ter citado também o Conjunto da Pampulha, em Minas Gerais, Brasília e algumas obras em São Paulo, como a Fábrica Duchen, o Hotel Copan e o Parque Ibirapuera. Bullrich diz ter optado por não focar demasiadamente nas obras de Niemeyer dentro do contexto brasileiro, já que “os numerosos estudos dedicados a sua obra tornariam desnecessária uma apresentação mais detalhada de sua personalidade neste breve trabalho. 334 Mesmo assim, ao comentar a audácia estrutural de algumas obras na produção brasileira, o autor cita, como exemplo, a rampa do interior do Palácio das Indústrias, que aparece ilustrado por uma fotografia de Marcel Gautherot, fotógrafo francês radicado no Brasil, que colaborou ativamente com Niemeyer retratando suas obras dentro da estética modernista.

Rampa do Palácio da Indústria, Parque Ibirapuera, Marcel Gautherot / “Arquietctura Latinoamericana 1930/1970”, de Francisco Bullrich, 1969

334

BULLRICH, Francisco. Arquitectura latinoamericana 1930/1970. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1969, p. 25.

192

A imagem de Gautherot enquadra a rampa do Palácio das Indústrias desde um ponto de vista que privilegia sua forma pouco usual. A geometria dos componentes do edifício e o contraste formado entre as tonalidades clara e escura favorecem a “atmosfera de sonho” sobre a qual Bullrich comentou.

4.5.2 “Oscar Niemeyer”, de Rupert Spade e Yukio Futagawa (1971)

Dentre as obras retratadas no livro Oscar Niemeyer, está o Parque Ibirapuera, ou “os prédios de exposição do quarto centenário de São Paulo”, de acordo com o título do trecho. Juntamente com o Copan, também de autoria de Niemeyer, essa é a única parte do livro dedicado a obras localizadas em São Paulo. A grande maioria dos projetos registrados está no Rio de Janeiro ou em Brasília. Minas Gerais aparece somente com o complexo de Pampulha.

“Oscar Niemeyer”,1971, pp.74-75. Fotografías de Yukio Futagawa

A fotografia que abre a sessão é do Palácio dos Estados. Sua dimensão extrapola a largura de uma só página e ocupa duas meias páginas, de modo contínuo. Dessa maneira, o comprimento do prédio é enfatizado. Os carros que passam na rua logo à frente do Palácio conferem escala ao edifício e corroboram na interpretação de sua extensão. A presença de árvores, como palmeiras, ajuda a remeter o observador ao imaginário referente a um parque – principalmente um parque no Brasil –, pois, de resto, o espaço circundante ao prédio parece bastante árido e deserto. No canto esquerdo inferior da página, há uma foto das rampas externas

193

que dão acesso ao Palácio dos Estados. As rampas recortam a paisagem do fundo e criam focos de interesse diversos na imagem, essa sim com uma vegetação um pouco mais presente.

“Oscar Niemeyer”, 1971, pp. 76-77. Fotografía de Yukio Futagawa

A próxima fotografia do Ibirapuera no livro avança totalmente sobre duas páginas inteiras criando uma grande imagem, capaz de causar o impacto que Futagawa parece acreditar que a arquitetura sendo retratada merece. Trata-se de uma vista do interior do Palácio das Indústrias, com sua sinuosa rampa e com seus pavimentos. Os contrastes entre claro e escuro não foram excessivamente trabalhados, pois aparecem de maneira sutil, mas permitem um retrato mais sugestivo da volumetria da obra. Essa fotografia remete a outras vistas aqui nessa pesquisa335 por ter sido tirada da mesma parte do prédio e de similar ângulo. Ao contrário das outras imagens, contudo, não há a presença de pessoas circulando no espaço retratado por Futagawa, nem sinais de uso, como painéis e objetos. O espaço parece ter sido esvaziado para que a fotografia fosse tirada. Assim, a imagem de Futagawa retrata a arquitetura de maneira mais nítida e lhe confere maior sensação de estabilidade e de requinte formal.

335

Refiro-me aqui às imagens comentadas no capítulo 3 desta dissertação, publicadas nos jornais O Estado de S. Paulo e na Folha de S. Paulo.

194

“Oscar Niemeyer”, 1971, pp. 78-79. Fotografías de Yukio Futagawa

A última sessão de fotografias do Ibirapuera apresenta uma foto de página inteira do Palácio de Exposições e outra, ocupando pouco mais de meia página, do Palácio das Nações. Esta última fotografia retrata o prédio ressaltando os pilotis em forma de “V” (estilizados), os brise-soleil e, ainda que não tanto quanto no Palácio dos Estados, a horizontalidade da obra. A fotografia do Palácio de Exposições confere destaque não só à arquitetura, mas ao céu do fundo, que aparece movimentado pelas ações da luz e do sol nas nuvens. Ainda que o prédio esteja pequeno na imagem como um todo, ele é monumentalizado pela sua relação com o céu. Há certa força e dramaticidade na imagem nesse sentido. A forma inusitada da seção de esfera, que remete a uma espaçonave, ganha ênfase na sua relação com o vasto espaço aéreo circundante. Ao longo de seus sessenta anos de carreira, Futagawa fotografou obras modernistas de alguns dos arquitetos mais renomados do mundo – como Frank Lloyd Wright, Richard Neutra e Mies van der Rohe – e os apresentou em uma série de livros, assim como em revistas. Apesar de Oscar Niemeyer já ter posição estabelecida no âmbito internacional na década de 1970, a publicação do livro de Futagawa sobre sua obra o reiterou enquanto um dos mestres do modernismo. Dentro do conjunto de trabalhos de Niemeyer, Futagawa selecionou as obras que lhe pareceram ser as mais paradigmáticas e o Parque Ibirapuera figurou nessa seleção.

195

4.6 Influência do Parque Ibirapuera na arquitetura moderna brasileira

Ao marcar momento importante do desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira, o Parque Ibirapuera representou, para além da pujança e do progresso de São Paulo, oportunidades de desenvolvimento para a elaboração de procedimentos arquitetônicos que posteriormente seriam realizados em outros projetos, principalmente nos do próprio Niemeyer. Com a inauguração do Parque e com o auxílio de suas imagens que circularam amplamente na mídia, ajudou-se a criar determinado imaginário para a arquitetura moderna brasileira tida como paradigmática. Conforme o já citado depoimento de Carlos Lemos: “Depois da criação do Ibirapuera, nenhuma outra obra pública ignorou o moderno na arquitetura.” Com o passar dos anos, é possível perceber o estilo arquitetônico do Ibirapuera começar a se propagar. Até mesmo nos jornais fez-se menção ao fato. Segundo O Estado de S. Paulo em matéria publicada em 1967:

O arquiteto Oscar Niemeyer (...) recebeu do governador Israel Pinheiro a incumbência de elaborar o projeto do Parque das Exposições, a ser construído na Gameleira, local que o próprio arquiteto recomendou. O Parque das Exposições será construído dentro do estilo do Ibirapuera em São Paulo, e servirá para feiras nacionais e internacionais, audições artísticas e congressos336.

Em Minas Gerais, portanto, o Parque da Gameleira, que deveria ganhar novo pavilhão para exposições, com projeto do arquiteto Oscar Niemeyer e do engenheiro Joaquim Cardozo, deveria seguir os padrões de modernidade do Ibirapuera. A obra, contudo, nunca foi concluída. Em 1971, ocorreu o que ficou conhecido como um dos maiores acidentes da construção civil brasileira. Israel Pinheiro, na sua ânsia para deixar um legado arquitetônico do seu governo, pressionou para que a entrega do moderno pavilhão da Gameleira saísse prontamente, ainda durante o seu mandato, mesmo que operários já estivessem alertando o governo sobre fissuras e estalos nos alicerces. A estrutura desabou e cerca de dez mil toneladas vieram abaixo. Com a queda da estrutura, quase cem operários morreram e houve pelo menos o mesmo número de feridos. O projeto da Gameleira não é muito comentado entre as obras de Oscar Niemeyer por ele nunca ter sido completado e, talvez, pela “sombra” que o episódio poderia lançar sobre a

336

O Estado de S. Paulo, 25 de junho de 1967, p. 15. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2014.

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figura de um dos mais renomados arquitetos modernistas brasileiros337. No seu projeto, porém, a influência do Ibirapuera era percebida. Se o Parque das Exposições acabou sendo pouco comentado devido à tragicidade do evento, outra obra, dessa vez muito comentada e louvada devido ao seu caráter monumental, foi Brasília. Os projetos da nova capital, em parte, seguiram estilos previamente apontados no Ibirapuera. Na época de sua construção e inauguração, Brasília foi vista como um exemplo de projeto modernista de grande ousadia, mas não foram encontradas referências específicas às possíveis influências do Ibirapuera na nova cidade. Foi somente em razão do oitavo ano de existência da nova capital que surgiu o paralelo impresso na página do jornal O Estado de S. Paulo, em abril de 1968:

À procura de um denominador comum para caracterizar os edifícios, digamos nobres, da Nova Capital, levou o arquiteto a projetar um elemento estrutural que fixa, de maneira impressionante, a paisagem arquitetônica da cidade. É exatamente esse elemento que serve de base à nossa publicação. Contudo, apesar de Niemeyer ter anunciado seu aparecimento nos projetos de Brasília, encontramos sua origem em realizações bem anteriores do arquiteto, como a capela de Pampulha (apoio da marquise sobre a entrada do templo), a Fábrica de Biscoitos Duchen e o Parque Ibirapuera. (...) como podemos observar no primeiro desenho (alto da página, à esquerda), a linha de contorno que irá definir os elementos estruturais das obras de Brasília já se esboça no Marco do IV Centenário de São Paulo, também projetado por Niemeyer. (...) Nos desenhos subsequentes tomamos idêntico partido, fazendo-se notar a antecipação, já no anteprojeto do Parque Ibirapuera (Planetário e Auditório), da inversão de massas que caracteriza os edifícios da Câmara e do Senado. A solução para o teatro – não construído no Ibirapuera – parece ter sido transferida por Niemeyer para Brasília, com a inversão da forma e o acréscimo de montantes de concreto nas fachadas principais. Pela foto no rodapé da página pode-se sentir a afinidade plástica entre o Teatro e a Catedral338.

Segundo o artigo “Curadores atacam mostra sobre desabamento de obra de Niemeyer”, de Silas Martí, publicado na Folha de S. Paulo em 17 de junho de 2014, “o episódio conhecido como a tragédia da Gameleira, o bairro de Belo Horizonte que abrigava a construção, é ainda hoje um ponto obscuro na trajetória de Niemeyer.” Ver . Acesso em: 13/10/2015. 338 O Estado de S. Paulo, 20 de abril de 1968, p. 7. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2014. 337

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“Brasília, poesia em ritmo de arquitetura”, autoria das imagens não creditada / O Estado de S. Paulo, 20 de abril de 1968, p. 7339

O artigo de jornal faz referência a três principais influências do Ibirapuera em Brasília: a linha de contorno da espiral do progresso; a cúpula do Palácio de Exposições e a forma (invertida) do Auditório, naquela época ainda não construído. Ainda que a forma da espiral e do Auditório possam ser compreendidas como interpretações mais soltas, a seção de esfera do prédio hoje conhecido como Oca é de mais fácil identificação. A cúpula como forma autônoma, livre no espaço, é outra tipologia que persistiu na obra de Niemeyer, sendo que a primeira experiência foi desenvolvida no Pavilhão de Exposições. O sucesso obtido no Parque Ibirapuera culminou nas duas cúpulas, uma delas invertida, que formam os prédios do Senado e da Câmara dos Deputados na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Algumas versões diferentes da cúpula foram desenvolvidas posteriormente ao Ibirapuera e a Brasília, principalmente nos anos mais recentes: a sala de conferência da sede do Partido Comunista Francês, em Paris, de 1965; a Sala Poliesportiva “A Cúpula”, em Argel, na Argélia, em 1975; a Fundação Oscar Niemeyer, em

339

Disponível em: . Acesso em: 22/05/2014.

198

Niterói, em 1999; o Centro Cultural de Goiânia, em 2006; o Museu de Arte de Brasília, em 2007; O Centro Cultural Internacional Oscar Niemeyer, em Avilés, na Espanha, em 2011. É possível pensar que semelhanças entre os diversos projetos de Niemeyer, e entre diversas fotografias de sua arquitetura, ocorressem nos âmbitos internacional e nacional, em alguns dos principais centros de poder no país da época: Rio de Janeiro, que a elite de São Paulo pretendia “igualar” ou mesmo “superar” em prestígio enquanto cidade metrópole moderna, produtora de riqueza e de cultura; Belo Horizonte, onde foi construído, ainda na década de 1940, o complexo da Pampulha e, depois da construção do Ibirapuera em São Paulo, haveria o Parque das Exposições, na Gameleira; e Brasília, moderna capital planejada. É evidente que as obras de Niemeyer encontram grande ressonância com seus trabalhos erguidos no Brasil e fora dele. Nesse sentido, o Ibirapuera pode ser compreendido como um sucessor da Pampulha e como uma espécie de precursor de Brasília. Nos três casos, é possível relacionar o fato de as obras construídas para representar a modernidade terem sido erguidas em espaços sem construções anteriores – a “página em branco” conforme escreveu Recaman –, com imagens que se pretendia passar ao público, fosse ele nacional ou internacional

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CAPÍTULO 5 – A CONSOLIDAÇÃO DE UM PARQUE OU DE UMA PAISAGEM HETEROTÓPICA

Com o transcorrer do tempo – desde a época de sua construção, passando pela inauguração, até um período posterior, quando o Parque já estava melhor integrado à vida da cidade –, o Ibirapuera foi representado como um espaço público de grande importância, que deveria refletir a modernidade e a monumentalidade de São Paulo dentro do contexto de progresso almejado também para o país. Essa aspiração foi mais forte no período de idealização, construção e inauguração do Parque, mas permaneceu mesmo após essa época, inclusive quando ele entrou em decadência. A ambição de fazer do Parque um símbolo de modernidade apareceu no complexo arquitetônico e paisagístico de diversas formas, fazendo alusões à história passada, sua influência no presente e nos apontamentos das possibilidades para o futuro. A acumulação de diferentes tempos e a justaposição de vários pequenos espaços, aparentemente incompatíveis entre si, contidos simultaneamente dentro de um outro maior, são, conforme se apontou na introdução deste trabalho, alguns dos princípios utilizados para definir o conceito de heterotopia, espaço concreto no qual idealizações e representações se encontram presentes. Para Michel Foucault, o mais antigo exemplo de heterotopia, que toma a forma de sítios contraditórios, é o jardim persa. Nele, eram reunidos diferentes tipos de plantas dos quatro cantos do mundo, numa espécie de microcosmo, ao redor do espaço central da fonte, ainda mais sagrado do que os outros e para onde as atenções eram atraídas. “O jardim é a menor parcela do mundo e daí é a totalidade do mundo.”340 A partir dessa análise, é possível supor que os parques possam ser compreendidos como heterotopias e o Ibirapuera é emblemático nesse sentido. Em seu projeto paisagístico, também se encontram plantas de diferentes regiões: da mata atlântica, da amazônia, do cerrado, do sertão. Em seu complexo, forma-se uma heterogeneidade que é típica do país. Ainda que esteja localizado na cidade de São Paulo, o Ibirapuera possui uma simbologia mais abrangente, que o conecta com uma interpretação paulistana seletiva e elitizada da história do Brasil. Trata-se de um microcosmo da nação que pretende representar sua totalidade e que condensa natureza e cultura no espaço urbano, criando um “enraizamento paisagístico que fortalece uma consciência

340

FOUCAULT, Michel. Of Other Spaces, Heterotopias. Architecture, Mouvement, Continuité 5 (1984), p.6.

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nacional.” 341 Percebe-se uma narrativa evidente no conjunto formado pelos monumentos às Bandeiras e ao Soldado Constitucionalista e pela construção do Parque Ibirapuera: a invenção do Brasil por sua descoberta, a expansão das fronteiras e do território com a ação dos bandeirantes, a resistência paulista à ditadura varguista. Aliada à modernidade construtiva do Parque, forma-se uma narrativa paisagística, ainda que parcial, que renova e transpõe o caráter desbravador do bandeirante para o industrial e justifica a liderança de São Paulo no contexto brasileiro, construindo uma identidade nacional a partir da identidade paulistana. No Ibirapuera, a identidade nacional é confundida com aspectos atrelados à modernidade, fazendo com que uma leitura específica sobre esse conceito que se pretendeu criar em meados do século XX seja evidenciada. Outra acumulação que pode ser percebida no espaço do Ibirapuera é a de diversos tempos, que Foucault denomina de heterocronias. Esse termo é aplicado quando o homem é capaz de obter, por meio do espaço heterotópico, uma ruptura com seu tempo tradicional. Como nas obras pertencentes aos acervos de alguns dos espaços expositivos do Parque, o tempo pode acumular; mas o tempo também pode ser transitório, como nas exposições temporárias dos pavilhões ou mesmo em feiras, como a internacional de 1954. Com relação a esse evento, cabe mencionar a acumulação de estados brasileiros e de nações estrangeiras que estiveram presentes no momento da inauguração do Ibirapuera. Ainda que as diversas instâncias, identidades – regionais ou nacionais – e possibilidades recreativas presentes no Parque permitam que seus usuários tenham diversas opções de lazer, talvez a mais interessante acumulação de tempos e de histórias presente no Ibirapuera seja aquela que forma sua principal narrativa: a invenção da “paulistaneidade” como imperativa ao construto sociocultural da nação brasileira. Dentro do complexo do Ibirapuera, há uma “colagem” de diferentes tempos relevantes para a história do Brasil. A Oca, por exemplo, – que só mais tarde recebeu esse nome, fazendo alusão à morada indígena –, apareceu, a partir desse momento, como espécie de marco fundador e representou o primeiro tempo colonial. A figura dos bandeirantes foi exaltada, de maneira seletiva, como desbravadora e expansora das fronteiras nacionais, sugerindo que o Brasil possui extensos territórios também e, talvez principalmente, devido às ações das bandeiras paulistas. A posição do Monumento às Bandeiras que sai, alegoricamente, de São Paulo em direção à mais abrangente avenida Brasil é significativa. A capital paulista também

CLAVAL, Paul. Les Paysages Culturels Europeens. Héritage et Devenir. Paris: Presses de l’ Université de Paris-Sorbonne, 1989, p.19. In: TORRÃO FILHO, Amilcar. A Tropicalidade dos Trópicos: Paisagem Cultural e Identidade Nacional da Baía de Guanabara. Arte e território no mundo lusófono e hispânico/Organizador Luiz Manoel Gazzaneo. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROARQ, 2014. 341

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aparece como palco para o tempo da Independência e o Mausoléu ao Soldado Constitucionalista representa a luta de cidadãos por melhores condições de governo. O tempo contemporâneo à construção do complexo do Ibirapuera, o da indústria, que possibilitou o crescimento da cidade, foi devidamente representado por meio da construção de pavilhões como o da Indústria e do Comércio. O passado relacionado à Agricultura também mereceu destaque, já que foi erguido um pavilhão em sua homenagem. Percebe-se, assim, que houve um simbolismo estabelecido na própria construção do Ibirapuera, possível por meio da aglutinação de momentos significativos dos paulistanos dentro do âmbito maior da história do Brasil. São Paulo aparece na narrativa como irradiadora do progresso para o resto do país. Nesse sentido, a indústria paulista é colocada como herdeira dos bandeirantes e pretende-se, de maneira semelhante, que seus produtos sejam levados para todo o país, fornecendo-lhe um modelo de desenvolvimento. A partir do exemplo de São Paulo, a narrativa construída por meio da justaposição de tempos históricos selecionados sugere que seria possível construir um futuro moderno também para o Brasil. Outro princípio levantado por Foucault para delimitar as heterotopias é referente aos processos de abertura e de fechamento, pontos de entrada e de saída dos espaços heterotópicos. A passagem por esses espaços, segundo Foucault, geralmente não é acessível a todos em todos os momentos. Ainda que o Ibirapuera seja um espaço público que proporciona diferentes atividades com as quais seus usuários podem se ocupar (culturais, esportivas, comerciais, educacionais) – e que, portanto, também funciona como um aglutinador de diferentes tipos de pessoas, de diferentes faixas etárias, de diferentes interesses e diferentes classes sociais –, cabem questionamentos a respeito de sua acessibilidade. O Parque foi destinado à população de São Paulo de maneira geral, mas, nas entrelinhas, é possível pensar nas parcelas da população que foram excluídas do uso desse novo espaço público, tanto oficialmente quanto extraoficialmente. Como o Ibirapuera foi projetado para representar a força e a pujança de São Paulo e um modelo para o desenvolvimento do Brasil, certos segmentos da população não seriam bem vindos, pois comprometeriam essa concepção. Isso ficou claro com a remoção da favela da área para a implantação do Parque. Segundo organização proposta por Denis Crosgrove, conforme se viu na introdução deste trabalho, a favela do charque do Ibirapuera seria uma paisagem “excluída” do discurso imposto pelas elites, pela “cultura dominante”, que propôs o espaço público como lugar exaltador de modernidade, de força e de progresso. Com a implantação do Parque, começa-se a perceber a valorização dos terrenos da região, conforme foi observado com o Jardim Lusitânia. Essa especulação imobiliária ajudou a afastar a população pobre da área. Apesar da Comissão Organizadora das comemorações do IV Centenário ter providenciado transporte público gratuito

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para levar a população ao Ibirapuera na época de sua inauguração, não tardou para que o acesso ao Parque ficasse dificultado. Segundo German Lorca, “o transporte público para se chegar lá era insuficiente no começo. O povo ia até a atual avenida Ibirapuera e ia a pé até o Parque, ou pela entrada da República do Líbano. A frequência, inicialmente, não era tanta por causa disso.”342 Cabe notar, porém, que essa exclusão não é mais verificada contemporaneamente. Os usuários do Parque vêm de várias classes sociais, de diferentes grupos etários e possuem diferentes interesses. É possível argumentar que o Ibirapuera funcione, hoje, mais como um espaço de congregação do que como um de exclusão. Outra ausência relevante do Parque, que pôde ser percebida na observação das fotografias analisadas nesta pesquisa, foi a do negro. Silvio Luiz Lofego já apontou para sua pouca visibilidade nos festejos do IV Centenário 343 . A classe média branca foi a principal focalizada nas fotografias aqui presentes, ajudando a formar o imaginário de cidade e de país “civilizados”, rumo ao progresso, apesar da reiteração do mito das três raças, presente em construções como o Monumento às Bandeiras. O conceito de heterotopia é uma maneira instigante de pensar a combinação de diferentes sentidos de espaço e de tempo no Ibirapuera, sejam eles materiais ou metafóricos. É possível entender as heterotopias também como uma maneira de pensar a representação do complexo do Parque na fotografia, pois esta, em seu registro do olhar, é, ela mesma, heterotópica, já que o objeto representado não está presente em si no material impresso. Ao olhar para uma imagem fotográfica, o observador ‘ausenta-se’ do lugar em que se encontra fisicamente, ainda que só por alguns instantes, pois está com seu olhar dirigido para a imagem; e esta imagem não está presente concretamente no mesmo espaço que o observador, ela não o circunda. Espaços heterotópicos são, em certa medida, espaços de representação e, até mesmo, de ilusão. Neles, pode-se perceber a convergência de uma paisagem imaginada a priori, da narrativa que a formula e a mapeia, além da recepção dessa paisagem por parte dos usuários ou dos observadores. Segundo Alain Roger, é importante desconstruir o dogma ocidental de que a arte é imitação da natureza. Para ele, muitas vezes percebemos a natureza, ou aquilo que nos circunda, por meio de representações. Nesse sentido, Roger estabelece diálogo com Anne Cauquelin quando esta escreve que só se poder ver aquilo que já foi visto anteriormente. Roger denomina

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LORCA, German. Entrevista concedida para esta pesquisa no dia 13/05/2015. LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo – a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. 2002. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p.48. 343

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esse processo em que as representações artísticas modelam nossa experiência e permitem com que vejamos as coisas de determinada maneira de “artealização” 344 . Assim, a paisagem é compreendida como um lugar privilegiado para perceber a força e o poder desses modelos representativos. Muitos que não têm acesso direto e físico ao Parque Ibirapuera o conhecem por meio de imagens, de desenhos e principalmente de fotografias, divulgadas em materiais impressos. Devido a essa possibilidade de artealização, Roger define os lugares e os países como paisagem em potência, como pontos a partir dos quais paisagens poderão ser elaboradas. Espaços de recepção também podem ser considerados como heterotopias. Revistas, jornais, livros e catálogos são capazes de congregar informações díspares sobre os mais variados temas e pontos de vista, aproximando elementos distantes entre si. Espaços de recepção pressupõem uma ruptura na temporalidade tradicional do receptor, pois ele passa a adentrar o espaço da narrativa. Para tanto, é preciso que haja algum sistema de passagem permitindo sua entrada; é preciso que se faça uma assinatura de jornal ou de revista, ou que se compre um livro ou catálogo para usufruir desse espaço de ilusão que remete ao real. Dentro dos espaços de recepção, há diferenças perceptivas que devem ser notadas, pois a atenção do observador muda conforme o veículo que divulga as imagens e/ou a narrativa. Em livros e catálogos, tende-se a observar as imagens com mais atenção e cautela, pois o próprio meio propicia essa atitude. Já em revistas e jornais, a atenção do receptor pode ser bem menos direcionada, pois na correria e simultaneidade de acontecimentos do dia a dia, este pode simplesmente folhear as páginas sem, de fato, colocar muito foco no que está lendo e vendo. De um modo ou de outro, e em maior ou menor escala, a recepção dessas imagens cria memórias visuais. Com a lembrança de outras imagens, uma junção ocorre na mente do observador que o ajuda a formar um quadro geral para melhor compreender o objeto sendo representado. A partir dessas imagens, o observador começa a criar uma paisagem mental daquilo que é representado e que ele pode ou não ver pessoalmente. Assim, um pedaço de natureza pode ser transformado em cultura; um lugar, região, ou mesmo país, em paisagem. A construção de uma paisagem constitutiva de uma identidade nacional moderna para o Brasil é um tema importante para muitos que estudam o Parque Ibirapuera. Na época de sua inauguração, a tentativa de reinventar o Brasil como um país moderno esteve aliada ao momento de inflexão da história da cidade de São Paulo, que se consolidava como metrópole e, portanto, como um dos símbolos de modernidade nacional. Nesse contexto, a arquitetura e o

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Ver ROGER, Alain. Breve Tratado del Paisaje. Madri: Biblioteca Nueva, 2009.

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urbanismo, assim como suas representações divulgadas por meio da fotografia, podem ser abordados como expressão cultural capaz de participar da construção da imagem da paisagem social e cultural brasileira. Graças ao seu projeto arrojado, o Parque Ibirapuera e seus pavilhões tornaram-se referência de uma ideia que se queria projetar da cidade, associada ao moderno e ao novo. Alguns dos elementos arquitetônicos do Parque tornaram-se essenciais à imagética da metrópole: a marquise, as rampas e a seção de esfera. Muitas dessas imagens viraram ícones do modernismo em São Paulo e até mesmo da arquitetura moderna no Brasil, dado que pode ser observado em outras obras arquitetônicas posteriores, principalmente em Brasília. Na arquitetura formulada por Niemeyer costuma-se comentar a intenção de criar o moderno ao mesmo tempo em que também se manteve referência à identidade nacional tradicional, que relacionava a exuberância da paisagem tropical, simbolizada pela curva, com a riqueza do Brasil. No caso do Ibirapuera, contudo, apesar da possibilidade de interpretar a curva e as sinuosidades enquanto referências à organicidade da natureza (de maneira paradoxal, porque o Ibirapuera é o maior parque metropolitano de São Paulo; uma mancha verde em meio ao concreto cinza), a curva parece ser mais tributária de outra herança do país: a do Barroco345. Vale observar que, se o Barroco possui superfícies rebuscadas e protuberâncias, enquanto as obras de Niemeyer são caracterizadas pela lisura e leveza das superfícies e pelas curvas suaves346, o estilo arquitetônico do período colonial também possui aspectos relacionados à cenografia e à monumentalidade, comparáveis com as obras do arquiteto moderno. O Barroco é o estilo da grandiloquência e, nesse sentido, pode ser relacionado ao conjunto do Ibirapuera347. Nos séculos XVII e XVIII, o Barroco foi utilizado como espécie de expressão de cunho propagandista, já que a Igreja da Contrarreforma o utilizou como medida capaz de atrair fiéis por meio da manifestação de grandeza, ou mesmo por meio da poética do sublime. Analogamente, o mesmo pode ser dito do esforço das elites brasileiras de criar uma nova identidade moderna para o Brasil a partir de

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Cabe notar que Oscar Niemeyer trabalhou durante dois anos no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em sua arquitetura, contudo, a tradição (nesse caso, a barroca) é entendida somente como ponto de partida e não como ponto de chegada. Seu compromisso era o da construção de uma nova identidade cosmopolita para o país. 346 Sophia Telles já faz essa ressalva quanto à comparação da obra de Niemeyer com o Barroco em sua dissertação de mestrado. Ver TELLES, Sophia Silva. Arquitetura Moderna no Brasil: o desenho da superfície. São Paulo: Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Dissertação de Mestrado, 1988. 347 É importante frisar que apesar da análise que relaciona a arquitetura moderna brasileira com o Barroco ser frequente, ela não é irrefutada. Sophia Telles identifica possível ponto de contato da obra de Niemeyer com o Barroco não nas curvas do desenho, mas na autonomia imaginativa das formas. A pesquisadora cita G. C. Argan, para quem o Barroco foi um estilo que rompeu com as convenções do passado, submetendo as referências clássicas à imaginação do artista. Ver TELLES, Sophia Silva. Arquitetura Moderna no Brasil: o desenho da superfície. São Paulo: Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Dissertação de Mestrado, 1988.

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modelos como os oferecidos por suas cidades mais dinâmicas, à exemplo de São Paulo. É provável que tenham sido essas características arquitetônicas, que causam sentimento de admiração no observador perante a monumentalidade da obra, que levaram a Comissão Organizadora do IV Centenário a contratar Niemeyer, um carioca, para projetar o principal palco das comemorações do aniversário de São Paulo: o Parque Ibirapuera. A dramaticidade e a monumentalidade da arquitetura do Ibirapuera contaram, portanto, com curvas para compor seu conjunto, mas essas sinuosidades – como aparecem na cúpula do Palácio de Exposições, na rampa interna do Palácio das Indústrias 348 ou mesmo na marquise –, se podem ser consideradas como expressão da natureza tropical brasileira, parecem ser mais tributárias da geometria. Segundo Joaquim Cardozo, engenheiro civil especializado em cálculo de estruturas que colaborou com Oscar Niemeyer em diversos projetos, as curvas do Ibirapuera são a “representação geométrica de modernas funções matemáticas.” 349 A referência à geometria parece ser mais condizente com a modernidade e com o progresso almejado do que somente com o passado, relacionado à exuberância da natureza que perdeu força, neste caso, em detrimento da tentativa de se criar um novo imaginário moderno e “civilizado” para o Brasil. No Parque nota-se a geometria das curvas, mas há também a presença dos ângulos retos, que ampliam o vocabulário matemático e ajudam a unir o estilo internacional com uma releitura mais específica brasileira. Isso pode ser observado em edifícios como o Palácio dos Estados e das Nações ou na fachada do das Indústrias, que uniu, entre seu exterior e interior, os dois partidos geométricos, conforme pode-se observar em uma das poucas fotos de Marcel Gautherot do complexo do Ibirapuera.

O próprio uso do termo “palácio” para designar os edifícios do Ibirapuera condiz com o espírito de grandiloquência do projeto. 349 CARDOZO, Joaquim. “O Conjunto arquitetônico do Ibirapuera”. In: Brasil Arquitetura Contemporânea, n.2/3, nov/dez 1953, p.53. 348

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Fotografia interna da Bienal, c.1955, Marcel Gautherot / Acervo IMS

É de se estranhar que Gautherot quase não tenha registrado o Parque, visto que era um dos fotógrafos preferidos de Niemeyer. Como este fotógrafo trabalhava sob comissionamento, é possível cogitar que o solicitante das fotos – o próprio Niemeyer ou uma revista, por exemplo – não precisasse de mais imagens. Outro ponto digno de nota é que dentre as poucas fotografias de Gautherot do Ibirapuera, há somente vistas interiores; nenhuma fachada foi retratada. A maioria das imagens, similares entre si, parece registrar principalmente uma exposição e não a arquitetura. A vista na imagem anterior, da rampa do Palácio das Indústrias, é exceção.

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Ibirapuera, c. 1955, Marcel Gautherot / Acervo IMS

Ao unir fachada e interior, com partidos estéticos aparentemente distintos, o projeto do Palácio das Indústrias foi capaz de criar uma paisagem que é, simultaneamente, moderna, segundo critérios internacionais, e possuidora de características tidas como tipicamente nacionais. Tadeu Chiarelli, apesar de não tratar especificamente sobre arquitetura, denomina, em seu livro homônimo, esse processo de “Arte Internacional Brasileira”350 . Aliando o repertório internacional a um repertório

350

CHIARELLI, Tadeu. Arte Internacional Brasileira. São Paulo: Lemos-Editorial, 1999.

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nacional, criou-se um modernismo brasileiro. Nesse caso, a conjugação de monumentalidade com a linguagem moderna foi ao encontro do projeto desenvolvimentista da época (e que logo depois será reforçado com a política de Juscelino Kubitscheck, da qual Brasília é resultado), que previa a possibilidade de construir obras arquitetônicas enquanto símbolos de uma nova fase nacional, enquanto “afirmação da grandeza e da vitalidade do país, de sua capacidade de empreendimento e sua confiança no futuro.”351 No Ibirapuera (e, mais uma vez, depois em Brasília) isso aconteceu pelas mãos de Oscar Niemeyer. Nesse contexto de exaltação da paisagem construída, não parece haver maior comunhão da arquitetura dos pavilhões com os jardins circundantes no Ibirapuera; antes, observa-se “afirmação do domínio da criação humana sobre a natureza, por meio da arquitetura.”352 Não é a paisagem da natureza construída do Parque (pois paisagem é sempre uma construção) que aparece como o principal símbolo do Ibirapuera. Há quase uma negação da paisagem tropicalizada enquanto representativa do Brasil. No Ibirapuera, interessa, antes, representar o país como linha moderna (ainda que nacionalizada); trata-se de evidenciar o estilo internacional adaptado. O predomínio da arquitetura sobre a natureza ou sobre os jardins fica evidenciado pela análise das próprias fotografias do Parque, principalmente das que dizem respeito ao momento de sua construção e de sua inauguração. Desde os fotógrafos artistas, com visão mais subjetiva e expressiva, até as imagens mais burocráticas, a natureza pouco aparece. No discurso de Teixeira Mendes, paisagista escolhido pela Comissão para projetar a área livre do Parque e que se opôs à visão proposta por Burle Marx, essa postura fica ainda mais evidenciada: “Para o caso em pauta, só um grande parque, moderno porém sóbrio, poderá envolver com vantagem o grande conjunto arquitetônico...”353 A natureza mais aparente, presente no projeto de Burle Marx, que levou Teixeira Mendes a considerá-lo mais próximo de um jardim do que de um parque propriamente dito, atrapalharia a monumentalidade da arquitetura construída e foi justamente para obter essa sensação de grandiosidade e imponência que o Parque foi concebido. A partir de formas orgânicas, Burle Marx fez, em seus projetos – inclusive no do Ibirapuera –, o que Alain Roger chamaria de “artealização”: emoldurou a natureza, como se ela se transformasse em quadro, e a converteu em paisagem. É relevante pensar em como a natureza é manipulada para formar um espaço controlado. Segundo John Dixon Hunt, os jardins e os

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BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981, p. 183. PONTES, Ana Paula Gonçalves. Diálogos silenciosos: arquitetura moderna brasileira e tradição clássica. Rio de Janeiro: Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, 2004, p.58. 353 Críticas de Teixeira Mendes sobre o projeto paisagístico de Burle Marx, em abril de 1953. Arquivo Histórico Municipal, pasta do IV Centenário, caixa 197, processo 1946. 352

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parques são uma maneira do homem processar a natureza para seu consumo e usufruto estético. Assim, para ele, ambos são uma espécie de artifício, uma expressão artística que não deixa de ser, também, uma forma de controle da natureza e do espaço e, portanto, uma expressão de ideias e conceitos culturais354. Nesse sentido, os parques e os jardins são compreendidos como elementos históricos de uma sensibilidade modernista, que fazem uso da natureza tropical para seus efeitos visuais. A geometria dos contornos criados pelos canteiros providencia sensação de ordem ao mesmo tempo que toma inspiração das artes plásticas modernistas, principalmente das pinturas de artistas como Léger e Arp. Os projetos de Burle Marx para o Ibirapuera nunca foram integralmente executados. Além das críticas de Teixeira Mendes, há indícios de que Niemeyer e Burle Marx não tivessem bom relacionamento. Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 1992, conforme apontou Fabiano Lemes de Oliveira, o paisagista descarta a possibilidade dos dois trabalharem juntos na reforma prevista para o Parque: “O arquiteto Oscar Niemeyer não vai participar do novo plano de tratamento urbanístico e paisagístico do Parque do Ibirapuera. Niemeyer, autor do projeto original do parque, ficará de fora por exigência do paisagista Burle Marx (...)” Na reportagem, o autor afirma que Burle Marx havia dito, no dia anterior, que “não trabalha com o arquiteto “de jeito nenhum”355. É possível, assim, que Niemeyer também tenha influenciado a presidência da Comissão para barrar o projeto do paisagista, ainda que não se tenha encontrado documentação que comprove essa hipótese. Também há a possibilidade – talvez a principal – de que a Comissão tenha procurado evitar a solução oferecida por Burle Marx na tentativa de priorizar uma concepção paisagística que não competisse com os projetos dos pavilhões, que deveriam ser a principal “atração” do Parque em seu discurso de modernidade. Se os projetos de Burle Marx não foram aceitos devido a sua característica de jardim, propício à apreciação, paralelamente, é interessante notar como, apesar da intenção de um programa mais funcional para o Parque por parte de seus idealizadores, os edifícios do Ibirapuera e suas representações fotográficas criam, em si mesmos, paisagens para contemplação. As obras arquitetônicas emolduram a natureza do Parque. A luz ao ar livre cria sombras que diversos fotógrafos exploraram como grafismos sobre as superfícies retangulares e esféricas da arquitetura.

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Ver HUNT, John Dixon, Gardens and the Picturesque: Studies in the History of Landscape Architecture. Cambridge, MA, 1992, p.3. 355 Ver O Estado de São Paulo – Cidades – 15 de janeiro de 1992, p. 16. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2014.

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Há momentos em que essa paisagem de formas geométricas adquire natureza monumental.

Fotografia da marquise do Ibirapuera, 1954, Alice Brill / Acervo IMS

Fotografia da marquise do Ibirapuera, 1954, Alice Brill / Acervo IMS

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Na primeira fotografia de Alice Brill, as curvas da marquise, que aparecem à sombra, podem lembrar os morros e os rios nacionais, mas remetem principalmente à racionalidade da geometria criada pelo homem. Na segunda fotografia, apesar de não haver um enfoque da curva, há um enquadramento que emoldura a paisagem circundante. A possibilidade de homens admirarem esse entorno construído também fica evidenciada, da mesma maneira que, no Romantismo, fariam diante da natureza. A presença humana na foto confere escala à imagem, aumentando a sensação de amplitude e de grandeza da obra construída frente à pequenez do homem que a contempla. Nesse sentido, a imagem não deixa de estabelecer paralelo com representações pictóricas do sublime. Em ambas as fotografias, assim como na maior parte das imagens aqui analisadas, não é a natureza dos jardins que ocupa a maior parte do plano da imagem e, sim, a arquitetura, que configura, dessa maneira, uma paisagem em si mesma. A arquitetura e o paisagismo, e o conjunto formado por eles, aparecem de forma monumental no Ibirapuera. Conforme bem lembrou Le Goff, o monumento tem como característica sua capacidade de perpetuação de uma concepção ou ideologia no tempo.356 O Parque era visto, pela Comissão Organizadora do IV Centenário, como possibilidade de perpetuar a grandeza da cidade, como monumento, portanto. Essa ideia é interessante, pois, ao observador contemporâneo, num primeiro momento, pode parecer que o Ibirapuera é construído como uma paisagem que exalta São Paulo ao mesmo tempo em que a nega, pois funciona como um oásis verde, apesar de suas edificações, em meio à paisagem de concreto da metrópole. Essas duas paisagens, porém, quando observadas com maior atenção, são relacionadas. O parque-monumento do Ibirapuera aparece como paisagem simultaneamente natural e urbana, como parte integrante da nova identidade dos habitantes paulistanos, que não nega o passado e sua importância, mas que almeja, a partir dele, um futuro diferente. A ideia da modernidade, desde as primeiras décadas do século XX, e principalmente nos meados dele, adquiriu maior urgência na medida em que o Brasil acelerou seu desenvolvimento urbano e industrial, integrando-se mais ao mundo do capital internacional. As fotografias do complexo do Ibirapuera ajudaram a divulgar essa ideia de modernidade de São Paulo e de sua capacidade de representar o Brasil, concepções ideológicas que ajudaram a fundamentar a própria construção do Parque. Sua modernidade era representada majoritariamente de maneira positiva, principalmente pelos órgãos oficiais na ocasião do IV Centenário e da inauguração do Ibirapuera. O elemento que marca essas representações do

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Ver LE GOFF, Jaques. História e Memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003.

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parque-monumento é o próprio sonho de modernidade, que foi tão presente na formação da identidade nacional. O sonho parecia poder se tornar possível pela ordenação do mundo por meio da razão, para além da exuberância natural. Apesar das utopias, contudo, como o personagem Macunaíma, de Mário de Andrade, “o Brasil não pode escolher entre seus diferentes seres, pode somente aceitar suas contradições; isso é o que significa ser moderno.”357 Para além das aspirações e dos objetivos atingidos pelo espírito moderno, não se pode deixar de notar as diferenças claras entre algumas aspirações – e suas representações – e a realidade. O sonho, que no caso do Ibirapuera foi propagado pela elite dominante, leva a crer numa modernidade empolgante, mas essa modernidade também possui sua faceta mais obscura, já que parcelas da população são, deliberadamente ou não, excluídas do processo. Em Tristes Trópicos, por exemplo, livro publicado na França apenas um ano depois do IV Centenário de São Paulo 358 , Lévi-Strauss propunha que o Brasil vivia uma ocupação desordenada, responsável por sinais de degradação e de desrespeito pela natureza. O escopo de críticas, que abrange desde preocupações de natureza ambiental a preocupações sociais, como a carência de políticas públicas abrangentes que ampliassem a democratização (e uma modernização não excludente) do país como um todo, também não pode deixar de ser considerado. Deve-se pensar que, em determinados aspectos, as representações de modernidade no Ibirapuera nem sempre fizeram jus à realidade, ou a própria “realidade não fez jus à representação.”359 Essa lacuna entre as esferas da realidade e da representação foi acentuada porque o Parque Ibirapuera foi construído inicialmente para ser representação de modernidade e de poderio, para circular como imagem. Sua idealização no contexto do IV Centenário não foi apenas, e talvez nem principalmente, para se estar e para se usufruir, mas para divulgar uma imagem de progresso e, assim, criar esse imaginário. Nesse sentido também, o Parque Ibirapuera é paisagem, pois foi concebido de modo “artealizado.” O Ibirapuera foi construído para ser espécie de “cartão postal” da São Paulo moderna, sendo palco, local de ostentação e de exibição, do modelo moderno idealizado. Nesse sentido, o Parque deveria fazer parte de uma narrativa específica de modernidade, que criou relações com a história (ainda que muito bem escolhida), estabelecendo continuidade entre a formação do Brasil, de São Paulo e a capacidade de modernização. Isso não esteve presente, num primeiro momento, na natureza do Parque, mas

357

STEPAN, Nancy Leys. Picturing tropical nature. Ithaca, New York: Cornell University Press, 2001, p.220. Nancy Stepan comenta as oposições binárias entre o belo e o feio, o novo e o antigo, o civilizado e o incivilizado quando tratando dos Trópicos e cita a obra de Lévi-Strauss. Ver STEPAN, Nancy Leys. Picturing tropical nature. Ithaca, New York: Cornell University Press, 2001, p. 151. 359 Ibidem, p.62. 358

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na sua monumentalidade como um todo, assim como, e talvez principalmente, na imagem do Brasil que era sugerida desse modo. A divulgação e a circulação de fotografias propiciaram a formação de um novo imaginário, moderno, para São Paulo e para o Brasil. Foi somente com o passar do tempo, já após os festejos e, portanto, a partir de meados da década de 1950 e, principalmente, na década de 1960, que o Parque Ibirapuera começou a se transformar, para além de imagem espetacularizada, num local específico de lazer e de relaxamento para a população. É nesse momento que, apesar das dificuldades de acesso ao local e de sua deterioração, começa-se a ver a presença de pessoas utilizando o espaço público nas fotografias analisadas. Anteriormente, a presença humana aparecia somente para conferir escala às obras. O trabalhador foi retratado, mas quase sempre em miniatura e como personagem secundário da composição imagética, que privilegiou a monumentalidade da obra. É somente na década de 1960 que se notam os usuários do Ibirapuera: crianças, casais, idosos, atletas, estudiosos. É importante observar que isso acontece num contexto de degradação do Parque, quando sua monumentalidade – sua força enquanto imagem, enquanto “ficção conveniente” – é colocada em cheque.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As imagens fotográficas do complexo do Ibirapuera analisadas nesta pesquisa funcionam em duplo viés: documental e imaginário. Documentaram o espaço construído, mas também ajudaram, elas mesmas, a construir determinado imaginário a respeito da obra, assim como da cidade e do país em que ela se insere. Conforme escreveu Beaumont Newhall, o poder dessas fotografias “não reside apenas em seu poder de nos informar, mas também em seu poder de nos sensibilizar.” 360 As imagens do Parque Ibirapuera são registros, mas são também interpretações que ajudaram a construir e a divulgar o imaginário referente a uma nova identidade, moderna, para São Paulo e para o Brasil. Não se pode deixar de notar que algumas imagens e dados contestaram a visão hegemônica construída. A São Paulo e o Brasil que se buscava salientar eram visões parciais, promessas do progresso almejado. Dentro do contexto mais amplo do IV Centenário, o Parque Ibirapuera baseouse em determinado “horizonte de expectativas”, pautado na construção do passado e na recuperação seletiva da memória. Essas expectativas, contudo, nem sempre se concretizaram361. Ainda que, em meados da década de 1950, tenham havido comparações da capital paulista com outras cidades da Europa e da América do Norte, “em relação ao processo de metropolização, não se comparava, por exemplo, a renda per-capita, os índices de alfabetização ou qualquer outro dado referente às amplas condições sociais em relação a essas cidades.”362 Não se aceitando a modernidade cobiçada de modo tácito, pois se faz necessário atentar para suas facetas heterogêneas e excludentes, é importante notar que os objetivos de chamar atenção para São Paulo para além do âmbito industrial, considerando também o cultural e artístico – de colocá-la no mapa das vanguardas e de criar uma nova identidade nacional, pautada na força da indústria e do progresso – foram, ao menos inicialmente, alcançados. A cidade começou a aparecer mais em veículos de notícia e nos relacionados à arquitetura, às artes plásticas e à fotografia. As várias imagens do Parque Ibirapuera divulgadas na mídia impressa desempenharam essa função publicitária dentro do país e mesmo fora dele. De modo geral, e conforme se poderia esperar, o Ibirapuera foi muito mais divulgado no âmbito nacional. O Parque não figurou em algumas publicações

360

NEWHALL, Beaumont. The History of Photography: From 1839 to the Present. New York: The Museum of Modern Art, 1982, p. 172. 361 Ver também LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo – a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. 2002. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002, p. 193. 362 Ibidem, p. 195.

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internacionais importantes para a divulgação da arquitetura brasileira, como nas revistas Architectural Forum e Domus, no livro New Directions in Latin American Architecture e no catálogo da exposição do MoMA, Latin American Architecture Since 1945. Esse dado evidencia que talvez o Ibirapuera ainda não estivesse atraindo tanta atenção do público internacional no momento de sua construção e inauguração. É possível cogitar que, nesse primeiro momento, o Rio de Janeiro talvez ainda fosse visto como o principal centro cultural do país. Esse status, porém, começa a ser cada vez mais questionado na medida em que a elite dirigente de São Paulo procura afirmar, por meio de obras monumentais, como o Ibirapuera, a cidade enquanto local pujante, capital cultural, além de financeira. De acordo com Ana Maluenda Esteban, em meados da década de 1950, as reportagens sobre obras arquitetônicas brasileiras “se repartem quase igualmente entre Rio de Janeiro e São Paulo, cidade que, dessa forma, irrompe com força no panorama da arquitetura brasileira.”363 Nas revistas especializadas – principalmente nas nacionais –, momentos de inauguração do Parque Ibirapuera como um todo, ou de edifícios específicos, foram bastante retratados. Passada sua inauguração, o Parque logo começou a figurar em obras internacionais de relevância como a de Henrique Mindlin, Francisco Bullrich e de Yukio Futagawa. É possível perceber, por meio das imagens analisadas neste trabalho, as diferentes maneiras de se representar o Ibirapuera nas suas primeiras duas décadas de existência. O viés foi amplamente ufanista, mas foi também, em determinados momentos, mais crítico. A presença humana foi vista como secundária (na figura de trabalhadores em miniatura e em silhueta) e como personagem importante (na figura dos usuários que aparecem aproveitando o Parque). A arquitetura construída foi compreendida e promovida como sendo monumental em detrimento da natureza, e esta foi, em menor escala, mais focalizada enquanto espaço de lazer para a população. Há nuances que indicam que diferentes paisagens estiveram em disputa. Inicialmente, as imagens veiculadas do Ibirapuera no período estudado tendem a evidenciar o entusiasmo com a imagem de força e de desenvolvimento sendo perpetuada, principalmente no período de sua construção e de sua inauguração. Posteriormente, observou-se o desencantamento da população (muito devido ao descaso do poder público com a obra) que percebeu que o Parque, da maneira como foi construído e divulgado, era justamente “imagem”. Concordando-se ou não com a opinião de Max Bill sobre o espírito academicista modernizante que imperava na arquitetura brasileira 364 , é relevante observar, conforme já comentado, os termos e conceitos utilizados por ele: fotogênico, espetacular, pensar a obra por

ESTEBAN MALUENDA, Ana. “Brasil exporta. A arquitetura moderna brasileira e latino-americana em jornais europeus após a II Guerra Mundial.” III Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva. São Paulo, 2014, p. 7. 364 Architectural Review, vol. 116, no. 691, july 1954, p.239. 363

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meio de uma possível publicação posterior. A relação entre a arquitetura moderna brasileira, da qual o Parque Ibirapuera é exemplo marcante, e imagens é significativa. O Ibirapuera foi construído com o propósito de ser, ele mesmo, imagem, espetáculo – algo feito para ser observado e admirado. Além da vontade criativa e do prazer estético, é possível pensar em razões ideológicas para a construção desse parque-monumento e para a perpetuação de suas imagens. Havia a percepção de que a paisagem da cidade estava mudando e havia, também, um desejo de visualizar esse processo, de fazer com que a metrópole moderna fosse transformada em imagens que pudessem ser divulgadas e consumidas. Essas imagens, sejam elas as obras arquitetônicas em si, as fotografias da arquitetura ou, até mesmo, a própria “aparência” – a tentativa de aparentar ser algo que nem sempre é –, constituíram aspecto fundamental da construção ideológica do complexo do Ibirapuera. Apesar dos problemas enfrentados pelo Parque nos seus primeiros anos e das discrepâncias que podem ser observadas nele, a imagem construída e o imaginário de modernidade persistiram. A fotografia moderna ajudou a transmitir essa sensação. Dessa maneira, a imagem de modernidade no Ibirapuera chegou mesmo a influenciar obras arquitetônicas futuras, inclusive a que viria a ser o principal símbolo modernista da nação: Brasília. É possível pensar que, de algumas maneiras, os dois projetos sejam análogos, ainda que em escalas muito diferentes. Isso se deve ao fato de que ambos foram construídos para simbolizar o moderno e ajudar a criar uma identidade renovada e ressemantizada para o Brasil. A força imagética do Ibirapuera, paisagem heterotópica, que uniu idealizações, representações e realidades, perdurou, assim, para além de si mesma. Uma nova paisagem urbana brasileira que não nega o passado, mas que almeja um futuro distinto para o país foi construída a partir de cidades como São Paulo e de suas obras mais emblemáticas, como o Ibirapuera. À imagem da espiral que simbolizou o Parque, a estrutura cíclica da “marcha geohistórica da história significa que a civilização move-se para a frente por meio de um constante processo de retornos, no final, às suas origens.”365 Isso aponta para a noção (construída no contexto do IV Centenário, da qual o Ibirapuera é a maior expressão) de que a sociedade voltaria a estágios anteriores, mas num patamar mais elevado. Essa concepção esteve presente na construção do complexo do Ibirapuera, que se pautou em momentos bem selecionados e editados da história de São Paulo e do Brasil para elaborar sua principal narrativa,

365

OLWIG, Kenneth Robert. Landscape, nature and the body politic. Wisconsin: The University of Wisconsin Press, 2002, p. 185.

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destacadamente nos monumentos e nos nomes das ruas e das avenidas que circundam o Parque em si.366 O crescimento da metrópole era explicado como decorrência lógica de seu passado e, justamente por causa dele, o futuro deveria ser promissor. Dentro do contexto de um processo cíclico de crescimento, o retorno às origens significava, aos olhos de seus idealizadores, oportunidade para se começar de novo e para se superar. Assim como as terras anexadas ao território brasileiro pelos bandeirantes, a região do Ibirapuera não apenas homenageava a história, editada, mas representava possibilidades de novos começos. O Parque Ibirapuera em São Paulo exemplifica “como a história da cidade está permeada de complexidades, de imagens conceituais formadas no imaginário, de camadas de memória.”367 O Parque Ibirapuera e suas imagens fotográficas, a partir de referências ao passado, presente e futuro, possibilitaram à cidade e ao país serem compreendidos não somente como um paraíso tropical, mas como um novo tipo de paisagem, como o lugar do trabalho e da rentabilidade, lacuna que a elite de São Paulo buscava suprir. Havia interesse em estabelecer uma “re-cultura” (assim como uma “re-apresentação” do real): fazer releituras para propiciar uma nova cultura, pautada em valores tidos como tipicamente paulistanos. A arquitetura moderna, aqui representada pelo Parque Ibirapuera, passa a ser “um produto de exportação [e não somente para fora do país], associando-se a uma imagem de um Brasil progressista e moderno (...)”368 Chegado o fim da pesquisa, fica a sensação de que o tema – multidisciplinar – não foi, conforme é de se esperar, esgotado. Ainda há muitas imagens e imaginários a serem analisados e muitos caminhos a serem percorridos. Espera-se, contudo, que as reflexões aqui contidas tenham ajudado a lançar luz sobre um marco arquitetônico e paisagístico do ideário moderno brasileiro, assim como sobre a produção imagética suscitada por ele e que ajudou a propagá-lo. Espera-se ter conseguido, ao menos em parte, transmitir a ideologia e o imaginário que se queria comum, além de apontar para algumas de suas idiossincrasias.

Nos edifícios projetados por Niemeyer e sua equipe no Ibirapuera, há pouca referência “histórica” propriamente dita. TORRÃO FILHO, Amilcar. Sete portas e uma chave: a constituição de saberes técnicos e teóricos sobre a cidade. In: POLITEIA: Hist. e Soc., Vitória da Conquista, v.9, n.1, 2009. 368 CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro. A história de uma nova linguagem na arquitetura (1930 – 1960). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.228. 366 367

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______. O amigo americano: Nelson Rockefeller e o Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2014

UNDERWOOD, David Kendrick. Oscar Niemeyer e o modernismo de formas livres no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

WESTON, Richard. Modernism. London: Phaidon Press, 1996.

ZIMMERMAN, Claire. Photographic Architecture in the Twentieth Century. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2014.

ACERVOS CONSULTADOS

Acervo Fotográfico Arquivo Histórico de São Paulo

Acervo Fotográfico do Museu da cidade de São Paulo

Acervo Iconográfico da Prefeitura de São Paulo

Arquivos Históricos Wanda Swevo

Acervo do Instituto Moreira Salles

FONTES:

Jornais:

O Estado de S. Paulo Folha de S. Paulo.

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Revistas Especializadas:

Módulo: Revista de Arquitetura e Artes Plásticas Habitat: Revista de Artes no Brasil Acrópole – Arquitetura, Urbanismo e Decoração The Architectural Review The Architectural Forum L’Architecture d’Aujourd’hui Domus

Livros

BULLRICH, Francisco. Arquitectura latinoamericana 1930/1970. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1969. BULLRICH, Francisco. New Directions in Latin American Architecture. London: Studio Vista, 1969. FUTAGAWA, Yukio & SPADE, Rupert. Oscar Niemeyer (Masters of Modern Architecture). London: Thames & Hudson, 1972. HITCHCOCK, Henry-Russell. Latin American Architecture Since 1945. New York: Museum of Modern Art, 1955. MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil. Rio de Janeiro: Collibris, 1956.

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