O percurso do diálogo: Definindo a diplomacia e a diplomacia cultural V Seminário PPGCP – UFF 2010

May 27, 2017 | Autor: João Aguiar | Categoria: Diplomatic Studies, Diplomacia Cultural, Relações Internacionais Culturais
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V Seminário PPGCP – UFF (Dezembro de 2010)

O percurso do diálogo: Definindo a diplomacia e a diplomacia cultural. João Henrique Catraio Monteiro Aguiar

Resumo: O presente artigo visa demonstrar a construção teórica das Relações Internacionais acerca da diplomacia, e em especial a diplomacia cultural. Para tanto, serão abordadas as ideias de alguns pensadores do campo acadêmico: Raymond Aron, Hedley Bull, Amado Luiz Cervo, Guillaume Devin, Jean-Baptiste Duroselle, Christopher Hill, Henry Kissinger, Hans Morgenthau. Pretende-se demonstrar a polissemia do conceito de diplomacia, e as várias conexões com as quais tal conceito e a ação diplomática fazem. A fim de ilustrar tal reflexão, ao final do texto serão enfocados alguns estudos de caso de diplomacia cultural.

Palavras-chave: Relações Internacionais Culturais, diplomacia, estudos de caso, diplomacia cultural.

1. Introdução.

São muitos os autores que abordam a questão da diplomacia. Irei selecionar alguns a fim de demonstrar a polissemia do conceito. As oito versões apresentadas têm pontos de divergência e especificidades. Procurei tornar a teoria de cada um dos autores o mais nítida possível, tentando focar nas versões específicas sobre a diplomacia. Não será demonstrada uma análise exaustiva de cada autor, e nem mesmo uma exposição completa das reflexões sobre a diplomacia. Essa reflexão inicial servirá para demonstrar os múltiplos significados que aquela assume.



Sociólogo. Professor de Sociologia/Ciências Sociais do Colégio Pedro II. Mestrando em Relações

Internacionais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Desde 2006 pesquisa cultura. Atualmente faz pesquisa nas áreas de: relações internacionais culturais; política externa.

Apesar das especificidades, existem convergências. Efetivamente, concorda-se que a diplomacia é prática antiga no mundo. Ela remete às trocas de carta em civilizações antigas, como as do Antigo Egito ou da Mesopotâmia; aos mensageiros, emissários, pessoas que portavam as mensagens de seus reinos, terras, povos, em direção ao estrangeiro (GONÇALVES, SILVA; 2010). A antiga prática fora por vezes conduzida por pessoas com tato e sabedoria, ou designadas pela proximidade com as instâncias superiores de poder, uma vez que essas pessoas eram a face externa dos soberanos. À progressiva complexidade que existia no mundo passou-se a formar um corpo diplomático mais profissional. Essa etapa envolve a definição dos Estados, cada vez menos dependentes de narrativas religiosas. A Europa então, desde o Renascimento vê crescer a configuração desse campo da atividade humana. Fora paulatinamente forjado o habitus da diplomacia. A França ocupa, nesse âmbito uma posição de destaque. Junto com a Alemanha e a Inglaterra; são fundadas, cada qual, modalidades diferentes de diplomacia. Em busca de seu modelo próprio podemos definir que os Estados Unidos da América também construíram cedo seu modelo de diplomacia. O Brasil, apesar de ter posterior independência esteve por muito tempo sob colonização portuguesa. Portugal tinha, na época, uma diplomacia altamente eficaz; o que se percebe pelo tamanho que o Brasil passou a ter, se comparado com aquele que sua metrópole tinha. Destaca-se o diplomata Alexandre de Gusmão, que atuou nas definições das fronteiras do Brasil colônia. O que não fez com que a consolidação da diplomacia nos países funcionasse de forma uniforme e; muito menos, sob o mesmo parâmetro classificatório. Se os Estados permitiram o surgimento de uma categoria profissional cujas funções, a priori, estariam ligadas ao Estado; ele não deteve o “monopólio hermênutico legítimo”. Coube aos intelectuais a tarefa. Nesse sentido, é de vital importância para a academia desfilar comentários sobre a diplomacia, fato que pode até mesmo enriquecer a prática dos diplomatas. E, antes que se diga que esse trabalho tem a pretensão de mencionar todas as classificações da diplomacia, é preciso ter-se em mente que é impossível designar todas as concepções possíveis da mesma. Não podendo desenhar o infinito, cabe ao menos definir as parcas linhas que restam ao escritor aproveitar. Por conta disso, selecionei os seguintes autores1, que têm reflexão sobre a diplomacia, ainda 1

E, como toda seleção, é arbitrária. Caso o leitor deseje maiores informações sobre a diplomacia, é inestimável a procura de autores que escreveram sobre a mesma antes da época contemporânea. Para fins de entendimento da época atual, preferi utilizar autores que escreveram recentemente suas obras.

que esta não seja necessariamente o tema específico das análises deles: Raymond Aron, Hedley Bull, Amado Luiz Cervo, Guillaume Devin, Jean-Baptiste Duroselle, Christopher Hill, Henry Kissinger, Hans Morgenthau.

2. Diplomacia, algumas versões. A fim de fazer uma investigação da “escola francesa” de relações internacionais (SARAIVA, 2007), começar-se-á pela análise da versão de diplomacia presente em Raymond Aron. Esse autor foi um dos patronos da Sociologia e das Relações Internacionais em seu país, e por conta disso vamos analisá-lo primeiro. O eixo de análise de Raymond Aron (1905-1983) recai sobre os meios utilizados nas relações interestatais, e, nesse sentido, encara o diplomata e o soldado como unidades políticas orientadas, respectivamente, para a paz e a guerra. Há, portanto, uma pluralidade de centros de decisão em política externa, e a diplomacia é um deles. Em todos os casos, os atos das unidades políticas comportam riscos, isso faz com que os atores utilizem meios possíveis para minimizá-los. E, como as relações entre as nações são conduzidas “à sombra da guerra”, então a diplomacia faz parte também do âmbito das estratégias. Assim, a diplomacia e a guerra seriam duas faces da mesma moeda, que compõem a política externa de um país; a primeira seria a forma de condução da política – condicionada ao entendimento do interesse nacional pela coletividade – em tempos de paz. A diplomacia é para Raymond Aron: “(...) a condução do intercâmbio com outras unidades políticas” (ARON, 1986:72). Ela tem como modelos a persuasão, a dissuasão e o estímulo à subversão. Apesar de haver pluralidade de meios e fins, e de estar condicionado pelas forças nacionais, bem como pelo sistema internacional (que pode ser bipolar ou multipolar) – ou seja, pelas relações de força – a conduta diplomático-estratégica não é inteiramente lógica; e é característica da mesma a indeterminação. O diplomata então busca aumentar a potência de sua nação, tentando aumentar o número de aliados e diminuir o número de inimigos. Vale lembrar que, para Aron, há um aumento crescente da ação diplomática desde o início do século XX; com a incorporação de novas regiões ao campo da diplomacia. Isso decorre do surgimento de novos Estados, da ação importante de alguns Estados onde outrora foi o centro da ação diplomática. Essenciais para as redes diplomáticas são

o reconhecimento entre os países; como também a forma como se articulam instituições, homens que representam um regime e o modo como se conduz uma política externa (ARON, 1980: 359-370). Além disso, a diplomacia se conecta com o sistema de percepção e interpretação de um Estado, o que faz com que o autor valorize as ideias e as ideologias na formulação de uma política externa e na ação diplomática. O próximo autor a ser analisado é Jean-Baptiste Duroselle (1917-1994), que escreve com Pierre Renouvin2 o livro “Introdução à História das Relações Internacionais”, em 1964. No livro escrito a quatro mãos, a parte “O homem de estado” é desenvolvida por Duroselle e a de “forças profundas” por Renouvin. Porém, seu livro mais famoso, é “Todo Império Perecerá: Teoria das Relações Internacionais”, escrito em 1981. Para Duroselle, a teoria das Relações Internacionais deve ser empírica, baseada em acontecimentos, deve investigar as sucessões de fatos (ser evolutiva), e deve ser metódica e ver as regularidades. Nesse sentido, a tipologia que ele faz do temperamento dos chefes de estado, bem como das características da construção do processo decisório, sempre acompanham casos históricos que ilustram as ideias. Para ele, o estudioso deve lidar com aspectos quantitativos e qualitativos da pesquisa. Assim, a fim de investigar as finalidades, condicionadas por forças, podem-se utilizar dados quantitativos (um exemplo é para com a economia). Para investigar os cálculos dos atores e centros de decisão, é mais aconselhável utilizar os métodos qualitativos. No seu entender, as relações internacionais envolvem a política internacional (âmbito interestatal) e a vida internacional (âmbito das relações privadas ou não reguladas diretamente por estados). O autor menciona a necessidade de construir a análise evitando quatro “fantasmas” (atitudes nocivas à pesquisa/interpretação): 1. Escolástica; 2. Reificação dos conceitos; 3. Pseudo círculo vicioso; 4. “matematicismo”. Com relação à diplomacia, é possível afirmar que sua teoria apresenta posições difusas, ao longo do livro. Os diplomatas seriam pessoas que se instalam no exterior por períodos diferentes. Eles produziriam informação diplomática, com conteúdos diversos, sobre o país onde estão servindo. Sendo o Estado um “ator privilegiado” nas relações internacionais, o diplomata ocupa um papel crucial, uma vez que é o executor da

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Raymond Aron e Pierre Renouvin se estabelecem na área de Relações Internacionais de forma diferente. Enquanto o primeiro parece inaugurar a Sociologia das Relações Internacionais, o segundo parece inaugurar a História das Relações Internacionais. Jean-Baptiste Duroselle será fortemente influenciado por Pierre Renouvin, e iniciará seus passos como pensador após Renouvin.

política internacional delineada por formuladores. Eventualmente, os diplomatas configuram pequenos grupos, como os grupos reais que se organizam em torno de um objetivo. Isso inclui grupos que se formam dentro do próprio grupo de organograma; como grupos que se formam fora dessa relação burocrática, e se lançam a partir de alianças entre cúpulas de países. Os diplomatas muitas vezes atuam em comunidades plurinacionais, como a ONU, órgãos regionais, órgãos intergovernamentais; e que são caracterizados muitas vezes por negociações multilaterais intensas. Além disso, a ação diplomática é atravessada por diversas forças diferentes, como a econômica, a demográfica, os grupos de pressão, as mentalidades, etc. O que envolve “ondas” e criações. A política externa, devido ao já mencionado e à imprevisibilidade do estrangeiro, lida com o “aleatório” e o “desconhecido”. A decisão em política externa fica, muitas vezes, a cargo do presidente ou do primeiro-ministro. No entorno desse homem de estado estão ou “equipes decisórias” ou “peritos escolhidos” (ou conselheiros). Diplomatas podem estar tanto em um âmbito quanto no outro. As relações as quais a diplomacia tem de lidar pode ser uma relação assimétrica ou simétrica; em ambas o corpo diplomático conduz as negociações, sendo responsável pela execução tática da estratégia elaborada por formuladores. Muitas vezes os diplomatas têm carreira e temperamento específico, principalmente entre países com tradição mais antiga de diplomacia. Há interfaces da diplomacia com os financistas, com os militares, com os propagandistas, etc. Destaca-se a atuação do diplomata em relações pacíficas, sendo a mais tradicional a relação bilateral. De início, marcada por envio de mensageiros, passou a contar com embaixadas, e posteriormente com a construção da rede diplomática. Duroselle lembra que a evolução técnica dos transportes facilita o deslocamento de chefes de estado e de ministros, o que permite que a negociação não fique restrita aos diplomatas. A isso se soma a criação de seções internacionais dentro dos outros ministérios que não o das relações exteriores. E, recentemente, a própria diplomacia tem cada vez mais seções internas dedicadas a temas específicos, facilitando a especialização do corpo diplomático por um lado e complexificando a atuação dos diplomatas no mundo. Surgem os adidos e os conselheiros e não há mais somente a figura do diplomata e suas diferentes posições hierárquicas.

Enquanto para Raymond Aron as relações culturais se colocam mais no eixo da ideologia e dos sistemas de percepção e interpretação do Estado, Jean-Baptiste Duroselle configura as relações em dois tipos. As “relações espontâneas” dizem respeito às trocas culturais marcadas pelo âmbito privado, pela vida internacional, pelo interesse dos indivíduos pela cultura estrangeira. As “políticas culturais” seriam marcadas pela ação de organismos públicos ou semi-públicos, com diversas ações, tais como: promoção de livros e filmes; realização de shows; intercâmbio universitário; propaganda intelectual; difusão da língua; etc. Hedley Bull (1932-1985) é considerado por muitos como o patrono da “escola inglesa” de Relações Internacionais. Apesar de Edward H. Carr ter sido um dos pioneiros no país, ele se vincula mais à tradição realista; e por isso Bull é considerado o que inicia uma vertente inglesa de interpretação. Sua análise destaca-se por termos originais

como

“sociedade

anárquica”,

“sociedade

internacional”,

“novo

medievalismo”, etc. No século XX o mundo entraria em uma fase marcada pela “sociedade internacional mundial”; com uma base cultural heterogênea que aponta para a modernidade, com convivência simultânea dos diferentes eixos internacionais: hobessiano, kantiano e grociano. O Estado para ele detém o monopólio legítimo da força e realiza as múltiplas ações para com as leis, o que garante a ordem. A diplomacia é, além da guerra, uma das ferramentas de manutenção da ordem no sistema internacional. Bull dedica um capítulo completo à esse estudo, em “A sociedade anárquica”. O autor define a seguir: “A diplomacia consiste na condução das relações internacionais por pessoas que atuam como agentes oficiais; daí a importância de que revestem as credenciais e outros sinais do status simbólico ou representativo. A guerra é outro exemplo da conduta das relações internacionais por agentes oficiais. Os diplomatas diferem dos militares porque se limitam ao emprego de meios pacíficos.”. (BULL, pg. 188)

Tendo, portanto, uma definição algo próxima de Aron e como se verá adiante, algo próxima de Morgenthau também. Ele considera que as instituições internacionais que realizam ações oficiais também estão fazendo diplomacia. Além disso, existem entidades e grupos que nomeiam representantes e consolidam relação com países, mas não são reconhecidos como Estados. Porém, a diplomacia tradicional é aquela que foi

estabelecida na Convenção de Viena, de 1961; que é entre países soberanos. O analista internacional da escola inglesa faz quatro distinções sobre diplomacia, listadas a seguir: 1. Formulação de política externa X Execução de política externa; 2. Relações diplomáticas bilaterais X Relações diplomáticas multilaterais; 3. Diplomacia ad hoc X Diplomacia institucionalizada; 4. O ramo “diplomático” X o ramo “consular”. Esses termos clássicos foram incorporados ao jargão profissional dos internacionalistas. De acordo com Bull, há diferentes etapas históricas na institucionalização da diplomacia. No sistema internacional moderna há como marcos: 1. Surgimento de embaixadas residentes na Itália do século XV; 2. Difusão pela Europa das embaixadas no século XVI; 3. Reconhecimento legal da extra-territorialidade dos embaixadores, emergência do corpo diplomático no século XVIII; 4. Concordância das potências européias com o Congresso de Viena de 1815, precedência de missões diplomáticas, igualdade de estados soberanos, incorporação de Turquia, China, Japão, Coréia, Sião ao mecanismo diplomático europeu no século XIX; a Convenção de Viena de 1961, que codificou a prática diplomática tradicional entre os estados em âmbito mundial. A diplomacia, para Bull, pressupõe a existência de uma sociedade internacional (e também de um sistema internacional), tendo em vista que tal prática pressupõe unidades políticas que mantenham constante contato. Há intercâmbio de missões diplomáticas e aceitação de regras e convenções. Por um lado a imunidade diplomática e a garantia de não-interferência do trabalho diplomático; e por outro lado há a exigência da nãointerferência do diplomata na política interna do país no qual está exercendo seu cargo. São citados os trabalhos de Ernest Satow, Harold Nicolson, Callières, etc.; o que realça o fato de a reflexão sobre diplomacia ser antiga, e já existir uma produção sobre o tema prévia. Para Bull, existiriam quatro funções da diplomacia no moderno sistema de estados: 1. A diplomacia facilita a comunicação entre os líderes políticos e das outras entidades que participam da política mundial, por isso o diplomata é acima de tudo um mensageiro e por isso tem imunidade, essas são condições para a existência da sociedade internacional; 2. A diplomacia negocia acordos, o diplomata deve encontrar os interesses comuns e através da razão e persuasão realizar acordos; 3. Os diplomatas devem colher informações de outros países, exercendo essa função na contramão da tendência aos países selecionarem o acesso a informação de outrem (estrangeiros); 4. A

diplomacia minimiza o atrito, é a administração das situações humanas com tato, inteligência e sutileza. O “diplomata ideal” ajuda a minimizar os atritos, respeitando convenções ao lidar com representantes estrangeiros e com influência na política do próprio país. Mantém convenções de linguagem. Defende os interesses do Estado, argumentando e persuadindo de forma favorável a seu país. Não suscita sentimentos agressivos nos outros, permite que acreditem que o seu interesse é o mesmo dos outros. Situa seu objetivo no âmbito dos interesses e princípios comuns, demonstrando os “direitos” ao invés de impor “exigências”. Para inspirar confiança, os diplomatas falam verdades, para minimizar atritos, as evitam. Por isso há tensão entre a investigação acadêmica e a atividade diplomática, além da tradicional cisão entre prática política e pesquisa intelectual. Na atualidade, para Bull, a diplomacia profissional conduzida entre Estados perde força e ela atua menos a favor da ordem. Embaixadores e missões diplomáticas perdem espaço para a ação de chefes de governo (diplomacia presidencial), ministros, missões especiais (como os encontros de alto nível entre países). Outra mudança na diplomacia profissional é o crescimento da diplomacia multilateral. Proliferaram as organizações internacionais, e o papel dos diplomatas muda com isso. Em alguns lugares, a diplomacia é substituída pela administração técnica internacional; em outros ela se confunde com a espionagem (principalmente durante a Guerra Fria), em outros se confunde com as disputas políticas internas aos países. Porém, os diplomatas ainda seriam, de acordo com o autor: “(...) especialistas no uso preciso da comunicação.” (BULL, 2002: 206), um dos motivos pelo qual os diplomatas seriam ainda imprescindíveis ao entendimento entre as nações. Os diplomatas, portanto: negociam, comunicam, obtém informações, minimizam atritos. A sociedade internacional é preservada e fortalecida com a ação dos diplomatas. Hans Morgenthau (1904-1980) é autor do livro “A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz”, de 1948, que é um dos escritos mais fundamentais do Realismo clássico dos internacionalistas. Com relação a essa escola teórica, em outra oportunidade abordei alguns autores e as críticas aos mesmos (AGUIAR, 2010). Como a hipótese morgenthaliana gira em torno da luta por poder, então fazem parte da análise formas de evitar contendas. A guerra seria vista como uma possibilidade dentro de um

mundo onde não existe um poder central e onde os interesses nacionais muitas vezes entram em choque. Com relação à busca pela paz, ela pode ser dividida em três eixos: 1. Paz pela limitação (como com o desarmamento, segurança internacional, organismos internacionais); 2. Paz pela transformação (como através de revoluções mundiais, criação de Estado e Comunidade Mundiais); 3. Paz pela acomodação (diplomacia). Assim, a diplomacia em Hans Morgenthau serve para construir a paz pela acomodação

de

interesses

divergentes,

minimizando

e

mitigando

conflitos

internacionais. Seria a modalidade de busca da paz internacional mais efetiva, uma vez que a limitação não se consolidaria devido à soberania dos Estados, e a transformação mundial não seria possível porque não existiriam ainda condições morais para ela se efetivar. Para Morgenthau, a diplomacia deveria: 1. Estabelecer objetivos baseado em seu poder disponível e seu poder potencial; 2. A fim de garantir a consecução de seus objetivos, é preciso que a diplomacia perceba os objetivos e o poder das outras nações; 3. Deve-se descobrir o quanto os diferentes objetivos são compatíveis; 4. É preciso utilizar os meios apropriados para conquistar os objetivos. O internacionalista ainda define os três meios principais pelos quais a diplomacia pode buscar os objetivos: persuasão, conciliação, ameaça do uso da força. Para ele, o centro de formulação da política externa seria o serviço exterior, o serviço de assuntos estrangeiros; mas quem coloca em prática são os diplomatas. Esses, por sua vez, têm três funções específicas frente ao governo: 1. Simbólica (envolvendo política de prestígio, cerimonial diplomático, representação frente à elite sócio-política estrangeira, etc.); 2. Legal (envolvendo a representação jurídica encarnada pelos atos oficiais, etc.); 3. Política (envolvendo a forma que assume a política externa, etc.). Para Morgenthau, a diplomacia estria em declínio, por alguns fatores: A. O desenvolvimento das comunicações e transportes; B. Desvalorização da diplomacia (a remetendo a tergiversação, desonestidade, etc.); C. O surgimento da nova diplomacia parlamentar e a condenação da diplomacia secreta. O autor é um grande crítico da UNESCO e da ONU, não creditando às mesmas a capacidade de manter ou até promover a paz. Ele define ainda regras para a diplomacia: 1. A diplomacia deve estar isenta de “espírito de cruzada”; 2. Os objetivos da política externa precisam estar amparados no interesse nacional e devem ser defendidos pelo poder nacional; 3. A

diplomacia tem que observar o cenário político de outras nações; 4. A diplomacia deve estar aberta à conciliação com relação a temas que não são vitais para ela; 5. Ele sugere cinco pré-condições para a conciliação: A. Abrir mão de direitos inúteis por vantagens reais; B. Não se colocar em uma posição na qual avançar implicaria em arcar com riscos, e retroceder implicaria em perder a dignidade; C. Se for nação mais forte, não permitir que um aliado mais fraco tome as decisões ao invés de si; D. As forças armadas são instrumento da política externa, e não as mestras da mesma; E. O governo é o líder da opinião pública, e não seu escravo. Henry Kissinger (1923-) é um dos autores vivos que serão abordados nesse texto. E, como os três próximos autores a serem abordados, pode ser que após 2010 escreva textos sobre o tema, ou não. Com relação às visões dos quatro autores anteriores, falecidos, não há mais como se alterarem. A análise da visão de Kissinger sobre o tema está baseada no livro “Diplomacia”, lançado em 1994. Nesse livro, o autor comenta principalmente a trajetória dos Estados Unidos da América e a História das Relações Internacionais contemporâneas. Seu foco incide sobre “High Politics” – assuntos tais como guerra, alianças diplomáticas, decisões de políticos e diplomatas. Sua análise inicial recai sobre o crescente papel que teve os EUA na política internacional ao longo do século XX. Substituindo as formas de relações internacionais prévias, tais como a balança de poder praticada pela Grã-Bretanha, o Concerto Europeu orquestrado por Metternich, a política de poder praticada à sangue frio por Bismarck. Ele antevê o crescimento político de outros países com o fim da Guerra Fria, tais como Europa, Japão, Rússia, China, Índia. Também especula que os EUA teriam que assumir seu papel no mundo, já sem poder ser totalmente interveniente e sem poder ser isolacionista. Sua análise recai sobre os principais países da cena internacional, sem levar tanto em consideração países não situados no proscênio do teatro das nações. Sua análise recai sobre protagonistas. Para Kissinger a diplomacia coincide, portanto, com a política externa; principalmente das grandes potências. Ele analisa as grandes alianças formadas, a personalidade dos homens de estado. Além disso, ele se debruça sobre as direções tomadas pela diplomacia norte-americana, como o isolacionismo, o intervencionismo e as articulações e conflitos internacionais. Seu recorte histórico recai desde a época de Richelieu até os anos 1990. Assim, ele faz um panorama das ações das grandes

potências. Nesse sentido, as diplomacias dos pequenos estados parecem submetidas inexoravelmente às decisões dos países mais fortes na cena internacional. Ele também analisa algumas ações dentro da diplomacia, como o equilíbrio de poder, o interesse nacional. As formulações realistas históricas (como raison d´état, realpolitik, etc.) são abordadas detidamente através de exemplos da época em que surgiram. Diferente de Duroselle e Aron, que têm escritos mais reflexivos sobre a diplomacia; Kissinger terá uma abordagem que, tal como a de Morgenthau, direciona algumas vezes para a defesa de determinada posição da diplomacia (principalmente estadunidense). Para Christopher John Hill (1948-), a diplomacia é uma das formas de influência que um Estado tem para com os outros. Existira por parte dessa instituição ampla participação na formulação da política externa, apesar de sob a formulação incidirem grupos burocráticos diversos. O Ministério das Relações Exteriores teria, para Hill, uma função de formulação, de memória (manutenção do reconhecimento de tratados, consolidação da instituição diplomática, etc.) e coleta rotineira de informação. Os diplomatas são para ele os agentes da política externa, os atores sociais que atuam construindo essa política externa. Os Estados têm várias capacidades diferentes, e uma delas é a diplomacia; que mobiliza recursos (históricos e geográficos) para alcançar objetivos. A diplomacia estaria entre o poder e a influência. Com algumas variações sobre a sua prática: a diplomacia coercitiva estaria mais próxima do poder; e a diplomacia cultural estaria mais próxima da influência. A força e a ameaça do uso da força estariam mais próximas do sentido de poder que um Estado possa ter e implicam em ações diplomáticas. A persuasão e a influência implicam em propaganda, diplomacia cultural, e outras ações diplomáticas. Em todo o caso, ela estaria permeada por racionalidade, e pela influência de grupos políticos internos ao Estado. De acordo com o autor: “Diplomacy is the human face of getting your own way in, as well as a crucial instrument of building international stability.” (HILL, 2003: 138). Porém, ela não ser atém à ação de diplomatas profissionais, pois a política externa tem um grande número de atores. Para ele, a diplomacia cumpre a função de comunicação, de ação política do Estado no exterior, de negociação. Ele coloca a importância da diplomacia em instituições multilaterais, se contrapondo à visão pessimista de Morgenthau. Além disso, define subdivisões na diplomacia, como a diplomacia econômica, a diplomacia coercitiva e a diplomacia cultural.

Guillaume Devin (1954-), em “Sociologia das Relações Internacionais”, demonstra que as o âmbito internacional tem suas variáveis e desafios, em que os múltiplos atores internacionais passam por impulsos de agregação e desagregação, ou cooperação e competição. Ele demonstra que há um grau de inter-relação entre essas forças, decorrente da complexidade e da imprevisibilidade do sistema internacional. Assim, os componentes estimulam constrangimentos e dinâmicas ao mesmo tempo em que são impelidos a eles; com continuidades e descontinuidades no modo de ação. Essas são questões a serem abordadas pela Sociologia das Relações Internacionais. Faz parte do contexto internacional um conjunto de variáveis, que compõem as ações e reações; bem como desafios que se colocam para os atores. O autor destaca a maior complexidade das representações, com mais organizações transnacionais e mais fenômenos transfronteiriços. Devido às reações multifacetárias à Guerra do Vietnã, um desenvolvimento acadêmico e novos fenômenos transnacionais as análises começam a serem revistas, desde os anos 1960, e inicia-se um processo de questionamento da hegemonia teórica realista. Essas questões se colocam então tanto no nível interno (nacional e subnacional) quanto no nível externo (supranacional e internacional). Devin demonstra que existem várias formas de diplomacia. Desde que as empresas multinacionais passaram a ter maior influência sobre a política internacional, alguns começaram a discutir a “diplomacia triangular” (que envolvia as relações “Estado-Estado”, “Empresa-Empresa”, “Estado-Empresa”). Ele problematiza a ideia de potência, argumentando que é preciso uma soma de recursos para caracterizar uma potência. O autor também problematiza a ideia de interesse nacional, demonstrando que apesar de suas falhas ela serve para justificar continuidades na diplomacia. Para Devin, as ações e motivações nas relações internacionais nascem a partir da interação e isso significa que há mais indeterminação e maior dinamismo que dentro de uma visão realista onde os objetivos são mais definidos. Frente a isso, determinados instrumentos e técnicas são usados. Um deles é a diplomacia, que pode unificar a arte da coação com a arte de convencer. Para ele, a origem dessa prática está nos “emissários acreditados”, enviados por reinos para negociar e representar em outros reinos. O termo surge a partir da palavra diploma, que remete às orientações a serem seguidas pelos enviados aos outros reinos. As redes construídas nos reinos italianos, durante a Renascença e a diplomacia desenvolvida no

período de Luís XIV são momentos de grande evolução desse instrumento. Como na atualidade existem novos fatores em jogo, a diplomacia passa por uma transformação em suas práticas e na própria configuração do processo decisório. Baseado no que foi estabelecido na Convenção de Viena de 1961, Devin estabelece três funções da diplomacia: representação, observação e negociação. Quanto à ultima ele menciona a “diplomacia administrativa”, que ocorre dentro das altas cúpulas, com relação à primeira ele menciona a ação cultural pela francofonia. Os diplomatas têm de seguir determinadas regras, como o protocolo, que estabelece a conduta e os procedimentos referentes à ação diplomática. Também têm o direito à imunidade nos Estados onde estão servindo, com exceção (às vezes) aos crimes mais graves. E, por isso, têm a obrigação de não interferência, mantendo-se em uma atividade honesta quando em país que não é o seu natural. É preciso também conviver com os riscos, a falta de flexibilidade e a opinião pública. Assim, a diplomacia é entendida como um dos instrumentos da política externa. A diplomacia cultural aqui se aproxima da propaganda e da ação cultural. Amado Luiz Cervo é um pensador brasileiro que realizou alguns estudos sobre a diplomacia brasileira. Destaca-se o livro que escreveu com Clodoaldo Bueno: “História da política exterior do Brasil”. Sua análise tem como influências as vertentes francesas de análise internacional e o estudo histórico das relações exteriores. Desde uma análise historiográfica, pode-se entender que o corpo diplomático brasileiro surge em 1823, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros (CERVO, 1992). Essa estrutura burocrática passa por inúmeras reformas, mas mentem a inventividade e certas características específicas. Muito se comenta sobre uma possível continuidade ou ruptura na diplomacia brasileira, fator que pode ser estendido a diplomacias que construíram uma tradição específica. Cervo divide a política brasileira em momentos específicos, que implicam em determinado tipo de inserção internacional; a esses momentos ele dá o nome de paradigmas. O primeiro paradigma é o liberal-conservador, com um Estado agrárioexportador e uma elite política entrincheirada nas estruturas estatais. O segundo paradigma é o desenvolvimentista, que busca industrialização e é marcado por fluxos e contra-fluxos democráticos. O terceiro paradigma é o neoliberal, no qual há abertura econômica e a valorização do aspecto normativo das relações internacionais. O quarto

paradigma é o logístico, que busca congregar as diversas forças sociais (empresários, trabalhadores, burocracias, etc.) em prol do desenvolvimento e projeção nacional. O pensador enfoca a construção progressiva de um “acumulado histórico da diplomacia brasileira” (CERVO, 2008), que se divide nos seguintes eixos: 1. Autodeterminação, não-intervenção e solução pacífica de controvérsias; 2. Juridicismo; 3. Multilateralismo normativo; 4. Ação externa cooperativa e não-confrontacionista; 5. Parcerias estratégicas; 6. Realismo e Pragmatismo; 7. Cordialidade oficial no trato com os vizinhos; 8. Desenvolvimento como vetor; 9. Independência de inserção internacional.

3. Diplomacia cultural (ideias).

Existem várias versões sobre diplomacia. Sobre a cultura nas relações internacionais também há interpretações variadas. Algumas mais vinculadas ao Estado (Ballous, Salon, Coombs, Mitchell, Dollot, Telles Ribeiro, Amaral, etc.); outras mais vinculadas ao plano acadêmico (Freymond, Martinière, Nye Jr, McMurry e Lee, Herz, Arrosa Soares, Sombra Saraiva, Moura, Suppo, Lessa, etc.). Vale lembrar que cada vez mais está sendo verificada a ação da cultura nas relações internacionais; e vários autores se dedicaram a essa questão, o próprio campo de reflexão poderia ganhar com o surgimento de mais escolas sobre o tema (LESSA, SUPPO, 2007). As iniciativas da diplomacia cultural podem ser entendidas como as ações culturais guiadas pelo Estado através de agentes oficiais (ou com agentes não-oficiais admitidos ou sob tutela do Estado). Essas orientam as relações em direção: da cooperação, do desenvolvimento econômico, da difusão cultural e da propaganda, da construção ou manutenção de um patrimônio cultural, do estímulo ao hibridismo cultural, da formação de uma identidade específica do país. Há, como se pode constatar acima, uma vertente de análise que associa a diplomacia cultural às políticas de poder que as potências tendem a realizar. Seja na formação de pentarquia (ou pentagrama), seja na conformação da paz e guerra entre potência, seja luta por poder entre Estados; essa prática tende a se configurar, para essa análise realista como um braço do domínio e das potencialidades de um Estado. Notadamente,

essa vertente irá enfatizar a capacidade de, através da cultura, se articular uma penetração maior de valores, ideias, práticas, visões de mundo, etc.; no estrangeiro. Outra vertente exposta entende que a diplomacia cultural está dentro de uma configuração de forças, permeada pelos cálculos estratégicos realizados pelos homens de estado frente aos desafios que se colocam. Os diplomatas seriam agentes e a ação cultural seria ligadas às forças profundas da nação, atingindo objetivos diversos e variáveis com o tempo. Para essa vertente francesa de análise das relações internacionais não se pode afirmar que exista uma correlação direta de atos com conseqüências, tendo em vista a imprevisibilidade, o desconhecido, que ronda as ações internacionais. Para eles, a diplomacia cultural é de suma importância, sendo que muitos dos que desenvolveram livros específicos sobre o tema são franceses; alguns autores são, inclusive, da diplomacia francesa. Assim, entende-se de forma menos mecânica e mais humana a natureza dessa modalidade de ação estatal. Outra vertente abordada é a inglesa. Muitas vezes focando sobre o sistema internacional, em que a diplomacia funciona como promotora de determinados valores que estão presentes na configuração da ordem mundial. Para eles, pode-se entender a diplomacia como imersa nas estruturas estatais e por conta disso, alguns entendem que a mesma passa por questões ligadas a condução do poder político. Eles entendem a mesma como pertencente a um contexto sócio-histórico, em que foram alocadas funções à tarefa diplomática: representar, informar, negociar. São responsáveis por minimizar os atritos e realizarem a persuasão. Há, para essa vertente, formas diferentes de diplomacia e não só uma, por exemplo: diplomacia coercitiva, diplomacia cultural, etc. Poder-se-ia especular a existência de uma quinta forma de análise: a vertente brasileira. São muitos os autores brasileiros que abordaram o tema da diplomacia e abundam as análises das relações exteriores brasileiras. A princípio mais centradas no “eixo Rio-São Paulo-Brasília”, agora se pode encontrar análises em outros locais do país, fruto da democratização do ensino de Relações Internacionais e aumento do número de cursos. Tal como a Sociologia realiza muitas vezes uma recepção, com lógica de leituras, reelaboração de conceitos, apropriação de tradições (BÔAS, 2006); a diplomacia pode “recepcionar” as versões acadêmicas, e construir políticas externas diversas, com diferentes resultados. Isso inclui a diplomacia cultural.

Ver-se-á mais a frente que podemos enxergar cada caso escolhido (não é um quadro exaustivo, mas “iniciativo”) da diplomacia cultural como inserido dentro de uma visão sobre a diplomacia, das vertentes de análise sintetizadas anteriormente. Deixo ao leitor a liberdade de escolher uma, ou mais de uma, e cruzar com as informações dadas a seguir.

4. Casos de diplomacia cultural.

4.1.

A França.

Na França há um desenvolvimento próprio da diplomacia cultural, e o Estado investiu bastante nesse âmbito; criou sua política cultural com agentes oficiais e não oficiais dispostos a fazer ações culturais articuladas com visões da política externa (LESSA, 2000: 85-98). Além disso, é um local tradicional de formulação de diplomacia cultural, com grande volume de recursos e que desde 1909 tem um órgão próprio para isso (RIBEIRO, 1989). No caso francês, portanto, há uma construção da imagem de país zeloso das tradições de defesa dos direitos humanos. Ela se coloca como defensora do multilateralismo, da multipolaridade e do regionalismo (BOWEN, 2005). Nesse sentido, pode-se entender o esforço de manutenção do espaço da “francofonia” como uma das facetas da defesa do regionalismo; e em certo sentido, os esforços da França na União Européia seguem no mesmo sentido. Ainda que no primeiro os laços culturais sejam permeados pelo passado colonial e o segundo seja permeado por disputas sobre qual será a direção da integração européia; em ambos os casos há uma tentativa de construção identitária que passa por ações culturais. Nos tempos mais recentes, pode ser destacada a atuação da França na promoção da ideia de “exception culturelle”, que veio a dar origem posteriormente na ideia de defesa da “diversidade cultural”. Além disso, os franceses reinventaram diversas vezes suas políticas culturais internas, tendo modelos repetidos ao redor do mundo. Além disso, podemos ver que a criação de comitivas culturais; de incentivo ao surgimento de associações multilaterais para a cultura; de uma diplomacia de baixo custo, eficaz e persuasiva; já vem desde muito tempo, remontando ao início do século

XX (LESSA, 2001). A existência da UNESCO e a participação ativa do Quai D´Orsay no sentido de mantê-la como órgão funcional para a condução da política cultural dos países é significativo hoje, assim como as temporadas culturais que existem desde 1985, cuja primeira edição foi o Ano da Índia na França (AMARAL, 2008). Surge no contexto dessas ações da diplomacia cultural dois grandes eventos franco-brasileiros: “Brésil, Brésils” ou Ano do Brasil na França (2005); e “France.Br” ou Ano da França no Brasil (2009). Ambos reforçavam a modernidade e a diversidade existente dentro das sociedades, trazendo também um panorama das relações entre os dois países. O primeiro evento foi dividido em três etapas: “Raízes do Brasil”, “Verdades Tropicais”, “Galáxias”. O segundo evento também foi divido em três etapas: “A França Hoje”, “A França Diversa” e “A França Aberta”. Tanto a primeira etapa do segundo evento quanto a última etapa do primeiro evento têm como objetivo dar um panorama atual dos países no exterior. A diversidade abre o evento do Brasil na França e faz parte do segundo momento do evento da França no Brasil. A organização dos mesmos foi compartilhada entre os ministérios e governos da França e do Brasil, através de Comissariados. O primeiro evento Esses mega-eventos culturais se situam no meio termo entre as exposições universais e a troca multilateral de contatos culturais (que também está presente na UNESCO), e a negociação e acordos bilaterais que enfocam a cultura. Entre Brasil e França há uma longa história, já mapeada por muitos autores, porém com algumas lacunas ainda. Pretendo me aprofundar nessa relação através da minha futura dissertação de mestrado.

4.2.

O Brasil.

O Brasil tem uma longa história desde a diplomacia cultural, e, tal como a França, tem dentro do corpo diplomático a presença de pessoas que por si só divulgam a cultura no exterior. Muitos dos diplomatas brasileiros foram pessoas de destaque dentro da cultura nacional. A presença dos mesmos pode ter ofuscado a própria ação da corporação por vezes, que, apesar do brilhantismo de certos indivíduos, construiu com os anos iniciativas memoráveis. Destacam-se também as iniciativas dos altos representantes do executivo, como o imperador e o presidente. Durante o final do Império, Dom Pedro II articulou a projeção

internacional da cultura brasileira através das Exposições Universais. Se posicionando estrategicamente com EUA e Europa. Durante o período subseqüente, começou a existir uma organização burocrática mais racionalizada do Itamaraty. Serão muitas as reformas até 1945, ano em que é fundado o Instituto Rio Branco, que zela pela formação dos quadros do corpo diplomático. Surgem muitas iniciativas da diplomacia cultural brasileira, como a divulgação da música brasileira no exterior e a atuação multilateral para a cultura; que são vetores constantes. Tal como na França, são de grande valor os textos produzidos por diplomatas, muitos deles feitos sob orientação e auxílio de professores do Instituto. São de destaque também os múltiplos acordos internacionais fechados para a cultura, como os de co-produção cinematográfica, os acordos culturais, acordos técnico-científicos, etc. Há também ações multilaterais importantes, como a construção da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que se dedica ao espaço da lusofonia, tal como há o esforço francês para a francofonia. Existe também os Centros de Estudos Brasileiros e a Rede de Leitorados que auxilia na difusão da língua e da cultura brasileira ao redor do mundo, de forma estratégica.

5. Conclusões.

Aqui foram mostrados casos brasileiros e franceses de condução da diplomacia cultural, que provam a importância para a política cultural dos países e como ela tem crescido de volume na contemporaneidade. Caberia estudar mais a fundo as ações concertadas desenvolvidas no âmbito da política externa e seus resultados. Esse trabalho é uma aproximação inicial, que visa estabelecer uma condição de possibilidade de evolução investigativa sobre o tema. Ainda que os esboços sejam singelos, são importantes para as futuras construções sobre o tema. Vale lembrar que tentei, na medida do possível, articular a análise sobre a diplomacia, a investigação sobre a cultura nas relações internacionais e trazendo casos específicos. Resta aprofundar, no futuro, essas pesquisas, vis-à-vis outras variáveis não abordadas aqui.

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