O Património Material Educativo da Escola Industrial e Comercial de Aveiro

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O PATRIMÓNIO MATERIAL EDUCATIVO DA ESCOLA INDUSTRIAL E COMERCIAL DE AVEIRO Amélia MOREIRA Carlos MOREIRA Escola Secundária Dr. Mário Sacramento

Manuel Ferreira RODRIGUES Departamento de Educação da Universidade de Aveiro

PA L AV R A S- C H AV E

Cultura material; Património educativo; Escola industrial e comercial de Aveiro; Artes decorativas ID: 1073

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Focar a cultura material não é um exercício de êxtase perante

o

passado,

mas

um

processo

de

questionamento, que nos leva dos objectos, sua proveniência e autoria aos sujeitos que os produziram, deles se apropriaram e ou utilizaram em contextos educativos (Felgueiras, 2012, p. 79).

Introdução No quadro da renovação dos estudos em história da educação, o conceito de cultura material, como assinala Maria João Mogarro (2010, p. 91), tem mostrado «possuir fortes potencialidades para a compreensão da escola e dos sistemas educativos, permitindo estudar dimensões ignoradas até aos anos noventa». Das três dimensões da cultura escolar assinaladas por Agustin Escolano (2000, pp. 202-203) – a empírica, a científica e a política –, a primeira é, em sua opinião, «basicamente etnográfica e objectiva-se nos registos que dão conteúdo aos museus pedagógicos e centros de memória da educação, hoje no auge em todo o mundo». Em artigo recente, Juri Meda (apud Frago, 2011, p. 7) defende o uso da expressão história material da escola, em detrimento de outras que remetem, para o campo da etnografia, o estudo dos espaços educativos, do mobiliário, material pedagógico e uma extraordinária panóplia de objectos feitos, para e na escola. Na verdade, como salienta Escolano (apud Souza, 2012, p. 71), «os objectos pedagógicos são signos que expressam características da escola, de suas estruturas, processos e resultados», perspectiva que alarga o objeto da história da educação, abrindo-o ao olhar e às metodologias de outras áreas do saber. É, pois, na perspectiva de uma história material da escola que nos propusemos estudar os objetos que ficaram da atividade da Escola Industrial e Comercial de Aveiro. Desse modo, são três os objectivos deste estudo. Após a catalogação do que resta do conjunto de trabalhos feitos por alunos desta instituição centenária e demais material pedagógico, importa aprofundar o conhecimento das peças reunidas, nas suas relações com a actividade lectiva, com as correntes artísticas e com os gostos dos tempos da sua realização, bem como com as actividades industriais e artesanais da região, onde a cerâmica se destaca desde muito cedo e, de certo modo, molda a oferta educativa durante décadas. Naturalmente, não esquecemos os indivíduos, tanto os professores e mestres, como os alunos que assinaram a maioria das peças preservadas. Pretendemos, igualmente, criar condições para a valorização, divulgação e preservação deste importante património material da educação – agora num contexto educativo bem diferente daquele que o produziu –, não deixando de reflectir, todavia, sobre as razões da preservação, especialmente das peças de natureza artística e decorativa, em detrimento das que mais se relacionam com a produção industrial. Por fim, no âmbito deste IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, queremos submeter à apreciação dos historiadores interessados nesta problemática as nossas propostas de preservação e de valorização deste importante património educativo. Restos heteróclitos da história de uma escola Para o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, heteróclito significa «composto de partes que pertencem a estilos ou géneros diferentes», ou «constituído por elementos variados, pouco homogéneos». De facto, é essa a condição destes objectos, que não são propriamente uma «coleção», pois não chegam a ser uma ou mais séries. São objetos únicos. Une-os apenas o facto de terem sido feitos por alunos e professores desta escola, ao longo de muitas décadas, a que se junta algum material pedagógico adquirido pela escola. É difícil conhecer as motivações da preservação destes objetos ao longo de um século. É possível que tenham sido guardados pelos professores da escola, durante décadas, talvez porque os terão considerado «essenciais para uma narrativa do passado» (Felgueiras, 2012, p. 74). Segundo um dos antigos alunos, muitas dessas peças foram levadas em 1956, ano da passagem da escola para as novas instalações, para decorar as paredes da escola. E adianta: «era a nossa casa. É natural que quiséssemos tê-la com os nossos trabalhos». São, pois, produto da atividade da escola, em que a oficina disputava à sala de aula e à biblioteca o lugar central de transmissão de saber e de produção

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de cultura. Em 2006, depois de um longo e paciente trabalho de inventariação, foi publicado um Catálogo desses trabalhos realizados por mais de uma centena de alunos da Escola Industrial e Comercial de Aveiro – actual Escola Secundária Dr. Mário Sacramento –, ao longo de décadas, e que, há décadas, têm decorado as paredes de salas e corredores desta instituição educativa. No conjunto, a referida publicação (Corga, Moreira, & Tavares, 2006), denominada Arte pelos Antigos Alunos – editada particularmente com o apoio de três empresas cerâmicas e outras instituições locais –, reúne fotografias de 163 peças da autoria de 115 alunos desta escola. Algumas peças têm a mesma assinatura, enquanto outras, a grande maioria, não estão assinadas ou datadas. Há, ainda, peças de gesso que serão restos de uma coleção adquirida com fins pedagógicos. Estes trabalhos foram realizados em circunstâncias diversas, mas na sua maioria parecem ter sido o resultado do trabalho das aulas ou de exames finais. Em alguns casos, são originais, mas o maior número, naturalmente, é constituído por cópias de obras clássicas da arte ocidental e, especialmente, por cópias de trabalhos de artistas cerâmicos locais, então no activo, ou de originais de autores já falecidos, expostos em locais públicos ou não. A sua distribuição por decénios revela uma muito irregular representatividade, embora o elevado número de peças não datadas – 68 no conjunto –, inviabilize leituras seguras a partir desses dados. Se nos situarmos apenas nas peças cerâmicas, verificaremos que, das 104 existentes, não estão assinadas 28, isto é, cerca de 25%. Sem um bom conhecimento de cada peça, temos dificuldade em arriscar atribuições. De qualquer modo, com data expressa, verificamos que, de 1898 a 1930 – tempo em que a Escola foi dirigida pelo seu primeiro professor, Francisco Augusto da Silva Rocha (1864-1957) –, há três dezenas de peças. Atravessaram todas as mudanças de espaços físicos em que a escola esteve instalada, mercê de diversas vicissitudes, o que é notável, e faz-nos pensar nos acasos ou nas razões por que foram sendo salvaguardadas. Nas décadas seguintes, o maior número pertence ao período de 1931 a 1940 (23) e ao de 1951-1960 (29); dos anos 40 há 3 peças, dos anos 60, 8 e dos anos 70 e 80, outras oito peças. Já a sua distribuição tipológica e pelos materiais utilizados, a relação dos trabalhos revela números diferentes: 39 pratos cerâmicos, assinados por 31 alunos (4 peças não assinadas); 20 vasos ou jarras diversas, assinados por 14 alunos e 1 aluna (3 peças não assinadas); 10 pequenas esculturas cerâmicas, assinadas por 6 alunos (4 peças não assinadas); 35 painéis de azulejos figurados, assinados por 21 alunos e 6 alunas); 09 placas cerâmicas relevadas, não assinadas nem datadas; 05 tapetes e bordados, não assinados nem datados, e 40 peças de gesso, assinadas por 34 alunos e 2 alunas (3 peças não assinadas); 05 «Moldes de Dresden», sem data. A primeira evidência é que, não obstante estarmos perante este significativo número de peças, muito se perdeu, pelo que, como amostra, está longe de ser uma boa réplica do intenso e muito variado labor de cerca de um século de actividade desta instituição do ensino industrial e comercial, em Aveiro. Outro aspeto a salientar é o facto de a cerâmica ser responsável pela maioria das peças – 113; em número, só se lhe aproximam as peças em gesso (40). O pouco que sabemos sobre a história da escola e da região permite-nos afirmar que a indústria cerâmica foi a principal beneficiada pela formação desta escola. Não nos surpreende que assim seja, pois a cerâmica tem tradições de séculos nesta região, rica em matéria-prima, como atesta um significativo número de publicações de eruditos locais, historiadores e arqueólogos. Na sua obra maior, A cerâmica portuguesa, José Queiroz (1907, p. 176) afirma que «como região cerâmica, Aveiro deve ser uma das mais antigas de Portugal». Depois da fundação da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre (1826), da Fábrica de Louça da Fonte Nova (1882) e da Fábrica de Telha de Jerónimo Pereira Campos & Companhia, Limitada (1896), inicia-se o canto do cisne das velhas olarias que vão sobrevivendo algumas décadas mais à

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custa do gosto de um público que se ocupa das actividades do campo e compra preferencialmente em feiras (Rodrigues, 1997). O crescimento urbano abre novas oportunidades às fábricas de cerâmica decorativa, de louça e azulejo, e às fábricas de telha (o fabrico de tijolo é mais tardio). Mesmo a construção civil não dispensa um sem número de peças decorativas nos beirais, nos telhados e nas chaminés, como ainda se pode ver em muitas casas da região. Mas se havia matéria-prima, não existia mão-de-obra qualificada, como foi bem realçado pelos diversos empresários presentes no Congresso da Indústria Cerâmica, realizado no Porto, em 1882 (Rodrigues, 1993, p. 38). É esta a razão por que, desde os anos 1880, a Fábrica de Porcelana da Vista Alegre e a Fábrica de Louça da Fonte Nova exercem pressão junto do poder central para o estabelecimento de uma escola industrial: era grande a falta de pintores e de modeladores, mas essas empresas não queriam suportar os custos do investimento na sua formação... Fazem-no em 1884, no contexto da reforma do ensino industrial, e, em 1889, ano do centenário da revolução francesa. Mas a conjuntura depressiva dos anos 90 não permitiu a criação da escola em condições favoráveis, sendo instituída por decreto, em 28 de Outubro de 1893, não uma «escola industrial», mas tão-somente uma «escola de desenho industrial», de iniciativa autárquica, alojada nas exíguas instalações do Asilo-Escola Distrital de Aveiro, que a Câmara Municipal de Aveiro recebera (contrariada), pelo Decreto de 24 de Dezembro de 1892 (Rodrigues, 1996). Portanto, desde o início da sua existência, a cerâmica está presente na vida da escola, como poderíamos dizer de outra forma: desde a sua fundação, a Escola Industrial e Comercial de Aveiro está intimamente relacionada com o meio em que se afirma. Nasce de uma necessidade que sentiam as duas mais importantes empresas cerâmicas da região – a Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre e a Fábrica de Louça da Fonte Nova. Depende, em alguns períodos, do apoio das fábricas de cerâmica decorativa e azulejos (Fábrica Aleluia, Empresa de Louças e Azulejos, Fábrica Olarias, etc.). É no seu seio que se formam os «artistas» das mais diversas «artes» que iriam marcar indelevelmente a paisagem urbana da cidade e o gosto de gerações. Mesmo assim, importa salientar que, na sua maioria, as fábricas de louça e azulejo decorativo nunca tiveram um mercado amplo para os seus produtos, razão por que se viram forçadas quase sempre a produzir também peças para outros fins, nomeadamente para a construção civil, não conseguindo, por essa razão, constituir um corpo estável e especializado de pintores e de modeladores. Os melhores eram disputados pelas diversas fábricas que se iam estabelecendo. Entre os nomes dos alunos que assinam as peças reunidas, há alguns de artistas conhecidos, com obra de relevo. Isso mostra a importância que a escola teve na região. Os restantes, a maioria, só um trabalho paciente os poderá resgatar do esquecimento. Recordamos, entre os mais conhecidos, o nome de Vasco Branco, escritor, ensaísta, cineasta e ceramista, autor de diversos trabalhos de grande qualidade e monumentalidade dispersos pela cidade de Aveiro. Mas existem nomes de artistas das empresas cerâmicas, como os dos modeladores e escultores Silvério Francisco Damas e João Calisto, recentemente desaparecidos. Do segundo, há inúmeras esculturas de elevada qualidade artística, como o busto de Silva Rocha, na posse da família (apud 2008, p. 66). Se, nas primeiras décadas, a Escola se relaciona especialmente com as fábricas da Vista Alegre e da Fonte Nova, como dissemos, a partir dos anos 30, no domínio da cerâmica, essa relação é quase exclusivamente dominada pela Fábrica Aleluia, o que se nota, em especial, nos painéis de azulejos figurados, permitindo confirmar a natureza da produção desta unidade cerâmica, nomeadamente no azulejo de figura avulsa e no de padrão. Na verdade, as peças reunidas na Escola Industrial e Comercial de Aveiro testemunham, ainda que de forma incompleta, o importante papel que esta escola desempenhou na formação de uma numerosa mão de obra, em que se destacam alguns artistas de mérito, em diversos domínios da cerâmica, da criação e produção de tectos e diversas peças de gesso. Francisco A. da Silva Rocha enumera, em alguns documentos, as áreas onde foram nascendo nomes incontornáveis das artes e ofícios do início do século XX, para lá da pintura e da modelação

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cerâmica, como a arte do ferro, da cantaria, da marcenaria, da marchetaria, da carpintaria e da arte de estucador, actividades de que nos ficaram escassos testemunhos. Falta inventariar o mobiliário da escola; falta inventariar o ferro forjado, como importa não esquecer o importante património escultórico disperso pelos cemitérios da região (baixos relevos e pequenas esculturas), da autoria dos mestres canteiros António de Freitas & F.º, sem falar das inúmeras peças dispersas pela cidade. Mas a maioria dos exemplares está em coleções particulares de familiares desses alunos e professores. Como dissemos, é ainda muito reduzido o conhecimento que temos das peças inventariadas. Tanto no que mostram, como no que escondem, tanto no que testemunham, como no que desafiam. A sua arrumação por afinidades formais – existem algumas belas peças Arte Nova –, por datas, por autor, etc. deixam-nos ainda no campo da descrição que, não raras vezes, encobre a falta de estudo e de ideias. A avaliar pelos contactos que fizemos nas últimas semanas com antigos alunos, o trabalho de inventário terá de continuar em colecções particulares, nas fábricas cerâmicas e nos espaços públicos da cidade e da região, procurando perceber a escola por dentro e nas suas relações com o meio, pelo que o presente texto mais não é que uma primeira tentativa de compreensão do conjunto. Carecemos da biografia de cada um dos objetos em apreço, uma biografia, como refere Viñao Frago (2011, p. 12), com recurso ao testemunho oral, à coleção particular e ao documento escrito, do arquivo da escola ou da imprensa local. Como estes objetos não entraram no circuito comercial, a sua biografia situa-se entre o momento da sua criação e da apreciação pelo professor, primeiro, e a sua exposição na escola, até hoje. Mas esses objetos constituíram o currículo dos seus criadores, que mais tarde foram pintores, modeladores, ceramistas, etc., em diversas empresas na região. Dão-nos a compreender inúmeros fenómenos. Assim, não espantará que a «colecção» estudada não contenha pequenas peças de serralharia e de metalomecânica, sectores onde a escola desempenhou um papel de relevo, especialmente durante os anos 50-60 – em 1956-1957, começa a funcionar o curso de Formação de Serralheiro (Dias, 2006) –, a «época de ouro do crescimento económico», e até em parte da década de 70, período em que se afirmam diversas empresas que têm na Escola Industrial e Comercial de Aveiro o apoio fundamental para a formação dos seus jovens aprendizes. Disso é bom exemplo a Metalurgia Casal, empresa que, desde 1964, produziu motores e motorizadas. De manhã, os seus aprendizes praticavam na escola da empresa; de tarde trabalhavam ao lado de um oficial e, à noite frequentavam a Escola Industrial e Comercial de Aveiro (Rodrigues, 1994). Atendendo à natureza e ritmos da nossa industrialização, compreende-se que tenham sido preservadas apenas as peças consideradas «artísticas», sendo esquecidas as que mais de perto se ligavam com a produção industrial. Não era por acaso que a Escola Industrial e Comercial de Aveiro continuava a formar «artistas», a elogiar o trabalho artesanal, numa época marcada por um extraordinário fascínio pela máquina e pela produção em série. Em 1956, pode-se ler nas páginas do semanário aveirense Litoral: «Em boa verdade, o produtor doméstico, a pequena oficina, a fabriqueta do tipo familiar figuram hoje como anacronismos face aos ritmos estonteantes da produção moderna. O funileiro, o caldeireiro, o sapateiro, o oleiro são, nos nossos tempos, espécimes raros, relegados para o esconso de ruelas antigas, peças veneráveis no vasto museu sociológico actual; ficaram esmagados sob o enorme peso da concorrência da Fábrica, já que as suas mãos e o seu engenho, ainda que muito estimáveis, não puderam suster a violência do fabrico em série, da estandardização do produto vendido a baixos preços e acabado com esmero pela máquina, sábia, vertiginosa, incansável – omnipotente!». Mas se ainda é escasso o conhecimento que temos deste extraordinário acervo de artes decorativas, as «artes menores» que William Morris defendia (2003, p. 24) – «esse grande corpo de arte com o qual os homens procuraram, ao longo dos tempos, embelezar o seu quotidiano» –, menos sabemos ainda como o preservar, como assegurar que continuará a interpelar o presente o futuro. E o futuro: dispersão ou valorização? Neste momento, quando decorrem as obras de requalificação da Parque Escolar, estas peças correm o risco de desaparecer, como, de resto, aconteceu com um número indeterminado de

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documentos do arquivo. O facto de não existir um qualquer espaço físico para o arquivo, a pouca atenção dada a esse enorme acervo documental, reunido ao longo de cerca de 120 anos de atividade, com a entrada da referida empresa na escola, fez com que se perdessem diversos documentos, como reconheceu a direcção da escola. A memória da escola está a ser mutilada. Tememos que o mesmo venha a acontecer às peças em apreço, não obstante a existência do inventário consignado no Catálogo publicado (Corga et al., 2006). Julio Bérrio classifica os museus da educação em cinco tipos: escola-museu, museu histórico escolar, museu da educação, museu pedagógico e museu/laboratório de história da educação (apud Felgueiras, 2012, p. 81). Na verdade, nenhuma destas categorias se aplica a estes objetos. Poderíamos pensar numa sala-museu, um pouco à semelhança da escola-museu de Bérrio que, como sublinha Margarida Louro Felgueiras (2012, p. 81), tem «claras afinidades com a história local, durante largo tempo menorizada, mas hoje considerada de grande importância para o desenvolvimento cultural e identitário das localidades». Assim, em vez de pensarmos num museu local ou regional, que está absolutamente fora de qualquer possibilidade, parece-nos que a criação de uma sala-museu seria a solução para dar futuro a estes objetos do passado da antiga Escola Industrial e Comercial de Aveiro. Pelos depoimentos de alguns ex-alunos, se existisse um espaço desses, construído sobre um projeto sólido, um projeto de futuro, o acervo cresceria, pois alguns gostariam de ceder à escola objetos particulares que têm na sua posse e que, também aí, correm o risco de dispersão. Uma sala-museu seria, em nosso entender, a solução para acondicionar a maioria dos objetos desta escola, podendo aí ser colocados outros objetos que preservassem a memória da escola que foi. Mas aqui reside o maior problema: a escola mudou de natureza, não mais é uma escola industrial e comercial. Desse modo, compreende-se que estes objetos possam gerar narrativas, mas não conseguirão facilmente desencadear práticas, criação. Como fazer destes objectos uma realidade viva, ancorados entre a memória e a criação? Como salienta Guilherme de Oliveira Martins (2009, p. 55), a propósito do Património cultural em geral, «a sua preservação obriga ao conhecimento da História, ao recurso rigoroso às melhores técnicas de conservação, à inteligência da ligação ao presente e à capacidade inovadora». Também a mudança de nome – em 2002 passou a denominarse Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico Dr. Mário Sacramento – e a renovação etária do corpo docente irão diluir as origens da instituição. E agora, com a alteração dos espaços, a conservação destes objetos torna-se mais difícil, porque, até aqui, estavam mais ou menos nos locais onde foram sendo colocados. Com as transformações introduzidas, estes objetos tornar-se-ão estranhos. O seu valor semiológico fica reduzido. Não dizemos isto com melancolia. Estamos conscientes de que «o melancólico não sabe aquilo que perdeu, o coleccionador não sabe aquilo que ganhou» (Guillaume, 2003, p. 59). Sentimo-nos preocupados com o destino deste património. A preservação desta «coleção» numa sala-museu poderia constituir um instrumento de luta contra a homogeneização, a harmonização indiferenciada e a dominação do presente desmemoriado, tornando esta escola secundária diferente, dotando-a de outros meios de comunicação com o meio. Importava, pois, fazer dessa sala-museu que sugerimos o ponto de encontro entre o passado e o futuro. Essa sala-museu poderia trazer à escola aqueles que ainda se emocionam com esses objetos, para eles objetos de sutura, mas, para nós, que chegámos depois, esses objetos, na sua grande heterogeneidade, podem ajudar-nos a «esquivar à violência do efémero» (Guillaume, 2003, pp. 2942). Assim, propomos uma preservação, não como um fim em si mesmo, tanto numa perspectiva museísta, como numa perspectiva histórica, mas como um instrumento de comunicação, capaz de acionar a memória e favorecer a imagem da escola. Diferenciando-a. Como salienta Guilherme de Oliveira Martins (2009, pp. 48-49), «a falta de memória histórica leva-nos pelos caminhos perigosos da repetição trágica da violência cega. Que é a decadência senão a confusão entre a memória e a repetição? Que é a barbárie senão a falta de memória?».

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