O perigo das histórias únicas...

July 24, 2017 | Autor: Paula Frazão | Categoria: Sociología, Filosofia, Teologia, História da Igreja
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Atividade par avaliação contínua 3 – tópico 4




"A humanidade é uma só e tem direito a dar-se leis justas
convenientes para todos e iguais para todos os povos."
Damasceno




O vídeo que nos foi proposto para reflexão é deveras pertinente,
pela história pessoal da escritora, mas também porque ela é fruto de
várias histórias. Torna-se por isso muito pertinente e reflexivo.
Chimamanda faz-nos refletir, através de sua própria história e
experiências, sobre a diversidade das nossas culturas e das nossas
histórias e sobre o perigo de contar essa mesma história através de um
único ponto de vista, estereotipando os personagens.

Permite-nos refletir sobre a nossa história individual, sobre a
história coletiva e no âmbito deste curso sobre a história do próprio
Cristianismo e a forma como se implementou desde a vida e morte de
Jesus Cristo, ao longo dos séculos e levando em conta a época e as
culturas a ela inerentes, os acontecimentos, e os contextos em que
decorreram. É esse exercício que tentarei fazer ao longo da minha
reflexão.




"A história única cria estereótipos, e o problema dos
estereótipos não é que eles sejam falsos, mas é que eles
sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a única
história". Chimamanda Adichie




Ao longo dos séculos e desde os primórdios do Cristianismo, já no
século II independente do Judaísmo, havia más interpretações que
provocaram correntes divergentes entre as comunidades no interior e no
exterior. O Imperador não permitia a prática do Cristianismo em Roma,
com receio das mudanças que esta prática pudesse provocar, uma vez que
os cristãos não compactuavam com algumas formas de negociar e de tratar
os mais desfavorecidos. Ao longo de 3 séculos este movimento repressivo
potencia pela ação dos mártires, um crescente aumento do número de
cristãos. Os padres/pais da igreja tiveram também uma grande influência
neste movimento, porque perceberam o contexto em que viviam. Salientam-
se S. Crisóstomo e S. Basílio, destacados pelo Papa Bento XVI como
determinantes para a vida monástica e para o exercício da Caridade. S.
Basílio criou escolas, hospitais e albergues que estavam ao serviço dos
pobres. Como bispo preocupou-se com a forma como vivam os fiéis e
comprometeu-se a favor dos mais pobres e marginalizados. Ele era o
homem do Amor ao Próximo.

Na impossibilidade de travar este movimento de evangelização, a
crise deu lugar à Liberdade de Culto. A sociedade do império e os seus
líderes, não compreendendo a forma de estar e de viver dos cristãos,
simples, caritativa e preocupada com a mensagem de Cristo pela
igualdade, exploram a responsabilidade dos cristãos nas guerras civis,
atribuindo a culpa às comunidades cristãs. Contudo, esta vivência no
império provoca alterações e apesar da maioria dos cristãos continuar a
pertencer às classes baixas, cresce cada vez mais o número de crentes
de estatuto socioeconómico elevado. A fé em Cristo deixou de estar
apenas ligada à história única dos menos cultos, pobres e
desfavorecidos e entrou na vida dos filósofos e noutros de envergadura
intelectual, considerada superior. Ao longo do século IV com a morte do
Imperador Teodósio, o império é dividido em Império Romano do Ocidente
com capital em Milão e Império Romano do Oriente com capital em
Constantinopla, este foi o primeiro grande acontecimento com influência
na vida da Igreja, porque com desta divisão do império deriva a criação
da Igreja Católica por um lado e da Igreja ortodoxa, por outro.

Os Povos bárbaros são evangelizados, destaca-se S. Patrício pela
ação que teve em toda a Irlanda; a Europa é alcançada com a ação de
Gregório Magno e na Península Ibérica, Suevos e Visigodos são
evangelizados também Martinho de Dume e por Beda o venerável
transmissor do saber clássico cristão, mais tarde destruído pelos
Vikings, respetivamente. Os séculos seguintes assistem a uma
progressiva estruturação da igreja medieval que se instala em Roma e é
restaurada. A igreja passa a ser um Estado constituindo unidade
reformadora sem se fechar em si própria. S. Tomás de Aquino reflete
sobre as leis que asseguram o bom funcionamento da comunidade.

S. Martinho de Dume salienta a justiça como elemento
caracterizador o pensamento Cristão, o principal sustentáculo do poder
temporal. Critica ainda o orgulho e o amor próprios, (referidos por
Chimamanda como responsáveis pela criação de estereótipos), que levam o
homem a esquecer o quanto deve a Deus, exorta a humildade como a mais
excelente das virtudes cristãs, sendo a que mais eleva o Homem.

Tal como salienta Chimamanda no vídeo cada cultura/raça/etnia
domina a sua história, todos os assuntos relativos à prática
social/política e religiosa tendo em conta as suas origens e a sua
especificidade e não podem ser consideradas "menores" por não seguirem
normas standard. Nenhuma cultura tem primazia sobre a outra. Propor é
diferente de impor. Ao longo da história, a humanidade, por diversas
vezes e em diferentes momentos, tem tentado impor-se àqueles que são
erroneamente considerados inferiores e tem-no feito usando a força
militar ou a força contida das histórias únicas.

Nenhum ser humano tem o direito de se sobrepor a outros. Todos são
iguais aos olhos de Deus. Não há religião, que justifique as
conquistas, pela força, pela desonra, pelo incumprimento dos direitos
de todos, em nome de Deus, mesmo alegando que é para que conheçam a
misericórdia de Deus. Os homens nunca são mais bondosos por muito
piedosos que sejam, do que a misericórdia de Deus.

Não adianta levar uma vida a cumprir os sacramentos, se no dia-a-
dia não se vivem esses sacramentos. Como refere o Papa Francisco: "o
cristão deve mostrar testemunho da sua fé em cristo, pelas ações,
imitando Jesus na sua infinita misericórdia." Independentemente da
cultura e das origens cada povo usa a inteligência de forma diferente,
não por ser menos, por uns serem mais dotados ou capacitados que
outros, mas porque lhe dão um uso direcionado.

Mas a igreja passou por momentos muito complicados, nomeadamente
durante a Cisma do Ocidente (séc. XIV – XV.) Foram várias as impressões
negativas deixadas pela igreja ao longo do tempo, por oposição dos
leigos ao poder eclesial representado pela igreja de Roma e pela
influência latina causando um ambiente espiritual fortemente agitado
por um cortejo de horrores bem desumanos e muito pouco "católicos". À
espiritualidade equilibrada do Séc. XIII, com as ordens mendicantes –
Franciscanos e Dominicanos que levavam à cidade a evangelização
dinâmica e adequada, sucederam-se nos séculos seguintes verdadeiras
torturas e injustiças, muitas delas provocadas em nome de Deus.

Da perseguição aos considerados hereges, esta alastra-se às
minorias religiosas, na península ibérica este controlo estende-se
principalmente aos judeus e a determinado momento foge até ao controlo
dos bispos, resistindo ao próprio papado, dada a extinção dos
interesses políticos e territoriais. Contra os abusos levantam-se vozes
de leigos e clérigos que vieram a ser vítimas da sua liberdade de
espírito e audácia, um exemplo é o Pe. António Vieira, ele próprio
Jesuíta. Os interesses, por detrás da suposta evangelização deram lugar
ao individualismo no seio da própria igreja e à promiscuidade entre o
clero e a nobreza. Neste contexto Lutero rompe com as regras
instituídas dando origem a um movimento, continuado por outros, a
Reforma protestante, nos séculos seguintes. Deus não era compreendido
como salvador, mas como castrador. Lutero colocou em causa a perspetiva
que a igreja da época tinha em relação à mensagem à vivência do
sacerdócio e a própria forma como a mensagem de Cristo era passada,
dado que, por exemplo, as indulgências foram a gota de água para que
Lutero se revoltasse contra a vivência de uma fé "comprada", "trocada"
pelos favores de um deus cuja imagem não era a do Deus de Jesus Cristo.
O Concílio de Trento vem clarificar que o sacerdócio de Cristo só se
entende e realiza plenamente na dádiva da sua vida ao pai, relembrado
na Eucaristia.

Voltando ao vídeo, se não fossem as várias histórias que compõem a
História do Cristianismo até esta época, a mensagem de Jesus Cristo não
teria tido o mesmo impacto nas vidas dos cristãos dos primeiros
séculos. Da mesma forma, hoje teríamos dificuldade em perceber a
evangelização levada a cabo pelos cruzados, na tentativa de expulsarem
o crescente ímpeto do Islão, de forma dura, mas como movimento político
e religioso que era. É conhecendo as histórias dentro da História, que
hoje em pleno século XXI conseguimos fazer um esforço por compreender o
contexto em que tais barbaridades tiveram lugar. Outro desses
acontecimentos foi a Inquisição. Só se pode compreender tamanha
ignomínia, à luz da época, nunca em contexto com o evangelho.

A evangelização dos povos, iniciada por Paulo e outros apóstolos
encontrava eco na expansão europeia ultramarina, que servia de canal
para que a mensagem de Cristo fosse conhecida. No entanto, nem sempre
esta foi feita de forma incólume. Praticas como a escravatura
perduraram durante anos e tardiamente viram o seu fim. A Doutrina
Social da igreja não é fruto de uma reflexão descabida ou
descontextualizada, muito menos em abstrato. Assenta em raízes
profundas da história da igreja, e da vida em sociedade ao longo do
tempo e deu origem a documentos, fruto de muitas horas de oração,
reflexão, contextualizados a partir do Evangelho e aprofundados pelos
diferentes Teólogos, em Concílios e Sínodos de Bispos e transcritos
para cartas, encíclicas e outros documentos eclesiásticos que refletem
as épocas e os problemas vivenciados pelas populações, num determinado
contexto. A história dentro da História mas com várias histórias que
nos permitem conhecer melhor o que aconteceu.

Ao ver e refletir sobre o vídeo proposto torna-se inevitável que
passe em perspetiva todas as influências que os povos do mundo
partilham entre si o que faz com que seja praticamente impossível dizer
que um povo, uma cultura é apenas sua tendo em conta todas as
interações, partilhas, influências que ao longo da história a
humanidade partilhou, somos todos semelhantes dentro das nossas
diferenças.

"O perigo de uma história única"…somos vulneráveis e absorvemos
aquilo que são as nossas experiências sejam sensoriais ou físicas e
isso molda a nossa perspetiva das coisas. O conhecimento e a
experimentação de diferentes contextos abrem a mente para outras
realidades, enriquecendo a forma de pensar sobre o que nos rodeia e faz
parte da nossa realidade e o que não nos rodeia e faz parte da
realidade de outros. Quando crescemos a conhecer apenas um contexto e
nos informam apenas sobre esse "outros", somos levados a crer que
existe apenas a nossa realidade e as outras "realidades" são o espelho
de quem nos transmite a informação e não a nossa ou a correta. "Ser
pobre", "estar desempregado", são formas muito redutoras de
caracterizar aqueles que vivem estas situações, porque "ser pobre" para
mim tem um significado e para outra pessoa tem outro; " estar
desempregado" não tem que ter seguramente, um significado pejorativo ou
sinónimo de ser preguiçoso. Criamos estereótipos sobre situações sem
nos darmos ao trabalho de compreender, pelo conhecimento, o que na
realidade se passa. Para o Ocidente, Africa é um país de fome, miséria,
destruição, guerra, com belas paisagens, muitos animais e lindo pôr-do-
sol; colocamos tudo no mesmo saco, todos os países e todos os povos,
tal como aconteceu com a colega universitária de Chimamanda. Não os
vemos como iguais, olhamo-los com piedade, mas uma piedade inferior,
sem sequer nos darmos ao trabalho de conhecermos a sua história, as
suas raízes, a sua cultura. O mesmo, fazemos aos mais necessitados,
àqueles que pedem nas ruas, aos desempregados, aos intelectualmente
menos dotados, aos deficientes, etc. É mais fácil, fazer suposições,
acreditar nos estereótipos do que "dar-se" ao trabalho de conhecer, ao
invés de julgar, para ajudar e entrar nas suas histórias com
conhecimento.

A História apresenta África como um lugar de selvagens, nativos
inferiores, que precisam ser "educados", que não sabem decidir por si
próprios e infelizmente por causa da história única, durante séculos
esta forma de olharmos para o continente africano, causou muitas
injustiças, muitos atentados aos direitos humanos e ainda causa.
Devemos fazer e ter várias leituras da mesma história para podermos
comtemplar várias vertentes, tal como o professor de Chimamanda que
criticou o seu livro por não ser autenticamente africano, já que não
apresentava personagens com fome, sem cultura, também nós criticamos e
julgamos e infelizmente muitos desses julgamentos vêm de mentes
esclarecidas, letradas e informadas, ou talvez não). Em vez que nos
deixarmos influenciar pelos estereótipos devemos entrar na realidade
desses que a sociedade estigmatiza. Se falarmos sobre uma realidade
sobre uma pessoa, um povo, um país, repetidamente e sem questionar é
nessa realidade que se tornam e pela qual ficam conhecidos.

"Ser maior que os outros" é uma posição hierárquica que está
associada a alguns países, a alguns povos, a algumas pessoas e
seguramente ao poder que representam e à influência que têm para
transformar a sua "realidade", na Realidade definitiva. Quando os
políticos tentam justificam a pobreza e o crescimento das situações
sociais, com o estado em que a Europa se encontra, com as políticas
económicas internacionais, está-se apenas a fazer uma leitura da
história. Quando cada um de nós justifica a inatividade perante as
situações sociais que vemos todos os dias, com: "eu sou só uma pessoa e
não posso fazer grande coisa", temos apenas uma parte da história,
porque se cada um dos que pensa assim, fizer alguma coisa, primeiro
porque é cristão e praticar a Caridade é um dever, depois porque muitos
podem fazer grandes coisas, porque muitos pensam da mesma forma. A
realidade conhecida quase nunca é a realidade verdadeira, nomeadamente
no que concerne a questões sociais. Falar de cristianização e de
evangelização hoje e no passado não é exatamente a mesma coisa, nem
pelo contexto histórico, nem pela forma, nem pelo objetivo, não quando
temos intervenientes na equação como escravatura, cruzados e
inquisição, estes detalhes alteram a história única e obrigam-nos a
conhecer outras histórias.

Uma pessoa, um acontecimento não fazem a história de um país,
muito menos são representativos da sua identidade como povo. As
histórias individuais dão experiências, dão perspetiva aos
acontecimentos, fazem ter mais que uma explicação para o surgimento dos
acontecimentos, mas não fazem a pessoa. A falta de emprego, viver na
rua, ser toxicodependente, alcoólico, ter abandonado a família, etc.,
tem mais que uma história, é fundamental conhecê-la, para se poder
envolver e oferecer ajuda. As políticas, os governantes, a economia
mundial e europeia são apenas alguns pontos que ligam a história da
pessoa de quem vive nestas circunstâncias. A responsabilidade nestas
situações deve ser partilhada e cada um de nós deve estar nesse grupo
que partilha responsabilidades, porque até ao momento que ignoramos a
situação, temos desculpa, depois de a conhecermos, temos o dever de
agir. Valorizar o positivo em cada pessoa e situação e desvalorizar o
negativo é a forma de poder potenciar e motivar alterações na forma, na
ideologia e no contexto. Mudar é possível desde que acreditemos e
tenhamos condições para tal. Pequenos eventos, fazem grandes histórias
e as histórias são importantes, muitas histórias são importantes.
Humanizar as histórias coletivas e individuais faz conhecer a Pessoa e
não a "história" que levou a determinada situação.

Tal como Chimamanda devemos fazer mais que uma leitura de uma
pessoa, de uma história, de uma situação, de uma cultura, de um país.
Na atualidade e perante o crescente ataque islâmico não podemos cair na
tentação de fazermos uma leitura coletiva; perante a facilidade e
tentação de não ver o que nos rodeia, devemos enquanto pessoas e
cristãos descer às periferias, como refere o Para Francisco e humanizar
sem catalogar, sem julgar, devemos olha para a história e através das
estórias tirar conclusões que nos permitam ter uma leitura integral e
abrangente da realidade e dessa forma perceber que nada somos
individualmente, precisamos uns dos outros, somos metades de um todo,
que se une em Jesus Cristo e no Pai, como flores que compõem um jardim.
É fantasia, uma pastoral que não se interesse pelo social.

"Nós, os seres humanos não somos meramente beneficiários mas
guardiões das outras criaturas." (EG 215)

"Não nos façamos de distraídos! Todos os cristãos recorde-se, são
chamados a cuidar dos mais frágeis, os povos indígenas, os idosos, os
sem-abrigo, os toxicodependentes, os refugiados, os idosos cada vez
mais abandonados… (EG 209-210), mas sem cairmos na tentação de sermos
condescendentes e nos sentirmos superiores.
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