O percurso de um ansianense na Universidade de Coimbra: Pascoal José de Melo Freire dos Reis (1738-1798)

May 31, 2017 | Autor: C. Henriques Pereira | Categoria: Universidade de Coimbra, Leiria, Ansião, Historia do direito português
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Cadernos de Estudos Leirienses – 9 * Setembro 2016

O percurso de um ansianense na Universidade de Coimbra: Pascoal José de Melo Freire dos Reis (1738-1798) Carolina Henriques Pereira*

Pascoal José de Melo Freire dos Reis, nasceu em Ansião, a 6 de Abril de 1738 e faleceu em Lisboa sessenta anos depois, a 24 de Setembro de 1798. Filho de um ilustre ansianense, Belchior dos Reis (oficial que se destacou durante a Guerra de Sucessão de Espanha) e de D. Faustina Freire de Mello, distinguiu-se enquanto jurisconsulto e estudioso do Direito Português, tendo ocupado os mais elevados cargos da nação1. O seu percurso académico é marcado por um reconhecido brilhantismo, desde logo, porque se matriculou em Cânones na Universidade de Coimbra, com apenas treze anos. A faculdade de Cânones detinha um peso estrutural quando comparada com as restantes faculdades maiores (Teologia e Medicina). As matrículas em Cânones e Leis, no século XVIII, eram em muito superiores às matrículas realizadas quer em Teologia quer em MediciFig. 1: Pascoal José de Mello na. Assim, e observados os movimentos anuFreire (Fonte: Biografia do ais de matrículas no conjunto destas faculda- Pensamento Político, Maltez.info). * Licenciada em História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Mestranda em História Contemporânea na mesma faculdade. Presidente da Secção Filatélica da Associação Académica de Coimbra (SFAAC). Directora-Adjunta e colaboradora do mensário Notícias de Colmeias. A autora não segue as regras do novo Acordo Ortográfico. 1

Ao longo da sua vida ocupou diversos cargos, entre os quais pertenceu «ao Conselho de S. M. a Rainha D. Maria I, Desembargador da Casa da Suplicação, Doutor e Professor jubilado da Faculda-

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des maiores de Coimbra, denota-se um claro predomínio das matrículas em Cânones. Nos anos de 1751 e 17572 (ano da primeira matrícula, em Cânones, de Pascoal de Melo Freire e ano do seu doutoramento), a percentagem de alunos que frequentavam Cânones e Leis era de 87,75% e 90,26%, respectivamente. Para os mesmos anos, no caso da faculdade de Teologia, a percentagem era de 4,70% e 4,35% e, em Medicina, os alunos representavam 7,55% a 5,39%. Veja-se o quadro abaixo: Quadro 1: Movimento anual das matrículas nas faculdades maiores de Coimbra, nos anos 1751 e 1757 (Fonte: FONSECA, Fernando Taveira da – A Universidade de Coimbra (1700-1771). Estudo social e económico…, 1995, p. 32).

Anos

Cânones e Leis (% do total)

Teologia (% do total)

Medicina (% do total)

1751

87,75

4,70

7,55

1757

90,26

4,35

5,39

A primeira matrícula de Pascoal de Melo Freire, em Cânones, foi realizada a 10 de Outubro de 1751. Consta do Livro de Matrículas desse ano a seguinte informação: «Pascoal José de Mello Freire dos Reis, natural de Ancião, ao primeiro de Outubro»3, seguida da sua assinatura, elemento obrigatório, instituído em meados do século XVII4. Todavia, anteriormente à sua primeira inscrição em Cânones, Pascoal de Melo Freire havia frequentado de de Direito da Universidade de Coimbra, Cónego doutoral nas Sés da Guarda, Faro e Braga, Deputado da Mesa da Comissão geral sobre o exame e censura dos livros, Deputado da Junta da Bula da Cruzada, da Casa do Infantado, e do Conselho geral do Santo Oficio, Provisor do Grão Priorado do Crato, e Deputado da Assembleia da Ordem de Malta, Sócio efectivo da Academia Real das ciências de Lisboa (…)», Ficha Bio-bibliográfica de Pascoal José de Mello Freire dos Reis (17381798), Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa: http://www.fd.unl.pt/ ConteudosAreasDetalhe_DT.asp?I=1&ID=7717 (consultado a 23/06/2016). 2 Para uma análise mais alargada ver quadro I.1. (cont.) em FONSECA, Fernando Taveira da – A Universidade de Coimbra (1700-1771). Estudo social e económico. Por ordem da Universidade de Coimbra, 1995 (tese policopiada), p. 32. 3 Arquivo da Universidade de Coimbra (AUC), Livro de Matrículas (1751-1752), vol. 69, fl. 230v. 4 «A partir de 1664-65, estabelece-se o costume de apor à matrícula a assinatura do estudante, primeiramente à margem do assento – uma só assinatura – e depois ao pé do mesmo, geralmente em número de três, e algumas vezes de quatro», FONSECA, Fernando Taveira da – A Universidade de Coimbra (1700-1771). Estudo social e económico…, 1995, p. 21. Esta prática devia-se à

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um ano de Instituta5. Saber latim era um requisito fundamental e imprescindível para o estudo na Universidade de Coimbra, uma vez que, o ensino não era ministrado em língua vernacular, mas nessa língua erudita. Deste modo, os Estatutos da Universidade de Coimbra (1653), Liv. III, tít. XLII, § 1 «isentam da frequência do ano de Instituta os candidatos à faculdade de Cânones que forem clérigos ou beneficiados, devendo estes ouvir ‘as lições de Canones sem ouvir Instituta, por ser Clerigo e o curso de Instituta ser mais proprio de Legistas’»6. Assim, se compreende que alguns dos estudantes que viriam a matricular-se na faculdade de Cânones, tenham tido uma entrada directa nesta faculdade não passando, por isso, pelo curso de Instituta. No entanto, é importante referir que a realização da matrícula (anual) não representava o término do curso nem mesmo a obtenção de um grau académico. A obtenção de graus académicos dependia de uma aprovação nos actos oficiais. Se o aluno obtivesse aprovação total, ou seja, se todos os votos fossem a favor da aprovação, o candidato seria aprovado Nemine Discrepante (por unanimidade). Em caso de reprovação o discente via-se obrigado à repetição do acto, sendo os votos da regulação do Reitor7. Porém, somente os alunos que reunissem o número de presenças exigido pelos Estatutos da Universidade poderiam comparecer aos actos e, assim, obter graus. Desta forma, «ao concluir (…) as lições, o aluno [que] pretendia graduarse em Bacharel, ficava obrigado no quinto ano a um Acto de Conclusões, o qual era composto de ‘nove conclusões que se tiravam do livro e matérias…’ e presidido pelos ‘Doutores Lentes da Faculdade’, com o qual provava a frequência, pelo menos, de quatro cursos de oito meses e que estivera matriculado todos estes anos»8. obrigatoriedade de se efectuarem matrículas incertas, de forma a, verificar a assiduidade dos estudantes – somente com o número exigido de presenças estes podiam realizar os actos. 5 Consta do Livro de Matrículas de 1750, o seguinte: «Pascoal José Freire de Mello Reis, filho de Belchior dos Reis, natural de Ancião, com certidão de latim, ao primeiro de Outubro», AUC, Livro de Matrículas (1750-1751), vol. 68, fl. 316 v. 6 FONSECA, Fernando Taveira da – A Universidade de Coimbra (1700-1771). Estudo social e económico…, 1995, p. 24, nota 10. 7 Estatutos da Universidade de Coimbra (1653). Por ordem da Universidade de Coimbra, 1987. Lib. III, tit. XLIIII, p. 214-215. Ver, ainda, ANTUNES, Maria do Carmo G. F. Gaspar – O ensino na faculdade de Cânones. In UNIVERSIDADE(S) História, Memória, Pespectivas. Congresso História da Universidade, 7.º Centenário. Actas 1. Coimbra, 1991, p. 125. 8 ANTUNES, Maria do Carmo G. F. Gaspar – O ensino na faculdade de Cânones…, 1991, 124.

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Pascoal José de Melo Freire, realizou o seu acto do quinto ano a 6 de Maio de 1756 e, após ser aprovado por unanimidade, tomou oficialmente o grau de Bacharel. Veja-se o seguinte documento e a respectiva transcrição.

Fig. 2: Exame de Bacharel de Pascoal José de Melo Freire dos Reis (Fonte: AUC, Actos e Graus (1755-1756), vol. 90, fl. 84).

Transcrição «Exame de Bacharel de Paschoal Jose de Mello Freire dos Reys Em 6 de mayo de 1756 fez o seo acto de Bacharel Paschoal Jose de Mello Freyre dos Reys, em que foy seo Padrinho o Doutor Manoel Ferreira de Amorim, e lida a sua lição de ponto lhe argumentarão os Doutores seos Mestres e votandose por AA e RR sobre aprovação foy por todos aprovado nemine discrepante e logo fez juramento da Concepçam e recebeo o grao do Padrinho que lhe deo authoritate regia, de que foram testemunhas os Doutores Antonio Cardozo Seara e Manoel Ferraz Gramoza, de que se fez este termo que eu Miguel Carlos Motta e Silva sobscrevi». Após tomar o grau de Bacharel, José de Melo Freire prossegue os estudos na Universidade de Coimbra e a 13 de Maio de 1757, realiza o seu doutoramento em Direito Civil, obtendo então o grau de Doutor, aos dezanove anos 9. Não se esqueça, no entanto, que todo o percurso académico de Pascoal 9

«É após a formatura [Bacharel-formado] ou a aprovação que a quase totalidade dos estudantes juristas e médicos deixa a Universidade, ingressando na vida profissional. Muito mais reduzido é o

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de Melo Freire, foi acompanhado e orientado pelo seu irmão, Luiz de Mello, cónego da Catedral de Coimbra. Após a obtenção do grau de Doutor, Pascoal de Melo Freire torna-se lente substituto de algumas cadeiras e, mais tarde, lente da cadeira de Direito Pátrio (da qual, só em 1781, viria a ser considerado lente proprietário), na faculdade de Leis da Universidade de Coimbra onde viria a leccionar até se jubilar, em Janeiro de 179010. Após a sua jubilação, a rainha faz publicar uma carta régia, a 29 de Janeiro de 179011, na qual nomeia novos lentes para a faculdade de Leis. Na sequência destas nomeações, é escolhido o Doutor José Cardozo Ferreira Castello, para leccionar a cadeira de Direito Pátrio que, outrora, havia pertencido a Pascoal de Melo Freire. Ao longo da sua vida este ilustre ansianense publicou várias obras incidindo, fundamentalmente, no estudo da jurisprudência pátria, do qual resultaram obras como Institutiones Iuris Criminalis Lusitani (1789) e Institutiones Iuris Civilis Lusitani (1789). A publicação destes textos, resultou, em grande parte devido a alterações legislativas levadas a cabo pelo autor, neste período. Quando D. Maria I decidiu encetar algumas reformas na legislação – que se encontrava numa situação caótica – coube a Pascoal de Melo Freire, entre outros, codificar e organizar o direito público e o direito criminal, permitindo-lhe, à luz das suas convicções iluministas e reformadoras, «revolucionar» o direito português da época.

contingente dos que ultrapassam estas metas e vêm a obter os graus de licenciado e doutor», FONSECA, Fernando Taveira da – A Universidade de Coimbra (1700-1771). Estudo social e económico…, 1995, p. 24-25. 10 A jubilação de Pascoal José de Melo Freire consta de uma carta de D. Maria I, datada de 14 de Janeiro de 1790. Ver ALMEIDA, M. Lopes d’ – Documentos da Reforma Pombalina. Vol. II (17831792). Por ordem da Universidade de Coimbra, 1979, doc. CCCLII, p. 260. 11 Carta régia com as nomeações de lentes para a faculdade de Leis (29 de Janeiro de 1790). Ver ALMEIDA, M. Lopes d’ – Documentos da Reforma Pombalina. Vol. II (1783-1792). Por ordem da Universidade de Coimbra, 1979, doc. CCCLIV, p. 274.

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Fontes – Arquivo da Universidade de Coimbra (AUC): 1.Livro de Actos e Graus: Livro 90 (1755-1756), fl. 84. 2. Livros de Matrículas: Livro 68 (01.10.1750, fl. 316 v.); Livro 69 (01.10.1751, fl. 230v.); Livro 70 (01.10.1752, fl. 233); Livro 71 (01.10.1753, fl.210); Livro 72 (01.10.1754, fl. 233); Livro 73 (01.10.1755, fl.247).

Bibliografia – ALMEIDA, M. Lopes d’ – Documentos da Reforma Pombalina. Vol. II (1783-1792). Por ordem da Universidade de Coimbra, 1979. – ANTUNES, Maria do Carmo G. F. Gaspar – O ensino na faculdade de Cânones. In UNIVERSIDADE(S) História, Memória, Pespectivas. Congresso História da Universidade, 7º Centenário. Actas 1. Coimbra, 1991. – Estatutos da Universidade de Coimbra (1653). Por ordem da Universidade de Coimbra, 1987. – FAVEIRO, Vítor A. Duarte – Pascoal de Mello Freire e a formação do direito público nacional. Ansião: Publicações Ediliber, 1968. – FONSECA, Fernando Taveira da – A Universidade de Coimbra (1700-1771). Estudo social e económico. Por ordem da Universidade de Coimbra, 1995 (tese policopiada).

Web – Ficha Bio-bibliográfica de Pascoal José de Mello Freire dos Reis (1738-1798), Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa: http://www.fd.unl.pt/ ConteudosAreasDetalhe_DT.asp?I=1&ID=7717 (consultado a 23/06/2016).

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