O Peso na Mídia: Análise do Discurso de Veja sobre o sobrepeso na mulher

May 26, 2017 | Autor: Rafael Requião | Categoria: Media Studies, Woman Studies, Magazines, Weight, Speech analysis
Share Embed


Descrição do Produto

FACULDADE SOCIAL DA BAHIA

Rafael Guimarães Requião

O Peso na Mídia: Análise do Discurso de Veja sobre o sobrepeso na mulher

Salvador 2016

FACULDADE SOCIAL DA BAHIA

O Peso na Mídia: Análise do Discurso de Veja sobre o sobrepeso na mulher

Trabalho Monográfico apresentado ao curso de Jornalismo da Faculdade Social da Bahia como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Bacharel em Jornalismo. Orientadora: Mascarenhas

Salvador 2016

Profa.

Ma.

Cristina

AGRADECIMENTOS

À minha mãe, por me proporcionar a vida acadêmica, tanto financeiramente quanto moral e emocionalmente. Ao meu pai, pelas caronas em horários aleatórios e pela paciência. À minha irmã, ao abrir precedente por mostrar aos meus pais que uma carreira “de humanas” também é digna. À Juju, minha companheira e parceira de todas as horas, pelo apoio incondicional e pelo amor. À internet, por proporcionar buscas complexas e toda forma de entretenimento na velocidade da luz e (quase) nunca me falhar. Aos professores, à coordenadora e à orientadora, pela dedicação infalível e pela fé e paciência em seus estudantes. Aos colegas, pela oportunidade de conhecer profissionais competentíssimos e amigos, nos quais posso me inspirar. Aos amigos, pelos desabafos e pela ajuda no crescimento e conscientização.

RESUMO

Este trabalho monográfico realiza a Análise do Discurso da Veja, revista de maior circulação nacional, sobre o sobrepeso em mulheres. Levando em consideração a influência da mídia na formação ideológica da sociedade, em especial os veículos informativos, revestidos de autoridade e lugar de fala, a pesquisa busca evidenciar a forma como um dos principais representantes desta categoria retrata e compreende o sobrepeso nas mulheres. Para isto, utilizou-se a metodologia da Análise do Discurso, a fim de trazer à mostra elementos textuais e

semânticos

comportamentos

presentes

na

negativos,

revista doenças

que e

correlatam aparência

o ruim.

sobrepeso

à

Atualmente,

aproximadamente 49% das mulheres no Brasil estão com sobrepeso. A desinformação e o preconceito acerca do tema, aliado à não adequação aos padrões estabelecidos de beleza, fazem com que a mulher acima do peso seja frequentemente incompreendida e/ou marginalizada. Procura-se, com este trabalho, uma maior conscientização do sobrepeso e uma visão mais ampla da percepção da mulher gorda na sociedade.

Palavras-chave: Sobrepeso, Gordura, Jornalismo de Revista, Mulher, Discurso.

SUMÁRIO

Introdução ---------------------------------------------------------------------------------------6 Capítulo 1 – A Mulher Acima do Peso 1.1 A Questão Sócio-histórica e Midiática -------------------------------------10 1.2 A Questão Fisiológica ----------------------------------------------------------14 Capítulo 2 – Jornalismo de Revista e Metodologia 2.1 O Jornalismo de Revista ------------------------------------------------------20 2.2 A Revista Veja -------------------------------------------------------------------26 2.3 Análise do Discurso -------------------------------------------------------------29 Capítulo 3 – Análise dos textos ------------------------------------------------------------36 3.1 Entrevistas -------------------------------------------------------------------------38 3.2 Notas e Notícias ------------------------------------------------------------------54 3.3 Matérias e Reportagens --------------------------------------------------------63 Considerações Finais -----------------------------------------------------------------------108 Referências ------------------------------------------------------------------------------------110 Anexos 1. A Publicidade na Revista Veja ----------------------------------------------112

6

INTRODUÇÃO

Durante a minha vida, tive a oportunidade de conhecer pessoas das mais variadas origens e personalidades, com histórias únicas e muito particulares. Entre elas, claro, algumas mulheres acima do peso – incluindo membros da minha própria família. Essas mulheres eram (e são) competentes, em sua maioria saudáveis, confiantes, ativas e competentes no seu campo de trabalho. Portanto, desde jovem, tive dificuldade em compreender o porquê da imagem das mulheres gordas em novelas, filmes, programas de TV e revistas ser tão destoante da realidade que eu via e convivia diariamente. Na mídia massiva, o sobrepeso sempre esteve, pela minha percepção, associado a doenças, ao sedentarismo e ao pouco cuidado pessoal. E, infelizmente, essa ideia parecia se espalhar para o “mundo real”, onde pude ver pessoas compartilhando as mesmas ideias propagadas nas TVs e em outros veículos – ideias estas que, pra mim, não condiziam com a realidade. Atualmente, esse paradigma pouco mudou. Existem avanços, existe a conscientização, mas muitas pessoas ainda têm preconceito e ideias erradas sobre o sobrepeso e sobre a mulher gorda. O circuito de moda Plus Size (para as acima do peso), ainda é pouco representativo – um fato estranho para um país onde metade das mulheres está acima do peso. As grandes lojas de departamento pouco oferecem para esta parcela da população. Busco, com este trabalho, portanto, fazer a minha parte – o pouco que posso fazer – para que essa situação mude e para que as pessoas cresçam. Para que a mídia e o mundo vejam as mulheres gordas como elas realmente são: Como mulheres ativas, participativas e em nenhum aspecto inferiores às que têm o chamado “peso ideal”. O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo a Análise do Discurso dos conteúdos presentes na revista Veja, entre os anos de 2014 e 2015, sobre a mulher acima do peso e assuntos relacionados a este grupo social, como dietas, distúrbios alimentares, estética e moda.

7

A hipótese é que o sobrepeso é tratado de forma inadequada pela mídia nacional, com tom pejorativo, associado ao descontrole alimentar ou descuido, sem observar questões pessoais, transtornos alimentares e problemas de saúde que podem, também, determinar a elevação do peso. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu, em 2000, os parâmetros para definir se o indivíduo está com sobrepeso. O cálculo do Índice de Massa Corpórea (IMC) é feito através da divisão do peso em quilogramas pela altura em metros elevada ao quadrado. Aqueles que apresentam resultado acima de 25 estão acima do peso. De acordo com pesquisa feita pelo Ministério da Saúde, atualmente, 51% da população brasileira está acima do peso, ou seja, aproximadamente 100 milhões de pessoas. Entretanto, esse conceito de sobrepeso, apesar de estabelecido cientificamente, nem sempre teve o mesmo tratamento na história das civilizações. Uma das esculturas mais antigas do homem de cerca de 40 mil anos, a Vênus de Willendorf, trata-se de uma mulher gorda e de seios fartos. Não é necessário sequer ir tão longe. Na arte renascentista e barroca, os padrões de beleza estavam associados à da mulher acima do peso. Na publicidade da década de 1940 e 1950, podem-se verificar o mesmo princípio, apesar de mudanças estarem surgindo. Com esta análise, pretende-se investigar o tratamento que as publicações da revista Veja, a representante mais expressiva deste segmento, dispensa à mulher acima do peso, visando verificar, com essa análise, se as revistas de cunho jornalístico, que, de acordo com os seus princípios, deveriam ser imparciais, objetivas e livres de preconceitos, são norteadas por estes princípios na cobertura deste tema. As razões da escolha da Análise do Discurso (AD) como metodologia para o trabalho monográfico são muitas: em se tratando de um tema altamente rico e, até certo ponto, tabu na sociedade brasileira, existem diversas vicissitudes a serem observadas, especialmente no texto. Em se tratando de linguagem, onde a semântica não é invariável e padronizada, a utilização da AD se faz imprescindível para a busca do discurso, do “conteúdo real”, por assim dizer.

8

Em se considerando que uma mesma frase, escrita de maneira idêntica, pode conter discursos diferentes, a depender de uma série de fatores como perfil do enunciador, contexto, período histórico, perfis socioeconômicos do receptor, construção da mensagem em si, etc, a análise da estruturação do discurso, moldado por tais fatores, é objetivo do trabalho. A estrutura da monografia resultante da pesquisa consta de três capítulos. O primeiro é onde o tema será tratado. Ele deve abarcar os aspectos científicos do sobrepeso, além dos sociais e históricos. Também será discorrido sobre a relação do peso com a mídia e comportamento, além de breve avaliação do contexto histórico que resultou nos paradigmas atuais. A principal função do capítulo supracitado será abordar os aspectos que rodeiam o sobrepeso e a obesidade na era moderna, a fim de aprofundar os conhecimentos do leitor para o capítulo de análise. O segundo capítulo tratará do tema jornalismo de revista. Nele, serão abordados os principais conceitos, regras e elementos do jornalismo voltado para as revistas informativas, a fim de contemplar os aspectos técnicos para aprofundar os conceitos do leitor e proporcionar uma maior compreensão e capacidade crítica sobre o tema. Além de contemplar conceitos de jornalismo de revista, esse capítulo também trará uma breve história da revista Veja no cenário nacional, desde sua fundação, suas maiores transformações e suas características editoriais e orientação política. Tudo isto para construir uma espécie de “quadro” do veículo que será analisado e nos aprofundarmos nos elementos que dão origem à cobertura específica. Em sua finalização, capítulo tratará também da Análise do Discurso, apresentando conceitos e técnicas da metodologia de análise científica, além de breve histórico da linha francesa, que será a utilizada ao longo do terceiro capítulo. Compreender a metodologia se faz imprescindível para incrementar a bagagem de conhecimentos do leitor para a melhor experiência com a leitura desta monografia. Enfim, o terceiro capítulo tratará da análise em si da revista Veja, no período de um ano. Matérias mais complexas e trabalhadas serão destacadas e a análise

9

do discurso, associada ao conhecimento levantado em relação ao tema, será usada para discorrer e evidenciar o discurso por trás dela – o conteúdo “escondido”, por assim dizer. Sendo parte essencial e mais complexa do trabalho, o capítulo relacionará os dois capítulos anteriores e usará o conteúdo disponível para desconstruir as matérias selecionadas e analisa-las através da luz da AD. O objetivo final do estudo é verificar se o veículo, como representantes de interesses corporativos e fazendo proveito de seu poder de influência sobre a opinião pública, aborda a questão da mulher acima do peso de modo a sedimentar valores sociais de beleza e saúde, em detrimento da consideração de fatores fisiológicos, sociais e a conscientização do leitor.

10

CAPÍTULO 1: A MULHER ACIMA DO PESO

1.1 A QUESTÃO SÓCIO-HISTÓRICA E MIDIÁTICA O seguinte trabalho monográfico tem como objetivo analisar o discurso da revista Veja sobre a mulher acima do peso no Brasil. Tal tema proposto, considerando sua complexidade e vertentes sociais englobadas, requer o conhecimento de como surgiram os padrões de beleza, como foram alterados ao longo dos anos e como se estabeleceram nos modelos atuais. Os trabalhos já feitos sobre o tema ainda são escassos. Em Políticas do Corpo, compilação de artigos de Denise Sant’anna, exploram-se diversas questões a respeito de noções de estética e comportamento em sociedade. Três dos artigos são direcionados ao estudo do corpo gordo: Os desafios da leveza, em que a autora discorre sobre a glamourização do esporte associado à publicidade e à preocupação com as práticas corporais; Cuidados de Si e Embelezamento Feminino, em que a autora discorre sobre os padrões estéticos e traça um histórico da cobrança social pela beleza na mulher; Obeso Benigno, Obeso Maligno, onde o autor discorre sobre quais os tipos socialmente “aceitáveis” de sobrepeso e quais as causas para tal. Serão utilizadas também fontes de outros países, como, por exemplo, os autores George Duby e Claude Fischler, ambos franceses, e Suzan V. Yanovski, estadunidense, devido à limitação do acervo nacional, mas também para enriquecer a pesquisa com fontes diversas. O livro História das Mulheres, de Gerordes Duby e Michelle Perrot, uma espécie de almanaque ilustrativo de consulta, não se refere exclusivamente à questão do sobrepeso, pelo contrário, este é apenas um dos diversos aspectos comportamentais, históricos, políticos, culturais e questões sociais em geral sobre a mulher. No capítulo “O corpo, Aparência e sexualidade”, os autores discorrem sobre como os conceitos estéticos do corpo foram delimitados pela sociedade e pela arte.

11

Na Idade Moderna, por exemplo, o renascimento italiano foi o responsável pelos conceitos contraditórios em relação à sexualidade e estética, contrapondo o puritanismo e a rejeição à higiene com a recuperação de ideais clássicos de perfeição física. Esta perfeição física revisitada pela arte, como pode-se conferir nas obras O banho de Betsabé, de Brusasorci, é contrastante com a que se tem hoje. O centro da obra, a personagem bíblica Betsabé, aparece com partes do corpo descobertas, o que a revela uma mulher com formas curvadas e gordura saliente. No contexto da obra, a visão do corpo de Betsabé fez com que o rei David se apaixonasse instantaneamente. Outro exemplo é a obra Concerto Campestre, pormenor. “Um novo ideal de beleza feminina começa a definir-se no fim do século XV. Giorgione ilustra a aristocrática espiritualidade humanística e modela, em luzes e sombras, a graça melancólica desde corpo novo: ventre avultado e braços e pernas arredondados” (DUBY, PERROT, 1991). Outros renomados pintores que se dedicaram a retratar a beleza da corpulência feminina foram Rubens e Rembrandt. Esse padrão de beleza permanecerá na arte até o fim do século XVIII, e, segundo a autora, está associado aos padrões das classes abastadas. Nos séculos XVI e XVII, a culinária europeia é marcada por uso nas preparações de manteiga, da nata e dos doces. A gordura, enquanto alimento e enquanto constituinte do corpo, era até então percebida como algo saudável, uma característica atribuída aos ricos, enquanto a magreza, ao contrário, era um sinal de falta de saúde, de pouca beleza e principalmente sinal de pobreza. (VASCONCELOS et. al, 2004, p.72)

Esse paradigma de beleza, reiteram Freire e Priore (2003), estava estreitamente ligado à introdução do açúcar proveniente da cana e da batata na dieta dos europeus, especialmente nos países colonizadores. Até mesmo na poesia, poderiam ser vistos traços da valorização do padrão estético feminino gordo. As autoras citam os adjetivos mais comumente associados à perfeição física como “delicada”, “suculenta” e “doce. Havia a preocupação de se engordar as mulheres mais abastadas, com receio de que ficassem anêmicas ou tivessem dificuldade de se casar.

12

No Brasil, esse modelo durou até o início do século XX, onde as mulheres de “vastas e ostensivas ancas das matronas brasileiras, eram verdadeiras insígnias aristocráticas” segundo Gilberto Freyre (apud Freire e Priore, 2003). A mudança na forma de enxergar a mulher gorda começou a se formar no final

do século XIX, na Europa, e chegou ao Brasil no início do século seguinte. No continente Europeu, os manuais de medicina e os textos de teóricos como Tissot e Pestalozzi (Freire e Priore, 2003) mudaram a visão a respeito do corpo. As mulheres começaram a recorrer à prática da atividade física e à dietas em parte pela nova “onda saudável” que surgia, em parte para seguir as tendências da moda. Aliado ao início do pré-romantismo e do crescimento da indústria, a percepção de beleza foi se alterando. A valorização passou a ser do corpo magro, esguio. A mudança nas vestimentas, também, ocasionou uma preocupação maior com o peso. No entreguerra (1918 – 1938), dá-se início à exposição do corpo. Este período representa para a burguesia uma época de liberação do corpo onde é travada uma outra relação entre o físico e as roupas. Não há mais lugar para roupas que escondam os corpos, a mudança é ainda mais visível em relação ao vestuário feminino. Saem as cintas e corpetes, entram em cena as calcinhas e sutiãs. As roupas se encurtam, as pernas são valorizadas pelas meias. (VASCONCELOS et. Al, 2004, p. 73)

Também no início do século XX, vimos surgir os frutos da Revolução Industrial ocorrida no século anterior: O rádio e as grandes prensas. A primeira rádio do Brasil, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, teve sua primeira emissão no ano de 1923. Antes mesmo disso, os jornais impressos já completavam mais de um século e estavam cada vez mais se aperfeiçoando e implementando quantidades maiores de publicidade. Entre 1900 e 1930, existe um aumento significativo desta publicidade voltada para a estética e para a “correção de defeitos” do corpo (SANT’ANNA, 2005). O termo cosmético sequer era utilizado e sim, “remédio” – deixando clara a percepção de eventuais características físicas como problemas de saúde para serem tratados.

13

A beleza se tornou traço obrigatório, sempre quase exclusivamente entre as mulheres, a partir da década de 1950. Em revistas direcionadas ao público feminino, tratamentos estéticos, dicas e comportamento eram transmitidos usando como interlocutor certas celebridades – alçadas, pelo veículo, à categoria de “mulheres-modelo” - tais como atrizes, modelos e vedetes. A aparência física passou a ser ainda mais associada ao bem-estar e à autoestima. A modernização das revistas, também, trouxe consigo o aumento considerável no número de imagens e publicidade, abusando principalmente de fotos coloridas de mulheres esbeltas e dentro do padrão (DUBY, PERROT, 1991). A linguagem ameaçadora, crua e indecente e a veiculação de imagens “sofredoras” se popularizaram a partir dessa década. “O importante é ressaltar a imagem da mulher bela, que, desde então, ousa reinar sozinha, em fotografias coloridas, ocupando páginas inteiras de revistas, sem tristeza e, sobretudo, sem passado” (SANT’ANNA, 2005). A informalidade no tratamento das informações, como uma espécie de conversa entre autor e leitor, dá a impressão de estreitamento de relações, aproximando, superficialmente, ambas as partes. A influência do cinema e da publicidade estadunidense também ganha volume, aliada à modernização e popularização de cosméticos com as mais diversas propriedades. Aparência e estética passam a se tornar fator indiscernível de cuidado pessoal e saúde, e a noção de “só é feia quem quer” passa a ser difundida. Tanto nas rádios nacionais, como nas revistas de molde internacional, como a Cinelândia, Querida e Capricho alternam entre dicas de comportamento e cuidados com o corpo. “Tem-se a impressão de que os antigos pudores embaraçando a construção individual da beleza perderam o sentido. “A ‘Batalha da beleza’ parece ganha” (SANT’ANNA, 2005). As revistas voltadas para o público feminino, como Atrevida, Claudia, Nova e até mesmo a Capricho, uma das mais antigas do ramo, têm essencialmente o mesmo discurso construído para a mercantilização do corpo feminino e a busca da perfeição corporal. O corpo da mulher, usado como moeda e produto - por um lado, a publicidade utilizando mulheres atraentes (de acordo com o padrão magro) para associar seu objeto; do outro, cosméticos, técnicas estéticas, alimentos e até remédios para se alcançar aquele corpo.

14

Atualmente, o que se percebe é o aperfeiçoamento da técnica que vem sendo construída desde a modernidade e até antes disso: A midiatização e a utilização conveniente do corpo perfeito – corpo este construído, ao longo de anos, pela própria mídia de massa – com o objeto de consumo, de publicidade e da criação de demanda. Um princípio básico de macroeconomia (demanda e oferta), sendo trazido ao âmbito social. E a mulher gorda, nesse mundo midiatizado, excluída do contexto social e estigmatizada – uma pária. A publicidade parte do princípio da desconstrução de conceitos, da objetificação do corpo e da separação do corpo com o ser – como se fossem distinguíveis. Na sociedade da imagem e do consumo, a publicidade elimina qualquer expectativa de aprofundamento na informação para dar mais velocidade ao consumo, como um capital de giro, que vende ideias, conceitos. Nada mais! Para que codificar uma mensagem publicitária? Torná-la mais complexa? Perda de tempo. Basta trazer um diferencial que possa ser visto/lido como benefício para agraciar as vendas. (...) a mídia publicitária procura ser o mais dinâmica possível, investindo em argumentos cada vez mais superficiais, mas que tocam o consumidor profundamente. (GARCIA, 2005, p.44 e 45)

O corpo da mulher não é apenas dela, mas é seu passaporte e sua “cara” para a sociedade. Mais do que isso, ele não é apenas o corpo da mulher – se torna uma moeda de troca, uma estratégia publicitária de vendas e para vendas. Uma associação dos padrões estéticos ao que é socialmente conveniente e objetificado ou o que é representado desde sempre, na cultura.

1.2 A QUESTÃO FISIOLÓGICA Para além das abordagens socioculturais e midiáticas do sobrepeso, existem as questões científicas e de saúde, o que as revistas deixam de mencionar em suas mais variadas coberturas. Faz-se essencial o conhecimento dos processos biológicos que cercam o sobrepeso, a fim de aumentar a bagagem cultural e compreender as particularidades e os aspectos que são abordados nesse trabalho monográfico, além de entender os processos mentais dentro das matérias e notícias da revista Veja na abordagem do tema e os princípios utilizados para analisá-los.

15

As avaliações clínicas para a detecção do sobrepeso são diversas. Os sinais vitais, incluindo altura, peso, Índice de Massa Corpórea (IMC), pulso, pressão sanguínea e temperatura, devem ser medidos e levados em consideração. O IMC deve ser, então, calculado. Trata-se do peso, em quilogramas, dividido pela altura, em metros, elevada ao quadrado. Outra medida que deve ser levada em consideração é a medição da circunferência da cintura. Os dois dados devem ser cruzados, de forma a apontar o resultado da análise clínica (BRAY, BOUCHARD, 2004). De maneira geral, o resultado do cálculo de IMC entre 18.5 e 24.9 representa o peso ideal; de 25 a 29.9, sobrepeso; de 30 a 34.9, obesidade classe 1; de 35 a 39.9, obesidade classe 2; Acima de 40, obesidade mórbida. Os resultados obtidos devem ser também analisados de forma diferenciada a depender da etnia do indivíduo analisado. A obesidade é definida como a acumulação excessiva de gordura corporal derivada de um desequilíbrio crônico entre a energia ingerida e a energia gasta. Neste desequilíbrio podem estar implicados diversos fatores relacionados com o estilo de vida (dieta e exercício físico), alterações neuroendócrinas, juntamente com um componente hereditário. O componente genético constitui um fator determinante de algumas doenças congênitas. Existem diversos tipos e causas de obesidade (BRAY, BOUCHARD, 2004). Clinicamente, elas são divididas em: 1. Obesidades neuroendócrinas: Inclui a obesidade do hipotálamo, Síndrome de Cushing, hipotireoidismo, síndrome do ovário policístico e deficiência do hormônio de crescimento. 2. Obesidade induzida por ingestão de drogas. 3. Abstinência de nicotina (quando o indivíduo fumante cessa o ato). 4. Estilo de vida sedentário. 5. Dieta: Amamentação (se feita de maneira correta, reduz o risco de ganhar peso), comer demais, dietas de alta gordura, dieta rica em carboidratos e pobres em fibra, pouca ingestão de cálcio, frequência de alimentação, privação de alimento,

distúrbio Binge-eating (desejo de comer

compulsivamente) e Síndrome da compulsão alimentar noturna (SAN). 6. Fatores psicológicos e sociais.

16

7. Fatores socioeconômicos e étnicos. 8. Distúrbios genéticos e congênitos: Tais como a Síndrome de Bardet-Bedl (doença genética relacionada ao prejuízo da expressão gênica de alguns genes, tendo a obesidade como uma das principais características), Síndrome de Prader-Willi (distúrbio genético no qual sete genes do cromossomo 15 estão faltando ou não são expressados, resultando em obesidade, deficiência cognitiva, fraqueza muscular, entre outros), Síndrome de Alstrom (doença genética rara, caracterizada por cegueira progressiva, diabetes mellitus na juventude, obesidade e surdez), Síndrome de Cohen (mutação genética no cromossomo 8 e tem várias características

,

tais

como

a

obesidade

,

atraso

mental

e dimorfismo craniofacial) etc. Constatando a variedade de causas do sobrepeso, diversos estudos demonstram de forma evidente a participação do componente genético na incidência da obesidade. A influência genética como causa de obesidade pode manifestar-se através de alterações no apetite ou no gasto energético. (Marques-Lopes, 2016). Sendo assim, não se pode colocar a pessoa gorda na categoria de pessoa descuidada ou desleixada com a saúde e/ou estética. É, no mínimo, questionável a falta de informação, conhecimento (ou, no caso, a desconsideração intencional e não-intencional) e superficialidade no tratamento do tema. George Bray e Claude Bouchard discorrem sobre os conceitos socioculturais da obesidade e quão variados e destoantes eles podem ser: A significância de influências culturais na etiologia da obesidade tem sido bem documentada, particularmente no quesito de padrões sociais de atratividade feminina. Entre as maiores condições crônicas que afetam a morbidade e mortandade, a obesidade é única em ter a significância sociocultural não relacionada com os presumidos efeitos na saúde a longo-prazo, e definições biomédicas da obesidade competem com definições socioculturais. (BRAY, BOUCHARD, 2004, p. 45)

O conceito de sobrepeso é um dos poucos aspectos corporais considerados como condições médicas ou de saúde no qual o peso, sociocultural e etnológico, impactam as impressões de outrem. A cultura é, de modo geral e simplificado, uma concepção que engloba um conceito implícito e explícito de regras de

17

códigos de conduta divididos entre membros de uma sociedade ou subgrupo social particular. De acordo com os autores, por exemplo, foi constatado que o conceito cultural de obesidade destoa significativamente entre os indivíduos de etnias diferentes nos Estados Unidos. Por exemplo, o índice de obesidade entre negros, hispânicos, nativos americanos e das ilhas do pacífico é superior ao dos brancos não-hispânicos. Entretanto, nesses grupos minoritários, muitas vezes o sobrepeso é visto com bons olhos e associado à saúde física, tendo em vista que a magreza excessiva é comumente associada a doenças, tais como tuberculose, câncer e até AIDS, de certa forma, semelhante à visão nos séculos XVII e XVIII, discutida por Georges Duby e Michelle Perrot, que correlacionavam a magreza com baixa condição econômica e doenças. Tais divergências vão de encontro ao comportamento disseminado pela mídia massiva, especialmente a publicidade. A identidade cultural, percebe-se então, é diretamente influenciada por fatores sociais e econômicos, tais como cultura, etnia, patamar econômico e nível de escolaridade. Entretanto, elementos da mídia continuam exercendo papel determinista na construção desses paradigmas de estética e saúde e estabelecendo cobranças e valores associados à comportamentos, como corrobora Wilton Garcia: Como exercício empírico da tentativa de adentrar, de modo crítico, a cultura do consumo, o corpo no contemporâneo demonstra sua força material, uma vez que a pedagogia dessa “boa forma” se encontra em alta no mercado de bens e de serviços. Arriscamos afirmar também que o corpo parece ser o foco determinante para instaurar a identidade cultural pós moderna, seja a partir das ultrapassadas classificações de gênero, classe social ou faixa etária ou, até mesmo, a partir das “novas/outras” condições adaptativas intermediadas pela mídia. Assim, estilo de vida e atitude inscrevem-se no contemporâneo como traço absorvido e representado pelos postulados idiossincráticos do corpo. (GARCIA, 2005, p. 24).

De acordo com Garcia, sobrepeso e obesidade diferenciam muito a relação do corpo com o espaço e o mundo. O corpo requer uma certa quantidade de gordura para o funcionamento endócrino adequado, bem como a regulação a temperatura, funcionamento dos sistemas reprodutor, endócrino e imunológico, assim como absorção mecânica de choque e estoque de energia. Entretanto, o

18

acúmulo em excesso pode ser danoso à mobilidade e flexibilidade, modificando a forma corporal. No entanto, não existem estudos que consigam relacionar o sobrepeso por si só como causa de qualquer enfermidade. O que existem são determinados comportamentos alimentares e físicos, aliados a predisposições genéticas que causam doenças, e que, como efeito secundário, causam o ganho de peso. Portanto, o sobrepeso não é causa de doença, mas sim uma consequência de algo que pode haver causado determinada doença. Sendo o sobrepeso essencialmente a classificação de alguém estar acima do dito “peso ideal”, estabelecido pela medicina, o autor questiona como poderia tal indivíduo estar indiferente à esta constatação? “Será que vivenciamos as armadilhas da ciência e da mídia e as aceitamos, sem sequer nos questionarmos a respeito?” (GARCIA, 2005). Cuidar da imagem corporal implica regular sua sociabilidade cujos efeitos e fórmulas são extremamente relacionados ao padrão cultural imposto pela veiculação massiva (e globalizada) da mídia. Quem ganha muito com isso é o mercado, distribuído entre a mídia, a indústria da beleza e da moda. Os modelos de manequim, que a sociedade segue, ditam as diretrizes da dieta, da cirurgia plástica, do exercício físico. Longe de pensar nos atributos da morte e para querer saudar a vida, na verdade, cultuar o corpo é cultivar a vivacidade da carne. (GARCIA, 2005, p. 26)

A partir das informações sobre o contexto social do sobrepeso e sua relação com a saúde e a mídia, vemos certas discrepâncias entre o discurso estabelecido padrão e os fatos. A justificativa da grande mídia para a busca do corpo ideal estereotipado e da magreza não necessariamente perpassa o quesito saúde e menos ainda a projeção estética deste indivíduo. Um estudo feito pela Datafolha, no estado de São Paulo em 1996, revelou dados no mínimo contraditórios sobre a relação da mulher com a estética. Ela revelou que 50% das mulheres não estão satisfeitas com o próprio peso e 55% delas desejariam fazer cirurgia plástica. Entretanto, 61% delas também revelaram que não praticam qualquer atividade física e preferem apelar para cosméticos para cuidar do “visual”, chegando a gastar 20% ou mais do salário (44% das entrevistadas).

19 Emagrecer, sim. Fazer ginástica, como propunham os higienistas dos anos 20, não! A preocupação com a beleza suplanta a com a saúde. (...) Microcâmeras que entram no corpo, cânulas que sugam gentilmente camadas de gordura entre peles e músculos, transferência de gordura de uma região do corpo para outra, substâncias sintéticas que funcionam como massa de modelar, tudo isso permite a mulher “fazer-se mais magra e, logo, mais bela”. (PRIORE, FREIRE, 2003, p. 4)

A cirurgia bariátrica, um procedimento que pode ser feito de três formas diferentes, mas consiste, essencialmente, em reduzir o tamanho do estômago, tem sido cada vez mais procurada nos dias atuais. Inicialmente, essa cirurgia era recomendada apenas para os casos de obesidade mórbida (IMC superior a 40), mas, atualmente, muitos que não se enquadram no grupo de risco estão apelando para esse método, através do sistema particular de saúde, como uma solução “mágica” para a frustração do sobrepeso. A busca pela aparência estética dentro dos padrões tem usado a justificativa da saúde para se utilizar esses procedimentos.

20

CAPÍTULO 2: JORNALISMO DE REVISTA E METODOLOGIA

2.1 O JORNALISMO DE REVISTA A revista tem uma linguagem única e característica, diferentemente do jornal diário, do rádio e da TV, embora sigam regras e preceitos comuns pertinentes ao campo jornalístico. A revista se diferencia dos demais veículos pela sua periodicidade, sua linguagem mais direcionada e, em determinados momentos, mais informal e pelo foco maior ao público alvo (sendo este mais definido). Ao invés do imediatismo e do jornalismo meramente informativo, a revista possui um sistema diferenciado. “Enquanto editores de sites e portais da Internet disputam segundos e, na pressa, correm o risco de veicular notícias imprecisas ou mesmo erradas, os consumidores parecem cada vez mais interessados na informação correta e não no ineditismo (...). Nas revistas, no entanto, sempre se soube disso. Até por causa de sua periodicidade – que varia entre semanal, quinzenal e mensal – elas cobrem funções culturais mais complexas que a simples transmissão de notícias. Entretêm, trazem a análise, reflexão, concentração e experiência de leitura” (SCALZO, 2008)

Esse caráter de aprofundamento do factual é o que define o texto de revista e também o que garante, nos casos de sucesso, sua longevidade e vendagem. O interesse pelo conteúdo complementar, pela avaliação, pelo tratamento específico e, principalmente, pela análise das causas e desdobramentos é o que incita o leitor a procurar este tipo de fonte em detrimento das demais. “Depois de ‘assentada a poeira’, vem a reflexão, a visão detalhada do contexto, a narrativa instigante e atraente, que faça o leitor mergulhar na história. Ou que, em outras palavras, o faça ver imagens em forma de texto” (VILAS BOAS, 1996). O aprofundamento, embora enriqueça e atraia o público, não vale por si só. O texto de revista também deve ser atrativo pela forma que é escrito, pela maior liberdade e desenvoltura do autor, que elabora o seu raciocínio de forma a cativar e entreter. Segundo Marília Scalzo (2008), o jornalista de revista comunica diretamente ao leitor, relacionando-se com seus interesses e pautando-se pelo que ele deseja saber. Tal segmentação por assunto e público está em sua essência.

21

Nessa formação meticulosa do texto, em que se encontram o processo de construção

da

realidade

com

direcionamento

e

profundidade,

estão

indistinguíveis também a opinião, as visões e os preceitos editoriais de cada veículo. O que se encontra, portanto, não é a veracidade “completa em si”, mas sim, a verossimilhança e o discurso crível. Para tal, o jornalista faz uso de estratégias

linguísticas específicas.

Os critérios jornalísticos,

como a

imparcialidade e a neutralidade do texto são, na verdade, “emulados”. “Envolta em ideias de neutralidade, imparcialidade, clareza e objetividade, a informação jornalística costuma revestir-se de uma aparência de verdade que possa lhe garantir a confiabilidade necessária à sua circulação, seja em qualquer veículo de comunicação. Essa ‘aparência de verdade’, no entanto, não é obtida no domínio da verdade, mas no da verossimilhança, atributo necessário para que a informação cumpra sua condição de credibilidade”. (NASCIMENTO, 2003)

Segundo Patrícia Nascimento (2003), estas marcas textuais se configuram por “marcas-padrão” no texto: a utilização do discurso em terceira pessoa, o uso da ordem direta, a utilização de formas impessoais, o lide e o uso das aspas para delimitar

falas

de

terceiros.

Tais

elementos

textuais,

portanto,

são

conscientemente trabalhados no discurso para implicitar uma imparcialidade que pode não estar presente, como explica Sérgio Vilas Boas (1996): “Cada uma (revista) tem seu estilo, seu modo de ser, sua linguagem. Não raro, esta linguagem é definida pelo tipo de leitor que se quer atingir. A linguagem das revistas semanais de informação geral, muitas vezes, é definida pelo modo de ‘angular’ a matéria, de redigir o texto e pelo ponto de vista predeterminado”. O jornalista de revista deve almejar, para todos os propósitos, os mesmos objetivos que o de qualquer outro meio. “O esforço para apurar os fatos corretamente, o compromisso com a verdade, ouvir todos os lados que envolvem uma questão, mostrar diversos pontos de vista na tentativa de elucidar histórias, o respeito aos princípios éticos, a busca constante da qualidade de informação, o bom texto” (SCALZO, 2008). Esses são os deveres básicos do profissional de jornalismo, se faz imprescindível ressaltar, independente do meio (veículo) para o qual se destina. Entretanto, as subjetividades da escrita são contempladas por Patrícia Nascimento (2003). Segundo a autora, partindo do princípio de que estamos em

22

um mundo de linguagem, símbolos e sentidos, não é coerente uma separação entre realidade, discurso e o lado humano, assim como não há como separar completamente acontecimento, jornalismo e público. “Basta lembrar que o princípio de base das ciências da linguagem é o aspecto constituinte da linguagem, do qual nada escapa, nem os homens e nem as suas produções” (NASCIMENTO, 2003). Essa liberdade textual da revista, então, muitas vezes não se limita à liberdades técnicas de tratamento e de linguagem, e da extrapolação da barreira informativa emissor/receptor, mas

também

acaba por

transmitir no discurso

as

idiossincrasias editoriais do veículo, as visões e crenças do enunciador e outras particularidades. Para Sérgio Vilas Boas, isso se deve à permissividade no texto de revista. “Dentro do assunto tratado, a reportagem de revista repercute um ponto de vista genérico, que poderíamos chamar de tendência. Mas de forma velada. Exemplo: um texto que apresente um diagnóstico das estatais brasileiras pode conter, nas entrelinhas, um posicionamento (tendência) favorável à privatização” (VILAS BOAS, 1996). Segundo o autor, isso não significa necessariamente que a revista esteja se posicionando a favor da atitude. A narrativa leva o leitor a inferir o posicionamento ideológico editorial. Tal visão pode, inclusive, representar uma espécie de pensamento comum daquele determinado público-alvo com a revista em relação ao tema. Uma estratégia amplamente conhecida e utilizada para orientar o processo de pensamento do leitor é o da hierarquização das informações e dos parágrafos. Tendo em vista que o ser humano costuma absorver, em maior volume, as últimas informações que ele viu/escutou, o enunciador pode enumerar, por exemplo, os aspectos positivos e negativos de tal forma que a última informação do texto é aquela defendida pelo mesmo. Temos, a partir do previamente discutido e da fala do autor uma questão maior: O posicionamento ideológico do veículo reflete o pensamento global do públicoalvo, ou, ao perceber a perspectiva do veículo (estando esta não na superfície, mas sim, consequente de inferência), o leitor toma para si, consciente ou inconscientemente, tal posicionamento? Levando em consideração que esta é uma questão essencialmente filosófica, talvez não se possa chegar a uma conclusão formal.

23

O direcionamento do texto, a linguagem e o viés são elementos essenciais e fatores de discernimento no que é o texto de revista. O autor deste tipo de veículo dialoga “diretamente” com o leitor, entende-o e se coloca em sua posição. Fala sobre temas diversos sob uma perspectiva que o interessa e atinja-o direta ou indiretamente. “Enquanto o jornal ocupa o espaço público, do cidadão, e o jornalista que escreve em jornal fala sempre com uma plateia heterogênea, muitas vezes sem rosto, a revista entra no espaço privado, na intimidade, na casa dos leitores. (...) A segmentação por assunto e tipo de público faz parte da própria essência da revista” (SCALZO, 2008). Ultimamente, é válido mencionar, os jornais diários têm tentado se aproximar, nesses aspectos, das revistas informativas. Ameaçados pelo crescimento da internet, pela abundância de informações nos diversos meios de comunicação, pelo custo de produção etc, ele está desenvolvendo novas estratégias para fidelizar e atrair leitores. Essa diferença na linguagem se dá, normalmente, a depender do caderno (tema). É perceptível, por exemplo, no caderno de esportes, o abuso da linguagem informal, das gírias e algum linguajar técnico, especialmente tratando-se de futebol. Isso serve como forma de aproximação, de criar laços de intimidade e compreensão com o leitor. O mesmo se percebe em outros cadernos: em Economia, a linguagem é ligeiramente mais rebuscada, embora de fácil compreensão, e certos termos técnicos são utilizados; Na parte de Cultura, o texto flui de forma mais intimista, numa mistura de rebuscado e descontraído, com certa liberdade poética. O que o periódico diário vem trazendo, em pequenas proporções, é o praticado pelas revistas semanais e mensais (ilustradas) desde o começo da sua popularização. Tirando como exemplo de revista semanal a Veja, a maior tiragem no Brasil do segmento, voltada para o público de classe A, B e C e com nível de escolaridade majoritariamente de curso superior (Estudos Marplan, 2014), percebe-se que, mesmo razoavelmente heterogêneo, ele ainda é segmentado por estes mesmos aspectos. O enquadramento, portanto, é moldado a partir da visão e das experiências de vida deste segmento específico da sociedade. “Uma boa revista começa com um bom plano editorial e uma missão definida – um guia que vai ajudá-la a posicionar-se objetivamente em relação ao leitor e ao mercado”

24

(SCALZO, 2008). A Veja sabe o que o leitor deseja, inclusive ao se posicionar (explicitamente) politicamente. “O jornalismo, sob o aspecto abordado por Veja, aparece, inevitavelmente, como uma instituição com poder normatizador. Assume uma postura capaz de ditar normas para o leitor. Tem autonomia para determinar aspectos da vida particular do indivíduo. Considerando que o público padrão de Veja é a classe média, segmento em busca de dicas de como viver melhor e que não acessa facilmente aqueles profissionais que representam, muitas vezes, as fontes consultadas pela revista, esse poder tem mais chances de se concretizar. Remetendo o saber científico para o leitor, o discurso do veículo em questão aponta para o homem contemporâneo aquilo que deve determinar seu comportamento” (AUGUSTI, 2005).

A periodicidade é outro fator determinante na construção do texto de revista. Tendo em vista que não há notícias “quentes” ou meros factuais, as matérias, reportagens e notas tem outro objetivo: O de aprofundar e repercutir o assunto já visto, de trazer entrevistas e dados exclusivos, fazer um apanhado do que de mais relevante aconteceu durante a semana, além de buscar o ineditismo, sempre que possível. “É sempre necessário explorar novos ângulos, buscar notícias exclusivas, ajustar o foco para aquilo que deseja saber, e entender o leitor de cada publicação” (SCALZO, 2008). Despertar a curiosidade e o interesse do leitor é uma das principais missões do texto de revista. Segundo Vilas Boas (2002), toda reportagem é notícia, mas nem toda notícia é reportagem. A reportagem significa que aquele fato entrou para a história, e cabe ao jornalista explorar, detalhar, hipotetizar repercussões, dar amplo relato e pesquisar exaustivamente os aspectos que o rodeiam. A função da reportagem é aproximar o leitor da notícia. Para isso, a utilização de fonte personagem (alguém inserido no contexto do acontecido) é uma das estratégias mais recorrentes e funcionais para estruturar e “ligar” a narrativa. O fato de existir uma pessoa “tangível” – próxima da realidade do leitor e, portanto, crível – é um excelente método de criar empatia e verossimilhança. Antes de tudo, ser jornalista não significa necessariamente saber das coisas. O jornalista é um “especialista em conhecimento geral” (VILAS BOAS, 2002). Entretanto, ele deve ser bem relacionado e saber onde buscar as informações, mesmo sem conhecer muito acerca de determinado assunto. Marília Scalzo

25

ainda destaca a atenção para o encadeamento e fluidez do texto, a fim de manter o leitor entretido: “bom texto é o que deixa o leitor feliz”. Evitar o “lugar-comum” - o que já foi dito anteriormente, a visão já explorada - a atenção ao título e a utilização de estratégias discursivas da literatura (a cadência de informações, o texto por vezes “prosaico” etc) também são pontos a serem atentados no texto de revista: “Cores, cheiros e descrições cabem no texto de revista. Apresentar os personagens, humanizar as histórias, dar o máximo de detalhes sobre elas, também” (SCALZO, 2008). As chamadas de capa necessitam ser atraentes e provocativas, sem deixar de lado a objetividade e clareza no que se quer dizer. A escolha correta da foto, que deve ter qualidade alta e dialogar corretamente com a reportagem de capa também é essencial numa boa construção, visto que interage e complementa o sentido do texto. Nas páginas de dentro, o título, subtítulo e o lide devem suscitar o interesse do leitor, apresentando fatos e, muitas vezes, evocando questões (a serem respondidas dentro do texto). Sérgio Vilas Boas sugere a utilização de recursos de intertítulos, como forma de demarcar os aspectos do tema que serão tratados, além de dar uma espécie de “pausa” no texto, para que o leitor absorva o que já foi dito. Marília Scalzo atenta para os preceitos éticos na hora de realizar o jornalismo de revista. Por se tratar de textos de mais profundidade, muitas vezes requerendo do autor uma investigação dos fatos e a busca de fontes “confidenciais”, a integridade na forma de trabalhar deve ser sempre observada. “Uma informação bem apurada, por meios lícitos, com boas fontes, checada, confrontada, analisada, bem escrita, enfim, de qualidade, tende a ser fruto de um processo que respeitou parâmetros éticos” (SCALZO, 2008). Para assegurar e garantir a confiabilidade do leitor, é necessário mais do que a aparência de imparcialidade. Pare se desassociar de qualquer elemento visível de filiação política, econômica e religiosa - dar aspecto de credibilidade e neutralidade - “é preciso parecer honesto”, evitando, ao menos, que conflitos de interesse fiquem explícitos. O jornalismo na revista é também utilizado para atrair patrocinadores, através das propagandas nas páginas das veiculações. A publicidade é responsável pela maior parte do lucro do veículo. O texto ético, bem escrito, com fluidez e identificação pessoal atrairá, invariavelmente, mais leitores - o que significa mais

26

publicidade, mais lucro e a possibilidade de crescimento e longevidade da revista no mercado. “Os anunciantes vão procurar sempre a publicação de maior credibilidade. E, da mesma forma, as publicações só conseguirão manter sua credibilidade se permanecerem economicamente saudáveis, ou seja, se conseguirem pagar seus custos técnicos e de produção por meio de recursos provenientes de bons anunciantes” (SCALZO, 2008). Portanto, o jornalismo depende da publicidade e vice-versa. Cabe, então, ao jornalista, utilizar dos seus conhecimentos para fazer uso desses preceitos e estratégias, a fim de garantir a fluidez deste ciclo que contribui para sustentas as suas publicações.

2.2 A REVISTA VEJA

A revista VEJA é o “carro chefe” da editora Abril - a maior editora do Brasil. A revista é a mais vendida do país, com mais de um 1,1 milhão em vendagem mensal entre versões impressa e digital, e uma estimativa de pelo menos 5,5 milhões de leitores (IVC, 2015), além de ser a quarta maior desse segmento no mundo (AUGUSTI, 2005) dispensa apresentações. No ano de 1959, foram produzidas 14 revistas “piloto”, que serviram como uma espécie de teste de mercado. A ideia foi concebida pelo filho do fundador do Grupo Abril, Roberto Civita, inspirado pelo modelo editorial e pelos conceitos da revista estadunidense LIFE, a então revista de maior sucesso nos Estados Unidos. Mais tarde, o jornalista italiano Mino Carta juntou-se à fundação do veículo. Apesar da aprovação dentro da editora, o projeto teve que ser adiado. Com o advento do Golpe Militar, que instaurou a ditadura no ano de 1964, a revista teve sua estreia adiada devido à falta de verba, só sendo efetivamente trazida à público no ano de 1968. A Veja surgiu com o propósito de ser concorrente direta da revista Manchete, a revista ilustrada de variedades de maior sucesso da época. Entretanto, considerando o momento político conturbado da época, a revista estreia com uma capa e editorial políticos (AUGUSTI, 2005).

27

Com a chamada de capa intitulada “O Grande Duelo no Mundo Comunista”, lançada no dia 11 de setembro de 1968, figurada por um plano de fundo vermelho vivo e os símbolos do comunismo (a foice e o martelo cruzados), a Veja acaba por se desviar do propósito inicial, a de ser uma revista de variedades, no estilo da Life americana, se afirmando no mercado como revista informativa (com foco em política e economia). Estando o país no início do período do governo ditatorial, pode-se inferir que não era especialmente fácil escrever sobre política, ainda mais num veículo informativo de circulação nacional. Em especial após a criação do Ato Institucional 5 (ou AI-5), que essencialmente permitia que membros das Forças Armadas punissem arbitrariamente qualquer cidadão que fosse julgado inimigo do regime, a censura aos meios de comunicação estava cada vez mais presente. A Veja, veículo até então novo e “ousado” em sua perspectiva de jornalismo político, sofreu com a ditadura em seus anos iniciais, especialmente nos anos de 1968 a 1976. Mas este não foi o único desafio da revista: “Além da censura Veja enfrentou outros problemas: a campanha de lançamento fez com que os leitores pensassem que a revista seria parecida com Manchete. Não era, mas também não se assemelhava à Time. A diagramação era confusa, e as reportagens, prolixas. Mino Carta melhorou-a aos poucos. Chamou Millôr Fernandes para fazer duas páginas de humor. Publicou resenhas de Filmes e livros. Colocou na abertura da revista uma entrevista com perguntas e respostas. Foi usado, na nova seção, um estoque de papel amarelo que sobrara na gráfica. Como as ‘páginas amarelas’ se tornaram uma marca, passou a ser usada tinta amarela para colorir as páginas da entrevista” (AUGUSTI, 2005, p. 73)

Como podemos ver pela fala do autor, a revista Veja firmou seu modelo já naquela época e, até os dias atuais, notamos a presença das entrevistas em página amarela e de críticas de filmes, livros, álbuns musicais e peças teatrais nas páginas finais. No momento de lançamento, portanto, a revista não estreia com grande tiragem e não alcança lucro almejável. Apenas no ano seguinte ela define e fixa o seu cerne editorial – o foco na cobertura política - e somente em 1974 ela começa a ter retorno financeiro, aumentando sua tiragem e se fixando no mercado.

28

Avançando no tempo, especificamente para meados da década de 1990, a Veja passou por mais uma transformação. Transformação esta que definiria o modelo e as formas de construção da revista até os dias atuais. Nesta época, o chefe da filial do Rio de Janeiro, Ancelmo Góis, solicitou a implantação de mudanças no perfil do veículo, a fim de atender às demandas mercadológicas e preservar a tiragem das revistas. Isso se deve ao fato do aumento do número de pessoas incorporadas à sociedade de consumo, assim como as pesquisas de mercado desenvolvidas. Dentre estas mudanças, estavam a diminuição do enfoque político e econômico mais profundo e a incorporação de matérias voltadas para o comportamento e variedades (AUGUSTI, 2005). O veículo, nos dias atuais, é um dos mais influentes e complexos do mercado, tendo também duas EDIÇÕES regionais da revista, a Veja São Paulo e Veja Rio, ambas de tiragem semanal, com informações específicas da região, além de dicas de gastronomia e entretenimento, agenda cultural etc. Além das edições regionais, a revista também traz edições especiais para os assinantes, e edições especiais ocasionais também para o público geral. Os leitores da revista Veja fazem parte majoritariamente da classe social A (22%), B (49,2%) e C (26%), são compostos de homens e mulheres em proporções semelhantes (48 e 52%, respectivamente) e de idades variadas, sendo a maioria maiores de 50 anos (28,6%) e detém nível de escolaridade maior do que a média nacional (Estudos Marplan, 2014), formando, assim, a elite social do país: “Os leitores do veículo estão na categoria dos ‘formadores de opinião’. Assim, a forma como Veja mostra a realidade é reproduzida muito além dos próprios leitores. Para tanto, pressupõe-se que a revista se mostra como uma instituição que está autorizada a falar, porque é detentora de um poder legitimado por seu status” (AUGUSTI, 2005, p. 80)

De acordo com Patrícia Nascimento (2002), a revista busca explicar os fatos do mundo para os seus leitores e, para isto, faz uso de vozes portadoras de conhecimento legitimado, como professores, doutores e especialistas nas suas áreas, além de dados estatísticos. Explicar, portanto, subentende o saber prévio.

29

Portanto, a Veja fala para a elite social do país, ou aqueles que almejam tornarse elite, perpetuando valores já presentes neste meio, mas também os influenciando com seus valores, numa retroalimentação intertextual entre enunciador e interlocutor.

2.3 ANÁLISE DO DISCURSO Há diversas formas de se estudar a língua e a linguagem. A língua é, na sua forma mais básica, um sistema de signos que possuem significado. Entretanto, tais significados definidos pela gramática acabam por representar apenas uma pequena parte superficial de todo o sentido contido na frase ou palavra. “As palavras simples do nosso cotidiano já chegam até nós carregadas de sentidos que não sabemos como se constituíram e que, no entanto, significam em nós e para nós” (ORLANDINI, 2005). Ainda de acordo com a autora: Na realidade, a língua não é só um código entre outros, não é essa separação entre emissor e receptor, nem tampouco eles atuam numa sequência em que o primeiro um fala e depois o outro decodifica etc. Eles estão realizando ao mesmo tempo processo de significação e não estão separados de forma estanque. Desse modo, diremos que não se trata de transmissão de informação apenas, pois, no funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão de informação. São processos de identificação do sujeito, de argumentação, de subjetivação, de construção de realidade etc. (ORLANDI, 2005, p.21)

A Análise de Discurso (AD) ganhou peso por volta da década de 1970, quando foi reconhecido o fato de que o estudo linguístico não deveria ser apenas restrito às análises gramaticais seus sistemas, mas que o uso da língua fosse também objeto de pesquisa da sociolinguística (VAN DIJK, 2002). A Análise de Discurso, portanto, não trata de língua ou gramática, mas do discurso em si. Do que está sendo enunciado na sua subjetividade e completude do sentido. “Por esse tipo de estudo se pode conhecer melhor aquilo que faz do homem um ser especial com sua capacidade de significar e significar-se. A Análise de Discurso concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social” (ORLANDINI, 2005).

30

A AD é oriunda da união de três domínios teóricos: A Linguística, o Marxismo e a Psicanálise. Mas ela irrompe as limitações da sua origem, se tornando um campo de estudo independente e com novo objetivo: o discurso. Essa noção de que o enunciador é o formador de sentido no discurso é reiterado por José Luiz Fiorin. Segundo o autor, ao realizar o ato de produção do discurso, o enunciador deixa marcas no discurso que constrói. Mesmo que o não exista representação direta dele no texto, como a existência do pronome “eu”, ele está presente na construção de sentido, pois nenhuma frase se enuncia sozinha. Partindo desse pressuposto, o sentido, a forma de construção e os demais aspectos subjetivos da frase estão condicionados ao autor da frase, ao ser humano. E o ser humano, por se tratar de ser social, composto de diferentes bagagens culturais, instaura seu sentido e sua interpretação no que cria. O sentido não se faz sozinho, mas deriva de posições ideológicas mergulhadas no processo e contexto social e histórico aonde está inserido. “O percurso gerativo de sentido é uma sucessão de patamares, cada um dos quais suscetível de receber uma descrição adequada, que mostra como se produz e se interpreta o sentido, num processo que vai do mais simples ao mais complexo” (FIORIN, 2011). Segundo o autor, os níveis de percurso são o profundo, o narrativo e o discursivo. Todos os três estágios fazem parte da criação do sentido narrativo, e não há como dissociá-los um do outro. No mesmo sentido, o nível discursivo se apresenta como o mais profundo, o último nível possuidor de significado contido na enunciação. “No nível discursivo, as formas abstratas do nível narrativo são revestidas de termos que lhe dão concretude (...). O nível discursivo produz as variações de conteúdos narrativos invariantes” (FIORIN, 2011). Prosseguindo sobre os conceitos fundamentais, esse tipo de estudo tem por objetivo compreender a língua e suas relações culturais, o conceito de mundo e as formas de significar do enunciador. Eni Orlandi, em concordância com Teun Van Dijk, afirma que a produção de sentido depende, então, da visão e perspectiva de mundo ou do lugar e papel na sociedade (do enunciador). Análise de Discurso, diferentemente da análise de conteúdo, não considera que a linguagem não é transparente, não é direta.

31

Tratando a linguagem como meio subjetivo de se comunicar e se apresentar para o mundo, compreende-se a escolha da Análise de Discurso como metodologia para alcançar o objetivo proposto neste trabalho monográfico, pois visa perceber o sentido discursivo do que está sendo veiculado na revista; que tipo de visão, processo cultural e sentido subjetivo está perpassando os textos que dizem respeito ao tema proposto. Tendo em vista o tema, a forma como a imagem da mulher acima do peso é construída e representada na revista jornalística de maior circulação nacional, a análise dos discursos subjetivos que estão por trás do que é dito na narrativa se faz essencial para que os objetivos sejam alcançados. Como explica José Luiz Fiorin: Muitas vezes, tomamos diferentes textos e percebemos que eles tratam do mesmo ‘tema’. No entanto, analisando-os de perto, vemos que cada um deles aborda esse ‘tema’ de maneira distinta. Os percursos temáticos que explicitam esse ‘tema’ genérico são diferentes e, portanto, os percursos figurativos que os revestem também. (FIORIN, 2002, p.21)

Portanto, embora o tema de determinada matéria, nota, reportagem etc seja superficialmente similar nas mais variadas revistas, o discurso por trás do tema, a forma de enxerga-lo, pode ser muito diferente e até oposta. A Análise do Discurso ainda apresenta a vantagem de não se limitar a textos escritos, mas também a sentidos de outras naturezas, como imagem e som. Já que o objeto de estudo da monografia é essencialmente algo físico e palpável – a mulher acima do peso-, as imagens e suas construções também fazem parte da formação do discurso, e serão alvo de análise. A linha teórica francesa, da qual Michel Pêcheux é o pioneiro e Eni Orlandi é a representante brasileira de maior visibilidade, tem vantagem sobre as demais linhas – para o presente trabalho – pela sua relação intrínseca com a linguagem, comunicação e a formação de discurso. “A AD (Análise de Discurso) trabalha com o sentido, e não com o conteúdo do texto, um sentido que não é traduzido, mas produzido; pode-se afirmar que o corpus da AD é constituído pela seguinte formulação: ideologia + história + linguagem” (CAREGNATO, MUTTI, 2006).

32

A linguagem é a ideologia/história se materializando, segundo os critérios da linha francesa. Portanto, o sujeito está transcrevendo e transmitindo para o texto não somente conteúdo, mas o contexto histórico em que se encontra, sua ideologia, e toda a bagagem cultural decorrente de posição e lugar social. Portanto, o discurso inclui, em si, as subjetividades e idiossincrasias de determinado lugar físico-histórico-social. O discurso não é imparcial, nem deve se predispor a ser. Toda a construção do ser depende de seus “arredores”, e é nesse ponto que a Análise do Discurso captura o sentido intrínseco em cada enunciação. A partir do trabalho de Caregnato e Mutti: Portanto, na AD a linguagem vai além do texto, trazendo sentidos pré-construídos que são ecos da memória do dizer. Entende-se como memória do dizer o interdiscurso, ou seja, a memória coletiva constituída socialmente; o sujeito tem a ilusão de ser dono do seu discurso e de ter controle sobre ele, porém não percebe estar dentro de um contínuo, porque todo o discurso já foi dito antes. (CAREGNATO, MUTTI, 2006, P.681)

A revista escolhida como objeto de pesquisa é de circulação nacional, de periodicidade semanal (edições especiais não serão analisadas, pois possuem conteúdo fechado) e possui a maior vendagem do país, de acordo com dados, recolhidos de janeiro a setembro de 2012 e 2013, pela Associação Nacional de Editores de Revistas. É um veículo de suposta credibilidade e grande influência na construção da opinião dos leitores. Aplicado ao objeto de estudo do trabalho, a identificação e noção do que há “por detrás” do que está sendo dito superficialmente é o principal objetivo da escolha da metodologia proposta. As frases, textos, imagens, todos possuem sentido discursivo subjetivo que muitas vezes passa despercebido ao leitor. Dada a importância do tópico e o seu alcance na sociedade brasileira, faz-se necessário tal análise subjetiva. Sabe-se do contexto histórico midiático do país, e como este ainda é repleto de entraves culturais e preconceitos. Verificaremos, então, se isso também se aplica à revista informativa escolhida (Veja), no que diz respeito à lipofobia (medo ou fobia a gordura, em termos simples). Retornando aos conceitos de AD, Fairclough explica que a percepção essencial da formação do objeto discursivo é que estes são formados e transformados em discursos de acordo com o que ele caracteriza como “regras de formação

33

discursiva”. Isto é, esta regra de formação discursiva varia de acordo com enunciador, contexto etc. Os objetos do discurso, então, não existem por si só dentro de um discurso – desprendido da realidade em questão. O que se faz importante, em se tratando de AD, é a indissociação do discurso com a realidade do enunciador, do criador do mesmo. O discurso contribui, constrói e transforma a reprodução de objetos da vida social, ao invés de ter uma relação passiva com os mesmos. “Isso implica que o discurso tem uma relação ativa com a realidade, que a linguagem significa a realidade no sentido da construção de significados para ela” (Fairclough, 2001). Os protagonistas do discurso (enunciadores e receptores), portanto, não são simplesmente indivíduos suspensos numa realidade imutável. De acordo com Helena Brandão, estes produtores do discurso ultrapassam a limitação pessoal, se tornando representantes de lugares estruturais sociais. Esses lugares, por sua vez, são resultados de processos hierárquicos e de formação de realidades através de contextos pessoais. A autora exemplifica: Assim, no interior de uma instituição escolar há "o lugar" do diretor, do professor, do aluno, cada um marcado por propriedades diferenciais. No discurso, as relações entre esses lugares, objetivamente definíveis, acham-se representadas por uma série de "formações imaginárias" que designam o lugar que destinador e destinatário atribuem a si mesmo e ao outro, a imagem que eles fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro. Dessa forma, em todo processo discursivo, o emissor pode antecipar as representações do receptor e, de acordo com essa antevisão do "imaginário" do outro, fundar estratégias de discurso. (BRANDÃO, 2004, p.44)

Apesar da amplitude de influências na construção do discurso, a relação entre este e a língua ainda é mediada pelo psicossociológico, segundo Brandão. Afinal de contas, o ser humano ainda é o produtor do discurso, e todo discurso é construído. Portanto, tal condição supera as predeterminações históricas, apesar de contribuir com sua construção. Sendo assim, o processo de enunciação do discurso não está somente ligado à conjuntura, mas sim ao sujeito produtor – sendo que este sim, por sua vez, está ligado aos processos históricos que levaram seu meio social até o momento da construção da mensagem.

34

Partindo do que foi anteriormente discutido, aprende-se que a AD é uma análise do discurso subjacente ao texto, uma projeção de sentido e recursos que se unem para desenvolver a “verdade” do texto. Tal projeção de sentido pode ser desconstruída

e

reconstruída

pelas

marcas

que

são

deixadas

pelo

enunciador/autor do discurso, e é nele que se encontra com mais clareza os valores textuais (valores esses que estão impregnados no texto – muitas vezes não intencionalmente). A AD, portanto, é um método de determinar as condições de produção do texto, do discurso. A produção de sentido do discursador, portanto, é a soma de fatores de elementos históricos, sociais, culturais e psicológicos, pois a construção de sentido é interdependente da construção linguística do produtor. Podemos assumir, então, que o discurso, em geral deixa vestígios, pois ele é tangível no nível simbólico, da construção de símbolos. Segundo Fairclough (2001), as ideologias – considerando a ideologia como parte do conjunto de aspectos pessoais que influenciam o discurso – são construções/significações da realidade que são construídas nas dimensões das formas e sentidos das práticas discursivas. As ideologias, portanto, podem ser extremamente efetivas na construção de discurso quando o produtor/enunciador consegue transformá-la em “senso comum” ou status quo, isto é, uma representação da normalidade e da forma “correta” de se raciocinar o mundo. Entretanto, de acordo com o autor, a contradição ou luta ideológica se constrói, em si mesma, como dimensão da prática discursiva. Como se houvesse uma tensão e uma tentativa da transformação da ideologia alheia. Ele exemplifica: Afirmo que a ideologia investe a linguagem de várias maneiras, em varies níveis, e que não temos de escolher entre possíveis 'localizações' diferentes da ideologia que parecem todas parcialmente justificadas e nenhuma das quais parece inteiramente satisfatória. A questão-chave é se a ideologia é uma propriedade de estruturas ou uma propriedade de eventos, e a resposta é 'ambas'. E o problema-chave é encontrar, como já sugeri na discussão sobre o discurso, uma explicação satisfatória da dialética de estruturas e eventos. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 118)

A comunicação, no entanto, não é uma “via de mão única”. Os meios e o receptor da mensagem são talvez tão importantes na construção simbólica do discurso

35

quanto o próprio autor. “Não há sentido sem interpretação, portanto deverá sempre existir uma interpretação para dar visibilidade ao sentido que o sujeito pretendeu transmitir no seu discurso” (CAREGNATO, MUTTI, 2006). Enquanto intérprete deste discurso, o analista também interfere na construção discursiva, pois este, também, está sujeito às influências pessoais, afetivas, hierárquicas e de crenças pessoais. Para tanto, a AD nunca será única e absoluta para todos, pois o analista também interpretará o sentido dado através do filtro das suas experiências pessoais. Como explica José Luiz Fiorin, a finalidade do se comunicar não é informar, mas sim, persuadir o receptor a aceitar o que está sendo dito, convencê-lo a tomar o enunciador como verdade. Portanto, o autor trata a comunicação como um “jogo de manipulação”. Neste jogo, o enunciador se utiliza de certos procedimentos e estratégias na sua argumentação para se fazer crer. Isso inclui desde a utilização da linguística adequada (norma culta da língua portuguesa), até a hierarquização dos elementos textuais e utilização da lógica. Essa construção e dualidade se intercala com o significado do Ethos que, na AD, significa exatamente a necessidade de se fazer convencer, de produzir um discurso crível – afinal, de nada adianta o discurso se o leitor não crê no que está vendo. Portanto, segundo Fiorin, não faz sentido dividir o discurso entre argumentativos e não argumentativos, pois todos eles visam persuadir. Um texto sobre diferenças sociais e distribuição de renda, por exemplo, podem ser analisadas de formas muito distintas entre alguém pertencente à classe baixa e à classe alta, pois os símbolos podem possuir diferentes significados para os indivíduos em posições sociais diferentes. O mais pobre, por exemplo, pode identificar o discurso como sendo pró-redistribuição de renda, enquanto o rico pode interpretar como sendo uma questão de acesso a oportunidades. Os elementos textuais, quaisquer que sejam, podem ser separados e estudados como marcas linguísticas ou de discurso (CAREGNATO, MUTTI, 2006). Portanto, o analista não necessariamente destacará todos os elementos de construção textual, cabendo a ele a seleção do que considera mais relevante, com o objetivo de captar a marca linguística e relacioná-la ao contexto pessoal do enunciador.

36

CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS TEXTOS

A revista Veja, da editora Abril, é a revista de maior circulação nacional. Ela se enquadra como uma revista informativa, produzida com base nos preceitos do jornalismo de revista. Como elaborado anteriormente, a revista se enquadra como sendo de variedades, englobando demais áreas, como tecnologia, saúde, comportamento, cultura entre outros, embora tenha um foco ligeiramente maior na cobertura política. Apesar da diversidade de assuntos, pode-se notar a presença recorrente de determinados tópicos além da política, que se fazem presentes em todos os exemplares principais. Dentre eles está o mais importante para este trabalho monográfico: A estética. Ao tratarmos deste tema, englobamos novidades e avanços tecnológicos em tratamentos e medicamentos, matérias e reportagens sobre saúde com foco em exercícios e/ou procedimentos médicos, novas técnicas de emagrecimento, cosméticos etc. O emagrecimento e a redução da silhueta são temas recorrentes dentro do tema estética, ao ponto de serem quase indiscerníveis. Numa amostragem de 52 edições (de agosto de 2014 ao mesmo mês do ano seguinte), foram identificados 19 textos informativos (englobando entrevistas, matérias, notas e reportagens) que tratam diretamente do sobrepeso, a grande maioria em diferentes datas, com a exceção da edição de 29 de abril, que contém 3 destes itens numa mesma edição. Isto resulta num total de 17 edições que tratam especificamente deste aspecto, um terço do total, mesmo sem contabilizar menções mais indiretas e subentendidas, ou de apreciação do corpo magro por si só. Não é mera coincidência que este assunto é um dos recorrentes em Veja: dentro da mesma amostragem, houve 41 anúncios de cosméticos, 177 de acessórios e vestimentas e 25 de hospitais, medicamentos e planos. Considerando também as particularidades destes tipos de publicidade (ver Anexo A), percebemos uma correlação com a presença do tópico do sobrepeso num volume alto de revistas. As análises a seguir fazem uso da metodologia científica da Análise do Discurso, discutida em capítulos anteriores, a fim de identificar, nos elementos da

37

construção textual dos itens informativos, o discurso de Veja em se tratando da mulher acima do peso. Estão, também, separadas por categorias de texto jornalístico, como entrevistas, matérias ou reportagens, a fim de facilitar a categorização.

38

3.1 ENTREVISTAS Edição n° 2402, 03/12/2014

39

“A cena em que Elsa e Fred mergulham na Fontana di Trevi, em Roma, como em A Doce Vida, de Felini, foi feita em estúdio, não? – Não, nós realmente voamos até Roma e Christopher e eu entramos na fonte. A temperatura estava perto do zero, a água estava gelada e eu fiquei gripada. Também me achei gorda naquele vestido tomara que caia e a tomada toda foi simplesmente terrível. Mas esse é o nosso trabalho”. Na entrevista com a atriz estadunidense Shirley Maclaine, lemos esta declaração na segunda pergunta. Apesar de não estar diretamente ligada à pergunta do entrevistador, a atriz elabora e dá alguns detalhes a mais sobre a gravação da cena em questão. Para o entrevistador e para a entrevista, quanto maior a riqueza de detalhes e quanto mais histórias exclusivas, dentro do limite, melhor a qualidade da entrevista, de acordo com as regras do jornalismo de revista. A atriz, então, começa a declaração de todas os “desastres” e aspectos negativos gerais que envolveram a gravação da cena: o frio, a temperatura da água, a qualidade geral da gravação da cena, a gripe que contraiu em seguida e, no meio de todos os aspectos ruins, ela afirma que “ficou gorda” no vestido tomara que caia escolhido na gravação. Estar com a aparência gorda, de acordo com a convicção da atriz, é tão ruim quanto os demais problemas e dificuldades do cenário – afinal, estavam na mesma categoria. Numa categorização, independente do que se trata e da forma que se apresenta, o modelo é o mesmo: Enquadra-se aspectos semelhantes, quem englobam as mesmas características e/ou qualidades, em um mesmo patamar, tal qual uma lista de prós e contras, bom e ruim ou uma lista de adjetivações. Ao equivaler o fato de “aparentar estar gorda” ao mesmo patamar do desconforto do frio, do desastre na gravação da cena e até mesmo de ter ficado gripada, a entrevistada está atribuindo o fato citado ao mesmo grau de negatividade dos demais. Em resumo, aparentar estar gorda é tão ou quase tão negativo quanto todos os demais desconfortos - que não foram poucos. Uma entrevista num veículo jornalístico também passa pelo crivo da edição do seu autor e do editor final, além, claro, dos limites pré-estabelecidos e inferidos pelo próprio perfil do veículo. Portanto, o produto final é o que temos na página – produto este que também precisou passar por tal processo. A edição final,

40

portanto, optou pela transcrição desta fala específica da atriz, juntamente com as demais. Existem casos, também, onde a entrevista é transcrita literalmente, apesar de não haver forma de determinar se este é o caso. Não cabe ao jornalista decidir sobre a opinião do entrevistado, evidentemente, mas ele é sim responsável por determinar os aspectos mais importantes e/ou interessantes para a publicação. Enquanto as curiosidades do desconforto da gravação da cena são aspectos que podem interessar o leitor, os envolvidos na publicação da matéria optaram conscientemente por publicar a associação negativa do sobrepeso feita pela atriz. Personalidade essa que, em sua apresentação, é caracterizada como “estrela” e “sucessos da autoajuda”.

41

Edição n° 2415, 04/03/2015

42

43

Na entrevista com a atriz Mariana Xavier, as perguntas são encaminhadas com foco exclusivo no seu sobrepeso, utilizando como gancho uma ofensa sofrida em redes sociais. Ela estava em evidência após ter gravado o longa metragem nacional de grande sucesso “Minha mãe é uma peça”, e, no período da publicação da matéria, estar participando também da novela da Rede Globo “I love Paraisópolis”. Ao mesmo momento em que as ofensas sofridas pela atriz funcionam bem como elemento introdutório da entrevista, se é impossível não perceber que a entrevista inteira girou em torno da questão do sobrepeso, em detrimento das novas experiências de sucesso da atriz e dos mais atuais trabalhos e sua repercussão. Por si só, o foco exclusivo da coluna “Conversa”, de Veja, já diz muito sobre o perfil ideológico da mesma. Nas demais entrevistas com atores e celebridades, o foco se dá majoritariamente em acontecimentos factuais que despertam curiosidade, em novos trabalhos ou aspectos da vida do mesmo. Mas não é o caso de Mariana Xavier. Nesta entrevista vemos o foco exclusivo na característica do sobrepeso. Na segunda pergunta, vemos uma afirmação avulsa e sem contexto: “Muito mais livremente atacadas, as magras também sofrem?”. A pergunta começa com uma afirmação sem justificativa e que não acrescenta a questão. Qual a razão das atrizes magras serem muito mais livremente atacadas, e de onde veio esse dado? Não há qualquer justificativa a seguir. A resposta da atriz, por sua vez, reproduz um sentimento notável: “Não tanto, pois estão mais próximas das capas de revista”; isto é, o ideal estético estabelecido e perpetuado pela mídia massiva. Quando nos encaixamos dentro desde ideal, se espera menos “sofrimento”. A terceira pergunta, por sua vez, faz algo altamente contraindicado numa entrevista jornalística: Ela encaminha o pensamento do entrevistado, em vez de deixar que suas impressões e experiências falam por si. Ao perguntar se “ser gordo é saber que o tempo todo olham para você e falam a seu respeito”, no lugar de simplesmente questionar como é ser uma atriz gorda, percebe-se que a jornalista está direcionando a resposta para o que ela deseja, em vez de dar o espaço para uma resposta mais abrangente. Isso também indica que a pergunta beira o ser retórico, ao indicar o que já se encontra na mentalidade de quem pergunta.

44

Por fim, mais uma parte da entrevista que indica uma orientação ideológica muito particular da jornalista é quando esta pergunta se a atriz já fez algum papel em que sua forma física não fosse levada em conta. A estrutura da pergunta indica, por si só, a expectativa de uma resposta condicional pois, ao perguntar se Xavier “já fez papéis” onde sua forma física fosse irrelevante, está se buscando uma resposta de exceção à regra principal: Atrizes gordas são chamadas por causa do seu peso. A resposta confirma as expectativas da entrevistada, afirmando que em apenas um caso isso ocorreu, ainda completando que o sobrepeso é, em seu caso, algo positivo, pois enquadra-a em papéis específicos para mulheres gordas. Esse paradigma de personagens gordos é constante na TV brasileira. Usando os trabalhos citados da própria atriz Mariana Xavier, vemos a mulher gorda trazida de forma caricata, sempre no papel da “amiga engraçada” e comilona, como é o caso das personagens Marcelina e Claudete. Não há nesse meio, portanto, a personagem gorda que não é planejada e caricaturada como “pessoa gorda”. Não há uma personagem gorda construída como alguém atraente, por exemplo, ou que participe das mesmas crises e dúvidas dos demais.

45

Edição n° 2422, 22/04/2015

46

47

A entrevista com o personal trainer Rodrigo Sangion já começa com um título altamente descritivo: Ele melhora o já perfeito. Nesta frase temos duas ideias centrais, que irão ser construídas ao longo da entrevista: Que existe uma ideia de “corpo perfeito” definida e delimitada, e que o profissional melhora, eleva o que já é perfeito – tornando-o “mais que perfeito”. No título auxiliar, é explicado que ele foi contratado para remodelar o corpo de quinze jovens, e que ele fala de suor e de “milagres”. A autora está associando, então, o profissional de treinamentos físicos e o seu trabalho a, literalmente, atos oriundos de uma divindade. Na segunda pergunta, ela afirma que modelos são “naturalmente muito altas e longilíneas” e, por longilíneas, entendemos como esguias, magras. Essa é uma afirmação, dentro da própria pergunta, que não condiz à realidade. A jornalista está restringindo o conceito de modelos de passarela do circuito não plus size como sendo regra geral. As modelos fotográficas, por exemplo, não necessitam ser muito altas, já que o foco está na construção da fotografia. Temos também as modelos plus size (acima do peso), cada vez mais presentes no mundo da moda. Ao responder o que os agentes das modelos pedem para o personal trainer, vemos não a opinião específica dos dois envolvidos na entrevista, mas se faz importante identificar o tipo de ideologia que se encontra por trás do trabalho de Sangion, que, por sua vez, gerou a situação para a conversa acontecer. O entrevistado evidencia que as demandas sempre giram em torno de limitar e reduzir as medidas das modelos, sem se descuidar e permitir que elas fiquem com uma aparência anoréxica. A redução e manutenção da silhueta pequena, com atenção especial para não aparentar (demonstrar) um rosto doente, é ao que se resume os desejos dos agentes (empregadores) do entrevistado. A penúltima pergunta, por fim, traz um novo questionamento contendo ideia e opiniões prévias: “Mesmo lindas e magras, modelos são inseguras?”. “Mesmo”, no sentido da pergunta, denota a ideia de contradição, de conceitos divergentes. Lindas e magras estão encaixadas no mesmo patamar, como se fizessem parte do mesmo elemento e, sem se ter as duas coisas (magreza e beleza), fosse compreensível e justificável a presença de insegurança. Portanto, se uma mulher é linda e magra, entende-se que o esperado delas é que tenham razões

48

suficientes para não serem inseguras, evidenciado pela ambiguidade no momento da pergunta.

49

Edição n° 2423, 29/04/2015

50

51

A entrevista com a apresentadora Adriane Galisteu inicia-se com foco no seu novo programa culinário prestes a estrear, em que ela cozinhará com seu marido e entrevistará convidados. As primeiras perguntas giram em torno da incredulidade da entrevistadora em relação à capacidade da entrevistada de cozinhar, considerando que ela não tem experiência e “praticamente não come”. A conversa, então, sai do foco principal e chega, é claro, na questão do peso apesar do título, subtítulo e das primeiras questões não fazerem menção ao tema. A pergunta sequer é indireta: “Qual o seu peso?”. Galisteu, prontamente responde, com exatidão e precisão que tem 1,74 metros e 57 quilos. A altura não estava na pergunta, então observa-se uma intenção de se afirmar alta, além de magra, especialmente considerando a proporção entre altura e peso, deixandoa no mínimo do seu peso ideal, de acordo com os cálculos de IMC. Ela prossegue, dizendo que é criticada pelo seu peso, mas que ainda perderia “uns quilinhos” – o que deixa claro que as críticas que sofre é por ser “muito magra”, não obstante, gostaria de ficar ainda mais. Declara também que, quando nova, consumia gelo e rúcula para não engordar – uma dieta nem um pouco saudável – mas que hoje se alimenta de massas, mas malha seis vezes por semana. A malhação constante aparece como compensação ao ato de se alimentar de massa, denotando, mais uma vez, a busca para não ganhar nenhum peso. Na questão seguinte, a jornalista pergunta quantas calorias Galisteu consome por dia. Novamente ela responde prontamente, completando que reduziria de 900 para 600, caso ganhasse dois quilos. Fazendo um cálculo simples, de acordo com a equação de Harris-Benedict, altamente aceita por especialistas para determinar a quantidade de calorias mínimas para se manter o peso, levando em consideração peso, altura, idade e estilo de vida, é possível chegar à conclusão que a apresentadora precisaria de, no mínimo, 2203Kcal diariamente, apenas para manter suas atividades de forma saudável. A quantidade consumida, portanto, é inferior à metade da necessária, caso a apresentadora quisesse simplesmente manter o peso. Esse estilo de vida, portanto, pode ser prejudicial à saúde da apresentadora, apesar de ser louvado pela mesma. Percebe-se então, um exemplo claro da predileção da estética magra em detrimento da vida saudável.

52

Edição n° 2423, 29/04/2015

53

Nesta entrevista com a famosa atriz estadunidense Jeniffer Aniston, são tratados os desafios e a experiência de interpretar uma personagem de perfil diferente dos demais papéis da atriz. Entretanto, aparentemente não há uma entrevista com uma mulher, em Veja, em que a menção da aparência física ou o peso não seja presente. Na legenda da foto, observamos: “Boa forma (título da legenda, em negrito) Jennifer: ninguém quer acreditar que ela não é solar todas as horas do dia”. Solar, a adjetivação escolhida no caso, remete ao primeiro parágrafo do texto, denotando luz, brilho e positividade. A classificação da atriz como solar está em relação direta com a parte evidenciada da legenda, “Boa Forma”. Ao escrever que ninguém quer acreditar que ela “não é solar todas as horas”, deduzimos que a boa forma (magreza) da atriz, associado ao costume de interpretar papéis mais alegres, atribuem-na as características positivas citadas. A boa forma física, portanto, torna difícil a associação com uma pessoa nãosolar, ou negativa e sem brilho. Já na última questão, a entrevistadora pergunta se ela sente dificuldade em se expor da forma que aparece no filme “Cake” – uma personagem sem vaidade. Em sua resposta, Aniston afirma que é libertador interpretar alguém que não se importa com aspectos da aparência física, como cabelo, pele, peso e roupas. A questão da não preocupação com o peso vem associada ao sentido de “ganhar” peso, relacionado diretamente com o desleixo da personagem. Quando a atriz prossegue: “qualquer coisa que significasse esforço, cuidado ou vaidade seria contrária a ela”, ela está associando o ganho do peso diretamente ao desleixo, à falta de esforço e vaidade – todos atributos negativos. Para finalizar, ela diz ser um “perrengue” (aperto, desconforto) ser fotografada como criatura exótica porque engordou ou estar sem maquiagem. Novamente, o corpo gordo é associado a uma imagem negativa, exótica e algo a ser observado e fotografado para o entretenimento alheio nas revistas de celebridade.

54

3.2 NOTAS E NOTÍCIAS Edição n° 2407, 07/01/2015

55

A coluna Gente, de Veja, é uma sessão de notícias sociais e de celebridades, localizada de costume nas páginas do meio da revista. Em umas das notas da coluna, temos a crítica das vestimentas escolhidas pela então ministra da Agricultura, Kátia Abreu, e comentários das roupas de Paula Roussef Araújo e Marcela Temer. Temos, a princípio, uma coluna social que está se focando exclusivamente na escolha dos trajes de personagens da política. O texto, então, começa com as duas colocações “renda engorda” e “nervuras estufam”, diretamente criticando e condenando escolhas de vestimentas e acessórios que alargam a silhueta. Qualquer escolha, portanto, que resulte numa aparência gorda, é naturalmente caracterizado como negativo – como no caso particular da ministra. A autora (ou as autoras) então, discorrem que Brasília – centro do poder no país – já tem problemas demais, e que observar os deslizes de outras pessoas serve para aliviar o clima “quente”. No final da nota, então, temos novamente uma crítica, entretanto, essa vem em tom diferente e mais cordial do que a anterior. Ao comentar sobre Marcela Temer, a expressão introdutória é “mulher bonita fica bem de qualquer jeito”. Ao fazer tal constatação, percebe-se que a mulher em questão é bonita e, qualquer que seja sua escolha, continuará bonita. Seus “pecados” de moda são automaticamente absolvidos por ter uma aparência agradável e ser magra, em completa contradição com os erros de Abreu. Observamos, então, uma mulher magra (Temer), loura e jovem, sendo tratada textualmente de forma diferente, com seus erros sendo minimizados, ao contrário da anterior não-magra e de mais idade.

56

Edição n° 2431, 24/06/2015

57

Ao discorrer sobre a cantora estadunidense Lady Gaga e seu último “flagra”, ser fotografada em uma praia com silhueta “rechonchuda” e de biquíni pequeno, o título da matéria é “Dieta que só engorda". Durante o texto, a dieta citada no título é explicada, de forma simples e inclinada para o humor, como pode ser observado no jogo de palavras com a repetição do “cinco” e na onomatopeia “ufa”. Ao afirmar que a dieta feita pela artista só engorda, notamos uma construção de contradição na estrutura frasal, evidenciada pela expressão “que só engorda” – inferindo que uma dieta tem o propósito único de emagrecer, e que esse propósito não foi atendido. De acordo com o Centro Nacional para Estatísticas de Saúde (National Center for Health Statistics, entidade estadunidense), 2% da população norte-americana faz dieta para ganhar peso e/ou engordar. Neste percentual estão incluídas pessoas que se encontram abaixo do peso ideal, com o Índice de Massa Corpórea abaixo de 18,5 e que tem dificuldade de engordar, e aquelas que fazem dietas hipercalóricas (ricas em calorias), devido à quantidade de exercícios físicos que fazem. Restringir a função das dietas meramente para o emagrecimento é excluir completamente os demais propósitos que uma dieta pode ter, como o evidenciado no estudo conduzido pela NCHS, e até mesmo dietas para hipertensos (que não necessariamente são de redução de peso, mas sim, de sódio) e diabéticos (de redução de açúcares). Ao fazer tal afirmação, temos a impressão que o único objetivo para um indivíduo que se encontra de dieta é perder peso e reduzir medidas, o que percebemos não condizer com a realidade. Não obstante, ao explanar os procedimentos da dieta, a (s) jornalista (s) prossegue o texto, afirmando que a artista “surpreendeu pela silhueta bem mais rechonchuda em um biquíni fio-dental”. Tem-se então dois aspectos principais na frase: Que a silhueta “bem mais rechonchuda” da artista surpreendeu (a autora ou mais pessoas) e que o motivo da surpresa foi a exposição do sobrepeso em um biquíni de tamanho pequeno. Ao optar pelo uso da preposição “em”, na frase “em um biquíni fio-dental”, em detrimento da conjunção “e” (que, no exemplo, serviria para afirmar que a surpresa está em dois fatos distintos), vemos que a surpresa não está apenas no sobrepeso da cantora, mas sim na

58

atitude de se expor em um biquíni fio-dental enquanto estando com formato “rechonchudo”.

59

Edição n° 2440, 26/08/2015

60

A autora inicia o texto apresentando a alemã Heidi Klum como mãe de quatro filhos, rica, apresentadora de um programa de sucesso e tendo 42 anos. Ao completar a apresentação, afirma que Klum continua a fazer trabalhos como modelo, e que existe apenas uma única razão para tal – ela ainda é linda. Quando se enfatiza a escolha pelo termo “ainda” tem-se a ideia de que algo acontece em detrimento de (ainda que) outra coisa, que é oposta ou minimamente incondizente à primeira. Ao afirmar que a apresentadora “ainda” é linda, está se criando uma ideia ou expectativa contrária à de uma mãe de quatro filhos com 42 anos de idade. Avançando a notícia, temos a colocação do candidato prévio à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, em referência a Klum. O fato é que Trump sobe nas pesquisas de opinião proporcionalmente ao seu raio de violência verbal, como os exemplificados pelo texto: “gorda” e “porca”. O texto, portanto, evidencia o ato da violência verbal proferida pelo pré-candidato e usa os adjetivos citados para exemplificar quais são algumas das ofensas. Não há como mudar a opinião extremamente negativa de Trump em relação ao sobrepeso, ao ponto de se igualar com o termo pejorativo “porca” – entretanto, ao citar estes exemplos, em particular, eleva o termo “gorda” como termo pejorativo e negativo tal qual é na mentalidade do personagem, justificando, assim, a repulsa ao comportamento do mesmo.

61

Edição n° 2414, 25/02/2015

62

Apesar de se tratar de um homem acima do peso, o que não está diretamente relacionado ao tema deste trabalho monográfico, nota-se que, no momento em questão e na perspectiva da (s) autora (s), ele está vestido e interpretando uma mulher, assumindo um papel feminino. Portanto, a construção da imagem e o discurso de Veja também estão de acordo com o gênero do personagem, não apenas do ator que a interpreta. A nota sobre o ator Raphael Khaleb, já começa com um termo determinista e restritivo que se destaca na afirmação “dietas e malhação evidentemente não fazem parte da rotina do ator”. Essa conclusão que, de acordo com a construção da ideia, é incontestável, não parece originar de um questionamento direto ao ator, julgando a estrutura do texto, havendo apenas uma citação afirmando que “já fez dança do ventre”, seguido de uma piada sobre o próprio peso. Temos então o reconhecimento automático e indiscutível que uma pessoa gorda não faz dietas e nem se exercita – ou seja, não há cuidado nenhum com alimentação ou exercícios, novamente associando a gordura ao desleixo e despreocupação. Outro ponto notável do discurso no texto é a explicação do papel interpretado: uma exótica Cleópatra rechonchuda. Não está se afirmando que a interpretação é exótica, ou a personagem histórica por si só, mas sim o fato da antiga rainha egípcia ser (ou estar) rechonchuda – constata-se isso na correlação direta entre o “rechonchudo”, gordo e o exótico, diferente. O corpo gordo está presente como elemento de alívio cômico, espalhafatoso e exótico, a ser contemplado pelo inusitado. Esse raciocínio se concretiza ainda mais na última frase “só por isso dá até para rir do samba do ditador”.

63

3.3 MATÉRIAS E REPORTAGENS Edição n° 2433, 09/07/2015

64

No texto, o autor discorre sobre o personagem da então novela das 11 da Rede Globo, o personagem Visky, interpretado pelo ator Rainer Cadete. Ao narrar de forma breve a história do personagem ao longo do mundo fictício da novela, é revelado que ele tem uma rival gordinha (nas palavras do jornalista) em um dos seus negócios ilegais, a qual vive xingando de “baleia”. Verdades secretas foi uma novela de grande audiência da Rede Globo, tendo uma média de 25 pontos ao longo das exibições, apenas na região da Grande São Paulo, o que resulta na assiduidade de 1,675 milhão de residências, apenas na área. Ao considerarmos a quantidade de cidadãos que assistiram a telenovela durante toda a sua exibição, assim como a audiência geral que esse tipo de programa recebe no país, temos um meio de comunicação extremamente influente e presente na vida das pessoas. Inserido nesse contexto está a personagem gorda, sendo constantemente “xingada” – o uso do termo xingamento, novamente, escolhido pelo autor do texto – de baleia. A suposta rival do personagem está sendo citada no mesmo contexto de outros dois personagens: O da atriz magra Marieta Severo, e do também magro ator Cadete, ao mesmo tempo que os dois últimos tem características positivas associadas a si. A única característica citada da rival, então, é o seu sobrepeso, aspecto suficientemente negativo (no contexto), para exprimir sua inferioridade em relação a outrem.

65

Edição n° 2405, 24/12/2014

66

67

68

69

Na reportagem especial, intitulada “Mal rompe a manhã”, Veja traz uma então nova iniciativa das emissoras para o jornalismo matutino, a fim de atrair audiência, ilustrados pelos seus representantes nas principais emissoras abertas: Globo, SBT, Record e Band. Entre eles, está a jornalista amazonense Fabíola Gadelha, responsável pelo programa Balanço Geral. Semelhante aos demais artigos jornalísticos de Veja, analisados anteriormente, a questão da aparência e, especificamente, do peso, vem à tona quando discorrendo sobre a jornalista – que está acima do peso. O jornalista descreve o modelo de apresentação de Gadelha como sendo um circo, expondo um acontecimento em que esta convida um dos repórteres para dançar, chamandoo de gordinho. Então, em uma fala dela, ela diz que é “a gordinha que fala o que as pessoas pensam”.

A escolha da fala evidencia a caracterização e

categorização especial aos quais os jornalistas em questão se enquadram, como se fizessem parte de um grupo aquém aos demais. Eles não são apenas o repórter que dançou ou a jornalista que fala o que os outros pensam, mas sim “o gordinho” e “a gordinha”. Dando continuidade ao texto, o foco prossegue na questão do peso. Desta vez, a fala de Gadelha, que afirma que a câmera engorda, é colocada em oposição direta à fala da jornalista Monalisa Perrone, que diz o contrário. Em seguida, a fala da jornalista é que nas ruas, as pessoas acham-na mais magra. O que vem a seguir é a fala de um diretor do canal, que não tem o nome revelado, dizendo que a jornalista “pôs em risco a qualidade e a agilidade do jornalismo da casa”. Esse tipo de fala e sua escolhe se tornam extremamente relevante pois, tal qual o jornalismo de revista, o jornalismo da TV também passa pelo crivo dos editores e dos diretores. Ao responsabilizar a apresentadora e culpabilizá-la por colocar em risco a qualidade do jornalismo da Record, está se ignorando completamente o fato de que a decisão do perfil popular e irreverente do jornal é uma decisão que depende de uma hierarquia, e não somente de Gadelha. Ao avaliarmos, portanto, a apresentação e as falas de Perrone, que são encaixadas antes da jornalista da Record, vemos um tratamento e foco muito diferenciado. Ao apresentar a jornalista da Globo, Veja inicia o texto qualificando o jornal como sendo dinâmico e variado, tratando de aspectos do dia, como trânsito, previsão do tempo e aeroportos. Quando o assunto é a mudança de

70

horário no trabalho da jornalista, o autor cita que ela se consultou com diversos médicos – demonstrando ser cuidadosa com a própria saúde. Apesar de não ser o foco da reportagem, o peso e a altura da apresentadora (que está com IMC de 15,47, abaixo do peso ideal) são expostos sob o contexto bem-humorado do pedido ao fotógrafo para não deixá-la mais magra – Seguido do comentário do autor que esta é uma frase rara no meio televisivo. Conclui-se que o aspecto do peso e do profissionalismo das entrevistadas são apresentados de formas diferentes muito específicas, mesmo se tratando, em teoria, de profissionais da mesma área e com o mesmo foco.

71

Edição n°2409, 21/01/2015

72

73

74

75

76

A reportagem de Veja tem foco na dieta para emagrecimento do método Ravenna, que teve um crescimento no número de seguidores no país, nos anos de 2014 e 2015. A autora inicia o texto mencionando supostas críticas à escolha das vestimentas da presidente Dilma Roussef, sem mencionar nomes. Tais críticas, segundo a autora, se fazem injustas, pois elas ignoraram o fato de que Roussef estava visivelmente mais magra – cerca de oito quilos em dois meses. A reportagem, apesar de não se tratar de uma coluna social e tampouco de moda, menciona que o suposto erro na escolha da roupa deve ser deixado de lado, pois a pessoa em questão emagreceu – o emagrecimento como motivo de enaltecimento e razão suficiente para se ignorar eventuais “falhas” estéticas. O motivo do emagrecimento ou, pelo menos, do encorajamento ou estímulo para tal, de acordo com a autora, é o emagrecimento de uma outra personalidade da política, a ministra da Secretaria para de Políticas para as Mulheres – sugerindo uma influência na percepção de Roussef, que admirou a perda de peso de outra pessoa e também desejou a perda. O parágrafo termina com a afirmação que a presidente “mandou” um outro ministro fazer a dieta, o qual acatou a ordem e perdeu cinco quilos. A explicação para o funcionamento da dieta segue durante o texto, porém, apresenta preceitos contraditórios. Primeiro, é citada a quantidade de calorias diárias consumidas por uma pessoa que segue a metodologia de Ravenna: 800kcal. A quantidade de calorias é defendida por um endocrinologista consultado pela autora, mencionando que, apesar de pouca, a dieta dá a sensação de saciedade. Entretanto, a matéria explica que a sensação de saciedade, apesar das poucas calorias consumidas, decorre da fabricação da substância chamada corpo cetônico, uma estratégia do corpo para dar energia e inibir a fome. Essa substância química, entretanto, quando produzidas em grandes quantidades, prejudicam a saúde, causando enjoos e dor de cabeça. A quantidade de kcal diárias que produzem os corpos cetônicos em excesso são justamente 800 (quantidade exata da dieta Ravenna) ou menos. Entretanto, a reportagem não elabora o assunto, apenas mencionando que a presidente segue sem sofrimentos e se exercitando. É de se questionar que não se abordem os perigos das dietas de altas restrições calóricas, limitando-se apenas a

77

classificar o radicalismo (que se limita a restrição de grupos alimentares) das mesmas através de um infográfico em cores. Aspecto grave na execução da matéria é o que resulta da falta de elaboração (intencional ou não) sobre os comentários na fala da empresária Isabela del Cielo. Ela conta que engordou 50kg em cinco anos, que tinha depressão e já considerou o suicídio. Continua explicando que chegou ao Ravenna (um dos centros no país) com 112 quilos e chorando. O que se percebe na fala da empresária é que a mesma buscou uma ajuda ou um tratamento para a depressão que sofria na dieta e na perda de peso, o que poderia ter apresentado resultados negativos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Psicologia, aproximadamente 19% das pessoas apresentam algum nível de depressão em determinado momento da vida. Ainda segundo a SBP, os tratamentos para a doença são dois: o medicamentoso, através de antidepressivos e ansiolíticos, e o tratamento psicoterapêutico, com acompanhamento psicológico. Mudança de hábitos, como o exercício físico e a melhor alimentação também podem colaborar com o tratamento. Portanto, ao transcrever a fala de del Cielo, atribuindo a causa da depressão ao sobrepeso e buscar a cura na dieta, a jornalista presta um desserviço ao leitor, em especial aos que sofrem com a doença. A situação se agrava especialmente considerando que, na perspectiva da entrevistada, a dieta “curou” seu problema e o acompanhamento psicológico prestado pelos profissionais de Ravenna se limitava apenas a estimular a cliente a permanecer na dieta.

78

Edição n° 2412, 11/02/2015

79

80

A matéria de Veja sobre a nova técnica de fertilização de manipulação das células tem foco quase integral na apresentação dos dados e na explicação dos procedimentos que envolvem a troca do DNA mitocondrial, defendendo a validade da metodologia e argumentando que não se trata de manipulação genética. Com foco nos aspectos científicos e na validação, pouco se observa não tratando diretamente do tópico central. O que chama a atenção, entretanto, é o trecho que fala da influência do DNA nuclear da formação genética do ser humano. A autora afirma que o nosso código genético (o que nos torna quem somos, todas as nossas características) é formado 99,98% pelo DNA nuclear – justamente este que não é manipulado durante a técnica médica mencionada. Para exemplificar o que este tipo de DNA determina, ela diz: “a cor de nossos olhos, a textura de nosso cabelo, a estatura, a propensão para engordar e sofrer de doenças, entre outras características”. Temos, então, três exemplos puramente estéticos, em ordem, mas que são seguidos por propensão para engordar e sofrer de doenças. Ao exemplificar a “propensão para engordar”, a autora poderia ter optado por separá-la de “sofrer doenças”, colocando-a em outra categoria de exemplos com o uso de expressões tais quais: “mas também” e “além de” ou até mesmo a simples substituição do “e” pelo “ou” ao enumerar as propensões. Entretanto, ao enumerar características físicas não-delimitadoras como “estatura” e “textura de nosso cabelo”, imediatamente seguidas de propensão para “engordar e sofrer de doenças” (estas duas estando juntas, numa mesma categoria), vemos o enquadramento negativo da propensão (facilidade) para adoecer ser o mesmo para o de engordar. Levando em consideração que a Organização Mundial de Saúde considera a obesidade (IMC maior que 30), como doença, a autora estaria perfeitamente clara em simplesmente citar a propensão para sofrer de doenças em seu texto. Entretanto, ao exemplificar as duas coisas separadamente e dentro da mesma expressão, temos uma atribuição de qualificação ao termo engordar desassociado do contexto da comorbidade de doença, levando a conclusão que qualquer tendência ao sobrepeso é negativa.

81

Edição n° 2418, 25/03/2015

82

83

Na matéria acima, sobre as repórteres de previsão do tempo e seu crescimento e evolução ao longo dos anos, a revista traça um breve histórico e acompanhamento da área de “moça do tempo”, como são chamadas. Ao traçar as diferenças das repórteres nos dias de hoje, em relação às de anteriormente, um ponto observado pela autora é o da vestimenta, que atualmente é mais moderno, com direito a saias mais curtas e saltos “altíssimos”. Tem-se, entretanto, uma série de regras que devem ser seguidas em relação às roupas, como por exemplo não utilizar tecidos de cetim e seda, pois brilham muito quando refletem as luzes do estúdio, ou listras finas, quadros ou estampas, pois “vibram” muito. Estas observações são feitas pela gerente de figurino do canal Band, e todas dizem respeito à praticidades e particularidades dos tecidos em relação às luzes de estúdio e a projeção no chroma key (a tela verde ou azul onde se fazem as projeções das imagens). Logo em seguida, no entanto, uma fala de uma das repórteres, Patrícia Costa, diz que só utiliza lingeries cortadas a laser, pois não marcam, e tecidos mais justos, pois “os mais soltinhos engordam”. A fala anterior, puramente técnica e não-estética, da gerente de figurino, apontando erros de vestimenta que devem ser evitados a fim de melhorar a qualidade da imagem, vem seguida da fala pessoal da repórter, que afirma não utilizar certo tipo de roupa pois engorda. Ao colocar as duas falas num mesmo contexto, sem deixar claro haver uma separação entre constatações técnicas (a primeira) e uma opinião (a segunda), a autora acaba por encaixar tudo o que foi falado no mesmo grupo de “coisas a se evitar”, equiparando o “aparentar estar gorda” aos embaraços técnicos que uma escolha errada de roupa pode causar – aparentar estar gorda é (segundo compreendemos do texto), portanto, algo a se evitar tanto quanto utilizar uma roupa que cause interferência na qualidade da filmagem.

84

Edição n° 2423, 29/04/2015

85

86

87

88

A matéria de Veja inicia-se com um título bastante sugestivo e direto: A matemática da beleza. A escolha da expressão sugere a ideia de que a beleza é um elemento quantificável, sujeito a fórmulas matemáticas e certezas irrefutáveis, tal qual uma equação. O complemento seguinte, então, serve para corroborar ainda mais a ideia, afirmando que, sem sombra de dúvida (identificado pela expressão “comprova que”), os gregos estavam certos em seu conceito de beleza, relacionando-a com a simetria. Ao longo do texto, a noção de que a bichectomia (como é chamado o procedimento para tirar gordura das bochechas) é um processo de embelezamento e aperfeiçoamento é defendida, como no segundo parágrafo: “Vê-se o resultado da bichectomia em mulheres lindas, que aparentemente nada teriam a corrigir”. Portanto, o procedimento supostamente não só melhora, mas também “corrige” o que anteriormente não se sabia precisar corrigir. Quando se corrige algo, portanto, estamos não apenas melhorando, mas efetivamente consertando um erro. A gordura localizada nas bochechas, portanto, um traço natural e presente em todos as pessoas, é apresentada como um erro a ser corrigido. Esse conceito toma forma ainda mais complexa quando o cirurgião e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, João de Moraes Prado Neto, afirma que a cirurgia dá aspecto mais jovial e magro ao rosto, seguido da afirmação da repórter de que este é “o sonho de absolutamente todas as mulheres do mundo”. Além de não haver estudos, provas ou sequer o mínimo indício de que esta afirmação (feita de forma absoluta e conclusiva) procede, isso afirma que o desejo de parecer mais magra, mesmo que apenas no aspecto facial, é algo compartilhado por literalmente todas as mulheres – concluindo que o aspecto minimamente gordo é invariavelmente negativo. O enaltecimento do procedimento cirúrgico estético é agravado quando, a seguir, a autora discorre sobre como a bola de Bichat (nome do depósito adiposo nas bochechas) tem papel importante no auxílio da mastigação e é um traço evolutivo, tanto que ela apenas é reduzida em casos de desnutrição severa. Portanto, um aspecto importante no auxílio da mastigação, processo imprescindível para o bem-estar, é retirado pela alteração estética e, mesmo assim, o procedimento é elogiado.

89

Prosseguindo com o raciocínio, a autora cita que a cirurgia é procurada tanto por quem está em “guerra contra a balança” tanto quanto as que estão com o peso ideal. Essa ideia coloca os indivíduos em geral em duas categorias: os que estão com peso ideal, subentendendo-se serem aqueles que tem IMC igual ou menor que 25, e todos os demais que, invariavelmente, estão metaforicamente “guerreando” contra o sobrepeso, entendendo um esforço grande para emagrecer. A afirmação é defendida por uma entrevistada, que afirmava ter sofrido bullying na escola, por ser “bochechuda”, mesmo quando perdia peso – evidenciado pelo uso da expressão “lamenta”, quando se referindo ao tom da interlocutora. A ideia central trazida no título do texto é retornada em seguida, quando a autora reafirma (segundo seu conceito, obviamente) a ligação direta e invariável entre beleza e simetria, sendo esta oriunda dos gregos antigos e que, segundo ela, também é responsável pela criação de obras primas da pintura, arquitetura e música. Ainda sobre a simetria, a jornalista afirma que enquanto antigamente usava-se réguas para definir proporções estéticas, hoje usam-se bisturis, levando a conclusão de que a simetria facial e, portanto, a perfeição estética, é obtida através de procedimentos cirúrgicos. Essa ideia chama a atenção em especial quando colocamos em perspectiva que, tecnicamente, os rostos nunca foram assimétricos a princípio, visto que o procedimento cirúrgico retira ambas as bolas de Bichat do rosto – deixando a simetria semelhante à anterior e o rosto mais magro. O que temos então, é a defesa não da perfeição através da simetria, mas sim da magreza. O penúltimo parágrafo, então, termina por completar e tentar corroborar as afirmações anteriores. Na primeira frase, vemos novamente uma afirmação apenas conjectural sendo exprimida como verdade absoluta: “É incontestável a ideia de beleza como resultado da harmonia”, seguida por uma explicação de que o ideal de beleza mudou ao longo dos anos. A afirmação de que as mulheres rechonchudas eram o padrão de beleza de antigamente procede, mas os motivos citados pela autora são errôneos. Como defendido por Michelle Perrot e Georges Duby (1991), o motivo pelo qual o sobrepeso era tido como padrão de beleza era, na verdade, a associação com a aristocracia, visto que as mulheres se alimentavam mais e com produtos mais caros (açucares e gorduras). Mesmo

90

erro é cometido quando a repórter afirma que o culto à magreza é resultado com o aumento do número de pessoas gordas. Segundo os autores, o paradigma da magreza surgiu no começo do século passado com novos dogmas médicos que incentivavam dietas e exercícios físicos e que posteriormente foram adotados e perpetuados pela mídia e pela indústria da moda. No geral, o texto defende constantemente a busca da “perfeição estética” através do procedimento cirúrgico mencionado, enaltecendo-o e generalizando conceitos de beleza, enquanto associando o aspecto gordo e o sobrepeso sempre a características negativas e distantes da beleza.

91

Edição n° 2429, 10/06/2015

92

93

94

95

O texto anterior de Veja discute sobre a identidade ainda não revelada da autora de nome (real ou artístico, ainda não se sabe) Elena Ferrante. Usando como base o lançamento do livro “A amiga genial” no Brasil, o jornalista discorre sobre o mistério que circunda a real identidade da escritora, uma questão ainda sem resposta até o momento, além de apresentar diversas teorias a respeito do caso que podem ou não comprovar serem verdade. Ao descrever as personagens principais do romance, alguns aspectos se destacam, especialmente pela mescla entre a descrição subjetiva indireta do jornalista e a descrição mais direta, tirada das páginas do livro. Não há definição certa ao longo da matéria, salvo alguns usos da aspa, quando a citação é literal. Ao analisarmos, então, o terceiro parágrafo do texto, temos a informação de que a autora do livro “troca” os papéis das personagens – troca, neste sentido, invertendo diretamente o perfil das duas. Lila, enquanto criança, era magra e suja que, por sua vez, se torna uma adolescente deslumbrante. Temos, neste caso, o adjetivo magra e suja usados num mesmo contexto, associando o aspecto magro da personagem a algo negativo de se ver, não agradável. Elena, por sua vez, loura e graciosa na época da infância, desabrocha numa adolescente gordinha que se acha feia. Dois dados essenciais são dados pelo autor da matéria que associam o termo “gordinha” a um termo pejorativo e geralmente negativo. Ao usar o termo “troca”, quando diz respeito à alternância de estado das personagens, temos as características de uma fase da vida das personagens sendo diretamente ligado as características da outra personagem, num momento seguinte. Portanto, temos Lila, adolescente deslumbrante, tal como Elena era na sua infância – loura e graciosa -, em oposição a Elena, gordinha que se acha feia, tal como Lila – magra e suja. Considerando que o adjetivo magra não pode ser associado a Elena, enquanto adolescente, pois é dito que ela é gordinha, então as “trocas” de papeis estão mais subjetivas, concluindo que a imagem construída de forma negativa com as expressões “magra e suja”, é levada a imagem também negativa das expressões “gordinha que se acha feia”. Outro ponto que pode ser percebido, também, é a caracterização negativa do termo “gordinha” em relação à descrição da personagem. Elena é caracterizada

96

como alguém que se acha feia, demonstrando uma falta de autoestima. Porém, a impressão que a personagem tem de si mesma não aparece sozinha, deixando a entender que esta é apenas a forma dela se enxergar – mas ela vem associada diretamente ao termo gordinha. Portanto, a adolescente tem a impressão de si não baseada num elemento aleatório, mas justamente por ser apresentada como uma mulher gordinha, as duas características estando em relação, de acordo com o texto.

97

Edição n° 2425, 13/06/2015

98

99

100

Esta reportagem de Veja conta a história de Vanuzia Lopes, vítima de estupro pelo então médico Roger Abdelmassih, caso que teve grande repercussão no país na época. O repórter descreve, de forma breve, como a vítima tomou coragem para denunciar o abuso, além de investigar, por conta própria, outros crimes cometidos pelo estuprador, o que eventualmente o levou a ser condenado. É explicado, pelo jornalista, que após ser vitimada, Vanuzia passou por um momento difícil em sua vida, se separando do seu então marido e caindo em depressão profunda, deixando de trabalhar e de se relacionar com outras pessoas. Então, é dito que a entrevistada engordou cinquenta quilos, uma quantidade de peso que seria “impressionante” para quem nunca passou dos sessenta quilos até então. O fato do ganho de peso, portanto, é apresentado como uma consequência negativa em si, e em nenhum momento é correlacionado, pelo autor, como sendo consequência direta da depressão que, por sua vez, fez que a vítima desenvolvesse um transtorno alimentar e/ou deixasse de praticar qualquer atividade física – resultando no ganho de peso. Em nenhum momento isso é discorrido ou explicado, o que demonstra superficialidade, além de falta de esclarecimento de causa. Outro aspecto errôneo e sem explicação vem na afirmação seguinte, quando o repórter afirma que com o ganho de peso, Lopes desenvolveu “diabetes e outras doenças”. Deixando de lado as tais “outras doenças”, que não são denominadas, vemos o desenvolvimento da diabetes sendo atrelado diretamente ao ganho de peso. Entretanto, não há nenhuma prova, até o momento, entre pesquisas médicas, que afirme que o ganho de peso por si só seja responsável pelo desenvolvimento de diabetes. Outros aspectos, que podem sim coexistir com o sobrepeso, estão entre os responsáveis pelo desenvolvimento da doença, como a predisposição genética e o sedentarismo. Compreendemos, então, a constante vilanização do sobrepeso e sua responsabilização pelo desenvolvimento de doenças, mesmo quando não há comprovação científica para tal.

101

Edição n° 2439, 19/08/2015

102

Em uma matéria sobre nova técnica para perder peso e reduzir a silhueta, é normal que haja uma explicação da mesma, além de uma “fonte personagem”, como são chamadas as fontes que não trazem conhecimento técnico, mas sim estiveram envolvidas direta ou indiretamente no acontecimento. A fonte, neste caso, é a empresária gaúcha Aline D’Alessandro, que engordou 14 quilos depois de uma gravidez – assim como todas as demais mulheres, visto que o ganho de peso é um processo natural na gravidez. O jornalista conta que a empresária conseguiu perder o peso que havia ganhado, após dietas radicais – voltando, então, ao seu peso anterior -, mas que a gordura acumulada na barriga não havia sumido. D’Alessandro, então, buscou a técnica estética de congelamento das células adiposas, que, segundo fontes do autor, consegue eliminar até 30% da gordura localizada. Qualquer pessoa tem a liberdade de realizar qualquer procedimento estético e até de realizar dietas radicais, claramente. Entretanto, o repórter afirma que a história parece “comezinha”, e que “raras” são as mulheres que não se identifiquem com o incômodo. A expressão “comezinha” é informal e significa algo fácil de compreender, óbvio. A afirmação de que a história (o desejo de se perder a gordura localizada), associada à constatação de que “raras” são aquelas que não se identifiquem (pensem igual, desejem a mesma coisa), traz consigo a carga ideológica de que quase todas compreendem o desgosto à gordura localizada e desejam reduzir a silhueta. Isto, por si só, já atribui qualidade negativa à gordura, visto que todas compreendem a sensação de Aline e desejam, para si, a mesma coisa que ela, além de assumir uma constatação opinativa como algo factual e geral. A ideia tem ainda mais peso quando consideramos que a empresária já tinha perdido o peso desejado (retornando ao peso em que ela se sente confortável, ou seu peso “ideal”) e, mesmo assim, desejou perder ainda mais da silhueta, apelando para o procedimento da criolipólise.

103

Edição n° 2437, 05/08/2015

104

105

106

Utilizando como gancho a tendência da diminuição do tamanho das próteses de silicone preferidas pelas mulheres, a repórter discorre um pouco sobre o histórico dos padrões estéticos dos seios, além de explicar brevemente o surgimento do mais atual. De acordo com a autora, o novo paradigma pode ser datado de 2014, quando a atriz “magérrima”, Keira Knightley, posou com seios à mostra para a revista estadunidense Interview – seios estes de tamanho reduzido. Ainda discorrendo sobre a atriz, a jornalista afirma que ela, “por sorte”, se adequa aos novos padrões de beleza, com sua silhueta delgada e de seios pequenos, além de ser magríssima, como a própria autora comenta, pouco antes. As demais, ainda segundo a autora, que não tiveram tanta sorte quando a anterior, e foram “moldadas” de outra forma, pela natureza, buscam a silhueta através de procedimento cirúrgico. Portanto, há uma “sorte”, um fortúnio (sorte refere-se apenas à coisas positivas, pelo seu contexto) em nascer com seios pequenos e também magra, enquanto as outras pessoas, supostamente não sortudas, fazem o que podem para se adequar – emagrecer e reduzir medidas. Ao longo do texto e também no infográfico em formato cronológico, afirma que o novo padrão de beleza – os seios pequenos – remete à mulher moderna, bemsucedida no mercado de trabalho, mas que também não descuidou da beleza. O que torna a informação contraditória é o fato que o tamanho dos seios não depende de cuidados com a beleza. O tamanho e proporção das mamas dependem de fatores genéticos e hormonais, sendo influenciados por períodos de crescimento, pelo desenvolvimento na puberdade e indiretamente pela alimentação – apenas relativo aos alimentos que estimulam a produção de determinados hormônios. Os seios também crescem durante a gravidez e amamentação, e também nos períodos em que a mulher se encontra menstruada. A redução ou crescimento da mama em relação à massa magra só acontece em situações extremas, como o aumento substancial do peso (aumento das mamas) ou a diminuição extrema de massa gorda e aumento de massa magra (diminuição das mamas). Portanto, relacionar o tamanho dos seios ao cuidado estético é improcedente, do ponto de vista científico. O que se pode inferir, portanto, é que não se trata apenas do tamanho dos seios em relação ao padrão

107

de beleza, mas sim a silhueta magra, por grande esforço físico ou por procedimentos cirúrgicos.

108

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após concluir a análise dos textos de Veja, podemos comprovar que a hipótese sugerida no início do trabalho é procedente, e que existe, sim, um tratamento diferenciado e negativo no discurso, em se tratando do sobrepeso na mulher. Desde elementos textuais simples, que podem passar despercebidos, como uma adjetivação ou um posicionamento de frase ou fala, até declarações mais diretas e afirmações, há a presença - em todos os textos analisados, vale ressaltar - de indícios desse tipo de discurso. Este tipo de discurso, presente na revista mais vendida do país, é sintoma e causa do tipo de mentalidade compartilhada por boa parte dos brasileiros. Veja, enquanto formadora de opinião e utilizando de seu alcance, reitera e firma paradigmas estéticos e fisiológicos no ideário das pessoas. Essa atitude é negativa, pois presta um desserviço à sociedade, compartilhando a desinformação, corroborando preconceitos e comportamentos negativos tanto para as mulheres com sobrepeso quanto para o resto da sociedade. De acordo com os ideais da revista, toda mulher quer – e deve querer – emagrecer ou, no máximo, manter o peso, quando esta já é magra. Não há a possibilidade de uma mulher gorda não querer emagrecer, assim como não há a possibilidade de uma mulher gorda estar satisfeita consigo ou ser saudável. Esse tipo de discurso, em especial se tratando de uma revista informativa, marginaliza uma grande parcela da população, resultando em insatisfações pessoais e sentimento de inadequação. Como verificado na avaliação das publicidades de Veja – vestimentas, acessórios, medicamentos e cosméticos voltados para mulheres magras ou para o emagrecimento -, esse tipo de discurso não é por acaso, e serve como espécie de engrenagem para um sistema que determina, até onde consegue, o funcionamento da sociedade. Este é o mesmo sistema ao qual as grandes indústrias fazem parte – as mesmas que criam demanda para os produtos que elas mesmas vendem.

109

É possível concluir também que estes modelos e essa ideologia é construída e também sofreu alterações ao longo da história, e que veículos como o analisado revestem-se de autoridade dada pelos preceitos jornalísticos para perpetuá-los. Percebe-se que, infelizmente, as informações disponíveis sobre o sobrepeso em relação aos padrões estéticos e à moda ainda são escassas, especialmente na literatura nacional. Pesquisas sobre a relação do sobrepeso com doenças são abundantes, porém, pouquíssimas que relacionam a causa da doença diretamente com a gordura – limitando-se apenas à dados que indicam a diferença no percentual da possibilidade de se contrair tal doença. Outro dado pouco disponível, também, é o que associa o sobrepeso com diferentes tipos de comportamento e nível de atividade física. Busca-se, com este trabalho monográfico, a elucidação de um problema grave na sociedade, comprovando que até mesmo os veículos mais influentes e que, supostamente, deveriam se apresentar com imparcialidade e buscando a informação e conscientização, servem para compartilhar ideais errôneos, negativos e preconceituosos. Busca-se também conscientizar as pessoas sobre essa informação, para que estas possam se livrar de ideais estereotipados e contribuir com uma formação de opinião livre de preconceitos. Espera-se também auxiliar novos trabalhos acadêmicos dos mais diversos tipos, contribuindo com novos dados de pesquisa para difundir ainda mais a informação de conscientização – para que veículos que praticam este tipo de discurso tenham cada vez menos impacto na mentalidade da sociedade.

110

6. REFERÊNCIAS AUGUSTI, Alexandre Dossato. Jornalismo e comportamento: os valores presentes no discurso da revista Veja. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Programa de pós-graduação em comunicação e informação. Porto Alegre, 2005. BOAS, Sergio Vilas. O estilo magazine: o texto em revista. 1° ed. São Paulo, Summus Editorial, 1996. BRANDÃO, Helena H. Introdução à Análise do Discurso. 2° ed. Campinas, Editora da Unicamp, 2004. BRAY, George A.; BOUCHARD, Claude. Handbook of Obesity: Clinical Applications. New York, Informa Healthcare, 2004. CAREGNATO, Rita Catalina Aquino; MUTTI, Regina. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto contexto - enferm., Florianópolis

,

v.

15,

n.

4,

Dez.

2006

.

Disponível

em:

. Acesso em 10 maio 2014. CEOLIN, Patrícia Nascimento. Jornalismo em Revistas no Brasil: Um estudo das construções discursivas em Veja e Manchete. 1° ed. São Paulo, AnnaBlume Editora, 2002 DIJK, Teun A. van. Discurso e Contexto: Uma abordagem sociocognitiva. São Paulo, Contexto, 2002. DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das Mulheres: Do renascimento à idade moderna. 1° ed. Porto, Edições Afrontamento, 1991. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. 1° ed. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2001. FIORIM, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo, Contexto, 2011.

111

GARCIA, Wilton. Corpo, Mídia e Representação: estudos contemporâneos. 1° ed. São Paulo, Thomson, 2005. MARQUES-LOPES, Iva et al. Aspectos genéticos da obesidade. Revista Nutricional, Campinas, v. 17, n. 3, p. 327-338, Setembro, 2004 .Disponível em: . Acesso em 08 de abril de 2016. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios & procedimentos. 8° ed. Campinas, Pontes, 2009. 100p. PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: Uma crítica à Afirmação do Óbvio. 2° ed. Campinas, Editora da Unicamp, 1995. SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Políticas do Corpo. 2° ed. São Paulo, Estação Liberdade, 2005. SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. 2° ed. São Paulo, Contexto, 2004. VASCONCELOS, Naumi A. de; SUDO, Iana; SUDO, Nara. Um peso na alma: o corpo gordo e a mídia, Revista Mal-estar E Subjetividade, Universidade de Fortaleza. v. IV, n. 1, p. 65 - 93, mar. 2004.

112

ANEXO:

A PULICIDADE NA REVISTA VEJA

Como verificado durante o segundo capítulo, a publicidade é inseparável na revista informativa. Tanto como forma de arrecadação de verbas para manter o veículo (a vendagem, por si só, representa apenas uma porcentagem dos lucros), como, também, um elemento de diferenciação e afirmação no mercado, as revistas informativas e todos os veículos necessitam de anúncios publicitários para sobreviver. Partindo desde princípio, faz-se necessária a análise das publicidades observadas na revista Veja, para a maior compreensão do veículo, seu perfil editorial e seu papel na sociedade, no período de análise determinado: julho de 2014 até junho de 2015. Visto que se trata de uma contagem manual, vale considerar que esta é passível de pequenos desvios – nada que prejudique a compreensão e posterior avaliação.

Contabilização da publicidade na revista VEJA Bancos

69

Automóveis

230

Cosméticos

41

Agências de viagem/ Empresas de aviação

32

Serviços e Negócios

85

Consumo (comida e bebida)

95

Tecnologia

30

Acessórios e vestimenta

177

Cursos diversos

14

Anúncios da editora Abril

166

113

Veículos de comunicação (canais de TV, Rádio e Internet não diretamente vinculados ao grupo Abril)

46

Medicamentos, hospitais e planos de saúde

25

Produtos para o lar (decoração, eletrodomésticos e produtos de limpeza)

25

Empresas de Telefonia

110

TV por assinatura

11

Total

1156

Fatores da contagem a se observar: 1. Na categoria “automóveis”, estão inclusos os de passeio e os comerciais - essencialmente caminhões para transporte de carga. Podemos inferir que tais propagandas se dirigem, exclusivamente, a médios ou grandes empresários buscando um serviço de transporte para suas empresas. Nos automóveis de passeio, podemos observar uma presença majoritária de marcas de luxo, como Mitsubishi, BMW, Mercedes Benz e Jeep. Isso nos dá indícios do tipo de público leitor da Veja – o mesmo público alvo da publicidade destas marcas. 2. Na categoria “Agências de viagem/ Empresas de aviação”, estão inclusas as principais empresas de aviação, agências de turismo e viagem e propagandas de destinos turísticos dentro e fora do Brasil (incluindo a Disney, em algumas ocasiões). 3. Em “Serviços e Negócios”, estão inclusas empresas prestadoras de serviços, que prestam serviços para empresas maiores e, portanto, não interagem diretamente com o consumidor – sendo seu principal alvo os grandes e médios empresários. Além destas, empresas de seguros e de hotéis de luxo, além de marketing pessoal (quando uma empresa faz uma propaganda de si mesma e/ou de suas ações). 4. As publicidades de “Acessórios e vestimenta” são um tanto variadas, mas se focam essencialmente em vestuário de luxo (marcas conceituadas, em

114

detrimento de lojas de departamento, por exemplo), lingerie, joias e bijuterias finas, tênis para prática de atividade física e relógios finos. Dentre as empresas de joias estão as famosas (e caras) H. Stern, Pandora e Vivara. Importante mencionar, devido à essência deste Trabalho de Conclusão de Curso, que todos os anúncios de acessórios, especialmente lingerie e joias, são extensivamente ilustrado por mulheres magras e esbeltas – dentro do “padrão de beleza”. 5. Cursos diversos são compostos por cursos superiores de Direito, em faculdades particulares, e cursos de especialização, pós-graduação e MBA. 6. Como em qualquer veículo, a autopropaganda (ou marketing pessoal) está presente nas páginas da revista Veja. Entretanto, a quantidade destes anúncios se destaca neste veículo, sendo superada apenas por publicidade de automóveis e de acessórios e vestimenta. Considerando que a maior parte não se trata da revista Veja, em si, mas sim dos demais produtos e serviços da editora Abril, como as revistas Claudia, Exame e Quatro Rodas. Também estão inclusos nesta categoria, eventos patrocinados e/ou produzidos pela editora. 7. Na categoria “Remédios, hospitais e planos de saúde” encontram-se, majoritariamente, anúncios de pílulas de complexo poli vitamínico e produtos para emagrecimento. É válido mencionar, também, que os hospitais presentes na categoria são o Hospital Israelita Albert Einstein e o Sírio-Libanês, ambos da rede privada de saúde e famosos pelo alto custo e por serem preferências de celebridades.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.