O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII-XIV

May 26, 2017 | Autor: P. Sousa Costa | Categoria: History, Medieval History, Historia eclesiástica, Camino de Santiago
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IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago Rates, Póvoa do Varzim 18 e 19 de novembro

O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII-XIV Paulo Jorge Sousa Costa Mestre em Estudos Medievais GHAVNG / CEPESE

Nota Biográfica: Paulo Jorge Cardoso de Sousa e Costa, 48 anos, natural e residente em Vila Nova de Gaia, licenciado em Ciências Históricas - Ramo Científico pela Universidade Portucalense Infante Dom Henrique desde 1993, com a classificação de 15 valores; Mestre em Estudos Medievais pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 2016 com a dissertação "Alfândega da Fé de Sobre a Valariça: do domínio senhorial ao senhorio régio (século XII-XIV)", com a classificação de 19 valores, orientada pelo Prof.- Doutor José Augusto de Sottomayor-Pizarro; Autor de diversos artigos relativos à Idade Média e ao domínio senhorial (consultar: https://uppt.academia.edu/PaulojorgeSousaCosta); Obras publicadas: "De Abientes a Avintes - Notas Monográficas", 2009 e S. Salvador de Vilar de Andorinho - Notas monográficas", 2013 e A Torre do Relógio e o Castelo de Alfândega da Fé: 1258-1758; neste momento a preparar Doutoramento em História Medieval.

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O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV

O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV Paulo Jorge Sousa Costa, Mestre em Estudos Medievais GHAVNG / CEPESE A região de Trás-os-Montes na Idade Média foi sede de uma só comunidade monástica beneditina São Salvador de Castro de Avelãs em Bragança. Mosteiro que está associado ao Caminho de Santiago. No entanto diversos mosteiros cistercienses possuíram património naquela região adquiridos durante a Idade Média. Esses mosteiros eram S. Martinho de Castanheda, Santa Maria Moreruela, Santa Maria de Montederramo, Santa Maria de Bouro e S. Pedro das Águias, distribuídos pelas seguintes Dioceses respetivamente: Astorga, Zamora, Ourense, Braga e Lamego. A partir de uma análise geográfica da localização desse património podemos inferir as grandes rotas que cruzavam o território e que tinham nesse património a extensão do serviço assistencial que os monges brancos praticavam, além de serem importantes explorações económicas. Palavras-chave: Trás-os-Montes, Cister, caminhos, Idade Média

Dedicámos o artigo aos mestres: Prof. Doutor Humberto Baquero Moreno (1934-2015) e Prof. Doutor José Marques (1936)

A comunicação que trazemos a este colóquio não pretende demonstrar exaustivamente como se constituiu o património fundiário que os mosteiros cistercienses adquiriram em Trás-os-Montes. Sobre este desiderato remetemos para os estudos que Balcão Vicente apresentou em 1998 no segundo congresso internacional comemorativo dos novecentos anos da implantação da ordem de Cister na Península Ibérica, no artigo “Cister em Trás-os-Montes”, matéria que desenvolveu na sua tese de doutoramento apresentada em 2002 em Lisboa na Faculdade de Letras, Povoamento e estrutura administrativa no espaço transmontano (séc. XII a 1325), e em 2006 no terceiro congresso sobre o mesma tema, apresentou o artigo “S. Martinho de Castanheda em território Braganção: relações com S. Salvador de Castro de Avelãs na Idade Média”. Também Bernardino Afonso, com o artigo “Propriedades rústicas dos

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago mosteiros de Santa Maria de Moreruela e S. Martinho de Castanheda em terras de Bragança”, desenvolveu o tema com profundidade no segundo congresso em 1998. O nosso propósito é identificar geograficamente onde se situava o património destes mosteiros, complementando com a rede de localidades que entre 1272 e 1315, depois de terem recebido carta de foral, receberam o privilégio de feira dos reis D. Afonso III e D. Dinis, deduzindo daí perceber quais os caminhos que cruzavam o espaço transmontano na Idade Média, que se justificaria com as ligações entre as cidades episcopais de Salamanca, Zamora, Leão, Astorga, Ourense, Tui, Santiago de Compostela, Lamego, Viseu, Coimbra, Braga e Porto, gerando um intenso tráfico de mercadorias, pessoas e ideias pela região. O nosso estudo articula-se também com as referências a outros centros de devoção religiosa medieval (para além de Santiago de Compostela) os santuários marianos de Roncesvales e Rocamador, pontos intermédios entre Roma e Santiago, que possuíam bens fundiários na região. O nosso contributo segue em linha com o que havia sugerido o Doutor Baquero Moreno num artigo publicado na Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1986, onde afirmava que sobre o tema faltava “definir a rede vial existente em Portugal na Idade Média, tarefa essa que apenas parcialmente se encontra resolvida”, porque acrescentava, era necessário “proceder à pesquisa e recolha da documentação, que pela sua dispersão dificulta a tarefa de integração dos dados num estudo de conjunto”1. O autor partia dos dados à época disponíveis, nomeadamente o estudo de licenciatura de Carlos Alberto Ferreira de Almeida (1968), Vias medievais. Entre Douro e Minho, obra bem suportada documentalmente e que ainda hoje é um estudo inédito, assunto que no colóquio de 2015, o doutor Maia Marques o desenvolveu ao falar sobre o seu autor. No mapa que publica Baquero Moreno indicando os caminhos de peregrinação a Santiago que cruzavam o nosso território, deixa um hiato na região do distrito de Bragança. O próprio autor em 1982 havia desenvolvido o assunto sobre vias de comunicação em Trás-os-Montes2. Face aos estudos desenvolvidos por este autor, pode parecer que o nosso estudo resulte em redundância, mas consideramos que ele deva ser interpretado em complementaridade, porque o que propomos assenta nos dados recolhidos na

1

BAQUERO MORENO, 1986: 78

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Idem, 1982: 191-202

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O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV referenciação geográfica do património cisterciense radicando no pressuposto do princípio assistencial e de misericórdia observado pela regra beneditina prestado a todos que aí procurassem acolhimento e que não seria só manifestado na casa conventual mas em todo o seu património quer pelos monges e conversos, quer pelos vassalos e dependentes. Outro autor que proficuamente se dedicou a este tema foi o Doutor José Marques com o artigo Viajar em Portugal, nos séculos XV e XVI 3, onde salienta que viajar naquela época embora fosse arriscado e aventureiro, não deixava de ser um meio importante de difusão económica, cultural e ideológica, aproximava os povos e era «uma oportunidade ao exercício da solidariedade social e cristã» 4. Este autor haveria de voltar ao tema em 2006 e 2007 com dois artigos, ambos relacionados com Santiago de Compostela, Os Santos dos caminhos portugueses5, e Nos Caminhos Portugueses de Santiago: Marcas de um património e de um culto a preservar 6. Nestes artigos salienta que ainda há muito para investigar «seja no plano da arqueologia destes caminhos, seja no domínio da pesquisa arquivística»7. Em 1991 e 1992 publicou-se na revista Brigantia um extenso artigo da autoria do Doutor Arlindo Cunha, com a colaboração de Maria Manuela Neves onde propunham identificar os caminhos transmontanos de peregrinação a Santiago de Compostela. Utilizou como método os caminhos existentes, a hagiotoponímia, a referência a S. Gonçalo de Amarante e outras devoções paralelas, e a tradição oral. Foi um estudo contemporâneo assente em dados geográficos e não em fontes históricas documentais8. No entanto, não deixa de ser um guia inédito para apoio a qualquer estudo histórico-científico sobre o tema. A

palavra

peregrinação

tem

origem

no

étimo

latino

peregrinatio,

peregrinationis, substantivo que significa a peregrinação ou a viajem a país estranho, o mesmo sentido tem o verbo peregrinor, significando viajar, ausentar da sua pátria para ir a terra estrangeira. Na Idade Média é este o sentido que devemos dar ao étimo 3

MARQUES, 1997: 91-92

4

Idem, ibidem: 92

5

MARQUES, 2006: 243-262

6

MARQUES, 2007: 219-235

7

Idem, ibidem: 219

8

CUNHA, 1991: 50-57 – Há uma fonte documental do período moderno, que não foi consultada pelos autores, que é de primordial relevância para o estudo dos caminhos em Trás-os-Montes, que são as Memórias Paroquiais, inquérito ordenado por Sebastião José de Carvalho e Mello em 1758.

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago peregrino, aquele que viaja para terra estranha à sua. É um apelo à mobilidade e ao desapego ao conforto9. Para o Homem da Idade Média viajar era um desafio uma aventura arriscada, como bem frisou o Doutor José Marques, que citámos atrás. Os perigos eram muitos. Sabia-se que se partia, mas desconhecia-se se chegava ao destino e se regressava. Aliás, em analogia evidente com a vida terrena representada como uma peregrinação, uma viajem constante cujo fim será uma travessia na barca para o além (o inferno ou o paraíso, ou aquele limbo, o purgatório, onde as almas aguardavam o seu trânsito, como muito bem retratou Gil Vicente nos seus autos) num conceito mental que vem de tempos antigos. No período medieval, quando o ato de viajar se intensificou, houve necessidade de criar estruturas que apoiassem o peregrino e lhe bastassem às suas necessidades. Longe iam os tempos das infraestruturas construídas pelos romanos. As estradas, as mansio e as mutatio ou haviam desaparecido ou deram origem a localidades. Os balneários de águas tépidas e frias que confortavam o corpo ou haviam desaparecido ou não podiam oferecer esse conforto, a não ser que fossem abastecidas por fontes termais de águas quentes. No entanto algumas infraestruturas resistiam agora ocupadas por novos inquilinos. O banho terapêutico deu lugar ao banho espiritual. O serviço laico passou a ser prestado por quem dava mais confiança, os homens de fé e de religião. As igrejas, os ermitérios, os mosteiros ou os acisterios (vocábulo do latim medieval que vem do clássico assistere, que significa assistir, estar presente, apoiar, usado como sinónimo de mosteiro), as albergarias (obras pias que prestavam apoio aos viajantes) e as estalagens, vão enquadrando a rede de apoio ao peregrino. Serão sobretudo as ordens religiosas regulares, das quais destacámos os beneditinos e depois a sua variante cisterciense e os agostinhos, em Portugal de Santa Cruz de Coimbra (a sua própria sede instala-se num antigo balneário romano) que melhor desempenharam o papel. A região que hoje designamos de Trás-os-Montes (entre os rios Mente, Rabaçal, Tuela e Tua, a ocidente, e Maçãs e Douro a oriente, a norte as serras de Montesinho e Gamoneda) era na Idade Média (século XII-XIII) bastante menos povoada e mais dispersa que hoje. Estava compartimentado em duas grandes regiões, divididos pela serra de Bornes. A norte e nas faldas desse sistema montanhoso, onde o povoamento é 9

A interpretação a partir do étimo clássico também foi desenvolvida por Carlos Barros no artigo La peregrinación a Santiago de Compostela, publicada em 2006 em “Annales de Historia Antigua, Medieval y Moderna”, Buenos Aires, nº. 39

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O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV mais antigo e compartimentado, estendia-se o património monástico e episcopal, alargado ao planalto mirandês. A sul, excluindo Mogadouro (a leste da Vilariça entre o Sabor e o Douro) e Freixiel (a ocidente da Vilariça), vamos assistir nos fins do século XIII e início do seguinte à reorganização do território concelhio pela fragmentação do grande julgado de Santa Cruz da Vilariça, com as novas localidades de Veiga de Santa Maria (1284), antecessora de Vila Nova de Foz Côa, Torre de Moncorvo (1285), Vila Flor (1286), Alfândega da Fé (1294) e Castro Vicente de Balsamão (1305). Esta reorganização concelhia estruturou-se ao longo de importantes trajetos viários, onde os mais destacados bens fundiários cistercienses pertenciam a S. Pedro de Águias e a Santa Maria de Bouro. Esses trajetos tinham predominância sul-norte e este-oeste, que com os novos centros urbanos a malha densificou-se com novos percursos entrelaçando estas localidades. Durante este período temporal foi governada por uma importante família, os Braganções, que senhoreavam a terra por mandato régio até à sua extinção no reinado de D. Dinis, cujo último representante relevante desta linhagem foi Nuno Martins de Chacim, aio daquele rei e meirinho-mor, que morreu em 1284 e foi sepultado em Castro de Avelãs, onde ainda se pode observar o seu túmulo. No século X, Ramiro II ao restaurar a diocese de Astorga estendeu a sua jurisdição eclesiástica até ao rio Douro. Quando se deu a restauração da diocese de Braga nasceu um importante conflito entre as duas dioceses sobre a área das respetivas jurisdições eclesiásticas, com a última a reclamar a libertação de todo o território a leste do Tua/Tuela até ao rio Esla, ocupado por Astorga, assentando a sua reivindicação na Diviso Teodmiro, também designada de Parochiale Suevum. O conflito foi encerrado por bula papal em 1143 a favor das pretensões de Braga. Nesse imenso território só um mosteiro se desenvolveu, S. Salvador de Castro de Avelãs, sob a proteção e patrocínio da linhagem Braganção, que reclamava descender de um abade desse cenóbio, D. Alão, com uma princesa da Arménia, que ali se hospedou a caminho de Santiago de Compostela. Este relato dos Livros de Linhagem encerra quatro importantes argumentos: a primeira, a ligação daquele mosteiro a um caminho, segundo, cujo destino era Santiago de Compostela, terceiro, que a linhagem era de estirpe régia e oriental e quarto, legitimava o seu patrocínio àquele instituto eclesiástico. O mosteiro de Castro de Avelãs localiza-se numa importante encruzilhada dos caminhos que vinham de sudoeste (Coimbra e Portucale) para nordeste, nomeadamente para as cidades de Astorga e Leão, além do caminho que vinha de sueste (Salamanca, ou mesmo

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago Catalunha) para noroeste Lugo, Ourense e Santiago de Compostela, ou do caminho que vinha de oeste, Porto e Braga para leste ou nordeste, em direção a Astorga, Leão ou Oviedo, ou do sul ou sudoeste, Coimbra e Viseu, que seguia pelo vale da Vilariça e seguia para norte. Cremos que tenha sido o caminho vindo de sueste da costa mediterrânea, que a princesa Arménia percorreu até se hospedar em Castro de Avelãs. Os Braganções, na sua área de influência, eram patronos de S. Salvador de Castro de Avelãs (Beneditino) 10, panteão familiar, às portas de Bragança, e Santa Maria de Moreruela (Cisterciense) 11, localizado em terras leonesas, a norte de Zamora, para onde canalizaram importantes donativos pios de bens fundiários. O património destes mosteiros concentrava-se no território dos atuais concelhos de Bragança, Mirandela, Macedo de Cavaleiros12, Vimioso, Miranda e Vinhais. Outras instituições, nomeadamente as ordens militares beneficiaram de doações da linhagem Braganção, concretamente Fernão Mendes II, Braganção e os filhos Mendo Fernandes e Pedro Fernandes. Salientámos a Ordem do Templo instalados em Mogadouro e Penas Roias e a Ordem do Hospital instalados em S. Cristóvão de Malta (atualmente lugar da freguesia de Olmos, concelho de Macedo de Cavaleiros), Barcel (atual concelho de Mirandela), Freixiel e Santo Estevão sobre Lodões (atual concelho de Vila Flor), na Vilariça pelo primeiro daqueles senhores 13. Também a arquidiocese de Braga recebeu dos mesmos as albergarias de Paradela em Terra de Miranda, de Fonte Frigido na Terra de Aliste, de Peredo sobre o rio Sabor

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e de Monte Orelhão 15. Estas

últimas segundo afirma Balcão Vicente foram erguidas por ordem do arcebispo D. João Peculiar na segunda metade do século XII «para combater o prestígio que S. Martinho de Castañeda havia adquirido pelo apoio que concedia aos peregrinos, tentando (…) inverter (…) o fluxo de oferendas»16. Outra importante albergaria era a de Ponte do 10

VICENTE, 2002: 668-673

11

LL, Vol. II, Tomo I: 440 – SOTTOMAYOR-PIZARRO, 1997, vol. I: 226; VICENTE, 2002: 685-694 12

GRADÍSSIMO, 2014: 122, 126, 140, 150.

13

PMH-Inq: 1278, 1279; Cf. MATTOSO, 2007: 92; VICENTE, 2002: 696-703 e 705.

14

Esta albergaria não teve continuidade. As inquirições de 1258 são omissas quanto à sua existência, levando-nos a supor a sua extinção, ou mudança de localização. 15

VICENTE, 2002: 133.

16

Idem, ibidem: 133-134 – Discordamos em parte com a conclusão de Balcão Vicente relativamente a esta questão. Aceitamos a sua análise quanto ao conflito da arquidiocese de Braga com S. Martinho de Castanheda, mas discordamos sobre a justificação enunciada para a construção de albergarias no território transmontano reduzindo-a ao interesse do arcebispo em captar esmolas, porque temos que ter presente que o espaço tinha um povoamento escasso e disperso, onde faltavam locais para

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O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV Mente, sobre o rio Rabaçal. Baquero Moreno citando um estudo de Iria Gonçalves, menciona para esta região «estalagens em Bragança, Fornos, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta (três em cada uma destas localidades), Mogadouro (duas), Carrazedo, Mirandela, Meirinhos, Azinhoso e Vale do Porco (apenas uma em cada localidade)»17. Além de S. Salvador de Castro de Avelãs, filiado na ordem beneditina, outros mosteiros possuíam bens fundiários sobretudo na região ocidental transmontana, Panóias, hoje Vila Real. Eram o beneditino Santa Maria de Pombeiro de Ribavizela e o crúzio de S. Martinho de Caramos18, ambos sedeados no atual concelho de Felgueiras, mercê da proteção da linhagem dos Sousas que administraram aquele território. O mosteiro de S. Salvador de Castro de Avelãs é o único que estava sedeado na região. De fundação antiga, os registos documentais perderam-se depois da extinção no século XVI, conhecendo-se a partir de 114319 quando a região passou a pertencer a Braga. Em 1145 o rei Afonso Henriques doou-lhe uma propriedade

20

. Manteve-se

filiado na ordem beneditina, devido às resistências da arquidiocese, enquanto os restantes mosteiros, que partilhavam o mesmo espaço, transitaram para a variante reformada por S. Bernardo, filiando-se em Cister. O seu património fundiário e eclesiástico (padroado de 13 igrejas e duas anexas) distribuía-se em volta da sede, sobretudo no espaço hoje administrado pelos concelhos de Bragança, Mirandela (terra da Ledra), Macedo de Cavaleiros (Lampaças e Ledra, onde compartilhava com o mosteiro de Moreruela), Vimioso, Vinhais (aqui compartilhava com o cisterciense Montederramo) e Miranda do Douro (onde compartilhava com os mosteiros de Moreruela e Castanheda) 21.

os peregrinos se acolherem, o que tornava uma região a evitar. Defendemos que a intenção do arcebispo foi tornar mais hospitaleiro o território e convidativo para o trânsito de peregrinos, que por consequência atrai as dádivas. 17 BAQUERO MORENO, 1986: 81 18 VICENTE, 2002: 308. 19 MARQUES, 1988: 614, 620 Mapa XIV 20 Idem, ibidem: 621 21 Idem, ibidem: 694 Mapa XVI.

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago

Cabeceira do templo do mosteiro de S. Salvador de Castro de Avelãs.

Mapa 1: Localização do património de S. Salvador de Castro de Avelãs na Idade Média.

Os outros institutos religiosos, importantes centros de peregrinação medieval, Santa Maria de Rocamador (França) 22 e a colegiada de Santa Maria de Roncesvales nos Pirenéus, receberam património localizado no centro do território Braganção. A primeira possuía bens em Vilarinho da Castanheira que recebeu no tempo do rei D. Sancho I23 e também na Terra de Panóias na localidade de Santa Valha 24.

22

MIRANDA GARCIA, 2015: 91 PMH-Inq: 1273-1274. 24 VICENTE, 2002: 260, 657 – Mapa 40. 23

9

O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV A Colegiada de Santa Maria de Roncesvales sucedeu à Ordem Militar de Roncesvales com um hospital vocacionado para apoiar os peregrinos que transitavam no Caminho Francês para Santiago de Compostela. Esta instituição foi protegida pela monarquia Navarra e de Ordem militar foi evoluindo para confraria e colegiada filiada na ordem de cónegos regrantes de Santo Agostinho

25

. Em Trás-os-Montes tinha bens

26

em Alijó, que obteve de um foreiro régio , e em S. Facundo de Crespos, Julgado de Vinhais, onde Nuno Martins de Chacim havia sido recebido como filho durante 3 anos, pelo foreiro dela D. Domingos de Crespos que deixou de pagar foro ao rei (ficou isenta) e doou-a àquela colegiada, que já possuía em S. Vicente de Bragança uma propriedade composta de vinhas e casas

27

. As doações a estes institutos religiosos cumpriam

objetivos de gratidão, pela hospitalidade recebida, e espirituais as orações em memória dos doadores28. Objetivos inerentes a todas as doações às instituições religiosas.

Mapa de localização do património de Rocamador (amarelo) e Roncesvales (verde) em Trás-os-Montes.

Embora não fosse um mosteiro, mas sim um ermitério franciscano onde acorriam muitos romeiros, Santa Maria de Azinhoso foi na Idade Média um importante centro de peregrinação transmontano e assistência ao peregrino. Mencionamos este instituto religioso, aparentemente fora do contexto, porque ele significa um importante centro de peregrinação e um dos escassos locais de apoio aos peregrinos. Localizada a 25

MIRANDA GARCIA, 2015: 88 VICENTE, 2002: 363, 648 27 PMH-Inq: 1288, 1338-1340. 28 MIRANDA GARCIA, 2015: 89 26

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago sul do rio Sabor, a leste com Penas Roias e a ocidente com Mogadouro, em pleno domínio dos templários. Supomos que este ermitério sucedeu na função à albergaria de Peredo sobre o Sabor mencionada no século XIII que se situaria na atual localidade de Peredo, concelho de Macedo de Cavaleiros, entre Chacim e Castro Vicente, no caminho que provinha da ponte de Remondes sobre o Sabor e que não deixou vestígios históricos subsequentes. A sua importância histórica revelou-se com a crise sucessória de 1383-85 e da romagem à virgem que D. João I fez quando se encontrava no arraial da Vilariça, em 1386. Nessa ocasião concedeu carta de foral à localidade, destacando-a de Penas Roias29. A consequente guerra acarretou transtornos para o sucesso daquele centro de peregrinação, porque obrigou ao fecho da passagem da Bemposta e a obrigação das mercadorias e pessoas provenientes das localidades leonesas de Vilarinho de los Aires e Fermoselhe passarem por Miranda. O arcebispo de Braga que era o patrono do ermitério protestou junto do rei em 1406 para os prejuízos que o fecho da fronteira acarretou e o rei ordenou que o porto da Bemposta permanecesse aberto oito dias antes e oitos dias depois nas festas litúrgicas da Páscoa e de Santa Maria de Setembro para o trânsito dos romeiros e peregrinos (por fé ou por comércio) se deslocassem a Santa Maria de Azinhoso30. O templo sofreu durante o século XV forte impulso construtivo 31.

Igreja de Santa Maria de Azinhoso. (Foto: DGPC)

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MARQUES, 2010: 49-50, 77, 126-128; MARQUES, 1988: 840 DIAS, 2005, Vol. III, T. 2, Doc. III-534: 90-91. 31 MARQUES, 1988: 1165 30

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O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV

Localização geográfica do ermitério de Santa Maria de Azinhoso relativamente a Mogadouro, Penas Roias e Bemposta, e a passagem da barca nesta localidade para as localidades leonesas de Fermoselle e Vilariño de los Aires.

A região transmontana estava rodeada de um anel de mosteiros cistercienses que ali possuíam bastantes bens fundiários e jurisdicionais que adquiriram através das suas famílias patronais ou por sua influência. Esses institutos regulares eram o galego Santa Maria de Montederramo, os leoneses São Martinho de Castanheda e Santa Maria de Moreruela, os portugueses Santa Maria de Bouro, Fiães, Pitões da Júnias32, Ermelo (sedeados a ocidente desta região), Salzedas, S. João de Tarouca e S. Pedro das Águias (sedeados a sul do rio Douro). Os mosteiros de Fiães, Pitões das Júnias e Ermelo possuíam património a norte na terra do Barroso, Montalegre e Chaves, enquanto Salzedas e S. João de Tarouca na região de Mesão Frio e Penaguião. Só Santa Maria de Bouro e S. Pedro de Águias tinham património no distrito de Bragança.

32

649)

Em 1248 Santa Maria de Pitões das Júnias uniu-se a Santa Maria de Bouro (VICENTE, 2002:

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago

Localização geográfica das sedes episcopais e mosteiros cistercienses com propriedades no distrito de Bragança na Idade Média.

Segundo as palavras de S. Bernardo, o trabalho para os monges não significava um desprestígio degradante, mas antes uma valorização, por isso eles se dedicaram a arrotear terras e torna-las produtivas. A ação granjeadora é comum a todos os mosteiros da ordem em Portugal, por exemplo S. João de Tarouca ou Alcobaça. Conheçamos cada uma destas instituições. O cenóbio de Santa Maria de Moreruela começou por ser dedicado a Santiago, como prova um documento de doação de 1042 de D. Fernando I

33

. O prestígio desta

instituição monástica em Bragança era tal que na vila possuía uma rua com o seu nome34. Só se filiou na Ordem de Cister em meados do século XII, quando em 1143 o rei leonês Afonso VII doou ao seu mordomo-mor Ponce de Cabrera o lugar de Moreruela dos Frades, na margem do rio Esla 35, para repovoar. Este poderoso senhor restaurou o mosteiro com monges cistercienses. Além desta linhagem, também os Braganções foram familiares e patronos do mosteiro. Os reis portugueses D. Afonso Henriques e D. Sancho concederam àquele mosteiro importantes doações e cartas de proteção dos seus bens no reino, como demonstração de autoridade e prestígio. E citemos a autora que acompanhamos: 33

BUENO DOMÍNGUEZ, 2007: 38, nota 6. VICENTE, 2002: 681, nota 400 – que cita um documento de S. Martinho de Castanheda que tinha bens na rua de Moreruela (ou Moreirola, no português medieval) na vila de Bragança. 35 A arquidiocese de Braga tinha historicamente o seu limite leste no rio Esla, na Terra de Aliste. 34

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O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV

Qué encontraron en Moreruela los cistercienses del siglo XII? En 1143 los monjes tuvieron que acondicionar el lugar, dominar el bosque, quitar los matorrales, desecar la humedad. Modificaron el paisaje. Sólo ellos sabían cómo desecar el terreno. Lo necesitaban para cimentar la abadía. Sabían además que, desecado el terreno, obtendrían una excelente tierra para el cultivo. Mostraron tenacidad y sabiduría. La riqueza del monasterio, la abundancia de posesiones, la organización de las mismas proceden no sólo a la generosidad de los donantes sino que son también fruto del trabajo y esfuerzo que los monjes y conversos realizaron sobre la tierra 36.

Moreruela possuía bens fundiários no território que hoje são os concelhos de Macedo de Cavaleiros (Vale de Prados, Bornes, Sesulfe, Cortiços, Cernadela, Soutelo Mourisco), Bragança (Carragosa, nas freguesias centrais de Bragança, Gimonde, Quintanilha, Pinela), Vimioso (Angueira) e Miranda do Douro (S. Martinho de Angueira, Genísio, S. João da Ribeira, Ifanes, Constantim, Vila Chã da Braciosa, Palaçoulo, Atenor), repartindo com S. Martinho de Castanheda e S. Salvador de Castro de Avelãs37. Em Ifanes o mosteiro tinha uma granja administrada por um mestre da granja38.

36

Idem, ibidem: 46. VICENTE, 2002: 447, 685-692. 38 Idem, ibidem: 686 – nota 420. 37

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago

Cabeceira do templo monástico de Santa Maria de Moreruela. (Foto: Turismo de Espanha).

Localização geográfica das propriedades de Santa Maria de Moreruela em Trás-os-Montes.

São Martinho de Castanheda, na atual província de Zamora, pertence à diocese de Astorga e localiza-se junto ao Lago de Sanábria. Fundado inicialmente no reinado de Ordonho II das Astúrias cerca de 916, passou por um período de alguma decadência e no reinado de Afonso VII de Leão, cerca de 1150, recuperou a sua pujança reforçando a seu domínio fundiário em volta do mosteiro, adotando a regra beneditina, por ação do

15

O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV monge Pedro Cristiano 39. Nesta ocasião dá-se um impulso na fábrica românica do templo e toda a estrutura monástica 40. Através de aquisições o mosteiro viu o seu património fundiário alargado sob o abadiado de Martim em território hoje português, por doações dos descendentes de Ponce de Cabreira, e ao longo do século XIII e XIV 41. Os bens que este mosteiro possuía em Portugal situavam-se em território dos atuais concelhos de Bragança (Fonte Arcada de Linhares

42

, Donai, S. Cipriano de Aveleda,

atual localidade de Aveleda e Rio de Onor, no concelho de Bragança) 43, Vinhais (Vilar de Ossos)44 e norte de Miranda do Douro junto à fronteira (S. Martinho de Angueira) 45. Na vila de Bragança possuía uma hospedaria. Os bens foram objeto de reconhecimento régio em 128946. Neste período, este mosteiro tinha uma relação estreita com o braganção S. Salvador de Castro de Avelãs, que aliás estiveram para se agregarem, sob a égide das famílias patronais, o que motivou oposição da arquidiocese de Braga, temendo que isso reabrisse o diferendo com Astorga sobre os territórios a leste do Tua, o que obrigou a Santa Sé a intervir extinguindo o vínculo de agregação em 1218

47

.

Após a união falhada entre S. Martinho de Castanheda e Castro de Avelãs, sob a regra beneditina, em 1245 dá-se a filiação à observância de Cister através da abadia de Santa Maria de Carracedo (concelho de Carracedelo, comarca de Bierzo)48.

39

Era filho do conde Guterres Eriz e irmão do conde Fernando Guterres, sobrinho do bispo de Astorga Ximeno Eriz, e por afinidade política sobrinho de Ponce de Cabreira 40 HERNÁNDEZ, 2012: 64 41 Idem, Ibidem: 65, 75 42 Idem, ibidem: 71 43 GRADÍSSIMO, 2014: 122, 123; PMH-Inq: 1337. 44 VICENTE, 2002: 712 45 HERNÁNDEZ, 2012: 65-66, 71-72 46 IAN/TT, Chancelaria de D. Dinis, lv. 1, fl. 251v-252v. HERNÁNDEZ, 2012: 75. A relação possidente em Trás-os-Montes terminou em 1705 no rescaldo da Guerra de Sucessão Espanhola. 47 Idem, ibidem: 68-69; VICENTE, 2006: 253 48 Idem, ibidem: 70, 75

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago

Templo conventual de S. Martinho de Castanheda, Sanábria. (Foto: Turismo de Espanha)

Localização geográfica das propriedades de São Martinho de Castanheda em Trás-os-Montes.

Santa Maria de Montederramo localiza-se junto a Ourense na Ribeira Sacra. Supõe-se que tenha sido fundado no século X em local distinto do atual. No século XII chamava-se S. João Velho, filiado na ordem beneditina. Em 1142, o rei Afonso VII pediu ajuda a S. Bernardo de Claraval, seu parente, para lhe enviar monges para restaurar este mosteiro e os de Sobrado, Meira e Melón. Onze anos depois, já a ordem de Cister havia-se estabelecido e refundado Montederramo sob a evocação de Santa Maria. Obteve proteção e isenção eclesiástica do papa Alexandre III, em 1163. Em 17

O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV Portugal possuía duas granjas situadas em Cidões e Vilar de Peregrinos (concelho de Vinhais), onde exerciam jurisdição cível, além de propriedades em Ousilhão, Nunes, Penhas Juntas, Eiras, Nuzedo, Edrosa (concelho de Vinhais) e Zoio (concelho de Bragança)49. A granja de Cidões era onde o mosteiro concentrava a administração dos seus bens em Portugal50. Estes bens haviam sido doados por D. Afonso Henriques em 1128 a Fernando Anaias51. Posteriormente adquiridos pelo instituto monástico por doação antes de 125852, completada com outras à linhagem de Sanábria, aparentada aos Braganções e aos Cabrera, entre as décadas de 1330-134053.

Mosteiro de Santa Maria de Montederramo, Ourense. Da estrutura medieval pouco resta. O conjunto monástico foi renovado nos finais do século XVI ao gosto maneirista (Foto: Turismo de Espanha)

49

IAN/TT, Leitura Nova Livro Segundo de Além-Douro, lv. 2, fl. 204-205. VICENTE, 2002:

50

VICENTE, 2002: 713 – nota 554.

51

VICENTE, 2002: 712-713

52

Idem, ibidem: 713

53

BECEIRO PITA, Isabel, 1998, p. 1099.

712

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago

Localização geográfica das propriedades de Santa Maria de Montederramo em Trás-os-Montes.

O mosteiro de S. Pedro de Águias estava sedeado a sul do Douro, na margem esquerda do rio Távora (hoje concelho de Tabuaço) diocese de Lamego. Foi originalmente fundado na observância hispânica, passando para a cisterciense, filiandose em S. João de Tarouca. A sua origem e história está profundamente ligada à família Távora, que aí possuía panteão familiar, e a S. João da Pesqueira e às localidades envolventes de Numão, Cedovim do concelho de Vila Nova de Foz Côa, Penela da Beira e Penedono, deste concelho. As inquirições de 1258 informam que o mosteiro pertencia ao patronato régio porque estava implantado em território reguengo. O couto do mosteiro havia sido outorgado pelo conde D. Henrique, segundo documento que os inquiridores viram e transcreveram54. No entanto, o mesmo documento informa que D. Afonso Henriques, enquanto infante, isentou de foro régio os bens de Pedro Ramires e de seus descendentes

55

, inclusive os bens que legaram ao mosteiro de S. Pedro das

54

PMH Inq.: 1095. PMH Inq.: 1099: «Interrogatus quomodo ipsi qui descendunt de generatione predicti Petri Ramiriz non faciunt forum Regi nec etiam monasterium Sancti Petri de Aquilis de ipsis hereditatibus quas habent in Sancto Johanne de Pescaria, dixit quod ipsi dicunt quod Dominus Rex Alfonsus proavus istius Regis quitavit Petro Ramiriz totum fórum Regis de quanta hereditate habebat Petrus Ramiriz» 55

19

O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV Águias56, documentos confirmados pelos inquiridores57. Nesta ocasião Pedro Ramires e o irmão João Ramires reformaram o mosteiro

58

. As inquirições são a única fonte

medieval que nos fornecem informações acerca dos bens que este cenóbio possuía a norte do rio Douro. Eles localizavam-se em Mascarenhas, na terra da Ledra (atual Mirandela), no julgado de Ansiães (Pena Fria, em Carrazeda de Ansiães)

59

, Vilarinho

60

da Castanheira (hoje concelho de Torre de Moncorvo) .

Vista norte do templo românico do mosteiro de S. Pedro das Águias. (Foto: da Junta de Freguesia da Granjinha, Tabuaço)

56

PMH Inq.: 1099-1100: além dos bens legados por Pedro Ramires cita o de um descendente chamado Estevão que legou a Ervedosa (freguesia do atual concelho de S. João da Pesqueira) ao mosteiro de S. João da Pesqueira. 57 PMH Inq.: 1100. 58 VASCONCELOS, 2014: 628. 59 PMH-Inq.: 1270, 1272; sobre o mosteiro, a outra fonte é a Crónica Cisterciense de frei Bernardo de Brito de 1602 60 VICENTE, 2002: 728; o mosteiro de São Pedro das Águias também possuía bens fundiários em Panóias (Gouvinhas e Carval no concelho de Sabrosa) e em Vila Cova (concelho de Penaguião).

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago

Localização geográfica das propriedades de São Pedro das Águias em Trás-os-Montes.

O mosteiro de Santa Maria de Bouro estava sedeado na margem do rio Cávado a nordeste de Braga. A instituição foi fundada em 1148 e a sua filiação a Cister só está comprovada em 120861, coincidindo temporalmente com a doação do Braganção Pedro Fernandes e mulher, Fruilhe Sanches, da localidade e padroado de S. Pedro de Santa Comba da Vilariça no tempo do rei D. Sancho I. A extensão desta localidade na Idade Média era maior daquela que é hoje, porque incorporava as localidades de Eucísia, Santa Justa, Vilarelhos, Vilares da Vilariça (concelho de Alfândega da Fé), Vale Bom, Trindade e Benlhevai (concelho de Vila Flor), que constituíram curatos sufragâneos dominando toda a cabeceira norte do vale da Vilariça. Esta doação foi acompanhada pelo rei D. Sancho I que deu ao mosteiro o reguengo de Macedo do Mato (atualmente concelho de Bragança)

62

. O mosteiro acrescentou os bens que possuía em Valverde, no

julgado de Lamas de Orelhão (hoje concelho de Mirandela), doada no tempo do rei D. Afonso II

63

. No reinado de D. Afonso IV o mosteiro de Santa Maria de Bouro

conservou a posse e exploração do território exceto o exercício da jurisdição senhorial.

61

MARQUES, 1988: 629 AZEVEDO, 1979, Vol. 1, Doc. 216: 321-322. 63 PMH-Inq.: 1302. 62

21

O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV No século XV vendeu a exploração agrícola mas conservou o exercício do padroado religioso.

Conjunto monástico de Santa Maria de Bouro, Amares. (Foto: wordpress.com)

Localização geográfica das propriedades de Santa Maria de Bouro em Trás-os-Montes.

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago

A romaria de Santa Maria de Azinhoso na Idade Média era muito concorrida por comerciantes judeus e mouros que ali iam comerciar 64. Isto revela-nos que a região era bastante concorrida de gente, de peregrinos, que transitavam com as suas mercadorias pelos mercados da região 65! Mercados que os reis D. Afonso III e D. Dinis procuraram atrair para as localidades que haviam concedido importantes privilégios foralengos. E na região da Vilariça que estudamos na nossa investigação Alfândega da Fé de Sobre a Valariça: do domínio senhorial ao senhorio régio (século XII a XIV)66, constatamos que imediatamente à outorga da carta de foral o rei concedeu o privilégio de feira mensal às localidades de Mogadouro (1272), Vilarinho da Castanheira, Torre de Moncorvo (1284), Vila Flor (1285-1294), Alfândega da Fé (1294) Mirandela (1294), Freixo de Espada à Cinta, procurando atrair gente e atividade comercial, através da segurança de bens e pessoas, permitindo que viessem feirar e impedindo que fossem molestadas no trajeto e durante a feira67. Todas as localidades e feiras mencionadas foram instituídas depois do património cisterciense estar devidamente constituído (conferir Mapa das Feiras). E permitem identificar alguns trajetos. Por exemplo a feira de Alfândega da Fé realiza-se três dias depois da de Mogadouro e três dias antes da de Mirandela, observando-se que a localidade se situa num trajeto comercial que vinha de Leão e seguiria para norte. A preocupação com as datas em que se realizavam e a coordenação com as feiras nas localidades vizinhas foi a razão por que Vila Flor alterou a sua. No entanto, há uma localidade que ganhou projeção, Torre de Moncorvo, ao ponto da sua governança solicitar ao rei (senhor da localidade) autorização para realizar uma feira anual.

64

DIAS, 2002b, Vol. III, Doc. 603: 434-435. Sobre os frequentadores dos caminhos transmontanos Baquero Moreno havia mencionado no artigo que vimos citando (BAQUERO MORENO, 1986: 80: “(…) a região brigantina era atravessada por viandantes oriundos da região leonesa e doutras partes do reino de Castela.”) 66 Tese de Mestrado em Estudos Medievais, apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 07-2016. 65

67

COSTA, 2016: 124-127

23

O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV

Mogadouro

1272,

Ansiães 1277, Vilarinho da Castanheira 1277, S. João da Pesqueira 1281, Torre

de

Moncorvo

1285, 1319, Mirandela [1285], Vila Flor 1286 e 1294,

Miranda

do

Douro 1290, Alfândega da Fé 1294, Ranhados, 1299, Vila Nova de Foz Côa

[1299],

Trevões

1304, Freixo de Espada à Cinta 1307 [In COSTA, Paulo Jorge C. S. (2016 – Alfândega da Fé de Sobre a Valariça: do domínio senhorial ao senhorio régio (séc. XII-XIV). Porto, FLUP – Tese de Mestrado em Estudos Medievais, p. 128]

IIIº Colóquio Internacional Caminhos de Santiago

Conclusão O território transmontano estava compartimentado em duas grandes regiões, divididos pela serra de Bornes. A norte e nas faldas desse sistema montanhoso, o povoamento é mais antigo e compartimentado e onde se localiza o património monástico e episcopal, alargado ao planalto mirandês. A sul, excluindo Mogadouro (a leste da Vilariça entre o Sabor e o Douro) e Freixiel (a ocidente da Vilariça), vamos assistir nos fins do século XIII e início do seguinte à reorganização do território concelhio pela fragmentação do grande julgado de Santa Cruz da Vilariça, com as novas localidades de Veiga de Santa Maria (1284), antecessora de Vila Nova de Foz Côa, Torre de Moncorvo (1285), Vila Flor (1286), Alfândega da Fé (1294) e Castro Vicente de Balsamão (1305). Esta reorganização territorial estruturou-se ao longo de importantes trajetos viários, onde destacados bens fundiários pertenciam aos cistercienses S. Pedro de Águias e Santa Maria de Bouro. Nesta região os trajetos tinham predominância sul-norte e este-oeste e com o surgimento dos novos centros urbanos a malha viária densificou-se com novos percursos entrelaçando essas localidades. A região era muito animada comercialmente. Os cistercienses foram sempre bastante pragmáticos e motivados para a rentabilização das explorações que possuíam, vendendo ou consumindo nas suas obras assistenciais, os excedentes que produziam nas suas granjas (exploração direta), porque isso significava o resultado do trabalho com que mortificavam a sua devoção 68. Todas as ordens religiosas medievais tinham na hospedaria uma importante dependência onde se cumpria a obra de misericórdia, uma das principais funções e mandamentos impostos pelos evangelhos acolher os visitantes, que gratos ofereciam esmolas e outros bens69. Os bens fundiários afastados das sedes desses institutos religiosos estavam privilegiadamente localizados juntos aos trajetos mais frequentados e complementavam a função de assistência e hospedagem desempenhada no mosteiro. Nunca pretendemos com este artigo delinear trajetos concretos porque ultrapassaria o âmbito deste encontro, e implicaria acrescentar mais dados complementares que se articulariam aos expostos. Conhecemos com detalhe os 68

TORRE RODRIGUEZ, 1997: 20 – segundo este autor, os mosteiros cistercienses absorviam todos os excedentes que produziam nas obras assistenciais. 69 Idem, ibidem: 44-45 nota 28. VICENTE, 2002: 685.

25

O património dos Cistercienses em Trás-os-Montes nos séculos XIII e XIV caminhos que transitavam pelo julgado de Santa Cruz ao longo do vale da Vilariça70. É um facto atestado documentalmente que o património destes institutos situava-se junto a estradas importantes71. Face aos factos apresentados, concluímos que a região era cruzada por trajetos importantes que ligavam as cidades episcopais que rodeavam a região, onde o património monástico cisterciense e beneditino cumpria o seu papel assistencial, mitigando as agruras naturais e as tentações maldosas das populações aos peregrinos, como se refere o Codex Calixtinus72.

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70

VICENTE, 2002: 582; COSTA, 2016 e COSTA, 2015 VICENTE, 2002: 582, 665, 676. 72 LÓPEZ DIAZ, Xosé, 2010: 223-235 71

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27

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