O perfil estóico do Senhor Calvino n’O Bairro de Gonçalo M. Tavares

July 15, 2017 | Autor: A. Correia Martins | Categoria: Portuguese Literature, Classical Reception Studies
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A Literatura Clássica ou os Clássicos na Literatura

O perfil estóico do Senhor Calvino n’ O Bairro de Gonçalo M. Tavares

Ana Isabel Correia Martins*

1. Considerações preliminares

Gonçalo M. Tavares invoca no seu Atlas do Corpo e da Imaginação as palavras do escritor alemão Friedrich Novalis (1772-1801)1: “Estamos sós com tudo aquilo que amamos”, mas acrescenta: “A nossa solidão tem o tamanho das nossas ligações”2. Estas ligações representam, inevitavelmente, o diálogo com memórias epistémicas e heranças ideológicas, que definem a nossa identidade cultural e filosófica, e nos (re)colocam no Espaço e no Tempo da História. Estas ligações recuperam, acima de tudo, matrizes que se reinventam e que se reincorporam numa determinada cultura, respondendo aos anseios do Homem, circunscrito ao seu contexto. É na senda deste pressuposto que aproveitamos o tema A Literatura Clássica e os Clássicos na Literatura, conscientes de que a (re)visão do património da Antiguidade Clássica e a (re)leitura do seu pensamento são uma (re)visitação das origens, que nos ajudam no processo de autodescoberta e de autoconhecimento do Homem contemporâneo.

A metodologia do presente estudo não passa pela análise ou sistematização da Filosofia Estóica, circunscrita no seu período histórico, mas visa reconhecer e amplificar as suas ressonâncias na Literatura Portuguesa e em particular numa das personagens d’O * Universidade de Coimbra Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos [email protected] 1 2

Tavares (2013: cap. II, 2.3, p. 127).

Gonçalo M. Tavares em entrevista ao Jornal de Letras (13 a 26 de Novembro). 423

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Bairro de Gonçalo M. Tavares, o Senhor Calvino3. Não nos posicionaremos, por isso, nem no campo da Literatura nem no da Filosofia, mas antes num espaço intermédio onde ambas se encontram e partilham as mesmas inquietações. 2. Enquadramento histórico-epistemológico do Estoicismo: Lógica, Ética, Física

A corrente filosófica do Estoicismo, fundada na Grécia, sob o Pórtico de Zenão, e predominante na Antiguidade Clássica durante mais de cinco séculos, é uma memória fundacional e identitária, que enforma todo o pensamento do mundo ocidental até aos nossos dias4. O Estoicismo pode ser dividido em três períodos e classificado da seguinte forma: o antigo – que vai do final do século IV a. C. até ao século III, a partir da escola helénica da filosofia cínica5; o médio, que vigorou do século II ao I a. C., caracterizado pela permeabilidade a outras escolas filosóficas, em consequência da abertura ao mundo romano, e mais empenhado agora na reflexão ética6; o novo ou imperial, vigente desde o século I d. C. até ao século II d. C., com incidência sobre as reflexões morais7.

O áureo pensamento renascentista revalidou e revitalizou a filosofia estóica, graças ao trabalho escrupuloso e afincado dos humanistas que, desde a descoberta das fontes à sua tradução e edição crítica, se dedicaram ao estudo da moral convertida nesta vox universalis8. Assim, a frescura imperecível do texto antigo, a sua matriz filosófica e preceitos filológicos foram sendo recontextualizados e reconduzidos diacronicamente, respondendo aos anseios culturais de cada época, relacionando-se sempre de forma simbiótica e permeável com outras correntes, que iam ganhando expressão9.

A tríade Física, Lógica e Ética – que emoldura o Estoicismo e que nem sempre reuniu consenso entre os seguidores quanto à sua hierarquia – integra o Homem num Universo corpóreo, governado por um Logos divino. Este Logos ou Razão Universal rege e unifica todas as coisas de forma íntegra, numa ordem cósmica que mais não é do que 3

A Colectânea “O Bairro” de Gonçalo M. Tavares conta já com a publicação dos seguintes livros: O Senhor Valéry (2002), O Senhor Henri (2003), O Senhor Brecht (2004), O Senhor Juarroz (2004), O Senhor Kraus (2005), O Senhor Calvino (2005), O Senhor Walser (2006), O Senhor Breton (2008), O Senhor Swedenborg (2009), O Senhor Eliot (2010).

4

Sandbach (1975: 20-27).

6

Mates (1961: cap. VI “Evaluations of Stoic Logic”, 86-94).

5 7 8

9

Sobre a influência da filosofia cínica no estoicismo vide Rist (1969: cap. 4, pp. 54-80). Abbagnano (1999), vol. II reservado ao Estoicismo; Brunschwig (1995: 115-268); Sandbach (1975: 149-178).

Sobre a recepção e acolhimento da filosofia estóica nos séculos XVI e XVII e em particular em autores como Frei Luís de Granada (pp. 106-140), Balzac (pp. 421-452), Descartes (pp. 453-480), entre outros, vide Angers (1976); vide ainda Michel (1999: 193-203); Soetard (1993: 9-29); Moreau (dir.) (1999: 95-97). Moreau (dir.) (1999: 11-26).

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uma harmonia plena, não segundo uma Física dualista mas antes na senda de uma Ética naturalista10. O Homem torna-se sábio pelo exercício da razão e manifesta-se em todas as suas dimensões: homo eloquens, homo sapiens, homo beatus11. O exercício interpretativo, heurístico e hermenêutico leva o Homem a estruturar e a organizar a realidade, na ânsia da ratio perfecta e na conquista da virtus e da veritas porque ambas bastam à felicitas12. Ainda que a Ética esteja num plano de subalternidade em relação à Física, na medida em que a moral e a virtude devem estar em consonância com a natureza, a verdade é que a Filosofia Estóica assume-se uma ars bene vivendi e tem na moral a sua verdadeira expressão e primazia13. Zenão e Crisipo chamam à virtude dunamis e reconhecem a sua proveniência da força da ratio, na qual radica o poder e a capacidade de agirmos segundo as virtudes matriciais estóicas14: prudentia (prudência), temperantia (temperança), iustitia (justiça) e fortitudo (coragem). Vejamos a presença destas virtudes, aliadas ainda à patientia e à resistência face ao esforço, no perfil do Senhor Calvino e nos fragmentos que se seguem. A Colher

Para treinar os músculos da paciência o senhor Calvino colocava uma colher de café, pequenina, ao lado de uma pá gigante, pá utilizada habitualmente em obras de engenharia. A seguir, impunha a si próprio um objectivo inegociável: um monte de terra (50 quilos de mundo) para ser transportado do ponto A para o ponto B – pontos colocados a 15 metros de distância um do outro. A enorme pá ficava sempre no chão, parada mas visível. E Calvino utilizava a minúscula colher de café para executar a tarefa de transportar o monte de terra de um ponto para outro, segurando-a com todos os músculos disponíveis. Com a colher pequenina cada bocado mínimo de terra era como que acariciado pela curiosidade atenta do senhor Calvino. Paciente, cumprindo a tarefa, sem desistir ou utilizar a pá, Calvino sentia estar a aprender várias coisas grandes com uma pequenina colher15. 10 11

12 13 14 15

Schoofield (2003 : 233-256).

“Tous admettent que le sage possède, indissolublement liées, logique, physique et éthique, qu’aucune de ces parties n’avait la première place, mais que toutes étaient solidaires” (Bréhier 1951: 64). Mates (1961: cap. II, 27-41); Rist (1969: cap. VIII, pp.133-151). Brennan (2005: cap. IV, pp. 35-45).

Sobre a acção e a emoção em Zenão e Crisipo vide Rist (1969: 22-36). Tavares (2005: 47).

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Se a Razão do Homem virtuoso for coerente com a Natureza – phusis – e consistente nos seus princípios, então as suas acções serão moralmente boas e ele não se colocará nunca diante da escolha entre o bem e do mal. A Razão estóica – hegemonikon – denominada “trueself” por J. M. Rist, corresponde à essência da personalidade e ao carácter individual, que leva de forma gradual e progressiva no sentido da aprendizagem, da maturidade e do crescimento16. Através da razão, o sapiens atinge uma clara compreensão – katalepsis – do verdadeiro conhecimento (episteme), imune aos infortúnios e seguro da sua atitude de indiferença (apatheia) pelo mundo. No caso de Calvino, a sua persistência, perseverança e paciência são exercitadas nesta tentativa de entendimento do mundo, tão mais clarividente quanto possível. A pá maior coloca-se como tentação e alternativa de escolha, revestida por uma falaciosa aparência de facilidade, rapidez e eficiência. Na verdade, é a pá grande que intensifica o valor do esforço de Calvino, é ela que dignifica o pequeno gesto e o empenho (não tão pequeno) da tarefa, dando a consciência de que a importância dos grandes actos é tácita e facilmente reconhecível, a dos pequenos gestos bem mais refinada, subtil e valiosa. Numa perspectiva estóica, sabedoria é reconhecer que as grandes coisas se aprendem e se apreendem nos mais pequenos gestos, considerados insignificantes mas que nos obrigam a fazer a leitura do mundo e a nos posicionarmos nele da forma mais sábia, lúcida e sensata.

O comportamento analítico, manifestado na curiosidade e objectivação da realidade, é reforçado pelo estóico Marco Aurélio quando sublinha a importância de alcançarmos a essência e a nudez das coisas: nada é mais produtivo e fundamental do que saber observar, de forma metódica, cada objecto para descobrirmos que valor assume na sua relação com o todo17. Vejamos esta atitude de observador e de objectivação da realidade por parte do Senhor Calvino: O Balão (…)

Dar uma atenção invulgar (mesmo que apenas durante alguns dias) a um objecto como este era, para Calvino, um exercício fundamental que lhe permitia treinar o olhar sobre as coisas do mundo. No fundo, o balão era um sistema simples de apontar para o Nada. Este sistema, a que vulgarmente se chama balão, no fundo rodeava com uma camada fina de látex uma pequeníssima parte da to16 17

Rist (1969: 97-111).

Campos Daroca (2010: LX-LXXX); Rutherford (1998). 426

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talidade do ar do mundo. Sem essa camada colorida, aquele ar, agora como que sublinhado e salientando-se do resto da atmosfera, passaria completamente despercebido. Para Calvino, escolher a cor do balão era atribuir uma cor ao insignificante. Como se decidisse: hoje o insignificante vai ser azul. E a quase insuperável fragilidade do balão obrigava ainda a um conjunto de gestos protectores que lembravam a Calvino a pequena distância que existe entre a enorme e forte vida que ele agora possuía e a enorme e forte morte que andava sempre, como um insecto desconhecido mas ruidoso, a cada momento a circular em seu redor18.

A analogia, revestida de aparente simplicidade filosófica, leva-nos a compreender o balão como uma representação e metáfora do Homem, à luz do mesmo sistema metafísico que tanto intriga os estóicos como desperta a curiosidade no Senhor Calvino. A camada fina de látex separa uma parte do ar da totalidade de ar do mundo, traçando os contornos de uma existência, que se torna agora tangível com essa delimitação da cor. Da mesma forma o corpo é a matéria que entifica o espírito, que lhe dá forma e o corporiza, individualizando o Homem no contacto com o Universo19. Os estóicos identificavam a razão com a pneuma porque se a primeira dota o indivíduo com a sua integridade humana, a segunda é a componente física do universo, que outorga coesão e unidade a todas as partes do cosmos20. Se pensarmos que os Estóicos foram os primeiros a utilizar a palavra σύστηµα no sentido objectivo de sistema orgânico do mundo, na sua cosmogonia, a razão assume-se como um subsistema de representações diversas21. Esta reflexão no âmbito da Física conduznos à ideia de movimento não como simples passagem à acção mas enquanto o acto na sua dimensão global, cíclica, perfeita e completa, um acto que se renova a cada instante a partir de “le concours harmonique d’agents produisant spontanément leurs événements”22. Assim, neste sistema filosófico, a Razão converge para o Logos total, através de uma progressão metódica que encontrará a sabedoria una e perfeita.

Por outro lado, Séneca – filósofo do período imperial – afirma que o sábio no domínio da sua razão se basta a si mesmo e, se muitos pensam que isso o afasta do mundo que o rodeia, numa acção isolada, reduzindo-o aos limites do seu corpo e entendimento, o 18

Tavares (2005: 15-17).

20

“Il faut donc que la Providence s’étende sur l’ensemble de l’univers, que les événements de la vie humaine soient déterminés par cette même nécessité rationnelle qui préside aux révolutions des corps célestes” (Goldschmidt 1998: 60); vide ainda Goldschmidt (1998: 60-73).

19

21 22

Schlanger (1975: 21-34).

Sandbach (1975: 71-75). Bréhier (1951: 193-194).

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filósofo explica que, pelo contrário, para se viver feliz basta possuir um espírito são e elevado, isto é: perseverante e indiferente aos golpes da fortuna, imperturbável a vicissitudes que lhe são externas, com a coragem e com a temperança nos momentos de adversidade. A virtude subdivide-se em quatro aspectos principais: saber refrear os desejos, dominar o medo, tomar as decisões justas e adequadas, e despender os esforços estritamente necessários e ajustados a cada momento. Sapiens é, portanto, aquele que, em momentos fracturantes e que testem a sua resistência, não abdica do autocontrolo, do espírito magnânimo e corajoso, sabendo estar acima das contingências, tirando antes partido das vicissitudes e das contrariedades para se tornar mais fortalecido. Vejamos o sucesso destas virtudes na atitude intemerata do senhor Calvino: 1.º sonho de Calvino

Do alto de mais de trinta andares, alguém atira da janela abaixo os sapatos de Calvino e a sua gravata. Calvino não tem tempo para pensar, está atrasado, atira-se também da janela, como que em perseguição. Ainda no ar alcança os sapatos. Primeiro, o direito: calça-o; depois, o esquerdo. No ar, enquanto cai, tenta encontrar a melhor posição para apertar os atacadores. Com o sapato esquerdo falha uma vez mas volta a repetir, e consegue. Olha para baixo, já se vê o chão. Antes, porém, a gravata; Calvino está de cabeça para baixo e com um puxão brusco a sua mão direita apanha-a no ar e, depois, com os seus dedos apressados, mas certeiros, dá as voltas necessárias para o nó: a gravata está posta. Os sapatos, olha de novo para eles: os atacadores bem apertados; dá o último jeito no nó da gravata, bem a tempo, é o momento: chega ao chão, impecável23.

3. O dualismo praxiológico do Homem

Os Estóicos do período imperial refinaram a taxonomia legada pelos seus mestres e subdividiram a Ética naturalista em várias partes, incidindo individualmente sobre o i) impulso, ii) boas e más acções, iii) paixões ou affectus animae, iv) virtude, v) o objectivo ou intento da acção, vi) o valor primordial das coisas, vii) acções apropriadas e desapropriadas, viii) encorajamento e desencorajamento da acção24. Na verdade, o edifício conceptual da Filosofia do Pórtico assenta os seus fundamentos em dialécticas muito bem definidas: Interior (natureza humana) / Exterior (Fortuna e Providência), Stultitia / Sapientia, Vício / Virtude, Bem / Mal, Alegria / Tristeza, Vida / Morte, desdobráveis por tan23 24

Tavares (2005: 9).

Sandbach (1975: 28-68). 428

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tos outros binómios25. No entanto, a dicotomização filosófica não pretende valorizar os extremos mas antes servir-se deles para colocar o foco no espaço intermédio e demiúrgico, que é o da liberdade humana, um espaço de aprendizagem e de superação, no qual o Homem é responsável e autónomo nos seus actos. Os estóicos acreditavam que o carácter humano tinha tendências ambivalentes e predisposições dúbias e por isso competia ao Homem, por intermédio da Filosofia e do exercício consciente, racional, reflexivo e metódico, accionar o seu próprio crescimento moral e evoluir de estulto a sábio, diferenciando a essência e a verdade das coisas, com clarividência: Omnes virtutes rationes sunt26. Mais uma vez, constatemos essa consciência no Senhor Calvino, que opta racionalmente pelo exercício estóico de perseverança, da temperantia e da constantia, um esforço através do qual se abre caminho para a superação. Transportando paralelas (sábado de manhã)

Já ninguém estranhava, mas não deixavam de olhar. Aos sábados de manhã, o senhor Calvino percorria o bairro de uma ponta à outra, levando apenas na sua mão direita uma vara metálica. Não a transportava, porém, de qualquer forma. Calvino levava a vara metálica exactamente paralela ao solo. – Não levo apenas uma vara metálica – dizia Calvino –, levo uma vara metálica exactamente paralela ao solo. Era por este motivo que segurava com vigor e exactidão no centro da vara e jamais relaxava. Quem o visse sair de manhã de casa poderia reparar na tensão dos músculos do seu braço direito, tensão que visava evitar qualquer tremura, e poderia ainda admirar-se o modo como, a cada segundo, paralela ao solo. O regresso, no entanto, não poderia ser mais distinto. Além de trazer a vara segura na outra mão, na esquerda, Calvino vinha agora relaxado, com o braço descontraído, balançando a vara de um lado para o outro, como alguém que transporta um saco a que não dá qualquer importância27.

À semelhança do exercício anterior da colher pequena de café e da pá grande, agora o da vara paralela e da vara na diagonal revela, claramente, ao Senhor Calvino que temos sempre duas formas distintas de olhar as coisas, e é nesse espaço de acção dúbio que actua a ratio com a lucidez e consciência na possibilidade de escolha. A 25

Sobre a concepção estóica estruturada em tensões e antíteses vide Armisen-Marchetti (1989: 259-260).

27

Tavares (2005: 29-30).

26

Sen., Ep. 66.32.

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hipótese de escolha abre espaço para um dualismo praxiológico, que implica esforços diferentes e que apesar de divergentes constituem alternativas e não se excluem. Podemos de manhã segurar a vara com a mão ao centro da vara e de forma forçada, perseverante e constante levá-la paralela ao solo, como de tarde podemos ceder à vontade – passiones animi – de a trazer descontraidamente em diagonal ao solo. A disjunção “ou” para os estóicos não exerce um valor conotativo, não veicula valores, não posiciona o válido ou inválido como a forma acertada ou desacertada de vida, acentua, sim, uma forma dual, abrindo espaço para a liberdade de escolha do Homem que se espera definir pela forma mais sábia de se posicionar perante as coisas. O foco da questão reside no seguinte ponto: o sábio, ao contrário do estulto, age por intermédio da Razão e em consciência da acção que pratica porque tem conhecimento do sistema na sua globalidade e integridade, porque tem conhecimento das partes constituintes do todo28. Séneca demarcou de forma bastante precisa a diferença entre razão e vontade – esta última não no sentido de instinto ou impulso mas de convicção29: Quid tibi opus est, ut bonus sis? Velle30. Através da observação do balão, o Senhor Calvino confrontou-se com a pequena distância que existe entre a enorme e forte Vida e a enorme e forte Morte, que talvez sejam mais contíguas do que contrárias. A dialéctica Vida / Morte desperta uma reflexão acesa entre os Estóicos na medida em que esta dicotomia encerra consigo um topos nodal à Filosofia do Pórtico: o Tempo31. Para Zenão, o Tempo era a extensão do movimento do cosmos, partindo do pressuposto de que o princípio e o fim dos movimentos – contínuos e cíclicos – são pontos fixos e demarcados artificialmente. Desta forma, o conceito de “novo” e “velho” refere-se sempre à distância a partir de um ponto do qual se inicia a vida. Crisipo, por sua vez, define o Tempo como sendo o intervalo que acompanha o movimento do mundo, segundo a medida da velocidade: rapidez ou lentidão. Nesta lógica, o Tempo dá sentido às coisas e, mais do que isso, é ele que garante a existência ontológica e a sedimentação de experiências32. Contudo, somente o presente existe porque é limitado e circunscrito, o passado e o futuro subsistem porque são infinitos, um pensamento expresso com rigor na fórmula quiástica de Plotino, que podemos julgar 28

Christensen (2012: 80-90).

30

Sen., Ep. 80.4. “Para seres um homem de bem só precisas de uma coisa: vontade” (Campos 2007: 345).

29 31 32

Voelke (1973: cap. III, pp. 161-190).

Goldschmidt (1998: cap. I, pp. 13-45). Callahan (1948: 129-132).

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contraditória à primeira vista: “Através do Tempo medimos o movimento, pelo movimento medimos o Tempo (Phys. 12, 220, b23)”33. Vejamos qual a consciência e a percepção do Senhor Calvino em relação ao Espaço e ao Tempo: Um passeio do senhor Calvino

(…)

Durante uma vida – pensou Calvino – fazer tudo parecia muito, e era incontável e por isso mesmo de impossível verificação. Se não o conseguisse, pelo menos tentaria fazer metade de tudo, o que para mais tinha a vantagem de ser um número exacto. Não faria pois tudo, como projectavam alguns jovens de mais, faria metade de tudo, decidira-o naquele momento. Pois bem, acordara e, sem tarefas pré-definidas, o dia inteiro estava à sua disposição: como numa bandeja. Para começar trataria de descrever de modo imperfeito a exactidão. Para ele era indispensável uma irregularidade inicial, um pé em falso, a incapacidade para compreender uma parte, uma expectativa criada por um facto surpreendente. (…) Calvino, diga-se, não gostava de parar (ver montras?!) – gostava de andar. Não gostava de acelerar o passo nem de o abrandar. Quando estava atrasado não acelerava, chegava atrasado. E detestava esperar. Por isso, quando sabia que estava adiantado para um encontro não alterava o percurso, mas sim a trajectória nele. Não parava. Ia pela mesma rua, mas de maneira diferente. (…) Calvino, de certa forma, não se lembrava da novidade para amanhã – e isso animava-o. Esquecera-se do que iria acontecer no dia seguinte – e tal esquecimento, a que vulgarmente se chama incapacidade para prever o futuro – era uma espécie de referência existencial. (…) Calvino sabia que se as pessoas fossem directamente, sem qualquer desvio, para o seu destino, nunca teriam oportunidade de ver e conhecer caminhos que só os homens muito perdidos descobrem34.

O Espaço e o Tempo são noções que os estóicos relacionam em dependência para reflectirem sobre os aspectos estruturantes da ars bene vivendi, sendo indissociáveis da firmeza, da perseverança e da tranquilidade da constantia35. Da mesma forma, o Senhor 33

Reis (2008: cap. I, pp. 87-104); Gerson (ed.) (1999: cap. 8, pp. 196-216); Guitton (1955: cap. I, pp.10-21).

35

Moreau (dir.) (1999: 94-100); Rist (1969: cap. 7, pp. 112-132).

34

Tavares (2005: 56-62).

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Calvino assume uma atitude de sabedoria estóica na imperturbabilidade do seu percurso traçado “sem qualquer desvio”, na direcção da sua fortuna que no sistema estóico se chama destino36. Séneca diz-nos na carta a Lucílio (22.17): “Ninguém se preocupa em viver bem mas sim em durar muito, quando afinal viver bem está ao alcance de todos e durar muito não está ao alcance de ninguém”37. Da mesma forma, adequar o número de passos e ajustar a sua sistematicidade à Distância e ao Tempo é, antes de mais, uma prova de sabedoria, porque encontrar a justa medida, e a exactidão do esforço que cada actividade requer, demonstra lucidez, equilíbrio e sabedoria. O ritmo descompensado, em contratempo, ora lentificado ora apressado, denota uma desordem e uma desobediência ao ritmo cósmico, natural e universal. Na Física estóica é o acto que delimita o Tempo, o movimento, e não o número ou quantidade. É caso para se dizer: “Diz-me a que velocidade andas, dir-te-ei qual é a tua moral”38.

O nosso estóico do Bairro não tem a percepção do Espaço e do Tempo como conceitos estanques ou impositivos, relaciona-se com eles de forma flexível e subjectiva segundo os acontecimentos, afinando-os pela sua percepção individual e na interioridade da qual a sua ética é edificada. Futuro e passado pertencem à mundividência incorpórea, assim como só o sábio, detentor da virtude e da felicidade, se torna eterno99. Podemos constatá-lo na definição que o Senhor Calvino faz de provinciano: Provinciano no espaço, pensou, é aquele que é influenciado e tenta influenciar os quarenta metros quadrados à sua volta. Provinciano no tempo é aquele que é influenciado pela tarde anterior e pretende influenciar, quando muito, os dois dias seguintes. Lembrou-se a propósito daquela personagem descrita pelo escritor T., personagem que era tão vesga que às quartas-feiras olhava, ao mesmo tempo para os dois domingos. E Calvino pensou: isso sim, é um olhar lúcido40.

A lucidez de Calvino manifesta-se também na sua definição de infinito, um conceito partilhado pelo Espaço e pelo Tempo: “Continuou a avançar. Duas rectas perfeitamente paralelas, e ele no meio. Que sorte. Duas rectas paralelas! Mas pouco e pouco algo começou a mudar… a mudar… O Senhor Calvino parou então (até porque não podia 36

Moreau (dir.) (1999: 97).

37

Campos (2007: 84): nemo quam bene vivat, sed quam diu curat, cum omnibus possit contingere ut bene vivant, ut diu nulli.

39

Goldschmidt (1998: 186).

38 40

Tavares (2013: 111). Tavares (2005: 69).

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avançar mais). Havia encontrado o que tantos procuravam: o infinito”41. O Tempo para os estóicos é um tempo qualitativo e psicológico, nunca um tempo matemático e objectivo. A distinção que é feita entre o nosso presente e o nosso passado é absolutamente arbitrária, nos termos relativos com que entendemos os esforços despendidos ao longo da vida nos diferentes momentos42.

Os filósofos do Pórtico comungam com a matriz platónica do Timeu ao defenderem que existe uma pluralidade de “tempos próprios” dominados por um “tempo comum”, sendo a actividade e o movimento que delimitam o tempo43. A tónica sobre a autonomia dos agentes livres e demiúrgicos privilegia o presente, como o único modo real do tempo, como lugar e espaço de liberdade. Da mesma forma, o Tempo é um barómetro para medir o que realmente é íntegro, verdadeiro e autêntico, pois nenhum de nós é pela manhã o que foi no dia anterior. Enquanto falamos de mudança, mudamos com ela e daí a insensatez de querer agarrar o que é fugidio e de temermos a morte, quando o momento presente é a morte do que ficou imediatamente antes. O Homem é igualmente incauto na crença de que o Tempo é seu, na forma como o utiliza tão negligentemente, relembra-nos Séneca nas suas epístolas: durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada e durante toda a vida agimos inutilmente, como confirma o Senhor Calvino no seu 3.º sonho44. Para reforçar este topos, o Senhor Calvino encontrou, ainda, uma personagem estratégica para comprovar a forma enganosa como por vezes olhamos a possibilidade de estar vivo: Personagem estratégica

Sobre a actividade incansável de uma personagem preguiçosa, que considerava que estar vivo era apenas um pretexto para descansar, Calvino relatou o seguinte: Recuava até ao ponto em que já não poderia recuar mais. Atrás havia um precipício. A seguir avançava. (…) Passava, então, os dias nisto. 41 42

43 44

Tavares (2005: 71).

Sen., Ep, 101.9: Quo modo effugiemus hanc volutationem? Uno, si vita nostra non prominebit, si in se colligitur. Trad.: “Qual o modo de escapar a uma tal ansiedade? Há um apenas: que a nossa vida não se projecte para o futuro, mas se concentre em si mesma” (Campos 2007: 555); Sen., Ep., 85.22: Itaque in aequo est longa et brevis, diffusa et angustior, in multa loca multas que partes distributa et in unum coacta. Trad.: “Por isso mesmo, a vida feliz é simultaneamente longa e breve, difusa e limitada, disseminada por muitos lugares, por muitas áreas e concentrada num único ponto” (Campos 2007: 390). Topos relacionado com o materialismo corpóreo, vide a este respeito Salles (2009: 46-69). Tavares (2005: 13).

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Para trás era o precipício. Muito para a frente cansava-se. Andava assim entre aqui e ali. De noite, para recuperar forças, dormia. Dormia, umas vezes aqui, outras ali. Mas nunca mais além45. A este propósito podemos invocar mais uma vez uma epístola de Séneca (99.10-11):

Observemos o caso de um velho e repara quão exíguo é o tempo que ele tem de vantagem sobre a criança. Representa no teu espírito toda a vastidão das profundezas do tempo até atingires a dimensão do universo, compara depois a essa imensidão aquilo a que nós chamamos o tempo de uma vida humana e verás até que ponto é diminuta a sua extensão por que nós ansiamos e que fazemos prolongar. E desse breve espaço quanto cabe a lágrimas e angústias? Quanto, ao desejo da morte prematura, à doença, ao medo? Que espaço não ocupam os anos inúteis da inexperiência? Metade da vida passamo-la a dormir. Junta a isso os sofrimentos, as dores, os perigos e verás como, mesmo numa vida assaz longa, é muito pouco aquilo que vivemos46.

Digamos então que Calvino é uma figura sensata, uma personagem d’O Bairro que se relaciona não como ilha mas antes como arquipélago, que se redescobre e se reinventa na sua relação com os outros e no exercício racional da sua vida quotidiana. Seja pelo exercício da colher, da pá, da vara paralela ou até mesmo pela observação do balão, o Senhor Calvino constrói a sua identidade no mundo a cada acto consciente que pratica. Essa identidade mais não é do que a sedimentação de experiências que se acumulam, e que quando se sobrepõem vão construindo a sua ética individual. A reflexão sobre o Archaeopteryx – considerado o elo entre os dinossauros e as aves, extinto há 147 milhões de anos – servira para pensar sobre a ontogénese humana e induzira-lhe a certeza de que os pássaros actuais voavam exactamente da mesma maneira que os seus antepassados:

No fundo, sobem através do ar (ou mantêm-se estáveis nas alturas) e não caem. Não cair está dentro da sua natureza, e têm sabido mantê-la, o que não é de todo um desastre. Poderíamos dizer que os pássaros não esquecem a sua essência: têm boa memória. Desde o Archaeopeteryx que não se esquecem daquele modo particularmente invejável de não cair, que é voar47.

45

Tavares (2005: 27).

47

Tavares (2005: 35).

46

Campos (2007: 542).

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O perfil estóico do Senhor Calvino n’ O Bairro de Gonçalo M. Tavares

O Homem mantém hoje exactamente a mesma natureza dos seus antepassados mas agora inserido em circunstâncias externas, espaciais e temporais diferentes, que implicam por isso manifestações ajustadas e readaptadas. A memória é o que nos dá densidade cultural, pois mantendo-nos de olhos postos no passado e naquilo de que nos afastamos, percorremos um caminho de autoconhecimento e descoberta de outras soluções.

O Senhor Calvino preserva as virtudes matriciais estóicas, concretiza-as principalmente em momentos de vicissitude. Ele sabe que apesar de adversas estas circunstâncias são uma possibilidade de aperfeiçoar a prudência, a temperança, a justiça e a coragem e sabe também que fragmentando a realidade e objectivando-a com olhar analítico, entenderá melhor a importância das partes no todo sistémico. Os dilemas e dialécticas com que depara ajudam-no a gerir as incapacidades, as expectativas, as surpresas, assumindo o presente como única referência existencial. A verdade e a lucidez da Filosofia Estóica, e que reconhecemos nesta personagem d’O Bairro, residem neste movimento permanente de enigma / revelação, na curiosidade que leva à descoberta, um itinerário que instiga o homem a superar-se, entre a melancolia do que relega e as raízes do que o fortalece. Ao longo dos tempos o Homem não pretende erradicar estes obstáculos da sua vida mas procura, incessantemente, aprender a lidar com eles e a controlá-los, porque lhes reconhece um carácter desafiante, regenerador e construtivo, “o Senhor Calvino lembrava-se bem, aliás, da infelicidade que acontecera a um seu amigo que, como tinha uma paralisia facial, estava sempre a rir, acontecesse o que acontecesse”48.

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