O PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO: CONTINUIDADES E RUPTURAS.

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O contextualismo histórico refere-se a corrente teórico que confere ênfase a reconstrução do contexto histórico a partir de uma pesquisa que envolve diversas fontes, documentos, panfletos, discursos, livros etc. os quais permitiriam identificar as intenções do autor e precisar o conteúdo dos termos utilizados. Nesta abordagem o principal mal a ser evitado seria o anacronismo, tal procedimento não retira relevância do julgamento do interprete sobre o conteúdo da obra, mas o obriga a pesar as intenções do autor ao escrever. Seus principais representantes seriam Quentin Skinner e John Pocock. Os principais trabalhos seriam os seguintes: a) as questões metodológicas estão presentes em Quentin Skinner Meaning and context e John Pocock Politics, languague & time e b) Os trabalhos de História das ideias são Quentin Skinner The Foundations of modern political thought vols 1 e 2 e John Pocock The Maquialvellian moment.
Esse uso indistinto entre os termos era comum na época, como indica Tocqueville (Democracia na América, p. 123).
Para uma análise detalhada do debate em torno dos diversos cargos, cf. Coser (2008a).
Em 1860 a lei foi alterada para permitir a eleição de três deputados ao invés de um (PORTO, 1989).
A expressão política deste projeto está parcialmente contida no último ministério monárquico, cujo projeto do Visconde de Ouro Preto previa alargar o eleitorado e estimular a difusão do ensino primário.
Em grande medida a análise desenvolvida nesta seção foi discutida em Coser e Hollanda (2016).
Sobre o papel e o conteúdo da ditadura no pensamento comtiano veja-se LACERDA, 2010, especialmente o cap. 7.
O tema da incorporação das massas emergentes recebe tratamento diferente entre os autores, notadamente entre Francisco Campos e Oliveira Vianna ver CARVALHO, 1999.
Sobre as etapas da reflexão de Oliveira Vianna veja-se BRASIL JR. 2007, CARVALHO, 1997 e 2002 e WERNECK VIANNA, 1991.
No final da década de 70 – 1978- e começo da década de 80 - 1982- Wanderley Guilherme dos Santos e Bolívar Lamounier travaram uma polêmica acerca das interpretações do pensamento autoritário. Santos dividia o pensamento político em duas grandes correntes: liberais doutrinários e autoritários instrumentais. Segundo Lamounier, tal distinção apenas reproduzia em outros termos a visão dos autoritários sobre si próprios e seus adversários liberais. O autor paulista propôs uma configuração do pensamento autoritário a partir de tópicos, cujos principais elementos eram: o predomínio do estado sobre o mercado, a visão organicista da sociedade, visão autoritária do conflito social e a não organização da sociedade civil. Santos retorquiu apontando que historicamente a construção de uma ordem social a partir do mercado requereu um intensa intervenção do Estado e, desta forma, estabelecer uma separação rígida entre princípio de mercado e princípio estatal carecia de sentido.
Um terceiro aspecto mencionado amiúde nos discursos e textos da época é a criação da Justiça Eleitoral em 1932, mas que somente funcionou plenamente a partir de 1946.
Sobre o pensamento de Nestor de Duarte e dos liberais baianos veja-se AMBROSINI, 2011, e PIVA, 2000.
Sobre o tema da democracia em Sérgio Buarque de Hollanda veja-se duas interpretações distintas SALLUM JR, 2012, e WAIZBORT, 2011.
O significado dessas siglas é o seguinte: UDN: União Democrática Nacional; PTB: Partido Trabalhista Brasileiro; PSD: Partido Social-Democrático; PCB: Partido Comunista do Brasil.
Hélio Jaguaribe no seu artigo ISEB: um breve depoimento e uma reapreciação crítica menciona Candido Motta Filho, ministro da cultura do Governo Café Filho como "um homem de ampla cultura e visão intelectual". Mas esquece de mencionar que este era autor de um importante livro Alberto Torres e o tema da nossa geração publicado em 1931. E que o próprio Alberto Torres preconizava a criação de um centro de estudos e de elaboração de políticas nacionais.
Em 1958 foi publicado O Nacionalismo na atualidade brasileira de Hélio Jaguaribe, no qual o autor apresentava seu temor que o nacionalismo fosse mal interpretado e se tornasse um obstáculo ao desenvolvimento nacional, em lugar deste defendia um nacionalismo "racional e eficaz". Neste nacionalismo bem compreendido, o recurso à intervenção estatal ocorria sempre que não houvesse capital privado disposto e com capacidade para investir, mas inexistia um veto ao investimento privado. Na mesma lógica era entendido o capital estrangeiro. Discordando destas teses, Guerreiro Ramos e Roland Corbisier fizeram campanha para a expulsão de Hélio Jaguaribe, neste esforço mobilizaram UNE, fato que certamente elevou o tom do debate. Ao final da luta, Hélio Jaguaribe, Anísio Teixeira, Roberto Campos dentre outros se afastaram do ISEB.
Para a trajetória dos intelectuais críticos ao ISEB e sua reinvenção como intelectuais engajados veja-se LAHUERTA, 1999.
A Declaração de Março de 1958 foi um marco na história do PCB, nesta era abandonada a política de combate ao nacionalismo desenvolvimentista em favor de uma aliança com os setores adversários do imperialismo e do latifúndio. Eram entendidos como membros desta aliança, os partidos de centro e centro esquerda, principalmente o PSD e o PTB. Ao mesmo tempo, afirmava-se que a revolução brasileira entrava na sua etapa democrática, o que significava que a defesa desta e o seu aprofundamento eram as tarefas principais dos comunistas. Eram rechaçadas as estratégias de luta armada, golpe de esquerda ou de frente de esquerdas. Em seu lugar era defendida uma frente democrática popular que congregasse todos os setores que fossem favoráveis ao desenvolvimento nacional, o que implicava combater o latifúndio e o imperialismo. O aprofundamento da democracia conduziu o PCB a criticar todas as tentativas de suprimir o calendário eleitoral, o fechamento do congresso e a supressão das liberdades democráticas em geral, o que levou o partido a criticar as ações das esquerdas neste sentido, o que levou ao PCB entrar em choque com por exemplo, o brizolismo.
Vale a pena destacar os seguintes trabalhos: FORJAZ, 1997; LAMOUNIER, 1982; LAMOUNIER & CARDOSO, 1978; SANTOS, 1980. Dentre as abordagens voltadas para uma sociologia dos intelectuais veja-se MICELI, 2001; KEINERT, e SILVA, 2010.
É importante observar que as eleições de 1974 foram objeto de polêmica dentre o grupo de cientistas políticos ao qual é geralmente atribuído o papel de fundadores da Ciência Política moderna brasileira. Neste sentido vejam-se os artigos de REIS, 1978, e SANTOS, 1978.
Sobre o aumento da competição eleitoral como uma das marcas da democracia na segunda metade do século XX veja-se SANTOS, 1998.
A defesa do parlamentarismo por Lamounier teve eco em diversos trabalhos que sem efetuar a defesa deste sistema, entenderam que as vantagens do presidencialismo de coalização eram resultados circunstanciais que dependiam fundamentalmente dos atores envolvidos. E que poderia facilmente redundar em crises políticas.
Não creio que esse texto de Florestan Fernandes – "Ciência e sociedade na evolução social do Brasil" – seja a sua contribuição mais significativa para o tema do pensamento político brasileiro, creio que em A Revolução Burguesa, em especial na primeira e segunda partes, sua análise é mais sofisticada do que a apresenta neste texto clássico. Neste segundo trabalho, Florestan percebe a possibilidade que uma reflexão articulada em torno do tema do Estado Nação possa ter se desenvolvido apartada dos condicionantes da sociedade patrimonial brasileira. Tal fato decorria da posição que o Estado Nacional havia sido posto durante o processo de formação nacional, em razão do vínculo da sociedade com o sistema capitalista, era necessário um órgão que fosse organizado em moldes liberais modernos, tal tarefa somente poderia ser levada à cabo caso o Estado fosse protegido das pressões patrimoniais provenientes da sociedade brasileira.
O ensaio de Carlos Nelson Coutinho (1980), apesar das suas inovações ainda segue, em vários momentos, o modelo de um texto voltado para o público interno do PCB. Desta maneira a crítica ao golpismo de esquerda e a importância do parlamento é corroborado com uma referência a uma resolução do Partido Comunista da União Soviética. Pedágio político, certamente.


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O Pensamento Político brasileiro:
continuidades e rupturas

Ivo Coser

1. Introdução
Observar a construção do campo de pesquisa Pensamento Político brasileiro pela Ciência Política conduz a um olhar retrospectivo que permite distingui-lo de outros esforços intelectuais. Tal construção não provém do objeto em si, mas do caminho acidental e dos materiais dispersos que o forjaram. Este percurso não lhe confere um caráter menor quando comparado a outros campos do saber, pois todos possuem uma História particular feita destes acidentes. A construção do Pensamento Político brasileiro envolve um empreendimento intelectual distinto daquele levado a cabo pela História e pela Sociologia, as quais elaboram, respectivamente, uma História das Ideias Políticas no Brasil e um Pensamento Social brasileiro.
O cientista político ao se debruçar sobre seu objeto deve ponderar três aspectos: (a) as questões que eram contemporâneas ao seu objeto; (b) a construções das famílias intelectuais e (c) as questões da sua contemporaneidade que o levam a esta pesquisa. Dessa forma, "iberismo", "americanismo", "liberais doutrinários", "autoritários instrumentais", "radicais de classe média" etc. estabeleceram chaves de leitura a partir das quais autores e argumentos foram analisados. Tal movimento esteve presente no próprio objeto, desta maneira Oliveira Vianna, Guerreiro Ramos estabeleceram, também, os antepassados da família a qual pertenciam e os seus adversários. A construção destas chaves leituras implica em apontar ideias que agrupem estes autores, em outras palavras, um conjunto de valores que formam um argumento, valores estes que ultrapassam um contexto histórico singular, reunindo, desta maneira, autores de épocas distintas. Ao mesmo tempo, o cientista político deve estar atento ao contexto histórico do seu objeto, as questões que os autores enfrentaram em sua época e o vocabulário político do período de maneira a capturar o sentido das ideias presentes no texto.
Neste sentido, diferentemente da História, o que move o pesquisador na Ciência Política é menos a reconstrução do contexto, e mais o diálogo estabelecido a partir das questões contemporâneas e o passado. Neste tipo de pesquisa a reconstrução dos valores que orientaram estas famílias implica, inevitavelmente, em ênfases que agrupam certos temas em detrimento de outros, tal movimento longe de se constituir numa traição para com seu objeto, ideia que poderia orientar uma pesquisa orientada pelo contextualismo histórico, representa antes o fato que lhe confere intensidade e relevância. A construção do objeto "pensamento político brasileiro" na Ciência Política obriga ao pesquisador a um triplo movimento: (1) estabelecer as perguntas que a partir do presente considera relevante formular ao seu objeto; (2) reconstruir o contexto histórico e político do seu objeto e (3) debruçar-se sobre as interpretações existentes e as famílias intelectuais que foram construídas e que envolvem o seu objeto. Nenhum pesquisador debruça-se sobre o seu objeto limpo das interpretações anteriores; assumi-las é uma tarefa que contribui para o esclarecimento da sua relação com o objeto.
Por outro lado, a construção do campo Pensamento Político brasileiro desenvolveu ao longo do tempo uma atenção aos valores e a sua configuração num dado arranjo político. Tal aspecto o conduziu a uma reflexão distinta daquela presente no chamado Pensamento Social brasileiro. Esta articulação entre valores e arranjo político é decisiva para a pesquisa do cientista político. Na análise do cientista político seu objeto de pesquisa apresentou, em vários casos, reflexões sobre a formação social e histórica do Brasil. Desta maneira, o par conceitual civilização/sertão presente no pensamento político imperial ganha maior complexidade ao longo dos anos 1920 a 1940, principalmente a partir das análises de Oliveira Vianna, Nestor Duarte e Victor Nunes Leal. Entretanto, esta análise mais complexa da formação social brasileira não conduz aos mesmos valores políticos e ao mesmo desenho institucional. Conforme pretendo apontar mais adiante, o diagnóstico sobre a formação social brasileira foi compartilhado nos seus traços fundamentais por diversas famílias intelectuais, mas foi pensado a partir de valores políticos distintos os quais conduziram às desenhos institucionais radicalmente diferentes. Da mesma maneira nos anos 50, a perspectiva da estrutura social brasileira como arcaica, mas em processo de modernização, compartilhado por vários grupos gerou desenhos institucionais radicalmente distintos.
Uma abordagem que pode contribuir para o estudo do pensamento político brasileiro seria aquela que desloca a atenção do autor, como o senhor do texto, e a desloca para os conceitos mobilizados por este e pelos seus contemporâneos. A partir do conflito em torno dos conceitos podemos recortar os conflitos relevantes que perpassaram aquele contexto, gerando uma análise que ultrapassa o estudo monográfico sobre um único autor e seu estilo de argumentação.
Um ponto de contato pouco explorado nas análises sobre o pensamento político brasileiro tem sido a possibilidade de analisa-lo como uma reflexão de teoria política. Vários pontos podem ser úteis nesta aproximação. Em primeiro lugar, o pensamento político brasileiro esteve sempre marcado por uma perspectiva comparada, ou seja, uma atenção à construção das instituições em países modernos e aqueles com formação semelhante a do Brasil. Esta reflexão conduziu, em vários momentos, a uma discussão acerca da natureza da política. A análise comparada foi o caminho a partir do qual foram apresentados juízos sobre a natureza da política. Instituições políticas foram pensadas tanto em relação a sua aplicabilidade ao contexto nacional quanto em relação a sua aos valores que elas acarretavam. De forma mais clara, a transposição das instituições nunca esteve dissociada de uma reflexão sobre a natureza da política e dos seus valores. Em segundo lugar, este diálogo com a Teoria Política, permite reconsiderar um aspecto distintivo na análise da maneira pela qual o campo de pesquisa Pensamento Político brasileiro foi construído dentro da Ciência Política brasileira: a inexistência de um debate acerca do caráter científico dos argumentos produzidos no pensamento político brasileiro – aspecto ao qual voltaremos mais adiante.
A Teoria Política apesar de partir da Filosofia Política apresenta um conjunto de preocupações distintas, possui um modo autônomo de pesquisa, nem filosófico nem movido por uma pretensão de ser uma ciência. Os problemas da teoria política não dizem respeito apenas ao bom ou mau funcionamento dos mecanismos institucionais, mas são problemas políticos, porque dizem respeito à relação entre estes e os valores que os orientam (BERLIN, 1998; WOLIN, 1969). Em segundo lugar, a Teoria Política está voltada para uma compreensão da maneira pela qual estes valores ganham forma no mundo, em outras palavras, a Teoria Política realiza uma reflexão acerca do fazer, preocupação que constitui a sua razão de ser como um campo específico na Ciência Política (SARTORI, 1981). Este esforço de observar e compreender os valores que orientaram o fazer não implica em uma negação do carácter científico das correntes políticas, não existe um Pensamento Político brasileiro pré-científico e um pós-científico. Os valores que orientaram a construção dos argumentos são parte integrante do seu alcance teórico. A Teoria Política empreende um esforço em assumir os valores políticos que orientam a reflexão como parte do conhecimento, o mundo da doxa jamais pode ser superado por um método científico do estudo da Política. O mundo da política se revela de formas diferentes para os autores em razão do local que eles escolhem para falar (ARENDT, 2005).
Tomar a Teoria Política como um esforço que assume o mundo da doxa como parte integrante do conhecimento implica em recusar a ideia de que um contexto político prévio aos esforços intelectuais. O contexto se revela de maneira distinta para os atores em razão do local que cada ator estabeleceu para si. Em outras palavras, o contexto é construído a partir dos diversos valores que os atores adotam. Neste sentido, o contexto é retirado do próprio texto. Tal suposição toma o texto como um espaço no qual transitam diversos conceitos, sem que o autor seja o sujeito absoluto destes. Deslocar o olhar do texto permite que o pesquisador possa mobilizar diversas fontes que não apenas o próprio texto escrito. Neste sentido, quando mobilizamos a ideia de argumento estamos pensando num todo que envolve tanto as ideias de um autor específico, quanto outros materiais de autorias diversas como discursos, panfletos ou artigos de jornais, mas que reúnem valores comuns.
2. Um Império vasto em ideias
2.1. As interpretações
As reflexões políticas produzidas durante o período Imperial projetaram sua sombra sobre os períodos subsequentes, seja pelo reconhecimento explícito da influência ou pela presença de temas que recorrentemente retornaram ao debate, dentre os quais podemos assinalar: Centralização/Federalismo, Poder Moderador, República/Monarquia, Representação Proporcional/Distrital e Ditadura.
Ao longo de todo debate político imperial, e, também durante a República, foi usual o uso da referência à cópia, a importação de ideias sem atenção para com a formação histórica social brasileira. Entretanto, a chave de leitura que interpreta as ideias política imperiais como cópia, recebeu um tratamento mais complexo posteriormente a partir dos trabalhos de Raymundo Faoro e Roberto Schwarz.
O trabalho de Schwarz se afigura como um ponto de partida importante porque permite abordar dois tópicos: a) o papel das ideias liberais e b) a exclusão social das classes subalternas. Em primeiro lugar, Schwarcz recusa tomar as ideias liberais como algo descartável, estas eram mesmo "indescartáveis" (SCHWARCZ, 2000). O trabalho de Schwarcz se afigura como um ponto de partida importante porque permite abordar dois tópicos: a) o papel das ideias liberais e b) a exclusão social das classes subalternas. Em primeiro lugar, Schwarz recusa tomar as ideias liberais como algo descartável, estas eram mesmo "indescartáveis". Na Europa, o Liberalismo foi pensado num contexto da passagem do trabalho feudal para o trabalho assalariado, enquanto no Brasil o trabalho escravo e a grande propriedade e sua ação simplificadora sobre a estrutura social desempenhavam um papel decisivo, ocorrendo uma inadequação entre o seu conteúdo e o meio. Esta inadequação decorre do movimento que oculta a segregação dos pobres. É o silêncio sobre esta segregação que limita o alcance das ideias produzidas no Brasil. Seguindo a lógica do autor, é típico que várias correntes liberais deplorem a escravidão, mas temam pelos seus efeitos da sua abolição, fato que leva a uma auto contenção que limita o seu alcance. A relação entre o moderno e o atraso permanece inconclusa, pois o atraso termina sub-repticiamente, como uma realidade mais profunda e mais forte, moldando a o alcance destas ideias.
A incapacidade das ideias liberais em operar uma ruptura com a ordem colonial foi, também, um aspecto importante no argumento de Raymundo Faoro sobre o Pensamento Político brasileiro. O autor ao se perguntar se existe um pensamento político brasileiro aponta a continuidade, na ex-colônia portuguesa na América, da revolução irrealizada. O patrimonialismo como um fenômeno de Estado teria bloqueado a emergência das ideias liberais. As quais, no seu contexto original, operaram uma revolução política, representando a vitória da sociedade civil contra o absolutismo. Com a emergência do contratualismo, os problemas da política passaram a ser pensados a partir do indivíduo e seus direitos, os quais eram fixados em direção contrária a ordem estamental. No Brasil, estas ideias circulam e configuram a identidade política dos atores, mas sua incorporação ao Estado traz a marca da cooptação, ao invés da representação dos interesses. O Estado brasileiro disporia de uma autonomia em relação à sociedade civil, abafando o mundo dos interesses privados e inibindo a livre iniciativa. Suas instituições políticas teriam a marca das concepções organicistas conduzindo à afirmação da racionalidade burocrática e do Direito Administrativo em detrimento da ordem racional legal e do Direito Civil. A ruptura que importa, para o argumento de Faoro, é, principalmente, com o Estado patrimonial. Saquaremas e liberais moderados estão vinculados por uma lógica de ferro: organizar o poder e limpá-lo das impurezas despóticas e do arbítrio, mas sem tornar o poder proveniente do povo. As ideias liberais hegemônicas não afirmaram os direitos do cidadão, mas foram, antes uma técnica de organização do Estado (FAORO, 1994, p.82).
As ideias liberais e seu papel no pensamento político brasileiro e na construção das instituições políticas foi, também um aspecto abordado por Richard Morse (1998). A linha interpretativa deste autor foi depois aprofundada por vários autores, mas, principalmente por Werneck Vianna e Maria Alice Rezende de Carvalho. A tese de Morse nos interessa menos pela sua aplicação ortodoxa, e, mais pelas releituras que propiciou. Caso seguíssemos a linha interpretativa formulada por Morse teríamos que considerar que as ideias liberais foram apenas o verniz que adornou móveis de madeira mais antiga e persistente, quais sejam, o Tomismo e suas derivações. Entretanto, não é este o caminho nos interessa. A releitura do trabalho de Morse apresentou duas grandes correntes no pensamento político brasileiro: americanismo e iberismo. O argumento americanista sustentava a precedência do interesse individual como o motor do desenvolvimento econômico e político, enquanto que no iberismo predominavam os temas associados à Nação entendida como uma comunidade (BARBOSA FILHO, 2000; WERNECK VIANNA & CARVALHO, 2000).
2.2. Os temas do Império: Justiça; centralismo-federalismo; representação; poder Moderador
O processo de independência coloca em primeiro plano a internalização do processo decisório, as elites políticas são retiradas do seu isolamento colonial e obrigadas a elaborar instituições políticas capazes de sustentar um Estado nacional que abarca regiões diversas entre si, e, entendidas já na época, como não dispondo de vínculos sociais entre si. Esse processo forçou as elites rurais elaborar instituições segundo padrões cosmopolitas, longe do tradicionalismo vinculado à dominação patrimonial (FERNANDES, 1975).
A pergunta que condensa os diversos tópicos pode ser resumida da seguinte maneira: como unir regiões que não possuem vínculos sólidos entre si, como construir instituições que formem um todo organizado, quando não há uma nação, mas arquipélagos isolados? Nesta pergunta estavam presentes duas dimensões que nunca foram separadas no pensamento político imperial em suas diversas vertentes políticas: como tornar as instituições eficientes e, ao mesmo tempo, representativas.
Quando é aberto o debate sobre a maneira pela qual os poderes estariam distribuídos na sociedade brasileira dois modelos disputam as opiniões: o modelo unitário e o modelo confederativo, também chamado de federativo. O argumento confederativo/federativo postulava que o centro da vida política estava nas províncias, com a Independência os laços entre estas e o poder central estariam desfeitos, sendo necessário que fosse formulado um novo pacto que deveria reconhecer esta autonomia. Neste modelo, não desaparece o poder central, mas ele é antes um poder coordenador entre unidades que dispõem de autonomia. Esta ideia central implicava em reformular todas as instituições políticas que estavam sendo delineadas pela corrente unitária: o Poder Moderador, o Conselho de Estado e o Senado vitalício. Bem como em adotar um controle da justiça no mínimo compartilhado com as províncias. Neste primeiro momento os termos Confederação e Federalismo eram usados indistintamente, com o predomínio do conteúdo do primeiro. Uma das principais vozes desta corrente foi Frei Caneca (cf. FREI CANECA, 2001). As referências escassas à República estavam sempre associadas ao tema da confederação/federação, sendo esta forma de governo vista como a mais adequada à descentralização. Entretanto, os exemplos das ex-colônias espanholas e de São Domingos tinham um peso considerável em refrear a propaganda republicana. Era disseminado o receio que a república conduzisse à fragmentação, a uma guerra civil e a revoltas escravas (LEITE, 2000).
O argumento unitário apontava para a necessidade da unidade e da concentração de poderes no poder central em detrimento da autonomia provincial. Ao longo da conjuntura política à este modelo foram associados diversos valores, sem que haja uma contradição entre estes. Num primeiro momento, grosso modo durante o primeiro reinado, a centralização é associada a existência de um poder que congregue as diversas províncias, evitando o caminho das ex-colônias espanholas. A reação conservadora, iniciada a partir do final da década de 30, mantém este discurso, mas coloca em movimento outras ideias que serão fundamentais para o argumento centralizador. O poder central necessitaria de funcionários que estivessem submetidos ao seu controle, estes funcionários deveriam, se possível, possuir um treinamento específico. Os funcionários deveriam circular pelo país de maneira que não estabelecessem vínculos com a localidade. As normas que regeriam estes funcionários seriam as normas escritas vinculadas pelo poder central, sem que o funcionário se guiasse por normas locais, fruto de relações pessoais.
O argumento federalista operava com valores distintos. A legislação descentralizadora teve dois momentos que se refletiram em ênfases e valores distintos. O primeiro momento foi marcado pela elaboração de leis que colocavam importantes funções no nível municipal. Nesta esfera seriam eleitos ou escolhidos para as funções do judiciário os cidadãos da localidade, sem necessariamente disporem de uma formação para o seu exercício, o que era requisitado era o reconhecimento dos cidadãos. Neste sentido, a ideia de federalismo passava a estar associada à imagem de que o poder público seria disseminado pela sociedade, ficando mais próximo aos cidadãos. A esfera mais próxima aos cidadãos era a municipal.
O argumento federalista reconhecia que os cidadãos brasileiros não possuíam uma prática que os tivesse educado para esta legislação. O país teve uma formação histórica diversa daquela dos Estados Unidos, o argumento federalista não desconhece a base social brasileira. Não eram movidos por um liberalismo utópico ou doutrinário que obtusamente buscavam ofuscados pelo exemplo estadunidense. A legislação colonial teria mantido os cidadãos distantes do envolvimento nos assuntos públicos. Esta ideia implicava em considerar que a participação política num sistema representativa somente poderia ser internalizada através de uma educação prática, ao invés de aguardar a difusão material da civilização pelo país, quando então, os cidadãos poderiam participar da política no seu nível mais próximo, o município. O argumento dos liberais exaltados mobilizava para a construção do Estado-nação os interesses imediatos do cidadão sem recorrer a virtudes estranhas a estes, não permeava o tema da grandeza territorial como um móvel para a ação o cidadão, mas apenas seus interesses imediatos na segurança da sua propriedade que mediados pelos instrumentos participativos conduziria a montagem da máquina pública.
Entretanto, este primeiro movimento logo será revisto, quando as atribuições postas no município passarão a serem controladas pela assembleia provincial. Conjuntamente a este deslocamento ocorrerá uma importante reformulação do conceito de federalismo. A experiência estadunidense e sua reformulação da definição de federalismo será percebida no debate brasileiro, os elementos políticos de uma confederação serão amputados em favor de um arranjo federativo, no qual os estados serão partes não soberanas submetidas à União. Esta compreensão terá consequências chaves no debate brasileiro. Em primeiro lugar, federação não implica em separação, o poder central pode dispor de poderes efetivos. Em segundo lugar, a província dispõe de assuntos que devem ser regidos segundo seus interesses. Em terceiro lugar, o pacto federativo deve ser montado de maneira a que as províncias tenham liberdade para buscar seus interesses. Cada província buscando seus interesses termina por contribuir para o bem público, sendo inclusive, saudável certa rivalidade entre as províncias (COSER, 2008b). Esta redefinição apresenta outra modificação decisiva, o arranjo federativo será pensado não mais a partir da participação do cidadão ao nível municipal, mas a partir da província, e, principalmente, da assembleia provincial (BASTOS, 1937). A experiência regencial revelou a inaplicabilidade da descentralização a partir do município com apoio nos interesses do cidadão. O ponto focal passa a ser a assembleia provincial, a qual é eleita não a partir de distritos, modelo que levaria a eleição dos potentados locais, mas através de votação em toda a província, fato que reforça o poder dos chefes políticos nacionais. Cada assembleia provincial deveria dispor de autonomia para adequar as leis nacionais referentes à justiça de acordo com seus interesses. Não era possível, como escreveu Tavares Bastos, que as mesmas leis regessem o Mato Grosso e São Paulo. O federalismo era um meio que deveria permitir que não apenas os interesses provinciais moldassem a política nacional, mas que também os interesses particulares encontrassem espaço, afastando o imperativo do interesse nacional como um laço que deveria reconfigurar os interesses particulares.
As décadas de 1850 e 1860 assistem à emergência de valores novos ao argumento centralizador: as liberdades civis e o direito administrativo. Os direitos civis teriam precedência sobre os direitos políticos, tratava-se de assegurar o exercício destes, para tanto a principal ameaça ao seu exercício provinha do poder privado, mais especificamente dos potentados rurais e seus dependentes. Nesta lógica armar o poder central de instrumentos era a maneira de assegurar os direitos civis, invertendo um ponto clássico do liberalismo anglo-saxão para o qual um poder central forte seria uma ameaça às liberdades civis. Esta visão é apresentada em linhas gerais pelo Visconde de Uruguai, e será depois, retomada por Oliveira Vianna (CARVALHO, 1999; SOUZA, 1997; OLIVEIRA VIANNA, 1987). O segundo aspecto será a associação entre centralização e direito administrativo. Com o direito administrativo o argumento centralizador recebe a ideia de que o poder central expressaria o interesse geral, o cidadão seria movido por interesses particulares, os quais são reconhecidos como legítimos. Entretanto, esses interesses somente recebem seu sentido último quando são redefinidos a partir da lógica do interesse nacional, conforme estabelecido pelo poder central. Esta ideia foi fortemente influenciada pelo liberalismo francês, em particular dos doutrinários franceses. Tal perspectiva reconhece as províncias como possuidoras de assuntos que lhe são próprios e que devem ser decididos segundo os interesses específicos, bem como os interesses dos cidadãos, mas as obriga a considera-los em termos de interesses gerais.
O alcance destas alterações no argumento saquarema pode ser menor caso consideremos algumas análises. O espaço para a autonomia provincial e municipal é bastante reduzido, pois estas são entendidas como correias de transmissão dos valores e políticas presentes no poder central, bloqueando, desta maneira, a emergência dos interesses provinciais. Ao mesmo tempo, a interferência do poder central nos conflitos políticos na província e no município a partir de sua burocracia em nome da pacificação oculta os interesses concretos do grupo situado no poder central (FERREIRA, 1999). Esta interferência do poder central nos conflitos armados entre os grandes proprietários pode ser entendida não como um choque, mas como uma ação da coroa com o objetivo de ordenar e civilizar os interesses da grande propriedade (MATTOS, 1994).
Nas diversas correntes do pensamento político imperial, liberais exaltados, liberais moderados e saquaremas, emerge o conflito com as ações da grande propriedade rural quando esta busca frear as ações da justiça com base em motivos retirados do patrimonialismo tradicional vigente na sociedade. No ataque à estas concepções como escreveu Florestan Fernandes: "O liberalismo não aparece no cenário nacional como conexão da preservação do passado." É do conjunto das ideias liberais, lidas a partir de considerações acerca da especificidade da situação nacional, que estes grupos irão retirar seus argumentos para o ataque. Esse conjunto de ideias liberais apresenta três faces. Por um lado, ele aponta para o futuro para o qual a nação deve se orientar (RAMOS, 1966), por outro qualifica os cidadãos capazes de participar e exclui outros e, silencia sobre a reforma da grande propriedade. Os efeitos negativos da grande propriedade e da escravidão sobre o sistema político são apontados em diversos momentos do pensamento político imperial (CARVALHO, 1988). Uma corrente aponta para a funcionalidade da escravidão no sistema econômico mundial, o seu desaparecimento ocorreria na medida em que esta deixasse de atender a certas funções do mercado. Uma segunda corrente sustenta a necessidade do fim da escravidão com base nos prejuízos que esta causava para a formação da nação (ANDRADA E SILVA, 1988; NABUCO, 2000). A escravidão era, apesar da sua funcionalidade interna, menos produtiva que o trabalho livre, sua existência criava uma imagem negativa para o trabalho, impedia a formação de uma sociedade homogênea socialmente e conduzia grande parte dos cidadãos que não se enquadrava nos dois polos para o serviço público, em resumo, a escravidão bloqueava a formação de uma nação moderna.
Como operar as mudanças que conduziriam a nação a uma sociedade liberal moderna? Saquaremas, liberais moderados e liberais exaltados concebem o liberalismo como um destino que guia as ações no presente, mas que somente será realizado plenamente no futuro (FERNANDES, 1970). A política e a ação do Estado não são mobilizadas como meios para a mudança econômica, o lento expandir da civilização conduziria inteligentemente as transformações de uma sociedade patrimonial para uma sociedade liberal moderna, sem que a unidade nacional se rompesse, fato que traria resultados negativos para toda a sociedade (WERNECK VIANNA, 1997).
Esta noção do ritmo do tempo social não é rompida sequer quando os liberais moderados atacam os três pilares do argumento saquarema: a centralização, o Poder Moderador e o modelo de representação política. Quando Tavares Bastos aponta que o fato que distorce e impede a representação da sociedade brasileira no Estado vem a ser a intervenção do governo (BASTOS, 1975) está presente nesta ideia quatro pontos centrais. Tornar o Estado representativo da sociedade retirando a intervenção do governo implica em descentralizar, dar livre vazão aos interesses particulares, afastar a intervenção do Poder Moderador e reformar a representação.
O debate político acerca do papel do Poder Moderador apresentou duas posições (TORRES, 1964): uma sustentava que a despeito da adoção da forma monárquica, o imperador não possuía nenhum poder acima da representação nacional presente na assembleia geral, como consequência ele não deveria possuir nenhum poder, sendo sua função a de simbolizar a unidade nacional. A segunda corrente sustentava dois aspectos. Primeiro que a atuação decisiva do monarca no processo de independência havia estabelecido um fato: a existência de um centro dotado de poderes. Tal fato havia sido reconhecido pela sociedade brasileiro desde o momento em que demandou a sua presença, enfrentando as cortes portuguesas. Em segundo lugar, que este centro dotado de poderes era necessário como o poder que controlasse os eventuais choques no parlamento e as forças centrífugas existentes na sociedade. Ocorre que dentro desta atribuição de freio era posto também, e este era o pomo maior da discórdia, a tarefa de chefiar o executivo. Ao longo do primeiro reinado, os grupos liberais exaltados ou moderados enfrentaram um monarca que lhes negava o direito de contestar suas políticas. A sua abdicação e o período regencial afastou o tema do poder moderador do centro do debate. Entretanto, o debate retornou em parte com novos acentos ao final da década de 1850 (BUENO, 2002; SOUZA, 1978; SOUZA, 1997; VASCONCELOS, 2002).
Os liberais moderados sustentavam que ao monarca cabia a tarefa de simbolizar a unidade nacional, o rei reina, mas não governa. De maneira a acomodar o papel do monarca previsto na constituição os liberais moderados distinguiam entre ação e deliberação. O monarca participava da deliberação, mas não da ação. A coroa pode legalmente exercer a mais extensa e decisiva influência, pois lhe cabe velar pelo bem geral da nação, mas a ação pertence exclusivamente aos responsáveis da ação, quais sejam, os ministros (VASCONCELOS, 2002). O que implicava em conferir autonomia aos ministros e torna-los responsáveis somente perante o presidente do conselho de ministros e, consequentemente, ao legislativo. Neste argumento, o valor do legislativo como reunião das opiniões políticas da sociedade desempenha um papel relevante, o legislativo deve ser um canal no qual se expressam as opiniões, mas também deve participar do governo. Em outras palavras, o ato de representar não está dissociado de governar. A vontade política da nação está presente não apenas em uma figura que expressa o interesse nacional numa única voz, mas num órgão do qual emergem diversas vozes, concorrentes entre si cada qual expressando uma visão do que seja o interesse nacional.A crítica ao exercício do Poder Moderador pode ser sintetizada a partir de um trecho de um discurso de Nabuco de Araújo largamente, difundida a partir do livro do seu filho. Segundo este, não existiria representatividade nos ministérios porque estes são organizados segundo a vontade do Poder Moderador. Ao desfazer os ministérios segundo sua vontade, refaz também a câmara. Isto somado ao seu poder em escolher o senado em lista tríplice, torna o sistema representativo no país uma farsa (NABUCO, 1997; NOGUEIRA, 2010). Este diagnóstico deu vazão a duas vertentes de análise: a primeira de que o Poder Moderador agia sem limites, sendo um instrumento político proveniente do absolutismo ao antigo regime; a segunda, em grande parte construída por Oliveira Vianna, que o Monarca agindo acima dos partidos, das eleições e do parlamento realizava uma política fundada nos interesses nacionais, e que o sistema liberal representativo era tão somente uma via para a expressão de interesses particulares. Uma análise mais consistente do seu funcionamento e, que ajuda a compreender os valores de cada argumento, revela outra realidade política (CARVALHO, 1988). Em primeiro lugar, 11 das 17 legislaturas foram dissolvidas, das quais 10 foram feitas após consulta ao Conselho de Estado, em apenas três casos o Imperador contrariou o voto do Conselho. Em todos os outros casos havia conflito entre o ministério e a câmara ou o senado. Estes conflitos eram decorrentes do fato de que os partidos não possuíam a solidez, além do que eram frequentes as dissidências decorrentes de caráter provincial e ideológica. Em segundo lugar, a queda de um ministério implicava, geralmente, na convocação de novas eleições, fato que abria a possibilidade de uma rotatividade no poder.
É importante abrirmos a duas máximas para dispor de uma análise mais complexa dos argumentos envolvidos. A ideia dos liberais moderados era deslocar o centro do poder para a câmara, a qual caberia formar o governo. Os chefes políticos nacionais de cada partido desempenhariam um papel importante na formação dos ministérios. Com o afastamento do papel ativo do Poder Moderador, os ministros passariam a responder apenas ao Presidente do Conselho e ao legislativo. Diminuiria o centro de poder que os saquaremas valorizavam, um centro que deveria ser estável e imune ao máximo às oscilações do parlamento. O argumento saquarema defende um centro de poder que disponha de áreas de atuação autônomas. A introdução do direito administrativo francês, operada pelos saquaremas, buscava legalizar uma destas áreas.
O ataque ao Poder Moderador realizado pelos liberais moderados vai pari passu a defesa de uma maior representatividade das eleições (LYNCH, 2014). O tema da maneira pela qual a sociedade seria representada no parlamento foi um dos focos de maior debate político ao longo de todo o Império (PINTO, 1983; CARVALHO, 1988; KINZO; 1980; SOUZA, 1978). Fato que denota a centralidade do tema da construção da representação em moldes liberais.
O tema da representação esteve sempre associado a dois valores: a) como representar uma nação que não dispunha de uma opinião pública e b) como evitar as câmaras unânimes, em outras palavras, como assegurar a representação das minorias. Este segundo tópico revela a presença de um valor chave no pensamento político imperial, a ideia de que na sociedade existem diversas correntes políticas, e, que tal fato não poderia ser sufocado em nome de um interesse nacional uniforme, este quando emerge é o resultado, antes de um debate político, do que de um ato de força. O embate que cedo ocorreu entre as elites políticas nativas e um Imperador, que se apresentava como o portador e formulador do interesse da nação, revelou aos grupos nativos a importância do reconhecimento das divisões políticas existentes na sociedade. Que o parlamento estivesse dividido em partes, correntes de opinião e que estas ganhassem voz no parlamento não era um problema, ao contrário o problema era como fazê-las serem representadas (VASCONCELOS, 1999; COSER, 2014).
A visão de um país profundamente marcado pelo par conceitual civilização/sertão nos permite interpretar as semelhanças e diferenças entre saquaremas e liberais moderados. Ambos compartilhavam da ideia de que o Brasil era um país marcado por pequenos e reduzidos espaços de civilização e vastas áreas nas quais predominavam os valores do sertão. Os valores predominantes no sertão marcavam a todos os grupos sociais indistintamente, do grande proprietário rural até os seus dependentes. Neste sentido, representar implicava em depurar certos valores presentes na sociedade. A representação para seguir o modelo liberal que orientava liberais e saquaremas tinha que operar de tal maneira que os valores predominantes neste espaço social fossem contidos no âmbito do poder central ou no âmbito da assembleia provincial.
Um dos termos que marca este debate está no receio de que as celebridades de aldeia predominassem no parlamento nacional. Tal receio ganhou forma na lei dos círculos (1855), a qual buscou atingir três pontos: a) diminuir a influência do governo através da inelegibilidade de funcionários públicos nos locais onde exercessem seus cargos; b) por o representante em contato com os eleitores locais e, consequentemente c) dar voz às maiorias locais evitando que estas fossem sufocadas pelas elites políticas nacionais. A lei vigorou, com alterações, entre 1857 e 1875, e representou uma mudança no perfil do parlamento: houve uma queda no número dos funcionários públicos e o começo do aumento dos profissionais liberais (CARVALHO, 1988). O argumento que atacava este modelo se concentrava em dois valores: a) os deputados, e senadores eleitos devem sair dos mais capazes, daqueles capazes de expressar os interesses nacionais, os quais não estão dados na sociedade, mas são antes a descortinados e construídos no parlamento pela ação dos representantes e b) as lutas políticas nas localidades, também denominadas como partes do sertão, são marcadas pelo facciocismo e pelo uso violência, os conflitos desencadeado nas das instituições nacionais são de outra natureza, são de princípios e não podem ser contaminadas por este padrão.
A crítica mais consistente e singular contra o voto distrital foi desenvolvida por José de Alencar. O sistema proporcional assegura dois aspectos chaves: a) que todas as correntes de opinião significativas estejam presentes e b) o representante não esteja preso aos interesses de uma localidade, mas a interesses mais gerais. Quanto maior for o círculo eleitoral maior a gama de interesses representados, a representação se nacionaliza, e ganha em qualidade (ALENCAR, 1991, p. 59). Em contrapartida, ocorre uma menor dependência para com os interesses locais. O representante não é o porta voz dos representados, a ele cabe a tarefa de construir os interesses nacionais, ele é um órgão da razão (ALENCAR, 1991, p. 46). Em que pese esta autonomia do representante, o processo eleitoral é fundamental. Segundo Alencar, o cidadão não pode permanecer afastado do debate político, quando a representação espelha os interesses nacionais o cidadão é educado pela participação, em outras palavras, o processo eleitoral efetua uma educação cívica, que não ocorreria caso ele fosse apartado (ALENCAR, 1991, p. 86). Alencar retoma um valor chave dos liberais exaltados do começo do século XIX, num país sem educação cívica, sem o habito da participação nos assuntos públicos, somente o envolvimento prático nestes pode criar cidadãos plenos. Quando observamos o debate político nacional esta mistura entre a defesa da nacionalização do debate político e a defesa da participação é um dos elementos que conferem singularidade a Alencar.
Ao mesmo tempo, a reflexão de Alencar foi retomada como singular não apenas em relação ao debate político nacional, mas quando comparada aos seus contemporâneos, principalmente Stuart Mill e Tocqueville. A sua singularidade reside na sua maior densidade democrática, ele efetua uma combinação entre representação democrática e representação proporcional. A democracia não é apenas a vontade da maioria, mas é também a representação proporcional das diversas correntes políticas, quanto mais proporcional a representação mais democrática; a participação deve pertencer a todos aqueles que contribuírem para a riqueza da nação sem distinção de renda; o governo democrático é o governo do todo, e deve evitar tanto a tiranida da maioria como o veto das minorias, o mandato é tanto mais democrático quanto menor for a sua duração (SANTOS, 1999). Tal originalidade não cancela o seu pertencimento ao debate político imperial, mas permite liga-lo a outras vertentes da teoria política.
A crítica saquarema à lei dos círculos nos permite interpretar os valores fundamentais do seu argumento acerca da representação. A primeira baliza deste consiste na ideia de quanto maior o distrito eleitoral maior a possibilidade de que o representante represente interesses mais amplos do que aqueles presentes na localidade. O representante deixa de ser diretamente dependente dos potentados locais, pois deve sua eleição à sua penetração em vários pontos da província, esta entrada era devida aos grandes chefes políticos nacionais os quais desempenhavam um papel-chave. Esta autonomia do representante permite que ele exerça uma depuração dos interesses imediatos dos seus eleitores. Este papel ativo do representante jamais implicou que o argumento saquarema pretendesse cancelar os mecanismos políticos que produziam a representação e os partidos, sem estes o Brasil cairia no caudilhismo hispano-americano.
O argumento liberal moderado passa a defender a eleição direta e a representação como uma expressão dos interesses locais e provinciais. O pensamento liberal moderado defendia a eleição direta na medida em que a nova lei eleitoral havia elevado os pré-requisitos para o voto reduzindo o corpo eleitoral. O argumento liberal moderado pode agora defender que os interesses imediatos do povo sejam expressos diretamente sem a mediação do representante pois, pressupõe que tenha ocorrido uma depuração no corpo eleitoral. O qual estava contaminado pelas classes mais rudes da população (BASTOS, 1975, p. 143). A assembleia nacional, a reunião dos diversos interesses situados na província, será com a neutralização do poder moderador, o centro do poder político. A depuração do eleitorado encontrará respaldo numa análise da formação histórica e social do Brasil tecida desde a independência. A sociedade brasileira entendida a partir de uma dicotomia civilização/sertão era compartilhada por saquaremas e liberais moderados. O cidadão situado nos vastos sertões era, como escreveu Tavares Bastos, o produto de falta de estrada e de escolaridade vivendo na dependência dos ricos (BASTOS, 1975, p. 143). Tal julgamento era compartilhado pelos saquaremas, essa sociologia avant la lettre irrigava uma análise sobre os vícios dos eleitores os quais somente poderiam ser corrigidos pelo lento espraiar da civilização. Está presente nesta visão, uma análise social que não acredita nos efeitos do exercício político, proporcionado das instituições liberais a partir da expansão dos direitos políticos, sobre os cidadãos do vasto sertão.
Quando foi proposta a redução do corpo eleitoral, ambos os segmentos já haviam construído uma visão que legitimava seu afastamento. Solitariamente Joaquim Nabuco apontou que este ato era contrário ao pensamento liberal, o qual seguia em direção contrária, qual seja, no sentido da expansão dos direitos políticos (NABUCO, 1950). O projetar na monarquia um ator capaz de realizar reformas sociais, a abolição da escravidão e uma política de terras que democratizasse o seu acesso foi o projeto de André Rebouças. O qual como Nabuco pensou que a monarquia após ter realizado a obra da unidade nacional deveria adotar um projeto social, o qual complementaria a sua obra (CARVALHO, 1988).
Esta visão de reforma social esteve ausente do argumento republicano vencedor. O argumento republicano é influenciado pelos valores da dissidência liberal dos anos 1870 e pelo positivismo. O republicanismo não é apenas uma continuidade, mas também apresenta elementos novos o que lhe confere uma radicalidade para com a herança imperial (ALONSO, 2002; FERNANDES, 2008). Alberto Sales foi um dos principais expoentes do Republicanismo Federal de São Paulo. Partindo da ideia do interesse individual como a mola da sociedade, tema já enfatizado por Tavares Bastos, sustentava que a sociedade era eminentemente competitiva, mas tal fato não deveria ser visto como negativo, pois esta era a mola do progresso (SALES, 1882). Ao Estado caberia proteger a liberdade de iniciativa e os direitos civis e políticos. Para que esta proteção fosse eficaz, o poder do Estado deveria ser limitado, dividido e delegado à nação. As liberdades formalmente reconhecidas na constituição estavam, de fato, bloqueadas pela centralização monárquica. Caberia à República incluir a nação no sistema político. A república é apresentada como o corolário lógico destes pressupostos, pois seria a forma de governo que repelindo toda espécie de poder irresponsável e hereditário, coloca a vontade nacional acima de tudo; não reconhece outra soberania que não seja a da nação (ASSIS BRASIL, 1888, p. 40). Além da república e entranhada à esta forma estava o federalismo, afastada qualquer possibilidade de que através deste modelo houvesse um movimento separatista, esta organização emergia como sendo a mais propícia para que as unidades da união buscassem a realização dos seus interesses. A centralização imperial era um obstáculo para as províncias, em particular São Paulo, dessem vazão as iniciativas individuais (SALES, 1983). A América hispânica exemplo sempre evocado pelos saquaremas como ameaça do que poderia ocorrer com o Brasil caso adotasse o federalismo e a república, agora era mobilizada como um exemplo positivo. A Argentina era citada como um país que progredia mais rapidamente que o Brasil. No argumento republicano tratava-se de acelerar o tempo histórico, não se podia mais confiar no lento espraiar da civilização regulado pelas instituições monárquicas, era preciso romper com passado para o país progredir.
2.3. Relendo as interpretações
O argumento de Schwarz reconhece a funcionalidade das ideias liberais, em nenhum momento ele nega este papel. O que ocorre é que a sua falsidade decorre da exclusão ao que estão submetidos os pobres. Se o argumento de Schwarz tem o mérito de apontar para esta exclusão ele perde de vista um elemento fundamental. A chave de entrada para analisar pensamento político imperial consiste em perceber a tensão que é produzida entre as ideias movidas por valores liberais e o contexto nacional. Existe no pensamento político imperial uma tensão para com o contexto que perpassa as correntes políticas. Todos trazem no seu argumento um esforço em adequar ideias ao contexto e, ao mesmo tempo, em modernizar a sociedade marcada pelas relações patrimoniais e escravistas. Como bem observou Florestan Fernandes, no período pós independência a centralização era um instrumento a partir do qual o Estado era mantido distante do localismo predatório das elites locais . Preservar o Estado significava preservar as instituições políticas liberais das pressões do mandonismo local. Tal movimento ao mesmo tempo limitava a representação fidedigna desta sociedade. As ideias liberais nos seus diversos matizes, liberais moderados, exaltados ou conservadores- eram dotadas de uma carga de tensão para com o meio social marcado pelo mandonismo. Em todas estas correntes esteve presente a ideia de que a superação deste meio social adverso seria um trabalho lento, no qual as ideias modernas iriam lentamente educando a sociedade. É esta tensão que confere inteligibilidade ao objeto.
A chave de leitura proposta por Faoro destaca a limpeza efetuada nos elementos absolutistas provenientes do mundo lusitano, mas revela também a incapacidade de absorver a nação no seu elemento popular. Faoro aponta, como também o faz Ricúpero, a influência decisiva do liberalismo doutrinário francês. O qual se afasta tanto do jacobinismo como do antigo regime (FAORO, 1975, p. 346; Ricupero, 2004, p. 45-81). Em ambos esta recepção é lida apenas como depuração do elemento popular. Ambos perdem de vista o papel fundamental que direitos civis e os interesses individuais desempenharam no argumento saquarema. Este argumento não os nega, mas estes somente ganham sua plenitude quando são conduzidos a funcionar segundo a lógica da nação. Uma lógica que não está presente na dinâmica dos interesses particulares, mas que requer uma visão do todo, da nação. Sua análise foi precisa ao identificar os valores dos liberais exaltados e moderados, mas, quando se deteve no argumento saquarema perdeu de vista a inserção deste grupo no campo de um liberalismo distinto daquele marcado pelo mundo anglo saxão, sua lógica provinha de uma recepção do liberalismo doutrinário francês lido a partir do contexto nacional (ROSANVALLON, 1985).
A chave de leitura oferecida por Morse, do americanismo e do iberismo, é extremamente rica desde que pensemos que ela pode ser aplicada sem que recuemos no impacto das ideias liberais sobre o pensamento político brasileiro. O argumento saquarema e luzia é inteligível desde que compreendamos que se trata de um caminho distinto das ideias liberais anglo-saxãs, que sua filiação política do liberalismo saquarema pertence ao liberalismo francês.
Quando o trecho do discurso de Nabuco de Araújo sobre o poder moderador é aprofundado podemos perceber uma realidade mais complexa. O poder moderador não funciona desligado de outras instituições, operando na maior parte das vezes como um freio entre os grupos. Afastando a ideia de que o poder moderador funcionasse sem peias podemos refletir também sobre o tema da representação. Qualquer sistema representativo pretende por em relevo certos aspectos em detrimentos de outros, sistemas eleitorais não são meios neutros. A discussão sobre representação no Império pretendeu depurar os elementos mais vivos do patrimonialismo presentes na sociedade. Conjuntamente a esta depuração, foi pensada a extensão dos direitos políticos aos homens pobre livres, sua presença foi um elemento estranho nesta discussão. Quando a reforma eleitoral os retirou poucas foram as vozes a seu favor.
3. A I República
3.1. As interpretações
O pensamento político republicano foi objeto de análises que procuram construir linhagens de pensamento que abarcariam um dado estilo de refletir sobre a realidade. Caso tomemos a ideia de linhagem como a construção de uma família que liga o presente ao passado, tal empreendimento foi iniciado durante a própria república quando Oliveira Vianna apresentou suas duas categorias clássicas: idealismo utópico e idealismo orgânico. De acordo com o sociólogo fluminense: o idealismo utópico "não leva em conta os dados da experiência", ao passo que o idealismo orgânico é aquele "que se forma de realidade, que só se apoia na experiência, que só se orienta pela observação do povo e do meio" (Vianna, (1ed. 1924) 1939:13). Nesta chave de leitura o idealismo em princípio não é um mal, afinal a sociedade brasileira não oferecia as bases necessárias para a elaboração de uma ordem política e social moderna, dos costumes sociais brasileiros emergem apenas vícios e práticas que conduziriam, caso adotados na forma de lei, a sua desintegração social.
O idealismo orgânico parte de uma observação realista da sociedade brasileira e de visões antecipadas de uma evolução futura. (Vianna, (1ed. 1924) 1939, p.11). Portanto, há dois planos de observação, um do vir a ser e outro do que existe em seu estado bruto. Os idealistas orgânicos teriam percebido que os valores do liberalismo moderno não poderiam ser aplicados literalmente no mundo ibero-americano, seria necessária uma releitura crítica destes. A qual implicaria em modificar o programa político liberal para obter seus resultados. Somente um Estado forte seria apto para manter unida uma sociedade, que seguindo seu ritmo natural tenderia para a anomia social e desagregação. O idealismo utópico seria guiado por um arrebatamento dos valores liberais anglo-saxões, os quais conduziriam a um programa político distinto daquele dos idealistas orgânicos: autonomia dos estados, individualismo, ênfase no parlamento e justiça eletiva. Este estilo de idealismo apresentaria resultados distintos das suas intenções, ao invés de produzir um Estado liberal daria vazão a um arranjo oligárquico incapaz de modernizar o país.
Esta abordagem foi acolhida em parte nas análises de Guerreiro Ramos e Wanderley Guilherme dos Santos. Nestas houve acolhimento e atribuição de novos sentidos a análise de Oliveira Vianna. Guerreiro Ramos renomeou os idealistas orgânicos como realistas ou pragmáticos críticos, enquanto que os idealistas utópicos eram chamados de hipercorretos. Os pragmáticos críticos eram capazes de efetuar uma adequação crítica das instituições liberais modernas ao meio social (RAMOS, 1966.). A tradução deste esforço no campo das instituições era o repúdio à escolha eleitoral da elite dirigente preferindo atribuí-la a métodos autoritários. Esta linhagem era, apesar do seu esforço realista, limitada na sua capacidade de ação, pois os corretivos que apresentaram eram essencialmente políticos e educacionais e, apenas, secundariamente econômicos. Tal limitação era decorrente dos tempos em que viviam, somente após décadas de desenvolvimento de um sistema produtivo voltado para o mercado interno é que foi possível efetuar a crítica a esta atitude (RAMOS, 1966, p. 360). Tal associação entre intelectuais autoritários e desenvolvimento econômico é a parte mais frágil do sua análise. Ocorre que Guerreiro Ramos efetua uma alteração relevante em relação a análise de Oliveira Vianna. Segundo Guerreiro Ramos, os hipercorretos não seriam distantes da realidade social em razão de um defeito intelectual, mas de um imperativo decorrente da maneira pela qual eles associavam suas carreiras políticas aos grupos que representavam. Em outras palavras, eles representavam interesses de grupos existentes na sociedade cujos interesses requisitavam um dado programa político. Tal observação deixa a descoberto a seguinte pergunta: e os pragmáticos críticos não representavam interesses de grupos sociais? Eram movidos pelo interesse público em abstrato? Não seriam ambos os grupos movidos por valores políticos distintos, e, que resultavam em estratégias de construção do Estado nacional distintas. Sendo cada qual realista, tendo em vista os objetivos e valores pretendidos.
A vertente aberta por Guerreiro Ramos recebe continuidade com as pesquisas de Wanderley Guilherme dos Santos (SANTOS, 1978). Wanderley Guilherme dos Santos escreve seus principais trabalhos na década de 1970. Este autor divide as famílias intelectuais em duas: liberais doutrinários e autoritários instrumentais. Os liberais doutrinários são uma família formada por sucessivas gerações de políticos, que podem ser identificados por uma crença de "a reforma político-institucional no Brasil, como em qualquer lugar, seguir-se-ia naturalmente à formulação de regras legais adequadas" (Santos, 1978, p. 97) A análise dos liberais doutrinários era acompanhada da "minimização da análise histórica" e das "circunstâncias sociais" (Santos, 1978, p. 51). Os melhores exemplos desses liberais seriam Assis Brasil e Rui Barbosa.
A da tipologia proposta por Oliveira Vianna e retomada por Guerreiro Ramos e Wanderley Guilherme dos Santos foi criticada por Bolivar Lamounier. Refutando as categorias que fundamentassem a reflexão a partir de um suposto realismo, Lamounier propõe um par conceitual contrastante, a partir do qual poderia ser analisado o estilo do pensamento autoritário: uma ideologia de estado em oposição a uma ideologia de mercado. Ressaltando que o mercado pressupõe o estado e vice-versa, o que os dois polos revelam a ênfase conferida na análise. Os autoritários seriam movidos por uma refutação radical de qualquer modelo de representação que estivesse fundado num mercado político, oferecendo em seu lugar o princípio do Estado como um regulador benevolente. Os traços mais marcantes desta abordagem seriam: a visão autoritária do conflito social, o predomínio do princípio estatal sobre o mercado, o objetivismo tecnocrático e o leviatã benevolente. Com estes trabalhos, abre-se uma seara que permite abandonar a pecha de utópicos, e começar uma reflexão sobre estes esforços como uma construção constitucional cumulativa (LAMOUNIER, 1981; 1985; 1999).
3.2. Os positivistas
Os positivistas apresentaram um projeto político em oposição ao modelo monárquico. Podemos perguntar sobre o alcance das suas ideias na proclamação da República, já que apesar de vários dos republicanos terem sido educados pelo positivismo, a escola positivista ortodoxa preferiu manter distância desta ação. Entretanto, os positivistas põem em circulação uma ideia nova no contexto do começo da República e que terá ampla influência reconhecida ou não, em segmentos desencantados com a república: a ditadura republicana. Em 1890 Teixeira Mendes e Miguel Lemos defendem a constituição de uma República Ditatorial Federativa no qual defendem a ideia de que para acompanhar o andar da civilização é necessário superar as instituições liberais. A ditadura estaria assentada na responsabilidade do governo perante a opinião pública, o qual seguiria não o interesse geral construído nos debates parlamentares guiados pela oratória vazia, mas sim, a política científica. O viés anti parlamentar era intenso no argumento positivista, a assembleia nacional tornava-se uma assembleia orçamentária formada por representantes de três classes, agrícola, fabril e comercial, a qual reunir-se-ia por três meses com o objetivo exclusivo de votar as despesas. A assembleia seria eleita por todos os cidadãos brasileiros pertencentes a estas classes, incluindo os analfabetos. A constituição positivista apesar de fazer uso do termo ditadura consagra a liberdade de pensamento, sem a dependência da censura, assegura inviolabilidade da pessoa e do lar. Em outras palavras, assegura os direitos civis. Quanto à propriedade privada, ela é garantida, desde o bem público não venha a exigir sua desapropriação. É importante observar a substituição do parlamento fundado a partir do debate de ideias pela assembleia voltada com uma tarefa técnica assentada nas classes, e não no cidadão que livremente escolhe sua identidade política. A república seria guiada pelo ideal de uma república social, ou seja, garantir as liberdades civis e promover a incorporação social dos setores excluídos. Talvez a influência direta dos positivistas na proclamação da República não tenha sido decisiva, mas sua influência no debate intelectual posterior foi grande. Em particular, a sua crítica ao parlamento, a defesa de um executivo forte sem o contrapeso de um parlamento que concorra na elaboração de políticas nacionais, sua defesa de um parlamento assentado nas classes e não na escolha livre do cidadão. Estas ideias tiveram impacto no argumento do jovem Alberto Torres, e, consequentemente em autores por ele influenciados.
3.3. Parlamentarismo e Presidencialismo
O fim da monarquia colocava em questão o desenho institucional da República: presidencialista ou parlamentarista, federalismo ou unitarismo e representação distrital ou proporcional. O modelo de uma república presidencialista e federal passou pela constituinte, mas deixou em aberto o conteúdo deste modelo. Coube a Amaro Cavalcanti, um republicano, apontar, em 1899, o enfraquecimento da União e os problemas que isto acarretava. Segundo Amaro Cavalcanti, a constituição havia concedido poderes excessivos aos governadores, que agora controlavam o judiciário e o município, impedindo a autonomia do poder judiciário e controlando a vida política do município. A federação era o modelo mais adequado para o Brasil, mas Amaro Cavalcanti concluía que a atual descentralização não havia trazido ao país o bem público, mas apenas a manifestação incontida dos grupos estaduais, sendo necessária uma reforma que resgatasse os poderes da União (CAVALCANTI, 1983). Retomava-se, imperceptivelmente, talvez, um tema sempre presente no argumento saquarema, a necessidade de que o poder central dispusesse de uma área de atuação na qual ele agisse sobre os grupos políticos estaduais, os quais sem este anteparo atuavam como oligarquias destituídas de interesse público.
A adoção do presidencialismo não foi feita sem as críticas a este sistema. Ao longo da República e, no começo dos anos 1930, foi apresentada a defesa do parlamentarismo (ALBUQUERQUE, 1984; ROMERO, 1979). Há uma notável proximidade entre o conteúdo das duas críticas e na defesa do parlamentarismo. No parlamentarismo, com sua produção do executivo a partir do legislativo, era evitado o impasse entre os dois poderes. As políticas apresentadas pelo chefe do ministério possuía o apoio da maioria dos parlamentares, ao contrário do presidencialismo, no qual a separação forçava o presidente a buscar este apoio, o qual quando não obtido apresentava a possibilidade de um impasse prejudicial ao país. A eleição do presidente era realizada em razão de uma determinada conjuntura, dos problemas e das respostas que aquele candidato oferecia, mas passado este momento e surgidos novos problemas, o que garantiria que o presidente possuísse as respostas adequadas? Um chefe de governo adequado para um contexto poderia não ser para outro, mas como o tempo de mandato é fixo, ele não pode ser removido, só restando ao país o sofrimento. O parlamentarismo seria um termômetro mais preciso da opinião pública, a qual desta maneira influencia mais diretamente sobre o executivo. Na medida em que no parlamentarismo o legislativo é o polo central, os debates legislativos são a melhor escola para o treinamento dos futuros chefes de gabinetes. Entretanto, uma crítica é rebatida permanentemente no argumento parlamentarista, fato que demonstra a sua relevância: a instabilidade ministerial. A sombra de que no parlamentarismo não haveria continuidade nas políticas em razão das quedas contínuas de gabinetes. Aqui a experiência monárquica revelava uma dupla face, por um lado, o exemplo negativo da instabilidade na condução dos assuntos provinciais, os quais a cada queda de gabinete implicavam na mudança do presidente de província e a substituição da máquina, e, por outro, era lembrado que no plano nacional a interferência do poder moderador em algumas áreas sinalizava a continuidade a despeito das quedas do gabinete. Medeiros de Albuquerque pretende evitar esta instabilidade através de dois mecanismos: a palavra final sobre a queda do gabinete caberia ao senado e ela somente poderia ser aprovada por 2/3 do legislativo. O segundo seria a eleição de um presidente com mandato fixo, ao qual caberia representar a nação, sem dispor de nenhum poder de interferência no governo, como ele mesmo escreve uma figura decorativa.
Se esta foi a crítica ao presidencialismo, é importante recuperar a sua defesa. Annibal Fonseca desempenha um papel semelhante ao do Marquês de São Vicente para com a constituição imperial, pois pretende apresentar a racionalidade e a excelência dos dispositivos constitucionais republicanos. Ele será um dos autores que dará forma ao argumento presidencialista conforme o desenho elaborado a partir da presidência de Campos Sales. O argumento presidencialista retoma a ideia saquarema de que é necessário um executivo estável frente ao que Annibal Fonseca chama de pressão dos elementos dissolventes. As oscilações da opinião pública devem encontrar um freio no mandato pré-determinado do presidente. O qual passa a representar interesses de longa duração, a consecução destes pode ser construída no período do seu mandato sem que tenha que concretizá-los apressadamente para se manter no poder e vencer um eventual voto de desconfiança.
Esta pressão provém de uma sociedade que atua politicamente em estado de natureza, sem um freio para as suas paixões. Nestas paixões desencontradas estão as pressões das populações dos vastos sertões bem como os particularismos estaduais. É evidente a proximidade com os valores políticos do pacto político elaborado por Campos Sales (LESSA, 1988). O presidente entrega a condução da vida política nos estados às elites locais e chama para si a elaboração da política nacional, feita em nome da administração e dos interesses superiores da pátria (CAMPOS SALES, 1992). O presidente pode encarnar a unidade nacional e apontar que sua ação é guiada por uma preocupação administrativa neutra porque abaixo dele estão os atores políticos voltados, predatoriamente, para o particularismo estadual. Desta maneira, a presidência encarna um ponto fixo frente às oscilações dos interesses particulares. Neste pacto, o legislativo perde sua função de debater temas nacionais relevantes e se torna apenas a casa dos interesses locais. Ao mesmo tempo, o presidente assegurava às oligarquias estaduais autonomia para lidar com seus eventuais dissidentes, desta maneira os custos para reprimir uma eventual incorporação aos governos estaduais, e, mesmo da mera representação, são baixos, sendo mais provável que os grupos dissidentes sejam alijados tanto do governo como da representação (LYNCH, 2014).
Este papel do presidente como um ator que busca interesses mais sólidos aparece, também, quando este recebe a incumbência de velar pelo direito administrativo. De acordo com Uruguai, as leis efetuam a marcação geral, mas cabe ao poder moderador emitir regulamentos os quais guiados pelo interesse geral possam completar as leis. Para Annibal, esta função caberia ao presidente eleito, o qual é o ator mais propenso a uma intervenção eficiente em todas as manifestações da vida coletiva (FONSECA, p. 61). Retoma-se a ideia saquarema, agora encarnada num presidente eleito, de um poder que vele pela administração, guiado pelos interesses nacionais, dispondo de autonomia para preencher os vazios das generalidades presentes na lei.
Apenas aparentemente este arranjo era uma cópia do modelo estadunidense. Este apresentava um desenho institucional distinto, no qual poder era compartilhado entre União, os estados e os municípios e reforçava os vínculos do executivo com o legislativo, o qual possuía o poder de iniciativa legislativa. Em contrapartida, a república presidencialista brasileira tinha seus pés firmemente plantados no mundo ibero-americano. O desenho constitucional foi fortemente influenciado pelo presidencialismo chileno e argentino. A interpretação da constituição foi no sentido de um arranjo oligárquico, centrípeto e sem a expansão dos direitos políticos (LYNCH, 2014).
3.4. Representação: partidos, eleições e conflito
No argumento presidencialista dois atores são relegados a funções subalternas ou sequer são necessários: o legislativo e os partidos nacionais. Uma acepção positiva do termo partido emergiu cedo no debate político nacional. Ao longo do debate político imperial, este uso ganhou mais conteúdo, quando os partidos foram identificados como sendo portadores de visões acerca dos assuntos nacionais enquanto as facções eram emanações locais, voltadas para interesses restritos e moldadas pela tacanha vida dos sertões (COSER, 2014). Inicialmente, dentre os grupos que conduziram a república, a ideia que os orienta é de que os partidos nacionais irão surgir naturalmente. Entretanto, a montagem do pacto político da I República envolveu o esvaziamento dos partidos nacionais. Na ótica de Campos Salles, a construção do "interesse nacional" e a consagração do governo "a uma obra puramente de administração" implicavam "desorganizar os partidos". Isto ocorre porque, segundo o político paulista, no Brasil não havia partidos. O que existia era tão somente um grupo de caudilhos. Como não havia partidos, Campos Salles aponta que a única base segura, a verdadeira "força política" residiria nos estados.
Esta visão dos partidos como meros agrupamentos personalísticos articulou-se harmonicamente com a figura de um presidente forte, o qual emerge como a contrapartida necessária do que seria, nas palavras de Campos Sales, o "opressivo partidarismo". Perante um mundo partidário incapaz de produzir uma política nacional, a figura do Presidente emerge como apaziguadora ou, eventualmente, supressora do conflito faccioso e formuladora da política nacional. No diagnóstico sobre a inexistência de partidos nacionais está presente a ideia de uma sociedade amorfa, destituídas da ação de interesses econômicos organizados e de uma opinião pública ativa.
Partindo desta visão realista da sociedade brasileira pode-se chegar a diagnósticos politicamente distintos: o primeiro será visto a seguir, enquanto o segundo, dos autoritários será analisado mais adiante. Ao longo da 1ª República foi elaborado um argumento no qual os partidos nacionais seriam necessários em razão de dois objetivos: para frear eventuais posturas autoritárias do executivo e a ideia de que no parlamento fossem apresentados opiniões sobre assuntos nacionais de maneira a guiar o executivo. Retoma-se a ideia do parlamento como um fórum de debates que orienta a política nacional, neste espaço era fundamental que exista a situação e a oposição claramente definidas para que as ideias fossem confrontadas. Desta maneira era deplorável a situação atual na qual o presidente atua isoladamente com uma maioria indistinta.
Tendo em vista a visão predominante de uma sociedade amorfa podemos perguntar: onde os partidos estariam ancorados? O pensamento liberal na 1ª República não ignora a inexistência de um eleitorado consciente. Em 1925 Gilberto Amado, realiza uma análise que poderia ser endossada por qualquer pensador autoritário, estima que do 1 milhão eleitores do Brasil apenas 200 ou 300 mil votem conscientemente. Entretanto, disto não decorre um argumento que cancele os partidos ou as eleições. Segundo Gilberto Amado, é possível encontrar na câmara livre cambistas, protecionistas, comunistas, radical socialistas, católicos etc. Ocorre que os eleitores destes deputados não votam nestes pela sua ideologia política, mas por motivos puramente pessoais. Mas isto não impede que os partidos, o legislativo e as eleições tenham uma importante função. Os partidos deverão se organizar a partir dos parlamentares, sua existência será relevante na medida em que permitir a distinção entre os princípios e como um freio a figura de um presidente. Os partidos irão representar ideias que não estão presentes nos eleitores, mas que são relevantes para a política nacional. Estas ideias expostas durante o processo eleitoral podem lentamente educar os eleitores, que de outra maneira nunca as conheceriam (AMADO, 1969, p. 161). Nesta visão, o partido é uma reunião de homens notáveis que compartilham opiniões comuns e as defendem no parlamento e nas eleições. Este modelo de partido não é o agrupamento dotado de uma estrutura burocrática, mas uma reunião de parlamentares, seus seguidores e cabos eleitorais. Nesta visão, não sem razão, o representante é entendido como dotado de uma excelência superior à média dos eleitores, aspecto que lhe confere um mandato livre.
O papel das eleições e, principalmente, do modelo de representação desempenha um papel fundamental no pensamento liberal da 1ª República. A República manteve o modelo distrital, apenas modificando-o em 1904 (Lei Rosa e Silva) quando ampliou o número de indicados por distrito para cinco, e acrescentou o voto cumulativo (COSTA PORTO, 1989). Conforme observamos no item relativo ao Império, o sistema distrital pretende vincular o representante mais fortemente aos interesses locais, concedendo voz às maiorias locais, impedindo que estas fossem juguladas pelas elites políticas nacionais. No arranjo político da República fortemente marcado pela ascensão das elites estaduais ao plano nacional, a presença destas maiorias locais emerge com menos controle do que no período imperial. Principalmente Gilberto Amado e Assis Brasil darão continuidade às críticas formuladas a este modelo por José de Alencar, configurando uma família intelectual. Nesta a compreensão do mundo social brasileiro como adverso às instituições liberais não implica a recusa destas, conferindo relevância ao tema da representação, calcada em dois aspectos: 1) crítica ao localismo e 2) defesa da representação proporcional.
Neste argumento a representação proporcional é entendida como um meio através do qual as diversas correntes políticas proporcionalmente ao seu peso têm o direito de influir nas decisões políticas. Neste modelo, o representante obtém seus votos em toda a extensão do estado, diminuindo sua dependência para com uma localidade específica. Ao se afastar deste horizonte político limitado, o representante pode exercer sua atividade voltada para interesses mais amplos. O representante não é o espelho dos representados, mas exerce uma atividade calcada na razão, que depura e amplia os interesses locais. Nesta corrente de pensamento, a finalidade deste modelo, é construir e dar vazão ao interesse nacional, o qual não se encontra na limitada opinião pública, mas é antes uma construção dos representantes.
Entretanto, esta reflexão na 1ª República incorporou elementos referentes à crise do sistema liberal democrático na Europa. É importante ressaltar que tanto Assis Brasil quanto Gilberto Amado, sendo o político gaúcho o primeiro a fazê-lo, compreenderam as mudanças operadas no conceito de democracia (AMADO, 1969; ASSIS BRASIL, 1983; TAVARES, 2005). A democracia clássica que estabelecia que neste sistema o povo governa a si próprio, ou nos termos de Gilberto Amado, a democracia do self-government, havia sido substituído por uma nova definição: a democracia é um método de tomar decisões. Como escreveu Gilberto Amado, a democracia corresponde aos seus fins quando ela consegue levar líderes capazes à chefia do governo.
Outra diferença para com a teoria clássica emerge no argumento destes autores da 1ª República. A teoria clássica, tendo à frente Stuart Mill, sustentava que a representação das diversas opiniões no parlamento é importante porque a partir do livre debate entre estas pode ser encontrado um ponto mediano, que será o ponto a partir do qual serão elaboradas as políticas públicas, tendo desta maneira, maioria e minoria contribuído para tal fato (STUART MILL, 1998). A visão dos brasileiros será mais dura, a função das minorias é exercer uma fiscalização sem tréguas, sendo assim sobre o governo vibra a incessante agulhada da oposição (ASSIS BRASIL, 1983; AMADO, 1969). O governo vigia seus atos, controla seus gastos, respeita as leis não em razão de uma concepção virtuosa de bem público, mas pela ação da oposição. Existem na sociedade diversas visões de interesse público, o que imprime controle ao governo não é a abdicação da oposição em favor da concepção de interesse público formulada pelo governo, mas sua vigilância incessante. Por isto, pensam que sem eleições, minorias, partidos e parlamento a ação do governo não terá controle. É fundamental assinalar que nesta corrente está presente a ideia de que o interesse nacional emerge no debate político de maneira plural, vários atores o propugnam, tal pluralidade está longe de ser um mal ou decorrente do atraso social brasileiro. Ao contrário, é tanto da natureza da representação liberal como é um aperfeiçoamento do debate nacional.
O argumento liberal entendeu a representação política como um processo o qual o voto é a parte final. Entretanto, o momento do voto não é o detalhe dispensável, retirado o último elo, o processo se desestrutura. O processo de representação diz respeito a maneira pela qual as preferências são agregadas a partir de uma competição, na qual o eleitor escolhe suas preferências, as quais dizem respeito à sua identidade política. Esta não existe previamente ao processo político, fixá-la previamente no mundo do trabalho é determinar qual será a identidade do eleitor; eventualmente, o eleitor pode escolher esta como a sua identidade política forte, mas para tanto o representante deverá convencê-lo de tal, retirada esta tarefa de convencimento a representação perde seu sentido. No realismo desta corrente, sabe-se que esta escolha é constrangida por condições sociais adversas, mas o esforço está em reformar o processo de representação de maneira a permitir que o cidadão realize esta escolha. As condições sociais adversas são objeto de reformas, a autonomia do eleitor não será obra de lei, mas o sistema de político deverá oferecer o campo para que ele possa exercê-la. Não há pedagogia maior do que a prática.
3.5. A crítica autoritária
Alberto Torres produz um conjunto de ideias que se projetam sobre diversas correntes intelectuais: Oliveira Vianna, os Integralistas e o nacional desenvolvimentismo do ISEB. Da direita passando pelo centro e chegando à esquerda do espectro político, várias correntes reconhecem explicitamente a influência deste autor. Nas leituras de Guerreiro Ramos e Wanderley Guilherme dos Santos acerca do argumento de Alberto Torres, a ênfase incide sobre dois aspectos: a centralidade do tema da nação e a visão pragmática acerca do papel do Estado na construção de uma sociedade moderna. Para Ramos e Santos, Alberto Torres e os autoritários teriam percebido que cada país possuía um caminho próprio na construção de uma sociedade liberal e moderna. A qual não seria o resultado de uma disputa aleatória de interesses na sociedade. Seria antes o resultado de uma ação intencional, guiada pela razão de homens de Estado capazes de distinguir interesses particulares e imediatos do interesse bem compreendido, inacessível aos atores da sociedade civil. Esta abordagem põe em destaque a crítica dos autoritários à inadequação das instituições liberais à sociedade brasileira. Entretanto, deixa em segundo plano um aspecto chave do argumento autoritário: a crítica ao modelo de representação política calcado no conflito.
No argumento de Torres, o incômodo com o liberalismo é relativo às sociedades modernas em geral, e não apenas àquelas que aspiram à modernidade por meios artificiais, como o Brasil, aspecto que nos parece central para compreender a crítica deste às instituições liberais no Brasil. Para o autor, o espírito liberal seria portador de uma "visão revolucionária" e ao mesmo tempo simplista, fundada na premissa de oposição entre Estado e indivíduo. Desta desconfiança recíproca resultaria "uma multidão de corpos, associações, agregados ou permanentes ou adventícios" que converteria o Estado contemporâneo na representação de um conjunto de interesses vencedores na luta política (Torres, 1981, (1914), p.137-138). Nos Estados contemporâneos moldados pelo liberalismo os governantes decidiriam tendo em vista "os interesses próprios, os da classe a que pertencem, os dos amigos, os impulsos do partido, da família, da circunscrição, local ou eleitoral, das paixões ou os interesses ocasionais ou parciais, favoráveis ao poder e à ambição pessoal" (Torres, 1982 (1914), p.138). Nesse ambiente, a democracia e a política engendrada por ela – fundada no conflito de interesses – teriam reduzido e desmoralizado o Estado, que deixa de ser o portador de um interesse mais amplo do que aquele de um partido ou de uma classe. A sociedade civil na política liberal seria composta, portanto, de grupos formados por indivíduos auto-interessados que disputam o Estado com o objetivo de garantir o benefício próprio. A própria legitimidade do Estado decai neste estado de coisas, pois é regulada por "móveis opostos às tendências e aos interesses sociais" (Torres, 1982 (1914), p.142).
A saída seria encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses, abandonando a disputa do poder a partir de visões e interesses particulares. Para Torres, "a arte de governar tem de abandonar forçosamente o critério político, em suas classificações, para adotar o critério social e econômico", que traduziria "a lei vital da sociedade". (Torres, 1982 (1914), p.139). Nesta perspectiva, a política deveria ser orgânica, isto é, "uma política de conjunto, de harmonia, de equilíbrio" (Torres, 1982 (1914), p. 158). Os critérios políticos deveriam dar lugar a critérios sociais e econômicos e, assim, favorecer o interesse nacional sem os conflitos de interesse que caracterizam as instituições liberais representativas. Torres pôs em circulação, muito provavelmente sob influência do positivismo, a ideia de que o sistema político deveria ser direcionado para o encontro de um ponto de equilíbrio, e, que toda ação que expressasse interesses de grupos deveria ser afastada da arena pública. Valor que irá encontrar ampla aceitação em círculos políticos desencantados com a República.
Neste argumento a crítica à vida política nacional não se direciona às classes subalternas – marcadas pelo insolidarismo –, mas principalmente às elites, as quais afastadas da sua tarefa de construtora do interesse nacional permanecem presas aos estreitos interesses de classe. No argumento de Torres emerge a ideia de que nos novos tempos interesses econômicos estrangeiros partilham o país e as regiões passam a se ligar mais com estes do que as demais regiões do país, acentuando a visão de um arquipélago de ilhas sem contato. Ao estado de amorfismo da sociedade agrega-se um novo dado, que torna mais urgente a superação da atrofia do Estado e da ausência de uma política que busque intencionalmente a elaboração dos interesses nacionais.
Tal sentimento de aceleração do tempo político tornou-se mais intenso em Francisco Campos e Azevedo Amaral. Os eventos da revolução russa, da ascensão do fascismo e da irrupção dos conflitos na cidade entre capital e trabalho são mencionados por estes dois autores como sinais de uma aceleração do tempo histórico. Se no Império existe uma confiança no desenrolar do tempo, o qual traria lentamente as mudanças necessárias, agora emerge o perigo de que as mudanças que se desenrolam fujam ao controle do ator. As transformações seguem um caminho perigoso, o qual urge evitar, e para tanto se torna imperioso agir. Como dirá Francisco Campos, "não há mais pausas" que permitam ao ator se adaptar, " ... a atitude do espírito há de ser uma atitude de permanente adaptação não a situação, mas de adaptação à mudança.(Campos, (1ed. 1935) 1940, p.5). As influências das sociedades mais modernas "repercutem no Brasil imediatamente." (Azevedo Amaral, 1934, p. 1). Antes acreditava-se que o progresso seguia um processo de desenvolvimento concatenado, agora o "o progresso histórico pode ser interpretado como uma série de ações individualizadas" sem precedentes lógicos. Em outras palavras, "o desenvolvimento histórico se faz por encadeamento de revoluções e não por fluxo contínuo de uma evolução gradual" (Azevedo Amaral, 1934, p. 24). Emerge a percepção nítida de um ruptura com o passado, e, mais de que as revoluções são parte do cenário político e, fruto de ações deliberadas. O voluntarismo passa a ser aceito como positivo.
Nestes novos tempos, o argumento autoritário descreve as multidões que emergem como irracionais, e que agem espontaneamente sob o jugo de "forças passionais" (Azevedo Amaral, 1934, p. 56). O tema da irracionalidade das manifestações políticas ganha corpo e leitura política. As multidões, na ótica de Campos, podem ser mobilizadas pelo mito soreliano, quando então se tornam massa. Mas sua opinião política permanece informe, ininteligível ou passível de ser reduzida a termos racionais. Menos cético quanto ao caráter racional que uma direção pode emprestar à ação das massas encontra-se Azevedo Amaral. Para o qual, apenas aparentemente, os tempos modernos apresentam a vitória do coletivismo, de fato, as revoluções modernas revelam que sua vitória decorreu, não da ação irracional das massas, mas da direção dada por homens extraordinários como Lênin e Mussolini, amparados em "minúsculas minorias dotadas de inteligência e de vontade de domínio" (Azevedo Amaral, 1934, p. 55). No argumento autoritário, a vitória das elites aponta para uma redefinição da democracia liberal e, mesmo da sua substituição.
A mudança dos partidos parlamentares em partidos de massa, dotados de uma burocracia, fortemente disciplinados por uma elite política recebe uma determinada leitura pelo argumento autoritário. Conforme observamos, em linhas gerais, os liberais reconhecem estas mudanças e assinalavam que a democracia não era mais o governo do povo pelo povo, mas uma seleção competitiva de elites, as quais efetivamente governavam com a autorização dos seus eleitores. Para os autoritários esta mudança tornava clara "a comédia democrática". Os eleitores seguem cegamente as elites partidárias e a única liberdade que o eleitor possui é de mudar de dono. O qual, no argumento autoritário, continuará agindo sem levar em conta interesses dos eleitores, mas apenas os do seu círculo imediato.
O argumento autoritário guiado pela ideia de que os tempos eram de transição efetuava um esforço no sentido de redefinir os termos democracia e autoritarismo, os quais, ao contrário do que até então havia sido entendido, não eram opostos. A democracia deve propiciar a identificação entre a Nação e o Estado. A representação democrática, com seus mecanismos de separação e checagem de poderes, eleições regulares e conflitos entre as diversas visões de bem comum são, seja no Brasil ou nos países ditos avançados, obstáculos a esta identificação. A democracia, como escreveu Francisco Campos, "é a eficiência da ação no exercício do poder" (SANTOS, 2007). O ponto a partir do qual se julga o sistema político não é a da capacidade deste em representar uma pluralidade de opiniões, ponto perseguido pelos liberais, mas da eficácia do exercício do poder.
O modelo de representação liberal não conseguiria incorporar as massas que emergem na cena política emitindo um ruído do baixo profundo de Caliban. Existem divergências acerca do papel das massas urbanas no argumento autoritário. Mas nesta corrente política não cabe dúvida que de a democracia liberal é ineficaz ao lidar com estas. A democracia liberal calcada no debate parlamentar, o qual como local central da política pressupõe uma troca de opiniões entre os atores que venha a informar o executivo o qual então, docilmente age. Esta troca seria mediada pela retórica e pelo conflito, no qual a vitória é o resultado de um embate regido pelo aleatório. Hoje venceu uma corrente de opinião, amanhã poderá ser outra. Do ponto de vista de uma análise que visa a eficácia e a unidade do exercício do poder nada mais nefasto do que estas oscilações. Não sem razão o tema desta corrente é o da capacidade de agir, da necessidade de que o Estado esteja dotado de uma unidade no comando. Entretanto, há uma massa amorfa a ser representada, há um Caliban rugindo na beirada do palco. A discussão sobre a representação do emergente mundo urbano permite compreender alguns dos valores relevantes desta corrente política.
Na sociedade brasileira, a solução para a organização de interesses viria, segundo Oliveira Vianna, de sindicatos e conselhos técnicos (Vianna, 1948), verdadeiras escolas políticas que permitiriam o deslocamento do indivíduo de uma condição isolada a outra associada ao vínculo social mais forte da contemporaneidade, o trabalho, locus de solidariedade social (Vianna, 1948; Vianna, 1987b). Werneck Vianna observa que Oliveira Vianna admite "a esfera dos interesses como fundamento da organização sócio-política" (Vianna, 1991, p. 176), mas retira qualquer possibilidade de conflito entre os interesses e qualquer autonomia destes em elaborar uma política nacional.
Em Populações Meridionais, a estrutura social brasileira baseada na realidade da grande propriedade rural, teria bloqueado o conflito de opiniões e interesses como fundamento da dinâmica social (Carvalho, 1999). Nas suas obras maduras, Direito do Trabalho e Democracia Social (1948) e Instituições Políticas brasileiras (1951), ganha forma o argumento de que as organizações de classe podem ser incorporadas à ordem política. Se a política estiver ancorada em classes bem definidas da sociedade, é legítimo que elas pleiteiem ao Estado a realização do seu programa de classe.
A noção de complexos culturais aponta claramente um fundo ceticismo sobre as possibilidades de os "regimes políticos e constitucionais" modificarem a "alma dos povos" (Vianna, 1987a, p.67). O clã é invocado como baliza permanente de formação da sociedade brasileira. A cultura política engendrada por ele nos afasta da experiência inglesa, mas não é por isso lida em chave negativa. Sua função simplificadora teria engendrado um "espírito pré-capitalista que bloqueou os conflitos de classe". Não estaríamos fadados, contudo, a uma condição de imobilidade: Tal bloqueio "nos predispunha e conduzia a esta política de amparo, aproximação e justiça para com os elementos trabalhadores. (Vianna, 1987a, p. 24). Estes são os fundamentos da transformação possível.
No modelo em vista, os diversos grupos organizados apresentam ao Estado suas demandas particulares, não lhes cabendo a elaboração de um ponto de vista que formule uma política geral para a sociedade. Diferente do livre curso dos interesses no contexto liberal, o ambiente imaginado por Vianna prevê o Estado como árbitro que reconhece e articula os interesses de classes subalternas e proprietárias de modo a acomodá-los ao interesse supremo, sem mencioná-lo o no plural, mas como singular: o interesse nacional. A passagem das partes ao todo é operada sem conflito por um agente externo às disputas dos interesses imediatos. As classes formulam suas políticas de maneira objetiva tendo por base os seus problemas práticos e interesses, mas a grande política permanece controlada pelo Estado, guiado pelo ideal da harmonia em torno do interesse nacional.
Autoritários ou liberais forma-se um silêncio sobre a questão agrária, entendida como uma reforma agrária que possibilite o acesso à terra. Em linhas gerais, podemos apontar que é compreendida de maneira negativa a dependência do trabalhador agrícola para com o grande proprietário. Da mesma forma é avaliada, a função simplificadora da grande propriedade rural sobre a estrutura social; considerava-se que a existência da pequena e da média propriedade desempenhou um papel chave da democracia estadunidense. Mas, em nenhum momento estes tópicos conduzem a uma análise que apontasse para uma reforma que democratizasse o acesso à terra, menciona-se a diferença do modelo de colonização nas regiões do Sul do país, mas tal fato era decorrente da cultura trazida pelos imigrantes. Somente o pensamento marxista irá apresentar uma análise sobre a questão agrária sob a ótica de uma reforma da grande propriedade rural.
3.6. Relendo as interpretações
A crise da representação liberal é tanto um produto dos atores quanto um dado do sistema. A ideia de que a representação liberal na I República estava destinada ao fracasso destitui o contexto intelectual da sua complexidade. Autoritários, socialistas e liberais buscaram soluções diferentes para uma crise que era lida de maneiras distintas em razão de valores distintos. O contexto de crise apresentou uma estrutura de escolhas que não era infinito, mas tampouco era limitado a uma dualidade: utopia ou realismo. O contexto político da 1ª República oferece um campo de escolhas no qual os atores intelectuais deliberam sobre objetivos imediatos, metas de longo prazo, concebem alternativas, avaliam-nas e escolhem. As diversas correntes intelectuais pensaram sobre a conjuntura nacional em função de uma análise sobre a formação histórica e social, dos modelos de modernidade existentes e do seu diagnóstico sobre a conjuntura do seu tempo. Refletir sobre estas escolhas implica reconhecer a presença de valores que as orientaram, valores estes que não são deliberações no vazio, mas que não podem ser ocultados.
Na sua polêmica com Bolívar Lamounier, Santos assinala um aspecto importante para a análise do argumento autoritário: o fato de que os autoritários tivessem mobilizado o Estado para a construção da ordem moderna não os afasta, completamente dos valores liberais, este desempenha um papel importante na construção da ordem liberal no mundo europeu. A corrente autoritária compreendeu que a ordem burguesa possui caminhos distintos e, que esta não emerge quando todo o tecido social já está saturado do ethos burguês, para então moldar as instituições estatais. Ao contrário, a ordem burguesa demanda um longo processo em que as instituições estatais são, a um só tempo, o pai e filho da nova ordem (Santos, 1978, p. 109). Para Santos, o objetivo último do autoritarismo de 1930 seria a "sociedade de mercado, reino do privatismo burguês e do individualismo". Nesta perspectiva, a expansão da "capacidade regulatória e simbólica do poder público" visava "financiar a expansão do Brasil burguês moderno" (Santos, 1978, p. 51). Na família intelectual autoritária, Oliveira Vianna teria percebido com clareza o dilema do liberalismo brasileiro: "seria necessário um sistema político autoritário para que se pudesse construir uma sociedade liberal" (Santos, 1978, p. 93). Tal abordagem merece reparos importantes. A sociedade pretendida pelos autoritários de fato é moldada pelos valores liberais, em ênfases distintas, mas presentes em algum ponto: direitos civis, direitos sociais, uma sociedade urbano industrial, uma complexidade social maior, mas o sistema político permanece infenso aos temas do conflito, da autonomia dos grupos e do controle do Estado pela sociedade. O que permite considerar que ela é liberal na sua forma econômica e social, mas autoritária na dimensão do sistema político.
As dualidades propostas por Santos e Guerreiro introduzem na chave de leitura de Vianna uma nova dimensão com relação aos fins. Segundo Guerreiro os liberais são realistas com relação aos fins aos quais pretendem. Em outras palavras, denuncia uma utopia a serviço de interesses imediatos, particulares, num contraste estreito com o caráter desinteressado de críticos assimilativos, muito afins ao significado que Vianna empresta ao idealismo orgânico. Por seu turno, a chave de leitura proposta por Lamounier permite uma análise mais fecunda do pensamento liberal. Em primeiro lugar, afasta o tema do realismo versus utopia. Tal afastamento, também orienta, em alguma medida, a análise de Werneck Vianna e Brandão, os liberais brasileiros visam a reforma do Estado como um primeiro momento, etapa preliminar para que uma sociedade moderna possa se desenvolver, caso a análise partisse do estado social amorfo seria conduzida a uma defesa do Estado autoritário benevolente (BRANDÃO, 2007). Na corrente aqui analisada, o sistema político é uma das peças da engrenagem social, sem que seus atores conferissem a este a capacidade de remodelar inteiramente a sociedade, o que apenas poderia lhes render o adjetivo de utópicos. Sua compreensão da representação política é mais precisa, tornar presente correntes da opinião pública e ao, mesmo tempo, desencadear através do processo de representação – eleições, partidos etc. – uma ação sobre a sociedade.
4. 1946-1964: Novo Liberalismo, Novo Nacionalismo e Marxismo, o experimento democrático
4.1. As interpretações.
O fim do Estado Novo e a experiência política que se iniciou propiciaram mudanças significativas nas correntes intelectuais, modificações que justificam se falar em um novo liberalismo, um novo nacionalismo e um novo marxismo. Sem dúvida que estas correntes já estavam presentes nos períodos anteriores, mas ocorrem inflexões importantes. Dois fenômenos podem ser selecionados dentre os diversos, em primeiro lugar, a ampliação do eleitorado e em segundo a obrigatoriedade dos partidos nacionais. Estes dois aspectos produzem alterações significativas ao longo de todo período, trazendo para o cenário político setores sociais que estavam afastados da política, ao mesmo tempo, que obriga as elites partidárias a se articularem nacionalmente, em um modelo partidário distinto daquele da I República.
As interpretações sobre o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e o nacionalismo marcaram o debate intelectual. A queda da República de 46 e, do projeto político associado a ela deram fôlego às críticas que já eram feitas ao Instituto, antes seu fechamento. Na elaboração desta crítica dois trabalhos, em particular, foram bastante influentes: Caio Navarro de Toledo e Maria Sylvia de Carvalho Franco (FRANCO, 1978; TOLEDO, 1982; 2005). A crítica ao ISEB foi formulada principalmente durante os anos 1960 pelo marxismo paulista que desconfiava da fusão entre ideologia e ciência e, nos anos 1970 e deploravam a ocultação do caráter de classe da politica desenvolvimentista. Podemos delinear três aspectos desta crítica: (1) a política de desenvolvimento social escamoteava as oposições de classe criando uma unidade que reproduzia o discurso das elites hegemônicas: "a ideologia do ISEB foi construída de modo exemplar como desdobramento de uma ilusão essencial ao modo capitalista" (FRANCO, 1978, p. 191); (2) o ISEB não teria percebido a associação entre burguesia nacional e internacional ocorrida durante o governo JK, o que tornava a oposição entre burguesia nacional e imperialismo uma falsa oposição e (3) os intelectuais se auto atribuíram um papel de elaboradores de uma política nacional, ação que na verdade ocultava "o autoritarismo disfarçado" destes para com o povo. Não sem razão, esta crítica ao ISEB está diretamente articulada à crítica ao populismo como modelo de política praticado no período 1945-1964: "Na ótica pequeno burguesa do populismo nacionalista as intenções de representação geral do Estado obscureceram completamente sua realidade como instrumento de dominação" (Weffort, 1980, p. 43).
Ao longo dos anos 1980 e 1990, emergiu um entendimento mais complexo do nacionalismo isebiano e dos seus postulados (ABRANCHES, 2006; ABREU, 2005; CORTES, 2003; PÉCAUT, 1990). Estes trabalhos buscaram capturar a construção dos conceitos do nacionalismo isebiano. Nesta nova abordagem, não só as diferenças internas emergiam, mas era percebida a elaboração de uma compreensão do fenômeno democrático. A ideia de democracia e participação popular implicava mais em uma ativação entre os dois polos, do que uma ação política construída de cima para baixo. A ativar a democracia implicava em construir políticas no debate político ao invés de identificar as classes a partir da estrutura econômica e pressupor determinadas ações que corresponderiam a estas. Os interesses de classe, que na crítica marxista emergiam claros e precisos a partir das relações de produção, eram, na ótica isebiana um objeto a ser construído pela ação política. Tarefa que tornava seus conceitos mais complexos do que a delimitação de interesses previamente estabelecidos a partir do lugar ocupado na esfera da produção. Isto implicava em considerar a democracia como a esfera da ação política por excelência, espaço de construção de alianças ou de conflitos, mas que requisitavam valores e, principalmente, a construção de atores que portassem estes.
Por sua vez, a análise do pensamento liberal começa a ser analisado para além do lugar comum da pecha de golpista ou anti-popular. Os trabalhos sobre o pensamento liberal emergem a partir de análises pontuais sobre intelectuais e atores políticos (PAIM, 1998; PEREZ, 1999; LATTMAN-WELTMAN, 2005; AMBROSINI, 2011). A análise dos autores identificados com o liberalismo revela, lentamente, um pensamento que incorpora o tema dos direitos sociais, mas que o conjuga com uma institucionalidade democrática, recusando formas de autoritarismo inclusivo. Talvez seja o momento de reler a crítica do pensamento liberal ao, que na época era chamado de caudilhismo não como uma recusa aos direitos sociais, mas como uma crítica a formas autoritárias de incorporação política.
4.1. O novo liberalismo
O liberalismo que irá emergir neste período de fato começa a ser gestado, e, talvez, mesmo, configurado no começo da década de 1940. Tal anotação se deve a compreensão de que neste momento se torna claro que o tema dos direitos sociais passava a ocupar uma posição equivalente a dos direitos civis e políticos. Autores que reivindicam figuras como Ruy Barbosa e Tavares Bastos, criticam as ideias de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e deploram a Constituição de 1937 efetuam um novo passo, qual seja, incorporam o tema dos direitos sociais.
Sua defesa aponta, em primeiro lugar, a distância do liberalismo dos dois inimigos o fascismo e o comunismo. É importante perceber o conteúdo da análise do fascismo, porque este corresponderia a um desvirtuamento da ação política da burguesia. As revoluções burguesas são vistas como movimentos que introduziram a igualdade civil e política, mas que foram traídas, quando a burguesia se aferrou ao individualismo, abandonando a tarefa de diminuir as desigualdades sociais. Deste apego irracional brotou o fascismo.
A burguesia e, consequentemente, o liberalismo devem evitar os excessos do individualismo e dos Estados autoritários. Para tanto a busca da justiça social não pode ser mais obra pura e simples do mercado, Orlando Gomes escreve uma frase que poderia ser lida em qualquer texto contemporâneo sobre Igualdade: "O Direito igual para pessoas desiguais só pode legalizar a injustiça", continua o autor "o igualitarismo puramente teórico" dogma da democracia liberal estimula "a opressão de uma minoria privilegiada sobre a grande maioria do povo" (Gomes apud Ambrosini). Tal argumento implica em defender mecanismos que visem produzir uma igualdade não apenas formal, mas de fato. Neste argumento, a democracia é uma forma neutra, mas esta neutralidade está carregada de valor, garantir que o homem seja a medida de todas as coisas. Os liberais baianos, tendo Nestor Duarte à frente, postulam que a democracia para ser plena não pode impor um teor substantivo, apesar de pressupor direitos sociais, a democracia não é socialista nem individualista, ela não deve carregar uma dada concepção de vida, mas permitir que diversas visões de mundo aflorem.
Postular mecanismos que visem uma igualdade social não implica em defender um governo forte. Nestor Duarte criticou um dos postulados centrais do pensamento autoritário brasileiro: a necessidade de um governo autoritário para introduzir os direitos sociais e uma ordem capitalista moderna. Na sua visão, tal modelo, em razão da formação histórica brasileira, funcionava sem instrumentos impessoais, o que tornava a ação governamental apenas a emanação do poder pessoal do chefe de governo. "(Duarte, 1940, p.118-119). Na verdade, o governo forte encarnado numa pessoa era apenas a continuação do espírito privatista tão forte na sociedade brasileira. A crítica dirige-se diretamente aqueles que defendiam o personalismo e a figura do líder carismático, como Azevedo Amaral.
No argumento desta corrente a crítica ao patrimonialismo vigente no Brasil não implica na separação entre combate à desigualdade social e liberdade política, ao contrário, somente afastando a fusão entre espírito privado e espírito público é que poderão ser levada à cabo políticas de direitos sociais. É na democracia que são vistos "os defeitos do egoísmo humano", os quais emergem porque estão sujeitos ao olhar do público, a vigilância da oposição, da imprensa, ao passo que nos regimes autoritários tais atos estão ocultos "no segredo oficial". Retoma-se um tema caro que já apareceu em Assis Brasil e Gilberto Amado, o espírito público nasce não de uma virtude desinteressada, mas do embate político aberto. É a democracia competitiva que provoca este embate. É também esta defesa democracia que o conduz a um ataque direto a Sérgio Buarque de Hollanda. Este havia escrito que a democracia no Brasil era um lamentável mal entendido, uma importação sem raízes. Nestor Duarte rebate o autor paulista sustentando que qualquer modelo de Estado moderno no Brasil terá que operar uma separação entre o espírito privado e o espírito público, em outras palavras, qualquer organização política e social moderna será uma planta estranha ao patrimonialismo societal brasileiro. Atribuir este estranhamento entre democracia e formação social brasileira à democracia é um equívoco em qualquer nível de análise.
Em alguma medida este enfoque está presente, também na análise de Victor Nunes Leal, o autor afasta qualquer tipo de monocausalidade na sua análise do coronelismo (LEAL, 1982; CARVALHO, 1997). Segundo este autor, o coronelismo foi um fenômeno historicamente datado e pertenceu à Primeira república. O coronelismo foi a reunião de diversos fenômenos, por um lado estava o controle do grande proprietário sobre a terra, ao mesmo tempo que se manifestava à sua decadência econômica, estes aspectos combinaram-se com o federalismo implantado na primeira república, o qual concedeu enorme importância ao governador de estado. O qual em troca do apoio político concede aos coronéis o controle sobre a máquina local. A moeda de troca dos coronéis era o apoio ao governador, manifesto principalmente, através do voto dos seus currais eleitorais. A análise de Victor Nunes Leal tem o grande mérito de se afastar de um reducionismo, que atribuísse à representação política implantada na Primeira República a emergência do coronelismo. Este decorria de fatores sociais, a concentração da propriedade de terra, do retraimento da máquina do Estado, do federalismo estadual e do voto. Por sua vez o declínio do coronelismo decorre, principalmente, da expansão do Estado burocrático racional legal. À medida que esta avança o controle do coronel declina.
A experiência democrática implicou em reconsiderar os partidos como um instrumento da democracia, contra o pano de fundo da crítica autoritária aos partidos era preciso elaborar um argumento que legitimasse os partidos. A essa tarefa lançou-se Afonso Arinos de Melo Franco (FRANCO, 1980). Seu argumento procurou cobrir duas frentes a primeira fornecer uma legitimação teórica dos partidos no mundo contemporâneo e segundo como os partidos brasileiros deveriam estar organizados na sociedade brasileira. No primeiro aspecto, o argumento de Afonso Arinos aponta para a existência de diversas concepções de bem comum, as quais devem se organizar e disputar o apoio dos eleitores, tal postulado constitui-se num valor básico das sociedades modernas. Esta diversidade não pode ser suprimida em nome da presunção de que seja possível elaborar mediante o recurso a uma virtude moral ou a mecanismos tecnocráticos um ideal de bem comum. A legitimidade teórica da organização destas diversas concepções de bem comum em partidos que competem pelo apoio do eleitor representa um valor fundamental, pois sinaliza exatamente o abandono de qualquer pretensão em encontrar o interesse nacional através de algum mecanismo que não seja através do conflito eleitoral regulado entre visões de bem comum. Ao mesmo tempo, Afonso Arinos defende dois pontos que seriam chaves para o enraizamento dos partidos na sociedade brasileira. Em primeiro lugar, a necessidade de que os Partidos se organizem em bases nacionais, de tal maneira que sejam capazes de formular políticas para o país e, que não sejam meras expressões de políticas estaduais. Retoma-se a ideia presente no debate imperial de que os partidos cumprem sua tarefa quando elaboram políticas nacionais. Em segundo lugar, os partidos devem dar forma e conteúdo político às aspirações das classes sociais brasileiras. Desta forma, por exemplo, a UDN deve ser "o verdadeiro partido da classe média", por sua vez, a crítica ao PSD e o PTB é que estes deveriam se afastar da máquina estatal e elaborar programas que guiassem sua ação e buscassem os votos na sociedade, ao invés de permanecerem na órbita do poder central. O PCB é visto como um partido mais enraizado na classe operária brasileira do que seu competidor o PTB, pois prescinde do apoio estatal e busca ancorar suas políticas na organização do operariado. A importância da vinculação do partido a uma base social guia a crítica de Arinos ao PTB, a base deste é constituída pelo lumpen proletariado menos esclarecido e preso à propaganda do Estado. Esta debilidade de enraizamento social atinge a todos os partidos sob a forma do caudilhismo eleitoral. Vota-se na pessoa e não no programa, tal fato ocorre tanto no mundo urbano quanto no rural. No campo a massa vota no coronel, no mundo urbano "o coronel é Prestes, é Getúlio é Ademar, é Otacílio. Neste tema aflora a ideia de que o líder personalista afasta as classes sociais dos seus interesses, os partidos que deveriam dar forma política a estes terminam sendo veículos de personalidades fortes que subjugam os partidos às suas carreiras. Os eleitores terminam votando não nos partidos, mas na pessoa do líder. Tal temática será uma das marcas da crítica feitas ao trabalhismo tanto parte do liberalismo como da esquerda marxista acadêmica.
Por outro lado, Afonso Arinos e Raul Pila deram continuidade ao tema do parlamentarismo, pregação que, como vimos, vinha desde a proclamação república. A maneira oportunista pela qual o parlamentarismo foi implantado em 1961 não deve ofuscar a presença deste argumento neste período. A defesa do parlamentarismo foi uma constante em várias correntes intelectuais e, não um expediente temporário destinado a casuísmos eleitorais. Como sinal desta presença arraigada e, não apenas circunstancial, podemos apontar que em 1966, já no regime de exceção instalado em 64, Afonso Arinos retomaria a defesa do parlamentarismo como um instrumento para minorar as crises de transferência de poder no Brasil. Naquele momento a eleição indireta e a força das armas emprestavam tranquilidade à transferência do poder, mas não conferiam legitimidade. Segundo Arinos, um dos grandes problemas do sistema político brasileiro era alternância de poder, e o parlamentarismo ofereceria a possibilidade de que pelas maiorias congressuais as passagens fossem feitas sem crises (FRANCO, 1978).
4.2. O Novo Nacionalismo
Um tópico emerge com força no argumento do nacionalismo dos anos 50 e 60: a ativação da sociedade. O pensamento autoritário dos anos 30 e 40 havia combinado uma defesa da modernização com o diagnóstico de uma sociedade amorfa, sem o ímpeto da participação política. Nos anos 1950, a ideia corrente do Nacionalismo é que o tempo político se acelerou, a sociedade está mobilizada, e o povo, categoria que designa os setores subalternos que emergem na cena política, está desperto. O principal formulador do novo nacionalismo será o ISEB. O qual procurará estabelecer vínculos com algumas correntes intelectuais anteriores, mas que projetará um projeto distinto calcado num nacionalismo que procurava mesclar a ativação da sociedade com desenvolvimento econômico. A criação do ISEB decorre da ação de intelectuais, notadamente do Rio de Janeiro, que foram incorporados ao Ministério da Educação durante a gestão de um antigo membro da Sociedade de Amigos de Alberto Torres, Candido Motta Filho. Neste acaso histórico revela-se o pertencimento do ISEB a toda uma corrente intelectual que de Alberto Torres se projeta para trás na figura do Visconde do Uruguai e nos anos 1930 em Oliveira Vianna. Hélio Jaguaribe e Guerreiro Ramos, principalmente, farão destas figuras seus antecessores na formulação de uma política nacional. O recurso a este passado não pode passar despercebida das suas conexões com o contexto no qual eles atuavam. Preconizavam um distanciamento do liberalismo encarnado nos defensores da auto-regulação do mercado e, contrários a intervenção do Estado na sociedade e, por outro, se afastavam das formulações que preconizavam uma política calcada na luta de classes.
Neste novo nacionalismo, método de pesquisa e a análise de conjuntura política andavam juntas e, somente a partir da sua junção é que era possível compreender o método como instrumento de pesquisa que esclarece as contradições e mediações da realidade. No argumento isebiano não existiria um caminho pré-determinado para a construção de uma sociedade moderna alicerçada na democracia, no desenvolvimento econômico e na justiça social. Se no Brasil o papel do Estado é distinto das sociedades anglo-saxãs, como já havia escrito Visconde de Uruguai, Alberto Torres e Oliveira Vianna, isto não o torna menos útil com vistas a este fim.
Da mesma maneira o ISEB entende o papel do líder carismático, este foi entendido tanto por marxistas e liberais como uma figura que oculta os conflitos sociais, mas no caso Brasileiro este padrão não foi seguido. A carta testamento e o contra golpe em defesa da democracia teriam produzido uma "iluminação emocional na consciência do proletariado" alertando-o para o tema da expropriação imperialista. Desta maneira, o getulismo teria se convertido num importante instrumento para criar uma solidariedade entre o proletariado, a intelligentsia e a burguesia nacional, apesar de carecer de "fundamentação teórica". Em outras palavras, a figura do líder no contexto nacional ao invés de servir para a ocultação dos conflitos serve para iluminá-los, cabendo à intelligentsia contribuir para a sua fundamentação teórica.
Neste esforço de entendimento da realidade um conceito será chave: ideologia. No argumento isebiano o conceito de ideologia desempenha um importante papel. A ideologia é uma explicitação do real, passo que assegura a passagem dos processos à ação, mas é também é um estimulante que provoca a aceleração destes processos. É possível discernir entre as ideologias estabelecer graus de veracidade, sendo o valor da autencidade aquele que corresponde a ideologia mais próxima ao curso de ação desejado; a ideologia autêntica é aquela que partindo dos interesses situacionais consegue transcende-los e elabora uma política para o todo, no caso os setores mais modernos da sociedade (CORBUSIER, 1959; JAGUARIBE, 1958; PINTO, 1960). Conceito de ideologia recebeu uma enorme atenção no argumento isebiano e na crítica deste, entretanto me parece que este é melhor analisado caso mobilizemos outro tema chave: o moderno e o atraso.
No argumento isebiano, na formação histórica brasileira o moderno e o atraso estão articulados, um não pode ser entendido sem o outro, o moderno não é o verniz que doura artificialmente a dureza do atraso econômico, é a relação entre ambos que confere sentido à dinâmica social brasileira (RANGEL, 1957; RAMOS, 1966). No livro que desencadeou o cisma interno do ISEB, Jaguaribe descreve as classes sociais no Brasil, o proletariado, a classe média e a burguesia industrial como marcadas por uma dualidade estruturalmente articulada entre o moderno e o atraso, esta dualidade precisa ser superada, para tanto é necessário romper a solidariedade de classe (JAGUARIBE, 1958, p. 34-65). Sem que esta seja rompida o aprofundamento do desenvolvimento não ganhará uma síntese positiva. Cabia à ação política desatar este nó em favor dos elementos modernos, mas tal ação não estava determinada na esfera da economia, mas no âmbito da política. Esta ação de rompimento é entendida como uma ação dentre outras possíveis. Neste sentido, o conceito de ideologia como um ativador do processo, presume uma coalização multi classista que gere um ator que deve intervir. Este ator está potencialmente presente, mas não está dado que ele irá agir nesta direção, num certo sentido os textos do ISEB, mesmo os mais teóricos são textos de "conjuntura", escritos tendo em vista um contexto que se encontra em movimento e requer a intervenção para que um determinado resultado, entre outros, seja obtido. Se analisarmos nesta perspectiva, a ideologia isebiana não oculta os conflitos existentes na sociedade brasileira, pois o atraso e o moderno estão em conflito na sociedade, o que esta análise se afasta é de um entendimento dos interesses de classe como sendo refletidos na arena da política no seu estado bruto, sem uma análise dos seus aliados, inimigos, ganhos a curto e médio prazo, em resumo de uma análise complexa do contexto político.
A crítica ao ISEB se move a partir da ideia de é possível formular uma política centrada nos interesses de classe, e, em particular dos interesses da classe trabalhadora, os quais podem ser recortados a partir da posição social desta na esfera produtiva. Neste sentido, a política é entendida como a expressão imediata de interesses sociais, e a política de alianças proposta pelo ISEB bloqueava a formulação dos interesses da classe trabalhadora. Por sua vez, os processos econômicos são evidentes e conferem sentido às ações políticas, sua leitura pode ser feita desde que o observador esteja aparelhado de um método correto. E a arte da análise política consiste principalmente em desvendar máscaras e revelar as verdadeiras identidades e os interesses que lhes conferem lógica.
A transição para a democracia nos anos 1970-1980 foi um obstáculo para este argumento, quando deixou de fazer qualquer sentido analisar a ação dos atores a partir da eterna crise do capitalismo e a burguesia nacional continuou articulada ao capital estrangeiro, sem que esta associação implicasse em um recrudescimento do sistema autoritário, ao contrário, o sistema político passou do autoritarismo para uma experiência democrática, sem que esta articulação fosse desfeita.
4.3. Marxismo Nacional: o PCB
Em torno do nacionalismo isebiano transitou com enorme influência o marxismo influenciado pelo PCB. Tal associação ganhou força principalmente a partir da Declaração de Março de 1958, quando o PCB reviu sua política anterior. Ao longo dos anos 1950 a presença do marxismo, e, mais especificamente do PCB, ganha uma importância maior, principalmente em razão do surgimento em torno deste partido de uma "sociedade civil comunista", qual seja, diversos grupos que intervinham no debate político e cultural eram em parte influenciados pela cultura política pecebista (NOGUEIRA, 1983). O PCB possuía uma presença cultural maior que sua força política efetiva, já que vários destes grupos não eram diretamente ligados ao PCB. Esta difusão das ideias do PCB para além da sua órbita direta de influência começa sua trajetória numa mudança efetuada ainda nos anos 1930, com o ingresso de Prestes e dos militares ligados à sua liderança. Com entrada de Prestes, o PCB tornou-se menos afeito aos temas operários e, em contra partida aflorava a preocupação com o tema da nação, o partido se voltava não apenas para os operários, mas para todos "patriotas e democratas" (RODRIGUES, 1986). Tal giro irá produzir um conflito interno que pode ser lido a partir do choque de duas culturas políticas distintas, uma favorável ao aprofundamento da questão democrática enquanto a outra defendeu uma ruptura nacional popular nos moldes do leninismo oficial, considerando a democracia apenas como um instrumento sem que houvesse qualquer compromisso com esta (BRANDÃO, 1997; WERNECK VIANNA, 1989). Em que pese estas tensões internas, permanece a força deste tema no debate político intelectual do marxismo no Brasil. Principalmente, a partir dos anos 1950, a questão nacional é lida como a defesa da ação do Estado no campo da economia. O PCB se aproximava do varguismo, quando ambos defendiam que cabia ao Estado a liderança na política de desenvolvimento. A reflexão sobre a questão nacional conduziu ao marxismo produzido dentro do PCB a dois temas: a) as alianças policlassistas e b) o imperialismo norte americano. Para combater o Imperialismo norte-americano e promover o desenvolvimento econômico era necessário identificar quais os aliados, e, nesta tarefa o PCB compreendeu que diversas classes eram aliadas nesta luta. A escolha mais polêmica foi a burguesia nacional, segundo a Declaração de Março de 1958 esta classe tinha interesses na industrialização e na formação de um mercado interno, fato que a colocava em um campo oposto aos setores aliados do Imperialismo. A reflexão sobre a ampla coalizão contra o Imperialismo e seus aliados implicará, em algumas correntes comunistas, na valorização da democracia como um campo privilegiado de lutas. O aprofundamento e a consolidação da democracia eram favoráveis ao que PCB entendia como lutas populares, o que tornava o partido perante aos olhos de muitos setores da esquerda, inclusive do campo do trabalhismo de esquerda, como reformista na sua defesa da democracia. Esta visão foi combatida por outra, presente no PCB e em outros agrupamentos marxistas, a qual enxergava na democracia o espaço para o acúmulo de forças na espera do desenlace da revolução nacional libertadora. Em grande medida esta tensão se prolongou, mesmo após o golpe de 1964, resultando nas divisões entre "eurocomunistas" e prestistas.
5. Após 1964: a institucionalização da Ciência Política e a redescoberta da Política
O golpe de 1964 teve um impacto sobre a reflexão produzida, principalmente na eliminação de um dos pólos mais ativos: o ISEB. A partir do golpe ganhou força a crítica ao nacionalismo preconizado por este instituto, ao mesmo tempo em que autores como Oliveira Vianna foram colocados no limpo, como antecessores do golpe. Entretanto, é durante este período que ocorre a institucionalização da Ciência Política. Um processo que ocorreu sem que a produção acadêmica deixasse de se debruçar sobre as causas do golpe e do processo de redemocratização em curso. A institucionalização não afastou a Ciência Política da conjuntura e da indagação sobre as causas que levam os sistemas políticas a crises e a emergência da democracia.
Quando observamos as análises sobre a institucionalização da Ciência Política podemos perceber duas abordagens. A primeira privilegia o que podemos chamar de uma sociologia dos intelectuais, qual seja, a formação daqueles que conduziram este processo no exterior, notadamente nas universidades dos Estados Unidos, a diferença de inserção destes intelectuais para com os anteriores, seu pertencimento às universidades ou centros de pesquisa vinculados a estas, o papel das agências de fomento dentre outros aspectos. A segunda abordagem privilegia uma atenção maior para as ideias e os projetos políticos subjacentes.
A chamada institucionalização ocorreu principalmente a partir de 1968, com a formação dos departamentos de Ciência Política e com criação dos programas de Pós Graduação. É importante, sem dúvida, analisar traços que dizem respeito a uma sociologia dos intelectuais. Entretanto, estes aspectos não podem assumir um papel determinante, ocultando que este conjunto de valores foi uma escolha dentre outras. No mesmo período grupos intelectuais realizaram outras escolhas teóricas que resultaram em outros projetos intelectuais e políticos. Neste sentido, a sociologia dos intelectuais pode ser uma tarefa relevante, mas sem atingir os valores que orientaram as escolhas destes grupos. Por que algumas correntes, com a mesma formação, realizam escolhas distintas? A sociologia dos intelectuais deixa sem resposta algumas questões centrais que emergem ao longo do debate. Por que algumas correntes, a despeito da sua mesma formação, enxergarão na combinação entre presidencialismo e representação proporcional uma das causas dos males do sistema político brasileiro? Estas e outras questões não encontram respostas na sociologia dos intelectuais.
Como escolhemos a segunda abordagem podemos perceber maiores continuidades com o passado. Um passado que não guarda nenhuma relação com a formação acadêmica e social daqueles que efetuaram a chamada institucionalização. Na nossa visão, a institucionalização da Ciência Política no Brasil deve ser entendida como parte integrante do Pensamento ou da Teoria Política brasileira elaborada anteriormente. Tal pertencimento ocorre em parte devido ao próprio olhar retrospectivo que alguns dos que participaram ativamente deste processo de institucionalização lançaram ao passado, bem como pela influência percebida ou não sobre os temas que orientaram este processo.
A produção teórica mais complexa e rica daquilo que designamos Pensamento Político brasileiro debruçou-se sobre a conjuntura que antecedeu o Golpe de 1964 e sobre o período a partir de 1974 retomando, principalmente, as ideias acerca da importância do estudo das instituições políticas brasileiras, da relevância da análise do comportamento eleitoral, dos mecanismos de representação política e da autonomia do Estado (BRASIL, 1983; SANTOS, 1986; REIS, 1978; LAMOUNIER, 1988). A análise do processo político que antecedeu ao colapso de 1964 foi depurada da névoa que atribuía este como decorrência necessária da crise do modelo de substituição de importações. Nesta visão, países de capitalismo dependente requisitavam sistemas políticos autoritários, como acreditavam havia sido toda a História brasileira anterior, excetuado o breve período entre 1945-1964, o qual também apresentou constrangimentos ao funcionamento das instituições políticas. Numa longa passagem que apresenta alguns dos traços desta nova abordagem, Wanderley Guilherme dos Santos aponta que os fenômenos sociais refletem-se na atuação das lideranças estabelecendo determinações que serão lidas de maneira diversas pelos atores políticos; as crises sociais não resultam logicamente em crises políticas, dependem da forma pela qual os atores se relacionam com as questões em pauta, as quais estão condicionas pelas preferências políticas de cada ator e pelos recursos de cada um em relação aos demais atores (SANTOS, 1986).
Esta retomada ganhou força argumentativa com a conjuntura posterior a 1974, a partir da vitória do MDB nos principais centros populacionais do país o ritmo da transição foi ditado pelo calendário eleitoral e pelo resultado das eleições. O heterogêneo grupo que teve um papel destaque nesta institucionalização, em que pese as suas divergências apontou dois aspectos: em primeiro lugar, destacou que a crise do regime autoritário foi regulada pelo impacto das eleições legislativas. Em segundo lugar, que a transição seria um processo regulado provocando alterações pontuais no sistema político, de maneira tal que a flexibilização não fosse seguida de uma recaída autoritária. Nos termos que depois foram estabelecidos, a transição brasileira seria negociada e não ocorreria via colapso do regime (SANTOS, 1978; SHARE & MAINWARING, 1986).
Desta maneira, o fenômeno da política ganhava relevância. Tal leitura foi reforçada a partir do colapso das previsões feitas sobre o regime autoritário. Conforme apontou Lamounier, as projeções sobre o regime político brasileiro, para vários autores (dentre outros Fernando Henrique Cardoso, Celso Furtado e Alfred Stepan) caminhavam no sentido de um reforço dos elementos autoritários. Tal fato decorria do modelo de desenvolvimento adotado calcado na industrialização tardia e no capitalismo dependente, os quais aliados às transformações organizacionais do Estado e do aparato militar conduziriam a um reforço do regime autoritário. Entretanto, ao contrário destas previsões as mudanças vieram não de uma ruptura radical provocada por movimentos externos ao sistema, mas da pressão proveniente das eleições. Neste argumento, os constrangimentos institucionais recebem um peso na análise, mas é igualmente relevante "o comportamento da oposição que se dispôs a jogar o jogo" tendo em vista a possibilidade de crescimento eleitoral e do poder correspondente (LAMOUNIER, 1988). O papel das instituições políticas, suas regras e, os constrangimentos decorrentes, passam a estar articuladas às escolhas realizadas pelos atores políticos.
Normalmente as análises destacam a reação da ciência política produzida a partir dos anos 1970 ao achatamento do fenômeno da política produzido nas análises anteriores, realizadas principalmente, pelo Departamento de Sociologia da USP. Ocorre que a ciência política emergiu neste momento não abandonou a reflexão sobre a estrutura social. Uma parte desta análise foi empreendida pela leitura dos dados sociais que emergiram após a modernização autoritária os quais conduzem a uma nova leitura sobre a sociedade brasileira (SANTOS, 1987; LAMOUNIER, 1989). Esta passa ser entendida como dotada de uma heterogeneidade social, religiosa e regional, desigualdades raciais e, que não se resumem apenas, a dimensão das classes sociais. Esta nova sociedade deve estar relacionado ao modelo de representação política adotada, o qual deixa de ser uma mera formalidade e passa ser visto como um elemento relevante para o bom funcionamento do sistema político. Abre-se uma discussão sobre os modelos de representação - o distrital, o proporcional ou o distrital misto, o sistema de governo – presidencialismo, semipresidencialismo ou parlamentarismo – o número de partidos dentre outros temas. Debate que analisaremos a seguir.
O argumento apresentado por Wanderley Guilherme dos Santos sintetiza, bem como influencia, toda uma corrente no debate intelectual brasileiro. Segundo este autor, a vida política brasileira, após a transição, experimenta uma nova dimensão, marcada pela "crescente competitividade do sistema político brasileiro". As transformações sociais, a extinção do AI-5 em 1978 e o crescimento do eleitorado (66% da população) em níveis superiores aos anteriores gerou uma série de novos fatos políticos que assustam ao que o autor chama de oligarcas modernos (SANTOS, 1994). O autor estabelece um critério de democracia que opera como uma medida de como deve funcionar um sistema político democrático e ao mesmo tempo, como uma conclusão do processo democrático em curso ao longo do século XX. Segundo o autor, um sistema é tanto mais democrático quanto mais oferecer competição eleitoral e partidária aos eleitores. Sob esta ótica são analisados alguns dos principais temas do debate político brasileiro: a representação proporcional e o número de partidos.
O tema da representação proporcional retoma sua relevância. Diversos trabalhos postulam a importância da representação proporcional, considerando que esta permite dois aspectos fundamentais. Sob a ótica do sistema político, ele permite que este funcione como um espelho mais fiel da diversidade de opiniões existentes no país. Um ganho que se reflete mais na dimensão da representação do que na produção de governo. O segundo ganho é percebido pela ótica do eleitor, este modelo de representação estimula a criação de partidos e consequentemente aumenta a oferta destes, desta maneira o eleitor possui mais alternativas a seu dispor. Neste argumento, a fragmentação partidária brasileira não é alta quando comparada a outros países, sendo antes o sinal de uma sociedade política complexa.
Este argumento aborda também de maneira positiva o presidencialismo, ao mesmo tempo, que rompe com a defesa tradicional deste sistema. O sistema presidencialista possuiria a capacidade de atender a duas dimensões relevantes do sistema político. A primeira diz respeito ao fato deste sistema oferecer ao eleitor a manifestação sobre dois eixos: a representação e produção de governo. O eleitor tem um voto para presidente e um voto para o legislativo. Diferentemente do parlamentarismo, no qual o eleitor escolhe se manifestar sobre a produção de governo ou sobre a representação, já que neste modelo o eleitor tem apenas um voto. E segundo, a combinação entre governo de coalização e presidente. O presidencialismo brasileiro teria realizado uma combinação única, um presidente com poderes de agenda combinado com grandes coalizões, típicas de sistemas parlamentaristas pluripartidários (ABRANCHES, 1988; LESSA, 1988).
Neste argumento acerca do presidencialismo manifesta-se uma mudança significativa em comparação aos argumentos produzidos nos anos 1950 e começo dos anos 1960, os elementos favoráveis ao presidencialismo não são mais a sua ação plebiscitária e sua confrontação com um legislativo conservador. É antes a sua combinação com o legislativo através da realização de grandes coalizões e da distinção para o eleitor dos eixos da representação e da produção de governo.
Em sentido distinto podemos recortar outro argumento exposto, principalmente por Bolívar Lamounier, mas, com influência em trabalhos de outros autores (LAMOUNIER, 2005; KINZO, 1980; MENEGUELLO, 1989). Neste argumento podemos recortar dois tópicos centrais: primeiro a crítica ao presidencialismo e a defesa do parlamentarismo e segundo, a crítica a combinação perversa entre presidencialismo e representação proporcional. Não consideramos que analisar este argumento sob a designação de oligarcas modernos seja útil para sua análise, parece-nos que caso o fizéssemos repetiríamos o mesmo equívoco feito no uso do termo idealistas utópicos para se referir aos críticos da reflexão autoritária nos anos 30 e 40. O que move este argumento não é o rechaço a incorporação dos novos eleitores ao sistema político e uma recusa a uma maior competição, seus valores rondam em torno do tema da governabilidade e da responsabilização (accountability).
Segundo este argumento, o presidencialismo brasileiro apresentou, de fato, alguns traços dos gabinetes de coalização. Isto ocorreria, sempre que o presidente seguisse determinados preceitos, tais como a seleção dos ministros com base em um critério proporcional ao peso de cada um dentro da maioria legislativa, fizesse uso mais corriqueiro dos projetos de lei ao invés das medidas provisórias e selecionasse seus ministros com base nas indicações partidárias. Entretanto, o funcionamento dos governos Lula e Dilma revelou que tais mecanismos não foram seguidos, o que leva a concluir que o presidencialismo de coalizão é uma situação que pode ocorrer ou não em um governo, ao invés de se configurar em uma estrutura institucional. Em segundo lugar, o partido presidencial não tem obtido a maioria parlamentar necessária para a produção de governo, fato que o leva a estimular o troca-troca de legendas. Esta ação passou a ser parte integrante do sistema político. Tal ação que enfraquece os partidos também não confere segurança ao executivo, que passa a fazer uso das medidas provisórias e dos projetos de leis, que são aprovados pela inércia legislativa. Fato que contribuiu para a diminuição do controle que o legislativo deveria operar sobre as ações do executivo
A combinação entre um presidencialismo imperial e representação proporcional com alta fragmentação partidária bloqueia a responsabilização por parte do eleitor aos partidos e ao presidente. Do ponto de vista do eleitor a troca de legendas dificulta a identificação do comportamento do partido e dos representantes a precária base partidária dificulta ao presidente elaborar uma agenda de governo, a necessidade de coalizões maiores que o necessário é o sinal de que a política de vetos emerge com força o bastante para impedir que a maior da agenda de governo possa se tornar políticas públicas.
Este movimento de autonomização do fenômeno da política e da organização institucional da Ciência Política foi realizado sem que a introdução de métodos de pesquisa e abordagem implicassem em uma recusa tout court do que foi feito anteriormente. Diferentemente da Sociologia vários dos autores que mais contribuíram para este movimento recuperaram a produção intelectual anterior. Desta maneira pode-se citar, apenas como exemplo, Wanderley Guilherme dos Santos reapresentou José de Alencar como um teórico refinado do experimento democrático quando comparado aos seus contemporâneos estrangeiros, o mesmo fez José Giusti Tavares com Assis Brasil; Bolívar Lamounier destacou a relevância da análise de Victor Nunes Leal, José Murilo de Carvalho assinalou a importância do Visconde de Uruguai e Olavo Brasil Jr analisou a obra de Gilberto Amado. Nestes esforços não aparece a ideia de uma contribuição menor em razão da forma ensaística ou dos condicionantes sociológicos da produção intelectual ao qual estes autores estariam submetidos, como seria normal em uma abordagem sociológica (como a presente em Fernandes (1976).
Trata-se de perspectiva distinta daquela realizada na área do Pensamento Social Brasileiro Neste, os autores recebem a designação de uma Teoria Social elaborada no Brasil em função de uma perspectiva situada na periferia. Quando observamos a análise empreendida sobre a obra José de Alencar e Assis Brasil, estes são analisados como originais frente aos seus contemporâneos situados nas sociedades modernas, sem que sua originalidade seja fruto de uma situação periférica. Em outras palavras, não é o olhar da periferia sobre o centro, é um olhar original produzido dentro dos valores modernos. Está implícita, talvez não explícita, a percepção de que os problemas abordados por estes autores faziam parte de uma teoria política ocidental, a qual produzia reverberações no Ibero América. Voltaremos a este problema na conclusão geral.
O tema da democracia produz um impacto no vasto campo do marxismo, principalmente através do ensaio de Carlos Nelson Coutinho ("A democracia como valor universal") e das ideias divulgadas na revista Presença. Ambos indagam sobre o fenômeno da democracia e sua emergência no Brasil a partir das transformações dos anos 1970, e o fazem sob forte influência de Gramsci e da via política proposta pelo PCI. Segundo o argumento deste grupo, as instituições e os valores liberais democráticos gerados em sociedades capitalistas a partir da pressão da classe trabalhadora deveria desempenhar um papel importante na sociedade socialista. Esta suposição por si só já era motivo de tensão em correntes marxistas nacionais, mas este argumento dava outro passo. No Brasil era desejável o aprofundamento da questão democrática, não apenas para o presente, mas para uma futura sociedade socialista. Por aprofundamento eles entendiam tanto a consolidação dos direitos sociais, uma maior participação da sociedade civil na gestão da economia, bem como, um compromisso com as instituições liberais, tais como competição eleitoral, partidos, legislativo, separação dos poderes etc.
A defesa da democracia, por este grupo, implicava em fortalecer o Congresso Nacional como um dos meios fundamentais da democracia (COUTINHO, 1980; WERNECK VIANNA, 1987). Esta defesa entrava em choque com uma das teses mais caras à esquerda brasileira, qual seja, o executivo era o ator chave para mudança. O qual adotando uma postura plebiscitária confrontaria o congresso com uma agenda modernizadora. Em sentido contrário para este grupo, era no legislativo um dos espaços privilegiados para a guerra de posições.
6. Conclusão
Estabelecer um desfecho poderia ser realizado caso eu considerasse que fosse possível vislumbrar o fim de um ciclo, entretanto não tenho esta impressão. Isto porque alguns dos esforços realizados com o fito de lançar um olhar retrospectivo para os esforços feitos no passado abriram novas indagações. Em alguma medida, esta conclusão capta um objeto em movimento, não apenas porque a reflexão que se produz hoje com o nome de Ciência Política será, ou pelo menos, deverá ser, objeto de pesquisa do chamado Pensamento Político brasileiro, mas porque esta própria designação encontra-se sob discussão. Importantes trabalhos colocaram em questão o status teórico do termo Pensamento Político, e perguntaram por que não Teoria Política brasileira ou Teoria Político-Social brasileira (BRANDÃO, 2007; FAORO, 1994; LYNCH, 2013). Tal designação não é desprovida de sentido caso pensemos que isto diz respeito a própria análise do seu conteúdo.
Quando recuamos nosso olhar para trás percebemos a importância do levantamento empreendido por Wanderley Guilherme dos Santos, seu esforço em afastar qualquer julgamento negativo sobre o Pensamento Político produzido no Brasil em razão da sua orientação voltada para a práxis (SANTOS, 1978, p. 67). Dentro deste conceito relevante, Santos chamava a atenção para os esforços que pretendem racionalizar o processo histórico brasileiro com o fito de orientar a ação política. Creio que neste entendimento posso acrescentar que esta reflexão calcada na práxis não esteve desvinculada de uma análise dos processos políticos que ocorriam fora do país, o que acarretou que esta reflexão trouxesse implicitamente ou explicitamente valores sobre a natureza da ação política. Não me parece recomendável que desconsideremos as duas dimensões presentes na teoria política produzida no Brasil: a dimensão voltada para a conjuntura nacional, seu processo histórico social e as recomendações para a ação e a dimensão normativa, qual deve ser o papel do interesse particular, do interesse público, como pensar as diversas noções de bem comum, o papel dos partidos etc. A arqueologia dos autores e das correntes políticas revela, cada vez mais, que estas duas dimensões estão articuladas.
Nesta dupla dimensão me parece que há uma teoria política brasileira, a despeito de sentimentos de inferioridade ocultos ou manifestos. Esta reflexão esteve e, está, vinculada a correntes políticas e problemas que estão presentes fora do ambiente nacional. Se tomamos este pertencimento como um dado isto nos conduz a uma interpretação da reflexão produzida no Brasil como parte de uma Teoria Política brasileira. Podemos analisar a reflexão produzida no Brasil como parte da reflexão teórica sobre a política, mesmo que ela não configure como uma antecipação de questões que depois serão formuladas em outras línguas. A teoria produzida no Brasil participou de problemas e questões que eram debatidas na teoria política ocidental. Como escreveu Alan Rouquié, a Ibero América é o extremo ocidente e desta maneira, entendemos que a teoria política produzida no Brasil participou das questões e dos problemas que afetaram este processo civilizatório. A investigação acerca da teoria política produzida no Brasil deve procurar estabelecer os conceitos e os termos utilizados através dos quais estes modos de entender a política são elaborados, de tal maneira que os leitores possam entender o conteúdo destas e como estas afetam suas vidas. Cabe a investigação avaliar os argumentos produzidos a favor ou contra estes modos de ver impedindo que estas sejam avaliadas a partir de lugares comuns, palavras de ordem ou o puro non sense. Como lidamos com a política a possibilidade de que o vocabulário que impregna o confronto político chegue a compreensão e a análise é enorme (BERLIN, 1998). Este vocabulário mobiliza muitas vezes a acusação com fito apenas de denegrir, obscurecendo toda a reflexão produzida. Conforme assinalamos em vários momentos, a acusação de cópia ou utopia foi um recurso retórico amiúde utilizado, da mesma maneira que no começo dos anos 1970 foi apresentada a crítica ao ocultamento ou má fé dos reais interesses de classe presentes nos argumentos do nacionalismo do ISEB e seus aliados.
As várias questões e as várias respostas produzidas no âmbito da teoria política circularam e foram lidas de diversas maneiras recebendo acentos particulares em razão das culturas nacionais. Pode-se falar tranquilamente de um liberalismo francês distinto em conteúdo e valores de um liberalismo anglo-saxão (SIDENTOP, 1979), bem como outras derivações nacionais. Neste sentido, não há porque não pensar sobre uma teoria política produzida no Brasil.

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