O perfume, a marca e o sonho

June 6, 2017 | Autor: M. Bonadio | Categoria: Perfume, Consumer Culture Theory
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O perfume, a marca e o sonho

Nunca acreditou em conto de fadas, mas, imaginava que as borrifadas daquela “poção mágica” – um líquido rosado que provavelmente emanaria o aroma das rosas certamente lhe fariam sentir-se como uma princesa no mundo encantado. Não conhecia o aroma daquele perfume, e a escolha por adquiri-lo surgira, após ser arrebatada pelo ambiente onírico que vira no comercial da TV a cabo. As cores, a mocinha que balançava envolta pelo vestido de luxo, a música e até o sussurrar do nome da marca, tudo era encantador. E foi assim, sem conhecer o cheiro, mas desejando consumir um cadinho daquele universo dos sonhos, que clicou em “comprar” na tela do computador. Agora, era só aguardar a chegada do vidrinho1. Esperava-o com ansiedade. Desde menina vira belos anúncios da marca veiculados nas revistas de moda compradas por sua mãe. Mais recentemente tinha por diversão fitar os produtos diante das vitrines da elegante loja da marca (recéminaugurada naquele bairro elegante de São Paulo). Desejava adentrar ao castelo, ou melhor, na loja, mas suas roupas inadequadas a impediam de tal feito, pois como lera certa feita na coluna social, quem compra Dior, usa Dior. Algumas vezes, pensou em entrar rapidamente, sentir a fragrância que exalava daquele vidrinho mágico, porém, de certa forma gostava de alimentar o sonho ao passar diante de loja e admirar as roupas, os óculos, e imaginar o cheiro e as alegrias que poderiam sair do frasco daquele perfume. Obviamente, ela também desejava os sapatos, os vestidos, as bolsas. Queria vestir-se como princesa contemporânea, ter a sensação de ser única, como uma Carrie Bradshaw em seus sapatos Manolo Blahnik e suas roupas alta-costura 2 . Porém, o vestido e os sapatos estavam fora de cogitação. Eram lindos e estava certa que encontraria a felicidade se um dia usasse uma daquelas peças (ou qualquer similar da marca), porém, impossível pagar aquela fortuna....e, mais a mais, o perfume custava menos de um décimo do valor da roupa (e através do site ainda era possível parcelar em seis vezes). 1

Para Lars Svendsen, na sociedade contemporânea, o que é vendido é a ideia de um produto, mais do que o produto propriamente dito. No caso dos perfumes, considera que é “pelo frasco que pagamos e não pelo conteúdo”. (SVENDSEN, 2010:142) 2 Diversos autores concordam que as pessoas buscam a moda, e as marcas de moda como forma de ao mesmo tempo criar uma identidade própria e também aproximar-se de grupos ou imagens préestabelecidas. (LIPOVETSKY, 1989; SVENDSEN, 2010; WILSON, 1985)

As bolsas, ah as bolsas. Ela tinha duas. Ambas compradas na conhecida rua do comércio popular. De fato, não eram originais. Mas quem é que se importava com isso? Diante do logo dourado, sentia-se mais forte, mais determinada 3 . E agora com o perfume, tudo ficaria ainda melhor. Se tivesse coragem de fazer uma tatuagem, talvez gravasse aquela marca no corpo. Pesquisando sobre suas grifes favoritas, vira certa vez na internet que algumas pessoas estão estampando na pele o nome de algumas delas. Marc Jacobs, Louis Vuitton, Lanvin, Yves Saint Laurent e Chanel, definitivamente impressos sob a pele.4 Era fã de todas essas marcas, mas não tinha coragem de encarar as agulhas. Na sua wish list, entretanto, estavam as Les Trompe l’oleil de Chanel, tatuagens no estilo decalque comercializadas pelo site da grife.5 Imaginava que a marca impressa no corpo seria uma espécie de escudo mágico, uma forma de esquecer os problemas e estar sempre coberta pelo logo que tanto admirava.6 Em sua incessante busca pelas marcas, certa feita caiu no site de um artista (Daniele Buetti) e ficou aflita ao ver os logos da Dior, Chanel e Louis Vuitton escarificados sob o rosto7. Leu numa crítica que a idéia da artista era ironizar o culto às marcas na contemporaneidade. Não gostou muito. As marcas apareciam no rosto das modelos. Achou estranho. No rosto? Não, ali era espaço para maquiagem. Logo só os dos óculos de sol. Invejava as mulheres ricas e atrizes dos comerciais de perfume, era para elas que os mágicos da moda criavam suas peças, afinal pensava, eram as principais consumidoras das marcas. Sem elas e seus vestidos maravilhosos do tapete vermelho do Oscar e das colunas sociais, as grifes não sobreviveriam. Que nada! Ela não imaginava, mas nos últimos 40 anos eram pessoas como ela, ou seja, as consumidoras de perfumes, batons, e acessórios que faziam a féria das marcas de luxo. Todo o mise-en-scène dos desfiles que ela via pelo Youtube, eram mais para vender acessórios, e produtos acessíveis ao grande público, como maquiagem, cadernos e até mesmo colchões, do que 3 4

http://www.ourvanity.com/beauty/your-body/logo-tattoos-fashionable-or-scruffy/ (acesso em 26/09/2010) 5 http://www.chanel.com/en_US/fragrance-beauty/Makeup-Accessories-LES-TROMPE-L%27OEIL-DECHANEL-89753 (acesso em 26/09/2010) 6 Para David Le Breton, a pele seria uma espécie de “tela onde projetamos uma identidade sonhada, como no caso da tatuagem, do piercing ou das inúmeras maneiras de encenar a aparência que regem as nossas sociedades”. BRETON (2010: 26) 7 No referido trabalho, o artista suíço Daniele Buetti utilizou reproduções fotográficas de corpos e rostos de top models e introduziu neles uma série de cicatrizes, atingindo um resultado impactante. Ver: http://buetti.aeroplastics.net/artworklist.php?cat=goodfellows_lfl (acesso em 26/09/2010)

para vender as roupas ali exibidas. A alta-costura que até os anos 1960 comercializava sofisticação e glamour especialmente através das roupas, a contar de meados daquela década, passou, pouco a pouco, a vender estilo de vida através, entre outros, de frascos de perfume8. 65% do dinheiro movimento pela Gucci provêm da venda de bolsas e outros acessórios9. Ela, porém ignorava esses dados. Pensando no vidrinho rebuscado que lhe traria a felicidade, começou a imaginar como seria sua vida quando estivesse elegantemente perfumada. Sonhou acordada, que sua calça jeans subitamente se transformaria num vestido esvoaçante – como um dos que a moça aparecia usando no comercial – que, ouvira falar, tinha sido dirigido por uma diretora de cinema, pensava nisso e imaginava-se uma estrela10. No fundo, sabia que roupas não se transformavam, mas gostava de pensar que isso seria possível. Como sonhava também, que usando aquele perfume, daquela marca, seus dias seriam mais agradáveis e que o trabalho...ah quem pensava em trabalho? Um perfume Dior (era definitivamente sua marca favorita), certamente seria a porta de entrada para uma nova dimensão da vida. Um dia chegou em casa e o porteiro avisou: “Tem encomenda para a senhora.” Apanhou o pacote, pegou o elevador e ao entrar em casa, correu abri-lo com cuidado. Ficou alguns segundos admirando a tampa em forma de laço e o cor-de-rosa do perfume que preenchia o frasco do seu Miss Dior Chérie11. Antes mesmo de abrir a embalagem, podia imaginar o cheiro! No dia seguinte, não hesitou, antes de sair para o trabalho, em perfumar-se com a nova aquisição. Pode-se dizer que começou o dia mais feliz, porém, não como havia imaginado. No retorno de mais um dia de trabalho, o primeiro com o novo perfume – que em nada havia sido especial - folhava sua revista de moda favorita no metrô e começou novamente a sonhar. Encantou-se com a publicidade do Rose The One de Dolce & Gabbana (estrelada por Scarlett Johansson) e decidiu que seria essa sua próxima compra, começou novamente a sonhar, imaginou dias mais felizes e menos ordinários proporcionados pelo perfume. Seguiu viagem esquecendo-se da revista e 8

Sobre o tema ver: o capítulo “A Moda Aberta” do livro O império do efêmero. (LIPOVETSKY, 1989). SVENDSEN, 2010: 142. 10 O comercial em questão foi dirigido por Sofia Coppolla e está disponível em: http://www.dior.com/beauty/int/en/minisite/fragrance/mdc2010/tf207-22.html (acesso em 26/09/2010) 11 Segundo Adrian Forty, o design altera o modo com as pessoas veem a mercadoria. O design teria ainda, “a função de criar riquezas e satisfazer os desejos dos consumidores de expressar seu desejo de individualidade”, são esses atributos, mais do que a função que levam à necessidade da elaboração de diferentes designs para os frascos de perfume, pois se a única necessidade fosse preservar o líquido e seu odor, todos os perfumes poderiam ser embalados em um único tipo de vidro. 9

apegando-se ao devaneio proporcionado pelo produto. Deixou-se tomar por novos sonhos sem perceber que o imaginário em torno do produto a ser adquirido, provavelmente lhe conferia mais prazer que o produto em si.12

Referências

Sites http://buetti.aeroplastics.net http://www.chanel.com http://www.dior.com http://www.ourvanity.com Biliografia CAMPBELL, C. (2001). A ética romântica do capitalismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco. FORTY, Adrian. Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac & Naif, 2007. LE BRETON, David. Escarificações na adolescência: uma abordagem antropológica. In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 16, n. 33, p.25-40, jan-jul 2010.

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: A moda e seus destinos nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

SVENDSEN, Lars. Moda: Uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

WILSON, Elizabeth. Enfeitada de Sonhos. Lisboa: Edições 70, 1985.

12

Collin Campbell (2001: 34) denomina esse tipo de sensação de “prazer imaginativo” e sugere que ao contemplar um produto ainda não adquirido, “as pessoas ‘desfrutam’ dessas imagens em grande parte da mesma forma que desfrutam de um romance ou filme”, e propõe que “a atividade fundamental do consumo (...) não é a verdadeira seleção compra ou uso dos produtos, mas a procura do prazer imaginativo, a que a imagem do produto se empresta, sendo o consumo verdadeiro, em grande parte, resultado desse hedonismo ‘mentalístico’” (CAMPBELL, 2001, p. 34).

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