O Personagem e seu Modelo: a ficcionalização de Lukács por Thomas Mann em A Montanha Mágica

May 30, 2017 | Autor: Kaio Felipe | Categoria: German Literature, Thomas Mann, Sociology of Literature, Georg Lukacs
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Ano V – nº6 – 2015 história, teoria & cultura

O Personagem e seu Modelo: a ficcionalização de Lukács por Thomas Mann em A Montanha Mágica

Kaio Felipe

[Doutorando em Sociologia – IESP/UERJ]





FELIPE, K. O personagem e seu Modelo: a ficcionalização de Lukács por Thomas Mann em A Montanha Mágica. Revista Anima. Ano V, n°6, 2015, p. 19-40. Resumo Georg Lukács produziu vasta crítica literária sobre as obras de Thomas Mann; no sentido inverso, em seu romance A Montanha Mágica, Mann criou o personagem Leo Naphta, dotado de uma ideologia paradoxalmente revolucionária e tradicionalista, sugerindo uma apropriação do pensamento de Lukács, que até meados dos anos 1920 caracterizava-se por um “romantismo anticapitalista”. Este artigo pretende investigar esta ficcionalização operada por Mann em A Montanha Mágica, de forma a compreender como certos aspectos da visão de mundo lukacsiana foram apropriados para criar Naphta. Palavras-chave: sociologia da cultura, intelelectuais, literatura alemã. Abstract Georg Lukács produced vast literary criticism on the works of Thomas Mann; in reverse, in his novel The Magic Mountain, Mann created the character Leo Naphta, paradoxically endowed with a revolutionary and traditionalist ideology, suggesting an appropriation of the thought of Lukacs, who until the mid-1920s was characterized by an "anticapitalist romanticism”. This paper intends to investigate this fictionalization developed by Mann in The Magic Mountain, in order to understand how certain aspects of the Lukácsian world view were appropriated to create Naphta. Keywords: Sociology of Culture; Intellectuals; German literature.



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Introdução Dois dos mais destacados pensadores do século XX foram o filósofo Georg Lukács (1885-1971) e o romancista Thomas Mann (1875-1955). O primeiro é considerado um dos principais expoentes do marxismo ocidental,11 graças à obra História e Consciência de Classe (1923), além de ter influenciado muitos estudos em estética e crítica literária através de ensaios como A Teoria do Romance (1916); por sua vez, Mann criou obras marcadas pela elegância formal e pela densidade filosófica, destacando-se a novela A Morte em Veneza (1912) e os romances A Montanha Mágica (1924) e Doutor Fausto (1947). Ambos desenvolveram trajetórias intelectuais que têm em comum uma súbita transição ideológica entre as décadas de 1910 e 1920. Inspirado pela Revolução Russa, Lukács abandonou o idealismo de toques kierkegaardianos de seus primeiros escritos em prol de uma defesa hegeliano-marxista do socialismo, e filiou-se ao Partido Comunista Húngaro. Já o romancista alemão, após a Primeira Guerra Mundial, migrou de um conservadorismo apolítico e decadentista para um humanismo democrático, tornando-se assim um dos principais (e raros) intelectuais públicos de seu país a apoiar a República de Weimar (1918-33). Neste mesmo período Lukács e Mann começaram a desenvolver uma mútua influência: o crítico tinha em alta consideração a forma com que contos como Tonio Kröger (1903) lidavam com a problemática relação entre artista e sociedade; já o romancista se inspirou em ensaios do húngaro em A Alma e as Formas (1911) para escrever sua novela A Morte em Veneza e seu longo ensaio Considerações de um Apolítico (1918). Nos anos seguintes, mesmo o profundo distanciamento político-ideológico entre ambos não impediu que Lukács continuasse a eleger Mann como um dos maiores escritores de sua época, e que este demonstrasse gratidão pelas interpretações de seu crítico. O propósito deste artigo é capturar um momento decisivo da relação entre ambos: a forma como Mann tomou Lukács como inspiração para criar Leo Naphta, um soturno perso 11

Vertente do pensamento marxista caracterizada pela epistemologia humanística (e que passa por uma crítica do naturalismo cientificista), pelo forte investimento na crítica cultural (tanto da arte erudita quanto da cultura de massa) e pelo ecletismo conceitual (cf. MERQUIOR, 1987, p. 19). Na tradição do marxismo ocidental há uma mescla das análises de Marx (1818-1883) com a filosofia de Hegel (1770-1831) e, no caso da Escola de Frankfurt, com a sociologia de Georg Simmel (1858-1918) e Max Weber (1864-1920) Dentre os principais “marxistas ocidentais” podem ser citados, além de Lukács, Antonio Gramsci (1891-1937), Max Horkheimer (1895-1973), Herbert Marcuse (1898-1979) e Theodor Adorno (1903-1969).

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nagem de seu romance A Montanha Mágica que apresenta ideias paradoxalmente revolucionárias e tradicionalistas. Essa ficcionalização poderia ser identificada, por exemplo, no fato de Naphta ser ao mesmo tempo jesuíta e comunista, nesse sentido representando o ascetismo e o anseio por ordem de Lukács, crítico contundente da arte moderna e da decadência moral da sociedade burguesa. Cabe investigar, portanto, se Mann inspirou-se no pensamento de Lukács após a conversão deste ao marxismo, em 1918, ou mesmo na visão de mundo da fase pré-marxista deste pensador; além disso, também pretendo analisar se outros modelos intelectuais (Eugen Leviné, Ernst Bloch e Carl Schmitt) também podem ser associados a Naphta. Ao longo do artigo dialogo, com os campos da sociologia dos intelectuais e da crítica literária. Se um lado é preciso apresentar as condições sociais e históricas em que o autor de A Montanha Mágica e seu crítico estavam inseridos, por outro cabe uma interpretação mais imanente (mas não formalista) deste romance; nesse sentido, descrevo a seguir de forma sucinta o método ficcional de Thomas Mann, e mais adiante analiso o discurso do personagem Naphta, de forma a rastrear suas posições políticas e filosóficas.

O estilo realista de Thomas Mann Segundo o crítico Miklós Szabolcsi, Mann pode ser considerado um escritor filiado ao realismo. Szabolcsi considera realistas “as obras de arte que evocam os traços essenciais e espelham as tendências básicas da realidade social, utilizando as máximas possibilidades de consciência social da sua própria época”; além disso, o típico escritor realista “acredita ser capaz de abranger o mundo, em sua totalidade ou em suas partes, a partir de um ponto de vista externo, compreendendo-lhe as relações” (SZABOLCSI, 1990, pp. 109-110). É preciso, no entanto, qualificar esse realismo: a “totalidade” almejada por Mann é irônica; isto é, o autor está consciente da crise da tradição na qual se ancora: desde os seus primeiros romances há uma atmosfera de decadência, como revelam os malogrados esforços de personagens como Gustav Aschenbach (A Morte em Veneza) para enfrentar o esgotamento dos ideais formativos e a fragmentação da própria alma. A questão é que, após a Primeira Guerra Mundial, a revolução de Munique em 1919 e o começo turbulento da Re-

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pública de Weimar, Mann deixou de apostar em soluções esteticistas e apolíticas para essa crise cultural e adotou uma postura mais firme em prol da tradição humanística. Uma consequência formal dessa nova visão no caso específico de A Montanha Mágica é o tom mais filosófico dos diálogos entre os personagens; é como se a verborragia das discussões fosse uma forma de apontar a incessante busca pela Bildung (formação cultural), por uma reflexão sobre a experiência que permitisse um amadurecimento moral e intelectual. Thomas Mann, portanto, cria personagens cujo processo formativo é necessariamente problemático e fragmentado, porque reflexo de uma época instável: O romance tem intenção pedagógica, mas não é um Bildungsroman (romance pedagógico) clássico. Não há herói que na sequência da obra passasse pela ecola da vida, moldando-se através dela ou sendo moldado por ela. Hans Castorp é o oposto de Fausto ou Wilhelm Meister. (...) A intenção pedagógica (...) consiste em oferecer à consciência do leitor os elementos para o seu próprio percurso fenomenológico. Nesse sentido a Montanha Mágica pode ser considerada um Bildungsroman de nova qualidade, cujo herói seria o próprio leitor (FREITAG & ROUANET, 1975, p. 35).

Além disso, o próprio recurso à ironia tem uma função pedagógica (cf. REED, 1974, p. 14), pois serve para desestabilizar as certezas do leitor quanto ao caráter dos personagens, na medida em que estes são apresentados em tramas ou diálogos nos quais sua “seriedade” ou “coerência” é posta em xeque de forma sutil e desconcertante. Thomas Mann, ao descrever seu método realista, diz que o escritor tem liberdade artística para, a partir do “material real”, operar um “ato de transcendência” e uma “absorção subjetiva”, através das quais cada detalhe social ou psicológico é percebido naquilo que tem de característico e típico. Com isso, há um processo de apropriação no qual aquilo que foi observado originalmente (isto é, a “realidade”) se torna apenas um “meio de exposição de uma ideia, uma experiência” (MARCUS, 1987, p. 57). Ainda de acordo com Judith Marcus, é possível estabelecer uma analogia entre a forma como Mann cria seus personagens com aquilo que Max Weber (1864-1920) concebeu como tipos ideais: de certa maneira, aqueles são acentuações analíticas de um ou mais pontos de vista, que passam por uma “transformação poética”. Ou seja, os romances de Thomas Mann teriam a capacidade de tornar visível a essência de movimentos, direções e ideologias de sua época (cf. Ibidem, pp. 66-67).

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A Montanha Mágica, nesse sentido, é um dos romances mais complexos e ricos deste autor; é simultaneamente uma autobiografia espiritual, uma alegoria intricada, um romance histórico, uma reflexão sobre o tempo e, por fim, conforme vimos acima, um representante heterodoxo do Bildungsroman. Embora seja em alguns aspectos uma paródia deste gênero literário, em outros é possível perceber uma lúcida tomada de posição de Mann em defesa do humanismo (cf. REED, 1974, p. 226). O protagonista deste romance é Hans Castorp, um jovem engenheiro que visita um primo enfermo em um sanatório nos Alpes suíços, e descobre que tem tuberculose; diante desse diagnóstico, acaba tendo de passar sete anos de sua vida no local. Durante sua estadia, Castorp aprende mais sobre si mesmo e o mundo à sua volta, e parte de seu amadurecimento vem das intensas discussões com dois pedagogos: Lodovico Settembrini, um liberal, republicano e apólogo do progresso da civilização, e Leo Naphta, sobre quem nos deteremos de forma mais minuciosa.

Naptha, o profeta do Terror Um dos personagens mais intrigantes de A Montanha Mágica, Naphta é de família judia, tendo nascido na Europa oriental, mais especificamente na fronteira entre a Galícia e a Volínia.12 Seu pai, um fanático religioso, caiu em desgraça por sua “irregularidade sectária” e foi cruelmente assassinado em um motim popular. Esta tragédia marcou profundamente a vida de Naphta, que passou sua adolescência absorvido em angústias intelectuais: “absorto em sombrios e amargos pensamentos sobre o seu destino e futuro”, ele formava “o seu espírito de modo impaciente e descontrolado” (MANN, 2000, p. 603). Sua tendência crítica e cética, sua paixão pela lógica e sua dialética afiada o levaram a entrar em conflito com os rabinos de sua comunidade. O jovem Naphta só encontrou o seu lugar no mundo quando se converteu à Companhia dos Jesuítas, graças a um padre que conheceu num parque. Em sua ânsia de absoluto, via a Igreja Romana como uma potência nobre e espiritual, “contrária à realidade hostil do mundo, e portanto revolucionária” (Ibidem: 606). Naphta, contudo, não conseguiu progredir

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Atualmente esta região está dividida entre a Polônia, a Bielorrússia e a Ucrânia.

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na Ordem graças à sua saúde frágil e ao seu intelecto inquieto – por mais que buscasse a tranquilidade ascética que levaria ao “completo embotamento da vida individual”, as “operações espirituais” o debilitavam (cf. Ibidem, p. 608). Com isso, teve que se mudar para os Alpes, onde se tornou professor de Latim no ginásio para alunos tuberculosos. A conversão do judaísmo ao cristianismo é apenas uma das várias facetas que marcam o pensamento de Leo Naphta. Durante sua juventude ele também simpatizou com o socialismo, que conheceu graças a um deputado da região e seu filho. Além disso, tinha “um desejo apaixonado de elevar-se acima da esfera de sua origem” (Ibidem, p. 603). Segundo o narrador, “Naphta tinha um instinto ao mesmo tempo revolucionário e aristocrático; era socialista e também dominado pelo sonho de participar de uma forma de vida soberba, distinta, exclusiva e ordenada” (Ibidem, p. 605). Ao longo do romance, Naphta trava constantes e intensos embates intelectuais com Settembrini. Com sua retórica perigosamente refinada, Naphta muitas vezes apela para argumentos relativistas, dizendo que “verdadeiro é o que convém ao homem”, pois o homem “representa a medida das coisas, e sua salvação é o critério da verdade” (Ibidem, p. 543). Ao tentar defini-lo ideologicamente, o narrador nos diz que Naphta “talvez fosse tão revolucionário quanto o Sr. Settembrini, mas o era no sentido conservador, como revolucionário do conservantismo” (Ibidem, p. 627; grifos meus). Esta definição é pertinente diante das fortes críticas que Naphta faz aos valores burgueses: para ele, a Europa capitalista era um sistema condenado à ruína (cf. GOLDMAN, 1992, p. 140); em conversa com Settembrini, chega a colocar a Liberdade como um princípio ultrapassado e até mesmo anacrônico: ...se acredita que o resultado das revoluções vindouras será a liberdade, iludiu-se redondamente. O princípio da liberdade cumpriu o seu destino e chegou a ser antiquado nos últimos quinhentos anos. (...) Todas as organizações verdadeiramente educadoras souberam sempre o que em realidade deve ser o último objetivo da pedagogia: a autoridade absoluta, a obrigação de ferro, a disciplina, o sacrifício, a renúncia a si próprio, o domínio da personalidade. (...) O segredo e a existência da nossa era não são a libertação e o desenvolvimento do eu. O que ela necessita, o que deseja, o que criará é – o terror (MANN, 2000, pp. 545-546).

Naphta contém todas as antinomias culturais sobre as quais Mann havia ponderado; ele é a dialética encarnada. Além disso, expressa a hostilidade medieval, russa e – eis uma ironia – anti-semita pela usura e, por conseguinte, do capitalismo (cf. HEILBUT, 1997, p. 411). Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História Social Cultura (PUC-Rio)

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Além disso, este personagem exalta a “vida” enquanto expressão máxima da Kultur:13 rejeita o individualismo burguês e prega uma espécie de holismo comunitário – ou seja, a livre dedicação do “eu” ao “todo”. Para o personagem jesuíta, só é possível ser livre se integrando à coletividade, por meio da autoidentificação do indivíduo com um ideal holístico. Esta tese aparece, por exemplo, quando Naphta alega que: ...a liberdade era um conceito do Romantismo antes do que da Época das Luzes, pois com aquele tinha em comum o entrelaçamento inextricável dos impulsos de expansão coletiva e do ensimesmamento apaixonadamente individualístico (MANN, 2000, p. 957).

Naphta também prega um coletivismo cristão e socialista: sua pregação ascética da submissão do indivíduo à coletividade ganha ares de missão política quando ele coloca o socialismo como a última expressão da fé cristã, atribuindo um sentido religioso à Revolução e à ditadura do proletariado. A propósito, esta faceta socialista do personagem será pormenorizada mais adiante neste artigo. Um momento da obra em que se torna explícita a visão de mundo tão revolucionária quanto reacionária deste personagem é quando, diante da acusação de Settembrini de defender “uma moral econômica à qual são inerentes a servidão e o aviltamento da personalidade do homem”, Naphta responde categoricamente: “o primeiro passo em direção à verdadeira liberdade e humanidade seria abandonar esse medo covarde da ideia de reação” (Ibidem: 552).

Três possíveis modelos para Naphta: Leviné, Schmitt e Bloch A combinação explosiva de ideologias de Naphta, assim como as descrições tão minuciosas e realistas do tipo físico e intelectual do personagem, são fatores que parecem sugerir o recurso a algum modelo vivo; por outro lado, é preciso reconhecer que esse efeito de verossimilhança é típico do estilo realista, sem que o autor necessariamente precise se ancorar 13

O conceito de Kultur remonta ao pensamento de Herder (1744-1803), o qual traz uma ênfase na singularidade, na individualidade histórica. Kultur refere-se, portanto, a um padrão de vida particular, em última análise não importável, centrado em produtos históricos específicos “significativos”, mais do que em potencialidades gerais. Este conceito evoca, portanto, uma acepção historicista da cultura, “coletiva e não pessoal, expressiva e não perfectiva, (...) empiricamente dada ao invés de ideal-normativa” (MERQUIOR, 1997, pp. 49-50).

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em uma figura histórica delimitida. De toda forma, sobre o processo de criação do personagem Naphta cabe dizer que desde o início da composição do romance Thomas Mann tinha a intenção de criar dois educadores como expoentes de “experiências e ideias” (cf. MARCUS, 1987, pp. 59-60). Mann imaginava um duelo pedagógico entre um humanista e progressista e um místico reacionário; contudo, o segundo destes personagens se tornou mais complexo do que era pensado a princípio. Em 1919, diante da revolução operária em Munique, o autor se impressionou com a “mistura explosiva de radicalismo intelectual judeu e de misticismo cristão eslavo” e com os “elementos russo-quiliasto-comunistas” (LÖWY, 2008, p. 90). A efêmera República Soviética na Bavária, teve como um de seus líderes Eugen Leviné (1883-1919), um emigrante judeu da alta classe média de São Petersburgo. Socialista e utópico por excelência, ele representava um tipo de revolucionário aristocrático, semelhante a Robespierre mas diferente de Lênin, Engels e outros pregadores da revolução proletária no século XX: Leviné (e, como veremos, também Lukács) portava a visão de mundo segundo a qual homens sábios estão dispostos a mostrar a atitude apropriada como resposta à falsa atitude das massas. Outra característica desses revolucionários aristocráticos é o seu ascetismo: estavam sempre prontos para o sacrifício. Leviné, antes de ser executado, disse que os comunistas eram “homens mortos em sursis” (MARCUS, 1987, pp. 78; 120-121). É plausível que Mann tenha usado alguns aspectos deste líder revolucionário para criar Naphta, no sentido de que o personagem deixou de ser simplesmente um religioso conservador para ganhar uma ideologia mais ambígua. Outro intelectual da época que pode ser associado ao jesuíta de A Montanha Mágica, devido ao seu conservadorismo de tom “decisionista”, paradoxalmente antimoderno e revolucionário, é Carl Schmitt (1888-1985). Quando questionado por Pierre-Paul Sagave sobre esta possível inspiração para a figura de Naphta, Mann alegou que apenas ouviu falar de Schmitt, não tendo chegado a ler algo deste autor na época da escrita do romance (cf. Ibidem: 63); porém, certos textos de Schmitt na década de 1920 – dentre eles um com o sugestivo nome Catolicismo Romano e Forma Política (1923) – sugerem certas semelhanças entre seu pensamento político e o de Naphta, ainda que não intencionais. Exemplo disso é quando Schmitt afirma que o catolicismo possui uma “força criadora racional” que “dá uma direção à escuridão irracional da alma humana, sem levá-la à força até a luz. Ela não dá, como o racio-

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nalismo técnico-econômico, receitas para a manipulação da matéria” (SCHMITT, 1985 apud FERREIRA, 2004, p. 28). O filósofo Ernst Bloch (1885-1977) também pode ser aproximado de Naphta; em ambos se encontraria “a associação judaísmo/catolicismo/comunismo, a articulação entre cristianismo medieval e revolução bolchevista, de um ponto de vista judeu” (LÖWY, 2008, p. 88). Não há, contudo, nenhum traço de sua obra Thomas Münzer, Teólogo da Revolução (1921) na biblioteca de Thomas Mann; assim como Schmitt, a aproximação aqui é mais sugerida pelos comentadores (no caso, Michael Löwy) do que por intenção explícita do escritor.

Breve interlúdio sobre o romantismo anticapitalista Saindo desses casos particulares para uma consideração geral, é pertinente ressaltar que o próprio Zeitgeist dos anos 1920 permitia as associações religiosas e ideológicas que caracterizavam Naphta: judeu-jesuíta, jesuíta-comunista e judeu-comunista. Sobre a segunda dessas mesclas, o escritor Robert Musil (1880-1942) chegou a dizer que era uma “ironia construtiva” traçar semelhanças, ainda que desconcertantes, entre um clérigo e um bolchevique, pois isso permitia o aparecimento da “verdade nua e crua”: a disciplina militar e o fervor que caracteriza tanto os cristãos ascéticos quanto os revolucionários russos (cf. MARCUS, 1987, p. 112). Já a associação entre judaísmo e comunismo ganhou força principalmente depois dos experimentos revolucionários em Berlim, Budapeste e Munique, em que se destacaram lideranças de etnia judaica como Leviné, Rosa Luxemburgo (1871-1919), Béla Kun (1886-1939) e o próprio Lukács; aliás, esta associação entre semitismo e comunismo ainda serviria para a argumentação racialista do nascente Partido Nacional-Socialista. Segundo Michael Löwy, “Naphta representa o tipo ideal do romântico anticapitalista, e, em particular, da versão judia dessa corrente cultural” (LÖWY, 2008, p. 96). Este romantismo revolucionário-utópico recusa tanto “a ilusão de retorno às comunidades do passado” quanto a “reconciliação com o presente capitalista”, e procura uma saída na “esperança do futuro”; nessa corrente, “a nostalgia do passado não desaparece, mas se transmuda em tensão voltada para o futuro pós-capitalista” (Ibidem, p. 16). Uma fórmula capaz de resumir a visão de mundo romântico-revolucionária foi dada por ninguém menos que Lukács, ao analisar Dostoiévski (1821-1881) em um ensaio de 1943: Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História Social Cultura (PUC-Rio)

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...o mundo criado por Dostoiévski confunde caoticamente os ideais políticos do próprio autor. Mas esse mesmo caos é a verdadeira grandeza de Dostoiévski, o seu possante protesto contra tudo aquilo que é falso e negativo na sociedade burguesa moderna. (...) Os seus heróis definem esse quadro como “idade áurea”, e o descrevem como o símbolo mais poderoso de suas aspirações mais profundas. (...) Os personagens de Dostoiévski sabem que isso, em seu tempo, não passa de um sonho: mas eles não podem nem querem separar-se desse sonho. (...) A instintiva, selvagem e cega revolta dos personagens (...) dirige-se sempre para aquela idade áurea (LUKÁCS, 1968, p. 173).

Esta digressão sobre Dostoiévski é surpreendentemente reveladora sobre o romantismo anticapitalista que ilumina a obra de juventude do próprio Lukács. Basta lembrar que, em A Teoria do Romance, o pensador húngaro demonstra certo pessimismo cultural ao conceber o romance como “epopeia de um mundo abandonado por Deus” (Idem, 2009, p. 89); porém, há um veio utópico quando afirma que as obras dos russos Tolstoi (1828-1910) e Dostoiévski desvelam potencialidades não só estéticas, mas também políticas; enfim, pertencem a um novo mundo (cf. Ibidem, p. 160). Desta forma, também em Lukács “a idade de ouro do passado (...) ilumina o caminho para o futuro” (LÖWY, 2008, p. 30).

Georg Lukács: messianismo e ânsia pelo absoluto A despeito das possíveis aproximações que podem ser feitas entre o personagem Naphta com aspectos da visão de mundo de Leviné, Schmitt e Bloch, a hipótese central da maioria dos estudiosos quanto à inspiração de Thomas Mann para criar este personagem de A Montanha Mágica recai sobre a figura de Georg Lukács. José Guilherme Merquior (1941-1991), por exemplo, afirma em O Marxismo Ocidental (1986) que o retrato literário mais conhecido de Lukács é um “fascinante, mas pouco simpático personagem”: Naphta, “o jesuíta vermelho” (MERQUIOR, 1987, p. 136). Em sua errante necessidade de absoluto, Lukács apresentava o que Mann, por meio de Naphta, descreveu como “um tremendo anelo de autoridade” (Ibidem, 1981, p. 158). Merquior provavelmente baseou esta hipótese em Leszek Kolakowski (1927-2009), que em sua obra Main Currents of Marxism (1976) tece a seguinte consideração sobre o perfil intelectual de Lukács:

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Lukács is depicted in literature as the Jesuit Naphta in Thomas Mann's The Magic Mountain: a highly intelligent character who needs authority, finds it, and renounces his own personality for its sake. Lukács in fact was a true intellectual, a man of immense culture (…), but one who craved intellectual security and could not endure the uncertainties of a sceptical or empirical outlook. In the Communist party he found what many intellectuals need: absolute certainty in defiance of facts, an opportunity of total commitment that supersedes criticism and stills every anxiety. In his case, too, the commitment was such as to afford its own assurance of truth and invalidate all other intellectual criteria (KOLAKOWSKI, 1978, p. 306).

De fato a trajetória intelectual de Lukács é turbulenta e repleta de sobressaltos. Desde seus primeiros escritos sobre estética é possível perceber “as mais tensas e intensas conotações existenciais” (MERQUIOR, 1987, p. 94). Os ensaios reunidos em A Alma e as Formas são marcados por uma antítese entre “a ‘vida’ – equiparada a mil relações contingentes e caracterizada pela falta de autenticidade – e a ‘alma’, fonte de altas escolhas existenciais, tentando impor sentido à mera faticidade da simples existência” (Ibidem, p. 94). O jovem Lukács, portanto, tem seu pensamento marcado por uma nostalgia pelos tempos que a perfeição era uma coisa “natural”, em que se fazia a grande arte “ingenuamente”, combinando-se perfeitamente com a vida. Já nesta etapa Lukács é marcado por um conservadorismo estético, no sentido de uma grande rejeição dos rumos da arte moderna. O artista hodierno, segundo Lukács, não consegue se disciplinar, estando entregue a si mesmo, a “uma dança triunfal bêbada e orgiástica da alma pelas florestas imprevisíveis das sensações anímicas” (LUKÁCS, 2015, p. 100). Em um prefácio autocrítico que escreveu para a Teoria do Romance em 1962, Lukács definiu retrospectivamente a si mesmo como um “anticapitalista romântico”, alegando que este ensaio, escrito entre 1914 e 15, era uma expressão de seu “desespero” diante da Europa em meio à Primeira Guerra Mundial. Lukács recorda-se que na época se perguntava, em um tom apocalíptico: “Quem nos salva da civilização ocidental?” (Idem, 2009, pp. 7-18). Poucos anos depois Lukács se redimiu da melancolia e do pessimismo de suas primeiras obras, mas manteve o viés utópico e a busca por uma redenção escatológica. Em novembro de 1918, após muito hesitar, decidiu de forma súbita ingressar no Partido Comunista, e poucos meses depois se tornou Comissário do Povo para a Cultura e a Educação na me-

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teórica república soviética na Hungria. Pregando o engajamento total em nome de uma moral do sacrifício, o messiânico enfim encontrou o seu messias. Ainda que este pensador tenha encontrado no Partido Comunista algo próximo da ordem e estabilidade pela qual tanto ansiava, suas colisões com outros comunistas foram constantes, a ponto de Lênin o acusar de “radicalismo de esquerda” já em 1920 (cf. MARCUS, 1987, p. 121). Apesar disso, em sua obra História e Consciência de Classe Lukács oscila entre a heterodoxia teórica (considerava que a teoria marxista tinha validade histórica, contrariando assim a vulgata marxista), mas ortodoxia política; o pensador húngaro buscou fazer “da vitória do leninismo a mola de uma elucidação da natureza filosófica do marxismo” (MERQUIOR, 1981, p. 158). Eis um dos vários trechos de História e Consciência de Classe que revelam esse tom soteriológico: Somente a consciência do proletariado pode mostrar a saída para a crise do capitalismo. Enquanto não existir essa consciência, a crise será permanente, retornará ao seu ponto de partida, repetirá essa situação até que, (...) após infinitos sofrimentos e terríveis atalhos, a lição pedagógica da história conclui o processo da consciência no proletariado e coloca-lhe nas mãos a condução da história (LUKÁCS, 2003, pp. 183-184; grifos no original).

Segundo Merquior, a mistura de marxismo e crítica cultural romântica em Lukács, assim como sua argumentação “apresentada mais por asserção do que por qualquer lógica demonstrativa” (MERQUIOR, 1987, p. 114), tiveram um efeito deletério no marxismo como heurística sociológica, pois o transformaram em uma “‘visão de mundo’ carregada de dogmatismo e girando em torno de uma mitologia de consciência de classe” (Ibidem, p. 132). Baseando-se em Kolakowski, Merquior afirma que a conseqüência imprevista disso que é que o romantismo e a rejeição da ciência e da indústria (associadas à reificação capitalista) “deram à obra de Lukács o poder de desvendar a medula da mitologia marxista (...). Lukács revelou o romantismo oculto do próprio marxismo” (Ibidem, p. 133; grifos meus). Sendo assim, nos primeiros anos da fase marxista do pensamento de Lukács ainda é possível perceber uma continuidade com o romantismo anticapitalista de sua juventude; pode-se afirmar que a guinada ideológica de Lukács consistiu na transposição de seu ideal de harmonia do domínio estético para o domínio político. (cf. VANDENBERGHE, 2012, p. 353). Na época de sua conversão ao marxismo Lukács acreditava que o objetivo supremo do socia-

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lismo era a substituição da realidade presente por uma “força maior” que corresponda à “dignidade do homem”, e isso era uma “questão moral” (MARCUS, 1987, p. 145). O absoluto é transformado, em vida, no possível; ou seja, a “utopia nostálgica” do jovem Lukács se converte em uma visão de mundo que satisfazia seu desejo por uma “transcendência imanente”, por uma harmonia terrena. Lukács, portanto, buscava incessantemente o “sentido da vida”, a moral absoluta das coisas e acontecimentos. Enquanto esforço de clarificação do sentido e direção do universo social, sua obra – e, consequentemente, a de vários autores ligados ao marxismo ocidental que inspirou – descende diretamente do culturalismo existencial de A Alma e as Formas e Teoria do Romance. Esse elemento é crucial para entender Lukács e seus herdeiros, porque demonstra, de modo decisivo, “que o ânimo soteriológico por trás do messianismo revolucionário do marxismo ocidental nasceu dos mesmos impulsos românticos e irracionalistas que motivaram a ruptura da arte moderna com a sociedade liberal e a civilização industrial” (MERQUIOR, 1981, pp. 159-160; grifos no original).

Lukács e Naphta: ascetismo e abordagem religiosa do comunismo A despeito do intenso diálogo intelectual que desenvolveram ao longo de quatro décadas, Thomas Mann e Georg Lukács se encontraram pessoalmente apenas uma vez, em Viena, no ano de 1922. Tiveram uma conversa na qual trataram da problemática situação ética da arte, isto é, de sua missão e função. Lukács expôs as suas teorias, as quais Mann achou de uma abstração quase inquietante que se confundia com a pureza e a nobreza intelectual (cf. BRODE, 1975, p. 131). Na época do encontro, Mann estava trabalhando em um capítulo de A Montanha Mágica, chamado “Mais Alguém”, em que foi introduzido o personagem Leo Naphta, cuja figura foi retratada segundo um paradigma físico e intelectual que muito lembra Lukács. As semelhanças não são apenas físicas (por exemplo, o nariz adunco e os lábios finos), mas também étnicas (os dois são judeus), ideológicas (ambos são críticos da burguesia e defendem a revolução comunista) e até no modo de argumentação (marcado pela abstração e pelo rigor dialético). O fato de o senhorio de Naphta e Settembrini se chamar Lukacek parece reforçar, de forma sarcástica, essa inspiração (cf. Ibidem, p. 132). Anthony Heilbut ressalta categoricaRevista Discente do Programa de Pós-Graduação em História Social Cultura (PUC-Rio)

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mente o parentesco entre o pensador húngaro e Naphta: “Em sua extrema feiúra e argumentação implacável ele é modelado em György Lukács, cujos poderes persuasivos eram tais que ‘enquanto ele falava, ele estava certo’” (HEILBUT, 1997, p. 411). Entre os elementos que conectam este pensador húngaro e o personagem de A Montanha Mágica também podem ser elencados alguns de cunho biográfico. Pesa, por exemplo, o fato de que Thomas Mann era amigo do pai do filósofo húngaro, que chegou a lhe pedir para dissuadir seu filho da perigosa vida revolucionária que estava vivendo; aliás, este foi um dos pretextos para o encontro entre ambos em 1922. Mann possivelmente se inspirou na família de Lukács para compor a tensa relação entre Naphta e sua mãe e irmãos, assim como o respeitoso relacionamento com o pai (cf. MARCUS, 1987, p. 82). O componente “lukacsiano” deste personagem pode, contudo, ser encontrado de forma mais precisa e decisiva não em sua história de vida ou em sua fisionomia, mas sim em sua personalidade, em seu aspecto espiritual, intelectual. Tanto Naphta quanto Lukács compartilham a aspiração por formas mais nobres de existência; a ética lukacsiana busca superar a de Kant (1724-1804), considerada insatisfatória e limitada à esfera do “ordinário” e do “cotidiano”. A verdadeira ética estaria baseada no “milagre, graça e salvação” (cf. Ibidem, p. 137). Dentre os traços compartilhados por ambos, contudo, os dois principais são o ascetismo e a abordagem religiosa do comunismo (cf. Ibidem, pp. 105-106). Sobre o comportamento ascético, cabe dizer que já em seu ensaio sobre Theodor Storm (1817-1888), em A Alma e as Formas, Lukács louvava o artista que se dedica integralmente ao trabalho. O estilo de vida burguês possui o aspecto de “um trabalho forçado, de uma hedionda servidão (...) que impõe a firme disciplina do trabalho aos seus entusiastas” (LUKÁCS, 2015, p. 100); aliás, neste ponto o próprio Thomas Mann se identifica com Lukács. Há no artista burguês (bürger), cujo “tipo ideal” é Storm, a dor existencial de um romântico tardio; ele é caracterizado pela renúncia, resignação e autodisciplina. Lukács, portanto, professa um ascetismo radical: arte e vida intelectual pressupõem um distanciamento de uma “vida fracassada e arruinada” (Ibidem, p. 100). Mann se inspirou nesse ensaio de Lukács para fazer a apologia do ascetismo burguês em Considerações de um Apolítico: identificou-se com a preponderância do ético sobre o estético, da vida sobre a obra, da ordem sobre o estado de ânimo, do duradouro sobre o

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momentâneo, do trabalho sereno sobre a genialidade (cf. MANN, 1978, pp. 123-124). Podese ir além e afirmar que Mann compõe a rigidez que define o caráter de Leo Naphta também a partir do modelo lukacsiano. Há neste personagem, assim como no pensador húngaro, uma aspiração por “dogma”, por “existência regrada” – no caso de Lukács, pela adesão ao Partido Comunista; em Naphta, através da vida estruturada numa instituição jesuíta. O narrador de A Montanha Mágica traça uma interessante comparação de Naphta com Joachim, um soldado do exército alemão que é primo do protagonista Hans Castorp: Cada qual dos dois devia olhar com simpatia a profissão do outro e perceber o parentesco estreito que existia entre ela e a própria. Eram castas militares, tanto uma como outra, e isso sob muitos aspectos, o do ascetismo e o da hierarquia, o da obediência e o do pundonor espanhol. Esse último desempenhava um papel importantíssimo na ordem de Naphta, que tinha a sua origem na Espanha (...). Mas o que os mundos de Naphta e Joachim tinham em comum, antes de mais nada, era a relação com o sangue e o axioma de que não se devia impedir a mão de derramá-lo (MANN, 2000, pp. 610-612).

A autodisciplina do personagem jesuíta lhe dava um elemento heróico que é descrito como sua “coragem” – e o ato supremo de coragem é seu suicídio, no penúltimo capítulo de A Montanha Mágica. Quando seu duelo pedagógico com Settembrini chega ao ápice, Naphta apela para a honra de seu adversário e o desafia para um duelo de armas. O desfecho não poderia ser mais trágico: – O senhor atirou para o ar – disse Naphta, controlando-se, enquanto baixava a arma. Settembrini replicou: – Eu atiro como quero. – Atire o senhor novamente. – Nem penso nisso. Agora é a sua vez. (...) – Covarde! – bradou Naphta, e com esse grito humano admitiu que era preciso maior coragem para atirar do que para servir de alvo. Levantou então a pistola de um modo que nada mais tinha em comum com um combate, e descarregou-a na própria cabeça (MANN, 2000, p. 972).

Naphta, portanto, morreu na “hora certa”, justo quando queria; a autodestruição vem quando, vencido pela enfermidade, “confessa” que os esforços de autonegação e recusa à vida foram em vão. Só lhe resta então o sacrifício (cf. MARCUS, 1987, pp. 123-127). O ascetismo de Lukács também flertou com o tema do suicídio, o que não surpreende dada a agonia existencial que marcou sua vida e obra na década de 1910. O suicídio de sua

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amante Irma Seidler (1883-1911) teve um impacto devastador em seu pensamento, inspirando diretamente o ensaio Da pobreza do espírito: um diálogo e uma carta (1911). Eis um trecho do diálogo em que o suicídio de Seidler ganha um componente de gesto, de decisão existencial, inspirando a própria continuidade da empreitada intelectual de Lukács: Mas agora tudo está claro; esse desfecho sem sentido, absurdo, essa catástrofe sem tragédia, é, para mim, uma sentença divina. Retiro-me da vida. Assim como na filosofia da arte apenas o gênio tem o direito de existir, na vida apenas o homem agracidado pela bondade deveria poder existir. (...) O suicídio é uma categoria da vida, e eu estou morto já faz tempo. (...) Por isso sua morte se tornou uma sentença divina para mim. Ela teve de morrer para que minha obra se consumasse, para que não me restasse mais nada no mundo fora minha obra (LUKÁCS, 2015, p. 256).

Quanto à relação entre religiosidade e comunismo, cabe ressaltar, em primeiro lugar, que Thomas Mann, em apenas uma conversa (e, é claro, lendo os escritos estéticos do húngaro), conseguiu captar o caráter religioso de Lukács e transpô-lo em Naphta. Mann compreendeu a continuidade entre os diferentes “estágios vitais” de Lukács: o estético, o ético e o político (cf. MARCUS, 1987, p. 132). A influência de Ernst Bloch levou o pensamento de Lukács para uma direção utópica; Martin Buber (1878-1965) o inspirou a dar a esse elemento utópico uma coloração religiosa e até messiânica. Nesse sentido pode-se afirmar que a “etapa ética” de Lukács começa em 1915, portanto é contemporânea à escrita da A Teoria do Romance (cf. Ibidem, pp. 132-133) – algo que, como vimos, é explícito no capítulo final, sobre os escritores russos e o “novo mundo” que permitem vislumbrar. Em segundo lugar, tanto Lukács quanto Naphta estão convictos da necessidade da crueldade, do sacrifício humano para o fim escatológico, seja ele a glória de Deus ou a “totalidade imanente”. Se em O bolchevismo como problema moral (1918), ensaio escrito uma semana antes de sua conversão ao marxismo, Lukács ainda não compartilhava da “aceitação metafísica que é possível extrair o bem do mal, que é possível (...) chegar à verdade pela mentira” (LUKÁCS, 1975 apud MACHADO, 2004, p. 148), pouco depois ele passou a acreditar que, “para se alcançar o novo mundo, é necessário sacrificar-se – ‘de uma ética mística à cruel Realpolítica’” (MACHADO, 2004, p. 150). Quanto a Naphta, em uma de suas conversas com Settembrini, o personagem jesuíta lhe critica o “individualismo liberal” e o “absolutismo

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esclarecido do eu”, e defende a iminência de “ideias sociais menos efeminadas, (...) ideias de disciplina e de docilidade, de coação e de obediência” (MANN, 2000, pp. 620-622). Em terceiro, é possível estabelecer um paralelo entre suas conversões. Naphta superou sua crise existencial após se filiar à Companhia dos Jesuítas; concebia a Igreja Romana como “uma potência nobre e espiritual, quer dizer antimaterial, contrária à realidade hostil do mundo, e portanto revolucionária” (Ibidem, p. 605; grifos meus). Por sua vez, Lukács encontrou no marxismo uma resposta para as dúvidas angustiantes que permeiam sua obra de juventude. Nesse sentido, considerava tal visão de mundo como algo mais que uma ciência social: era uma religião, e consequentemente implicava em um sacrificium intelectus. Esse fervor pode ser encontrado, por exemplo, em sua defesa do método dialético: Em matéria de marxismo, a ortodoxia se refere antes e exclusivamente ao método. Ela implica a convicção científica de que, com o marxismo dialético, foi encontrado o método de investigação correto, que esse método só póde ser desenvolvido, aperfeiçoado e aprofundado no sentido dos seus fundadores (...). Essa concepção dialética da totalidade (...) é o único método capaz de compreender e reproduzir a realidade no plano do pensamento (LUKÁCS, 2003, pp. 64; 78-79; grifos meus).

Em quarto lugar, Lukács compartilha com a fé judaica a noção de um Deus dominante e justo; assim como Naphta, acredita que, ao fazer a “escolha correta”, o indivíduo pode sacrificar “seu eu interior no altar da idéia elevada”. Sendo assim, seu rigor ético que beira o fanatismo e sua moral de convicção (“os fins justificam os meios”) têm como corolário a convicção de que a violência é necessária em certas “situações trágicas”, em prol da “salvação da sociedade” (cf. MARCUS, 1987, pp. 139-140; 146). Um de seus primeiros ensaios marxistas, Tática e Ética (1919), evoca uma visão voluntarista da política: “Pois a decisão precede o fato. Quem reconhece a realidade – entendida no sentido marxiano – é amo e não escravo dos fatos vindouros” (LUKÁCS, 2005 apud VEDDA, 2012, p. 47; grifos no original). Por fim, é interessante notar como tanto o “jesuíta vermelho” da ficção quanto o “anticapitalista romântico” da vida real são marcados por um intenso messianismo; basta lembrar, de um lado, a adesão espetacular de Lukács ao comunismo; do outro, Naphta, em uma das passagens mais desconcertantes de A Montanha Mágica, disserta em um tom profético sobre a revolução socialista como restauração do Império cristão:

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... o proletariado do mundo, hoje em dia, opõe a humanidade e os critérios da Cidade de Deus à depravação burguesa-capitalista. A ditadura do proletariado, essa exigência de salvação política e econômica dos nossos tempos, tem o sentido (...) de uma ab-rogação temporária do conflito entre o espírito e o poder sob o signo da cruz, o sentido de se triunfar sobre o mundo dominando-o, (...) o sentido do Reino. (...) O proletariado retomou a obra de Gregório; sente arder no seu íntimo o zelo piedoso do grande papa e, como ele, tampouco poderá impedir as suas mãos do derramamento de sangue. Sua incumbência é espalhar o terror para a salvação do mundo e para a conquista do objetivo da redenção, que é a relação filial com Deus, sem a interferência do Estado e das classes (MANN, 2000, p. 550; grifos meus).

Este trecho deixa explícita a relação entre o personagem e seu modelo. Naphta via a “salvação do mundo” como a missão do proletariado, e esta também era a demanda marxista suprema de Lukács; o “terror” é definido por ambos como um ato reprovável, mas verdadeiro e tragicamente moral. Nesse ponto as noções lukacsianas e os pronunciamentos de Naphta se tornam praticamente idênticos (cf. MARCUS, 1987, p. 147). A relação entre Naphta e Lukács é questionada por Hanspeter Brode, para quem a relação do personagem com o pensador húngaro seria “esquemática e superficial” (cf. BRODE, 1975, p. 132), afinal o personagem tem ideias cristãs, conservadoras e até niilistas que se distinguem fortemente da filosofia da história hegeliano-marxista à qual Lukács aderiu. Brode, porém, cita uma carta em que Thomas Mann confessa a relação entre Naphta e Lukács em uma carta a seu amigo Max Rychner, em 1947: “Lukács de alguma maneira me aprecia (e aparentemente não se reconheceu na figura de Naphta)” (Ibidem, p. 132). Thomas Mann, contudo, em outras ocasiões negou a inspiração, e disse que o personagem era fruto de sua imaginação – o que estaria evidente na peculiar mistura de jesuitismo e comunismo. Lukács não se reconheceu publicamente como o personagem; em seu ensaio À procura do burguês (1945) chegou a definir Naphta como “porta-voz de uma cosmovisão reacionária, fascista e antidemocrática”. (LUKÁCS, 1945 apud BRODE, 1975, p. 132) Em uma entrevista a Judith Marcus, contudo, o pensador húngaro admitiu nunca ter dúvidas de que o personagem de A Montanha Mágica tinha alguns aspectos “emprestados” dele, mesmo que de forma irônica (MARCUS, 1987, pp. 63-65). A partir dessa afirmação de Lukács,

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Marcus afirma que só foi a partir daquele encontro de 1922 que Mann deu forma a Naphta; foi graças àquela única conversa que o escritor viu e ouviu o personagem (cf. Ibidem, p. 69).

Conclusão Neste artigo procurei argumentar que, embora seja possível traçar analogias entre o personagem Leo Naphta de A Montanha Mágica com figuras como Carl Schmitt e Ernst Bloch, a interpretação mais consistente aponta para uma ficcionalização de Georg Lukács. É verdade que se pode diluir essa inspiração alegando, tal como Michael Löwy, que Naphta não se assemelha a nenhum modelo real, pois “representa o tipo ideal do romântico anticapitalista, e, em particular, da versão judia dessa corrente cultural” (LÖWY, 2008, p. 96). Quando, contudo, nos deparamos com o “coquetel explosivo de messianismo utópico, de fé escatolológica, de anticapitalismo romântico, de moralismo revolucionário” (VANDENBERGHE, 2012, p. 362) que há na obra de Lukács entre as décadas de 1910 e 1920, é difícil acreditar que Thomas Mann (que, como vimos, leu vários ensaios e conheceu pessoalmente o pensador húngaro) não tenha aproveitado pelo menos alguns aspectos da personalidade e do pensamento de Lukács para conceber Naphta. Talvez um dos mais controversos personagens intelectuais do século XX, Lukács vivia uma persistente busca por uma saída da vida cotidiana para alcançar uma “verdadeira” realidade. Seus escritos de juventude são marcados por uma “concepção ética elitista e estetizante” (cf. MACHADO, 2004, pp. 147-150), a qual é mantida mesmo depois de 1918, quando finalmente encontra o seu sentido existencial no engajamento pela revolução. Leo Naphta é tão revolucionário quanto Lukács, e tão avesso à modernidade quanto ele. Há diferenças nos detalhes, mas que no extremo também se assemelham: de um lado temos um judeu convertido ao cristianismo que leva seu desespero existencial às últimas consequências, e comete suicídio como se fosse um ato heróico; do outro, temos um ateu e marxista que, frustrado com os impasses da arte moderna e com a decadente moralidade burguesa, resolve sua profunda angústia intelectual sacrificando o seu intelecto, com uma conversão religiosa ao marxismo. Lukács, portanto, encarnou como ninguém o drama existencial da intelectualidade do século XX: as ideologias estéticas e políticas são sucedâneas das religiões. Por sua vez, NaRevista Discente do Programa de Pós-Graduação em História Social Cultura (PUC-Rio)

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phta é uma notável expressão literária desses radicalismos ideológicos, tanto reacionários quanto revolucionários. Mais do que isso: o “jesuíta comunista” de A Montanha Mágica também encarnou o niilismo que acometeu boa parte dessa intelligentsia: “a ‘transcendência’ tematizada na figura de Naphta permanece (...) na negatividade. Não indica uma forma de sobreviver às intempéries do nosso tempo” (FREITAG & ROUANET, 1975, p. 47). O humanista Settembrini, seu rival, certa vez apontou para Hans Castorp os perigos espirituais que acarretavam o contato com aquela estranha figura: “Sua forma é lógica, mas sua natureza é confusão” (MANN, 2000, p. 555). O mesmo talvez se possa dizer do pensador húngaro... É preciso reiterar que Thomas Mann não conhecia os textos da fase marxista de Lukács quando estava escrevendo A Montanha Mágica; só havia lido A Alma e as Formas e A Teoria do Romance (cf. MARCUS, 1987, p. 63). Isso demonstra a força visionária com que captou as possibilidades inerentes no tipo religioso do jovem Lukács, pois criou um personagem cuja defesa do comunismo, povoada por um tom messiânico e soteriológico, assemelha-se de forma intrigante com a do pensador húngaro. O tom paradoxalmente nostálgico e utópico que caracteriza, por exemplo, os ensaios de A Alma e as Formas permitiram à intuição poética de Mann, assim que conheceu pessoalmente este ensaísta, terminar de compor um retrato ficcional intrigante, no qual política, ética e religião se mesclam com fervor num personagem que, décadas depois, ainda pode ser visto como uma notável alegoria das turbulências ideológicas que marcaram a Europa e o mundo no século passado.

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