O Plano de Conversibilidade, o Sistema Bimonetário e a Crise Argentina (1991-2002)

May 26, 2017 | Autor: V. Silva | Categoria: Latin American Studies, International Political Economy, Exchange Rates
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VERA LÚCIA DO CARMO SILVA

O PLANO DE CONVERSIBILIDADE, O SISTEMA BIMONETÁRIO E A CRISE ARGENTINA (1991-2002)

MESTRADO EM ECONOMIA

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA

SÃO PAULO 2005

VERA LÚCIA DO CARMO SILVA

O PLANO DE CONVERSIBILIDADE, O SISTEMA BIMONETÁRIO E A CRISE ARGENTINA (1991-2002) Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Economia Política sob orientação do Prof. Dr. Carlos Eduardo F. de Carvalho

MESTRADO EM ECONOMIA

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA

SÃO PAULO 2005

VERA LÚCIA DO CARMO SILVA

O PLANO DE CONVERSIBILIDADE, O SISTEMA BIMONETÁRIO E A CRISE ARGENTINA (1991-2002)

Data da Defesa: ____/_____/_____

Banca Examinadora:

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_____________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

___________________________________ Data: ______/_____/____

"...o erro e o ridículo são inerentes e inevitáveis em toda nova idéia que faz o pensamento avançar."

(Cristovam Buarque)

DEDICATÓRIA

Ao meu marido Carlos, sem o seu amor, carinho e paciência não teria sido possível a concretização deste sonho.

Aos meus pais, João e Joana, por terem me ensinado a respeitar a vida, agir de forma leal e justa com as pessoas à minha volta, sonhar sempre e não desistir jamais.

Às minhas irmãs Bernadete, Ana, Juliana e, em especial, à Tereza que com sua experiência e exemplo de persistência e dedicação auxiliou-me a “por os pés no chão” mesmo eu estando “com a cabeça nas nuvens”...

AGRADECIMENTOS

Esta é a parte mais difícil na elaboração da dissertação, pois corremos sempre o risco de esquecermos alguém. Há inúmeras pessoas que contribuíram direta e indiretamente com a realização deste trabalho, assim como há pessoas que ficaram no passado mas que eu gostaria muitíssimo que estivessem comigo agora compartilhando desta conquista. O período de mestrado na PUC-SP representou para mim uma fase de grande amadurecimento não apenas profissional como também pessoal. Em primeiro lugar, quero agradecer ao meu orientador e amigo Carlos Eduardo Carvalho. Ele, melhor do que ninguém, conhece as “pedras e as flores” desta minha caminhada e soube compreender como ninguém minhas dificuldades pessoais, emocionais, profissionais ... Aos professores do PEPGEP da PUC-SP, pela atenção e dedicação sempre concedidas ... Às Profª Laura Mattos e Otília Seiffert pelas observações efetuadas desde a elaboração do meu projeto. À Profª Patrícia Cunha pelos excelentes comentários efetuados quando da elaboração de meu projeto, e principalmente, em meu exame de qualificação. Ao Prof. João Machado também pela sua participação e comentários no meu exame de qualificação. À Profª Maria Lúcia Rangel Filardo, da FEA-USP, pelo apoio, carinho e atenção que sempre me dedicou. Às Sras. Alejandra Naughton e Liliana Alvez do Banco Central de la Republica Argentina (BCRA) pela atenção e gentileza e, pelo material enviado. Não tenho palavras para agradecer tão importante contribuição. Ao professor Roberto Frenkel do CEDES e a seus assistentes, Marcela Fragas e Martín Rapettí, que me acolheram e me orientaram na minha pesquisa de campo em Buenos Aires. Ao professor Jorge Schvarzer da CESPA/UBA, pela sua atenção e pelas preciosas informações.

Ao amigo Marcos Paulo, em especial, por ter acreditado e confiado em mim. A todos os amigos e companheiros de Mestrado, em especial: André de Freitas, José Carlos Frota, e Renata Campoy (companheiros de divertidos “happy hours”), Robson Pereira da FIPE-USP, cada um, a seu modo, ajudaramme a finalizar esta caminhada. Às amigas Ana Cláudia Andrade, Carla Costenaro, Dalvaci de Oliveira, Eliane Moraes e, Valéria Pacce, que souberam compreender a minha ausência. À Sônia Petrohilos, secretária do Programa, e Rita de Cássia Sorrentino, pela paciência, pelos conselhos e pelas conversas agradáveis e divertidas que me ajudaram a relaxar e continuar. Aos funcionários das Bibliotecas e dos serviços de cópias da PUCSP, da FEA-USP, FGV-SP, e da UNICAMP, sem o seu profissionalismo e paciência não teria sido possível a realização deste trabalho. Ao pessoal da UNIP, Mariângela, Marcelo Costa e aos meus alunos dos cursos de Gestão, onde lecionei em 2003, pelo apoio e por terem me mostrado a beleza, a arte e, ao mesmo tempo, a dificuldade de ensinar, apesar de tudo ... Aos meus amigos da graduação na FEA-USP, Sandra Gorgulho, Ruth Imanishi, Francisco Miguel Lopes (Chiquinho) e Hildebrando (in memorian), mesmo ausentes fisicamente, sempre presentes no meu coração ... Aos amigos da Solventex, em especial ao Alberto, que apoiaram e compreenderam a minha decisão de mudar radicalmente de carreira ... Ao Dr. Romeu Carillo Jr., Dra Suely S. Sato e Dra. Renata R. Varo, profissionais responsáveis pela manutenção do meu equilíbrio físico, mental, emocional e espiritual por todo o período. Ao apoio financeiro da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, concedido no período de Janeiro de 2004 a Janeiro de 2005.

RESUMO

A Argentina sofreu no final de 2001 aquela que foi provavelmente a pior crise da sua história. O sistema bimonetário, implementado em 1991, interrompeu mais de uma década de inflação alta, com três surtos hiperinflacionários em 1989 e 1990. O objetivo deste trabalho é analisar o desempenho do sistema bimonetário e sua relação com a crise ocorrida no final de 2001. O problema de pesquisa é tentar compreender se o sistema bimonetário foi responsável pela crise ou se apenas sofreu os seus efeitos. O governo argentino estimulou a dolarização oficial para conferir credibilidade ao peso. No entanto, a dolarização de ativos e passivos bancários, associado à falta de um emprestador de última instância, aumentou a vulnerabilidade e a fragilidade do sistema financeiro argentino. A adoção da flutuação do peso, do corralito, e da pesificação caracterizam o fim da Conversibilidade e do sistema bimonetário. Os resultados obtidos nos permitem afirmar que ambos não conferiram a credibilidade desejada à moeda nacional, não sendo o sistema bimonetário um fator determinante para a crise final, uma vez que esta teve seu epicentro na economia real. Porém, a dolarização das dívidas e o descasamento de prazos e moedas elevaram os custos de saída, comprometendo também o sistema financeiro.

Palavras-chaves: Argentina, conversibilidade, sistema bimonetário, dolarização, crise.

ABSTRACT

At the end of 2001, Argentina faced the worst crisis of its history. The dual-currency system adopted in 1991 stopped a decade of high inflation that climbed in three hyperinflationary events from 1989 to 1990. The aim of this research is the study of the dual-currency system performance and its relation to the crisis of the end of 2001. The problem of this research is the comprehension if the dual-currency system was responsible or just suffered its effects. The Argentina’s government induced the oficial dollarization in order to get credibility to the national currency, the peso. Nevertheless the dollarization of the banking system joined with a lack of a lender of last resort increased the vulnerability and the fragility of its financial system. The floating of peso, the corralito, and the pesification signalized the end of the Convertibility. The findings results allowed to saying that both systems did not get the desired credibility to the peso, and the crisis was born in the real economy. The debt dollarization and the mismatch currency increased the costs of exit from the Convertibility harming the financial system too.

Key words: Argentina, convertibility, dual-currency system, dollarization, crisis.

SUMÁRIO

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 2.1 - Lei De Conversibilidade Do Austral ........................................ Tabela 2.2 – Alterações nos efetivos mínimos em moeda estrangeira....... Tabela 3.1 – Principais indicadores macroeconômicos, 1988-1995 ........... Tabela 3.2 – Participação das privatizações no fluxo total de investimento estrangeiro direto (IED), em milhões de dólares, 1990-1999...................... Tabela 3.3 – Privatizações: modalidade de pagamento, em milhões de dólares, 1990-1999 ..................................................................................... Tabela 3.4 – Setor público não-financeiro, em porcentagem sobre o PIB, 1988-1995 ................................................................................................... Tabela 3.5 – Taxas anuais médias de Poupança e Investimento, 19801995 ............................................................................................................ Tabela 3.6 – Principais agregados monetários, em porcentagem sobre o PIB, 1990-1996 ........................................................................................... Tabela 3.7 – Prazos médios de operações bancárias, em dias, em agosto de 1992 ....................................................................................................... Tabela 3.8 – Participação dos maiores grupos no total de depósitos do sistema bancário por tipo de moeda, em porcentagem sobre o total, 1990-1993 ................................................................................................... Tabela 3.9 – Distribuição dos depósitos em moeda estrangeira por tipo de instituição, em porcentagem sobre o total, outubro/1990 a junho/1993 . Tabela 3.10 – Evolução do sistema financeiro argentino por número e tipo de instituições, 1981-2001 ................................................................... Tabela 3.11 – Indicadores da economia mexicana no período 1985-1994, Variações percentuais anuais ..................................................................... Tabela 4.1 – Componentes da demanda agregada, 1996-1998, variações percentuais .................................................................................................. Tabela 4.2 – Taxas de juros domésticas nominais, Médias trimestrais ponderadas pelo montante, em porcentagem ao ano, 1996-1998 ............. Tabela 4.3 – Componentes da demanda agregada, 1999-2001, variações percentuais .................................................................................................. Tabela 4.4 – Composição da blindaje financeira, em milhões de dólares .. Tabela 4.5 – Recursos monetários e suas fontes de criação, 2000-2001, em milhões de pesos (dados de final de trimestre) .................................... Tabela 4.6 – Estoque de quase-moedas emitidas até dezembro de 2002, em milhões de pesos..................................................................................

57 63 71 72 73 78 80 86 87

91 91 93 102 121 122 128 131 132 135

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 2.1 – Taxa de Inflação Mensal, janeiro/1989 a dezembro/1991 .....

52

Gráfico 3.1 – Reservas Internacionais, em milhões de dólares, janeiro/1988 a dezembro/1997....................................................................

70

Gráfico 3.2 – Evolução dos Créditos bancários, em milhões de pesos, dezembro/1989 a dezembro/2001 ..............................................................

88

Gráfico 3.3 – Evolução dos Depósitos bancários, em milhões de pesos, dezembro/1989 a dezembro/2001 ..............................................................

89

Gráfico 3.4 – Comportamento dos depósitos bancários durante a Crise Tequila, dezembro/1994 a julho/1995 .........................................................

105

Gráfico 3.5 – Evolução das Taxas de Juros Nominais, médias semanais (Em % ao ano), dezembro/1994 a julho/1995 .............................................

112

Gráfico 3.6 – Composição do crédito ao setor privado quanto ao tipo de moeda (Em % sobre o total), janeiro/1994 a dezembro/1995 ....................

113

Gráfico 4.1 – Spread de países emergentes, em pontos básicos, dezembro/1997 a dezembro/2001 .............................................................

129

ÍNDICE DE ANEXOS

Anexo 1 – Resumo das principais normas legais ocorridas ao final da Conversibilidade...........................................................................................

173

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1 1 – REGIMES CAMBIAIS FIXOS: REFERÊNCIAS PARA O CASO ARGENTINO...................................................................................................... 7 1.1 – Padrão-ouro, conversibilidade e currency board....................................... 8 1.2 – Dolarização, âncora cambial e união monetária ..................................... 17 2 – O SISTEMA BIMONETÁRIO ARGENTINO ............................................... 28 2.1 - Origem: crise e dolarização nos anos 1980 ............................................. 29 2.2 – O governo Menem antes do Plano de Conversibilidade ......................... 41 2.3 - Cavallo e a defesa do bimonetarismo...................................................... 54 2.4 – Características do sistema ...................................................................... 57 3 – O PLANO DE CONVERSIBILIDADE E OS SEUS EFEITOS SOBRE A ECONOMIA...................................................................................................... 68 3.1 – A Economia Argentina e o Sistema Financeiro antes da Crise Tequila .. 69 3.2 – A Crise Tequila 1994/1995.................................................................... 100 4 – A CRISE NO FINAL DA DÉCADA DE 1990 E INÍCIO DO SÉCULO XXI 119 4.1 – As crises financeiras internacionais e a economia argentina ................ 120 4.2 - O aperto de liquidez e as moedas substitutas ....................................... 128 4.3 - O corralito e a pesificação ..................................................................... 137 4.4 - O sistema bancário argentino sob a conversibilidade............................ 144 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 148 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 153 ANEXOS ........................................................................................................ 172

1

INTRODUÇÃO A Argentina sofreu no final de 2001 aquela que foi provavelmente a pior crise da sua história. Uma profunda débâcle financeira associada com um enorme tumulto político puseram um fim dramático aos dez anos do regime conhecido como a conversibilidade. O sistema bimonetário, implementado em 1991, conseguiu interromper mais de uma década de inflação alta que se seguiu à crise da dívida externa, de 1981, com três surtos hiperinflacionários em 1989 e 1990. Este longo período de instabilidade provocou um movimento de substituição da moeda nacional pelo dólar dos Estados Unidos, em escala bastante ampla, em suas diversas funções básicas. O sistema bimonetário foi criado com a intenção de conferir à moeda doméstica a credibilidade perdida.

O objetivo deste trabalho é analisar o desempenho do sistema bimonetário e sua relação com a crise ocorrida no final de 2001. O problema de pesquisa é tentar compreender se o sistema bimonetário foi responsável pela crise ou se apenas sofreu os seus efeitos.

O trabalho se concentra na análise do comportamento do sistema financeiro argentino durante a conversibilidade, diante de fatores internos e externos e das medidas que impactaram na sua estrutura e na sua interação com o setor real da economia, bem como os efeitos das crises financeiras internacionais sobre ele.

Denominaremos doravante, neste trabalho, como sistema financeiro, as autoridades monetárias e o sistema bancário compreendido por instituições privadas, bancos provinciais públicos e cooperativos, além de bancos estrangeiros. Gostaríamos de salientar que focaremos no sistema bancário, uma vez que o mercado de capitais argentino é irrelevante, e foi no sistema bancário e na sua inter-relação com as autoridades monetárias que o sistema bimonetário se consolidou.

2 O criador do sistema, Domingo Cavallo, acreditava que a concorrência entre as duas moedas eliminaria a inflação e permitiria a remonetização e revitalização do crédito e do sistema financeiro, essenciais para a retomada do crescimento econômico. Acreditava-se que esse objetivo só seria atingido mediante a repatriação dos recursos dos argentinos que se encontravam depositados no exterior, com a recuperação da confiança na moeda nacional.

A alta inflação havia criado um ambiente de ampla indexação de preços e salários pelo dólar. A dolarização também era verificada na poupança privada dos agentes. Os sucessivos planos de estabilização fracassados, com alterações nas políticas cambiais, provocaram severas perdas para os detentores de recursos na moeda nacional. O financiamento do déficit público através de emissão monetária descontrolada havia sido identificado como o grande responsável pelas hiperinflações sofridas em 1989-1991.

Reformas estruturais foram implementadas, além da financeira e monetária, para modernizar o país. A existência de um Estado e um modelo de desenvolvimento considerados ineficientes eram vistos como responsáveis pelo descontrole fiscal que gerava os déficits públicos elevados. Assim, o governo de Carlos Menem iniciou a implementação destas reformas antes mesmo da adoção da Lei de Conversibilidade e da Carta Orgânica do BCRA (Banco Central de la Republica Argentina), bem como a autorização aos bancos de manterem depósitos ou concederem empréstimos em moeda estrangeira, elementos essenciais à formação do sistema bimonetário. Outra característica deste sistema foi a diferenciação de taxas de juros por tipo de moeda. Os prazos destas operações também eram diferenciados conforme o seu tipo e a moeda na qual estivessem denominadas.

Desta forma, quando o Plano de Conversibilidade foi adotado já havia as pré-condições para a sua existência. Ademais, devemos destacar que o início da década de 1990 é caracterizado pelo retorno dos fluxos de capitais financeiros internacionais à América Latina. A redução das taxas de juros internacionais liberou capitais em busca de mercados mais rentáveis. As

3 reformas estruturais, caracterizadas pela liberalização comercial e financeira, implementadas na Argentina foram um fator de atração a estes capitais. Destaca-se o processo de privatização como um dos principais fatores de atração.

A entrada de capitais estrangeiros, seja através da repatriação da poupança dos argentinos, seja através de investimentos estrangeiros diretos ou privatização, condicionaram a expansão dos créditos e dos “argendólares” na economia que rapidamente se remonetizou. Ainda em 1989, a redução dos encaixes mínimos de liquidez para depósitos em moeda estrangeira equiparando-o aos de moeda nacional também contribuíram para essa expansão.

A

reforma

monetária

e

financeira

constituída

pela

Lei

de

Conversibilidade e pela Carta Orgânica do BCRA buscaram corrigir antigas distorções com a finalidade de aumentar a confiabilidade e a credibilidade nas instituições. Deste modo, estes instrumentos limitaram a faculdade do BCRA em emitir moeda seja para financiar os gastos do governo, seja para conceder liquidez em operações de salvamento ao sistema bancário. Restringiu-se, então, as funções de emprestador de última instância do BCRA.

A abertura financeira com a equiparação dos capitais estrangeiros ao nacional e o estímulo à internacionalização do sistema financeiro doméstico objetivava a sua modernização e a ampliação do mercado de capitais e da poupança interna.

Admitia-se também que as casas matrizes fariam o papel de emprestadoras de última instância de suas filiais no mercado local, além de oferecerem crédito mais barato, uma vez que o risco de desvalorização da moeda estaria eliminado com a paridade fixada por lei.

A liquidez e solvência do sistema financeiro foram ser reforçadas mediante a adoção de regulamentações prudenciais mais rígidas que as definidas pelo Acordo da Basiléia. As autoridades monetárias estavam

4 convencidas que isto compensaria a falta de um emprestador de última instância.

O governo argentino admitia a hipótese de que, com a eliminação de barreiras comerciais e financeiras, os preços da economia bem como as taxas de juros convergiriam para padrões internacionais.

Com as crises financeiras internacionais ocorridas na década de 1990, o Plano de Conversibilidade e o sistema bimonetário exibiram sua fragilidade: a vulnerabilidade da economia argentina frente a choques externos, sua dependência em relação à capitais internacionais, principalmente, no seu setor financeiro.

Neste contexto, o sistema bimonetário demonstrou a percepção dos agentes frente ao risco de desvalorização. Os depositantes aumentaram as suas colocações de longo prazo em dólares, permanecendo em pesos apenas aquelas contas destinadas às transações diárias, enquanto que os bancos também expandiram os empréstimos em moeda estrangeira.

Com a recessão ocorrida a partir da crise russa, em meados de 1998, o descasamento de prazos e moedas entre credores e devedores transformou o risco cambial em risco de crédito, tornando-se um dos fatores fundamentais que elevaram os custos de saída do regime de conversibilidade.

Nos períodos de rápido e intenso crescimento, os bancos expandiram o crédito, principalmente em dólares, sem os devidos cuidados quanto a garantias, os fundos provinham dos depósitos em dólares e das linhas de crédito obtidas no exterior.

As crises sofridas pela Argentina evidenciaram o perigo da falta de um emprestador de última instância em um sistema financeiro muito dolarizado e liberalizado, como o argentino, com um regime cambial e monetário muito rígido. Neste contexto, momentos de desconfiança deram lugar a corridas contra os bancos, com perda de reservas internacionais e evasão de divisas.

5 O Plano de Conversibilidade seguiu a mesma trajetória observada em planos de estabilização com âncora cambial, ou seja, um período de rápido crescimento seguido por desaceleração, desequilíbrios na balança de pagamentos, déficits fiscais crescentes que geraram a desconfiança na capacidade do governo em manter a paridade cambial.

Em 2001, a perda de depósitos pelo sistema e de reservas internacionais forçaram, no final do ano, a adoção do corralito e de medidas de fechamento do mercado cambial para evitar uma crise sistêmica. Cumpre lembrar que, antes da adoção destas medidas, a crise política se intensificou, protestos populares derrubaram o presidente Fernando de la Rua. Adolfo Saá sancionou a lei que revogou a lei de Conversibilidade, permitindo a flutuação do peso. No começo de 2002, o governo adotou a pesificação dos depósitos e das dívidas, encerrando definitivamente o período da Conversibilidade.

A metodologia adotada neste trabalho foi a análise crítica da literatura referente a regimes cambiais, documentos oficiais do BCRA, e em especial a literatura referente ao Plano de Conversibilidade focando em seu sistema financeiro, uma vez que é nele que se evidencia os efeitos da adoção da dupla moeda.

Houve muitas dificuldades quando da elaboração deste trabalho no que tange a obtenção de dados primários consistentes e confiáveis, sendo assim, preferiu-se a utilização de dados secundários coletados na literatura consultada. A pesquisa de campo elaborada não logrou os resultados desejados, uma vez que o acesso às bibliotecas do BCRA e do Congresso Argentino foi inviabilizado. Além disso, a falta de uma literatura que detalhasse operações próprias do sistema financeiro argentino contribuiu para dificultar a análise, bem como a falta de dados específicos sobre estas operações em ambas as moedas das entidades financeiras também foi outro fator limitante. Dentre a literatura consultada, também não há uma consistência nos termos adotados, principalmente, no que se refere aos agregados monetários.

6 Este trabalho está constituído por quatro capítulos. No primeiro capítulo discutimos conceitos geralmente utilizados para identificar o regime monetário e cambial adotado pela Argentina no período em estudo.

No segundo capítulo apresentamos os antecedentes históricos que condicionaram a adoção do Plano de Conversibilidade e os argumentos para a escolha e defesa do sistema bimonetário, ou dupla moeda, como também é denominado.

No

terceiro

capítulo,

analisamos

os

efeitos

do

Plano

de

Conversibilidade sobre a economia argentina e o impacto da Crise Tequila, destacando as características principais do sistema financeiro, a evolução das principais variáveis financeiras, depósitos, empréstimos e taxas de juros sob o sistema bimonetário.

Por fim, no quarto e último capítulo abordamos os efeitos das crises asiática, russa e brasileira sobre a economia real que geraram uma recessão somada a uma crise política que afetaram o sistema financeiro, culminando com o fim da conversibilidade e do seu sistema bimonetário.

7

1 – REGIMES CAMBIAIS FIXOS: REFERÊNCIAS PARA O CASO ARGENTINO Sistema bimonetário com câmbio superfixo: esta é a melhor definição para o regime adotado pela Argentina em 1991, conhecido como conversibilidade e muitas vezes apresentado como um currency board ou como o retorno ao padrão-ouro. Contudo, a conversibilidade da moeda sob uma taxa de conversão fixa, definida pela lei 23.928, não apenas dava lugar à convivência entre a moeda nacional e o dólar, como abria espaço para um complexo sistema de convivência entre as duas moedas, inclusive no sistema financeiro, elemento indispensável para a compreensão da trajetória do sistema ao longo de um decênio e para a crise gravíssima que o sepultou. O Plano Cavallo1, deu validade jurídica aos contratos efetuados em moeda estrangeira, permitiu a livre circulação do dólar como meio de pagamento, e autorizou os bancos a receberem depósitos e concederem empréstimos em moeda estrangeira, mas não eliminou a moeda doméstica.

A lei que instituiu a conversibilidade do austral com o dólar e fixou sua taxa de câmbio também obrigou o BCRA a emitir moeda apenas com o intuito de trocá-la por moeda estrangeira. Ficou proibida a emissão não apenas para financiar o governo, mas também para a criação de crédito doméstico e para o financiamento do sistema bancário, o que equivalia a suprimir a função de emprestador de última instância do BCRA.

A conversibilidade foi imposta quando a dolarização na economia argentina já apresentava um processo informal e espontâneo como conseqüência da alta inflação e da hiperinflação sofrida no passado. O dólar dos Estados Unidos já era amplamente utilizado como indexador da economia e como reserva de valor e, nos meses anteriores à posse de Carlos Menem, em julho de 1989, era muito utilizado também como meio de troca, em um processo bastante avançado de substituição monetária. 1

O Plano de Conversibilidade recebeu outras denominações além de Plano Cavallo, como Plano Otoño e Plano Resurrección, por ter sido lançado, respectivamente, próximo ao começo da nova estação e à época da Páscoa. Ver Clarín, 21/03/1991, p. 3.

8

Este capítulo discute estes conceitos, para qualificar o sistema instituído em 1991, e procura situar sua implantação como parte das tentativas de convivência com o processo de dolarização que avançara amplamente nos anos anteriores.

1.1 – Padrão-ouro, conversibilidade e currency board O padrão-ouro2 foi um regime monetário e cambial que vigorou no sistema

monetário

aproximadamente

internacional entre

1880

antes até

da

19143.

Primeira Neste

Guerra

regime,

os

Mundial, países

comprometiam-se a converter suas moedas em ouro, a uma taxa fixada por lei. E deste compromisso advém o conceito de conversibilidade da moeda. Este conceito se alterou em decorrência da própria evolução do sistema monetário internacional, que não será objeto de estudo deste trabalho.

O padrão-ouro é identificado como um regime de câmbio fixo. Mendonça (2002, p. 35) o apresenta como uma âncora nominal utilizada para o disciplinamento dos preços destacando a limitação que este regime oferecia à execução das políticas fiscal e monetária do governo.

Neste regime, a quantidade de moeda que circulava na economia deveria estar vinculada com o volume de reservas em ouro existente nos cofres do banco central ou do tesouro nacional, autoridades responsáveis pelo seu gerenciamento.

O período de vigência do padrão-ouro, geralmente, é identificado como aquele onde a estabilidade4 e o crescimento econômico dos países a ele 2

Sobre o padrão-ouro, ver também Marcelo De Cecco (1987). Não há um consenso sobre a data de início, alguns autores consideram 1870, outros 1880, mas todos concordam que o padrão-ouro clássico terminou antes da Primeira Guerra Mundial, em 1914. 4 Como será demonstrado mais adiante neste item, nem todos os autores que se dedicaram ao estudo do padrão-ouro concordam com isso. 3

9 submetido foi o mais intenso, por isso ele é sempre evocado em períodos de turbulência econômica como os experimentados pela Argentina no final da década de 1980.

De acordo com Eichengreen (2000, p. 57) o sucesso do padrão-ouro residia na credibilidade que os governos e bancos centrais possuíam de que eles iriam defender a conversibilidade da moeda a todo custo.

O modelo mais simples que explica o funcionamento do padrão-ouro foi desenvolvido por Hume no século XVIII, conhecido como price-specie-flow mechanism (modelo de fluxo de moedas metálicas5). Neste modelo, Hume relaciona o fluxo de entrada e saída de ouro devido ao comércio internacional com o volume de reservas e o comportamento dos preços. O autor considera apenas moedas de ouro e confere um papel desprezível aos bancos comerciais e ao banco central, bem como aos fluxos internacionais de capitais e as operações financeiras efetuadas para o financiamento do comércio já existentes na época6.

De acordo com este modelo um país que apresentasse déficit no balanço de pagamentos provocaria uma saída de ouro reduzindo a quantidade de moeda na economia e em conseqüência, o nível de preços. Em contrapartida, o país superavitário experimentaria uma elevação em seu nível de preços como resultado de uma entrada maior de ouro na economia e de uma expansão da oferta de moeda7. Ocorrendo então uma alteração nos preços relativos.

Bordo e Kydland (1990) destacam as vantagens do padrão-ouro no sentido de impor regras à política monetária restringindo as ações do governo, tanto internas quanto externamente. No século XIX havia uma mescla de moedas de ouro, prata e moedas fiduciárias. A credibilidade residia no 5

Esta definição está em B. Einchengreen, A Globalização do Capital, São Paulo: Ed. 34, 2000, p. 51 Para maiores detalhes ver “Sobre a balança comercial” in: David Hume, Ensaios sobre economia, 3. ed., São Paulo,: Nova Cultural, 1988. Cap. 5, p. 39-48 (Coleção Os Economistas) 7 Lembrar que este modelo está de acordo com os princípios da Teoria Quantitativa da Moeda e não considera a entrada de fluxos de capitais na economia. 6

10 compromisso de manter a conversibilidade destas moedas em ouro a um preço fixo. A essência era manter um valor fixo para a unidade de conta (p. 12)

Segundo estes autores, como regra internacional, o padrão-ouro conectava as nações participantes em um sistema de taxas de câmbio fixo dinamizando o comércio entre elas8. Eles destacam o papel desempenhado pela Inglaterra e pelo Banco da Inglaterra como gerenciadores do sistema. Este país era o grande centro produtor de bens manufaturados e sua capital, Londres, era o principal centro financeiro mundial. A libra esterlina era amplamente utilizada na denominação de ativos e outros contratos financeiros. Assim, a adesão ao padrão-ouro era muito atraente para os países desejosos de obter empréstimos e outros recursos financeiros e ampliar suas relações comerciais e, feita a adesão, temiam-se os custos de rompê-la. Os agentes econômicos acreditavam que as “regras do jogo”9 seriam respeitadas, ou seja, os bancos centrais ao constatarem uma perda no volume de suas reservas em ouro, elevariam suas taxas de redesconto para acelerar o ajuste da sua balança de pagamentos, reduzindo o crédito doméstico e o nível de preços. Este procedimento era acompanhado pela elevação das taxas de juros de curto prazo para atrair capitais estrangeiros.

Em situações inesperadas como guerras ou crises financeiras, era esperada a violação das regras do padrão-ouro. Os governos emitiam moeda fiduciária para financiarem estes gastos, no entanto, os agentes econômicos acreditavam

que

elas

seriam

restabelecidas,

os

pagamentos

seriam

normalizados, e esperava-se que o governo adotasse políticas deflacionistas.

Bordo e Kydland (1990, p. 29) afirmam que existe uma evidência considerável de que, com exceção da Inglaterra, estas “regras do jogo” eram constantemente violadas. Seguindo esta linha, outros autores destacam que o padrão-ouro não era um sistema tão perfeito e repleto de benefícios a todos os seus participantes. 8 9

Meissner (2002, p. 5) o identifica como uma “união monetária mundial baseada no ouro”. De acordo com Eichengreen (2000, p 54-55) este termo foi cunhado por Keynes em 1925.

11

Belluzzo (1999, p. 92) denomina de Grande Depressão o período compreendido entre 1873/1896 caracterizado pela combinação de uma prolongada redução dos preços com notável expansão da produção e do comércio. Ele cita também que, 1880-1914, foi marcado por grande instabilidade cambial e financeira na periferia. Estes países sofriam com as flutuações periódicas no nível de atividade dos países do centro gerando déficits no balanço de pagamentos que deveriam ser cobertos com empréstimos no intuito de sustentar também a conversibilidade das suas moedas em relação ao ouro. Nas palavras do autor:

“As economias periféricas funcionavam, na verdade, como áreas de expansão comercial e financeira dos países centrais nas etapas expansivas do ciclo e como uma ‘válvula de segurança’ para o ajustamento das economias desenvolvidas nas fases de contração.” (Belluzzo, 1999, p. 93).

Ele acrescenta que as crises agudas no balanço de pagamentos forçavam as economias da periferia a abandonarem o padrão-ouro. Londres, Paris e Berlim se beneficiavam da queda dos preços das matérias-primas e dos alimentos importados, além da transferência dos capitais dos países periféricos.

Vernengo (2003, p. 2) argumenta que o padrão-ouro era um sistema assimétrico para os países do centro e da periferia. Os países da periferia possuíam um balanço de pagamentos constituído por uma única ou de algumas poucas commodities, o que os deixava muito vulneráveis às oscilações nos termos de troca. A principal variável de ajuste para esses países era o nível de renda e não a taxa de juros, como ocorria com os países centrais que gerenciavam o movimento dos fluxos de capitais especulativos mediante a administração de suas taxas de juros. Os fluxos de capitais não respondiam de forma eficiente às alterações das taxas de juros dos países periféricos. Além disso, o autor acrescenta que as moedas dos países periféricos não eram aceitas internacionalmente o que os impedia de emitir dívida em sua própria moeda.

12

Após apresentarmos a origem da definição de conversibilidade discutiremos agora o seu conceito atual. A partir dos anos 1970, as moedas domésticas passaram a flutuar umas em relação às outras. Não existe mais a conversibilidade das moedas em ouro. As moedas atuais possuem então a principal característica de serem fiduciárias 10. Assim, atualmente o conceito de conversibilidade11 nos remete tanto à da moeda quanto à da conta de capital. Na primeira definição, a de conversibilidade da moeda, a moeda doméstica ao invés de ser conversível em ouro, ela é conversível em outras moedas estrangeiras. De acordo com Gilman (1990) conversibilidade monetária é:

“... o uso irrestrito da moeda de um determinado país em transações internacionais, e a possibilidade dessa moeda ser livremente trocada por moedas de outros países – como parte do processo de integração à economia de mercado mundial.” (p. 32)

Gilman (1990) acrescenta que a conversibilidade monetária deveria ser acompanhada da liberalização do comércio com a eliminação de restrições às importações, serviços e investimentos no exterior. Nas palavras do autor:

“...permitir a conversibilidade livre sem contudo suspender as limitações significa de fato, em termos práticos, limitar o uso de determinada moeda, uma vez que se limita o âmbito desse uso para transações e compras”. (p. 33)

Quanto à segunda, a de conversibilidade da conta de capital, Quirk e Evans et alli (1995) em um trabalho publicado pelo FMI, definem:

“a conversibilidade da conta de capital refere-se à isenção de controles cambiais – controles quantitativos, impostos e

10

Moeda fiduciária não possui lastro, nem é conversível. A sua aceitabilidade é definida por lei. Gonçalves (1996, p. 135-6) faz uma excelente discussão deste conceito apresentando um sentido lato e outro strictu sensu. 11

13 subsídios – aplicáveis às transações na conta de capital e financeira do balanço de pagamentos”. (p. 1)12

O Fundo Monetário Internacional (FMI) passou a estimular a liberalização total dos movimentos de capitais entre os seus membros, embora os Artigos IV, VI e VIII do seu Convênio Constitutivo admitisse os controles de capitais, ao regulamentar os regimes cambiais, as transferências de capital e obrigações gerais.

A literatura do mainstream econômico defende a liberalização e a conversibilidade da conta de capital afirmando que ela contribui para a alocação eficiente da poupança mundial e de outros recursos financeiros. Esta liberalização acompanhada também de liberdade comercial tornaria a economia mais eficiente tendo em vista à sua exposição à concorrência internacional.

A expansão do acesso ao mercado financeiro internacional reduziria os riscos e os custos financeiros estimulando os investimentos domésticos. Essa maior exposição do setor financeiro nacional ao ambiente externo permitiria que as taxas de juros internas convergissem aos níveis das taxas de juros internacionais.

Os autores contrários à liberalização ou conversibilidade da conta de capital enfatizam que a entrada em massa de capitais provoca dois efeitos sobre a balança de pagamentos: primeiro, a valorização cambial que resulta em crescentes déficits na balança comercial, que precisam ser financiados com a entrada de poupança externa; segundo, os capitais que entram, sejam de curto ou de longo prazo, geram um passivo externo que compromete a balança de serviços futuramente. Estes problemas resultam da instabilidade dos fluxos de capitais e da desproporção quantitativa entre os volumes de recursos movimentados nos mercados internacionais e as dimensões dos sistemas financeiros dos países da periferia.

12

Todas as traduções efetuadas do inglês e do espanhol são de responsabilidade da autora.

14 As políticas de esterilização utilizadas para amenizar os efeitos da entrada deste capital resultam em uma política fiscal com expansão da dívida pública, que se tornam perversas ao longo do tempo.

Outro aspecto destacado como negativo por estes autores é a vulnerabilidade externa. Gonçalves (1996, p. 137) define vulnerabilidade externa como: “uma baixa capacidade de resistência frente à influência de fatores desestabilizadores externos ou choques externos”. Mais adiante o autor afirma que ela é um elemento histórico-estrutural dos países em desenvolvimento.

Cabe incluir aqui a definição de Domingo Cavallo (2003) para conversibilidade. Ele a define como sendo o respeito ao direito do povo argentino em manter seus depósitos, sua poupança, sua riqueza e seus contratos na moeda que desejarem, seja na doméstica, seja em qualquer outra moeda estrangeira. Neste mesmo trabalho Cavallo afirma que adotou a caixa de conversão apenas para gerar confiabilidade ao sistema e à moeda doméstica.

Definiremos caixa de conversão ou currency board13 como sendo uma instituição monetária cuja missão é emitir moeda doméstica para a troca pela moeda estrangeira que lhe serve de lastro, atendendo à demanda sem restrições. A troca deve ser efetuada mediante uma taxa de câmbio fixa definida por lei.

Esta instituição deve manter uma reserva de pelo menos 100% da base monetária (papel-moeda em poder do público mais reservas no banco central) em ouro ou em ativos de alta liquidez denominados na moeda estrangeira que lhe serve de lastro, tais como depósitos em instituições estrangeiras de alta credibilidade. O balanço de uma caixa de conversão seria constituído, no lado do ativo por reservas internacionais, ouro, título em moeda estrangeira e moeda em espécie; e no lado do passivo, pela moeda doméstica emitida. 13

Também denominado de conselho monetário.

15

A escolha da moeda que servirá de lastro é de suma importância, uma vez que ela irá conferir credibilidade à moeda emitida pelo board. Outra escolha tão importante quanto a citada anteriormente, é o valor da taxa de câmbio que irá proporcionar as trocas. De acordo com Bennett (1995) esta deve ser definida de forma a não sobrevalorizar nem subvalorizar a moeda, isto é, de maneira a não ameaçar a competitividade do país que irá adotar o currency board.

O currency board impõe uma regra monetária rígida ao condicionar a emissão de moeda ao movimento das reservas. Dito de forma simplificada, a caixa de conversão ou currency board pode ter moeda fiduciária como moeda reserva, mas não pode emitir moeda fiduciária. Essa propriedade é ressaltada como uma forma de dar credibilidade às políticas governamentais, tendo em vista que os gastos do governo não serão mais financiados mediante emissão monetária, forçando-o, então, ao equilíbrio orçamentário. A inflação, por sua vez, também estaria sob controle como resultado desta regra monetária. Além disso, ressalta-se que a oferta monetária acompanharia a movimentação das reservas internacionais.

Hanke

e

Schuler

(1994)

defendem

que

os

países

em

desenvolvimento deveriam substituir os seus bancos centrais por currency boards. Os autores associam a perda de credibilidade das moedas destes países à implantação dos bancos centrais. Acreditam que os bancos centrais são geradores de inflação por utilizarem a política monetária de forma discricionária, emitindo moeda para financiar um governo perdulário. Além disso, eles acreditam que mesmo instituições independentes como o Federal Reserve ou o Bundesbank estão sujeitos a pressões políticas. Hanke e Schuler (1994) ressaltam que os ativos estrangeiros por eles mantidos geram receitas por serem ativos que rendem juros14. Estes órgãos não necessitam de uma grande quantidade de funcionários e possuem

14

São estas as receitas que eles denominam de seiginiorage (Hanke e Schuler, 1994, p. 8)

16 regras claras e transparentes, assegurando uma maior credibilidade às instituições políticas e econômicas.

Kopcke (1999) no entanto adverte que o currency board não impede o governo de financiar os seus gastos junto ao sistema financeiro local ou internacional mediante emissão de dívida pública. O autor não considera incompatível a existência de um currency board com um banco central; na verdade, o board seria um estágio inicial para se implementar um banco central com reputação e credibilidade. Outro aspecto que ele ressalta é o fato de poder ocorrer uma atrofia no mercado de crédito local como resultado dos bancos concentrarem seus negócios com o board, mantendo a maior parte de seus ativos negociáveis no exterior. (p. 32-36)

Há outros argumentos que destacam os efeitos negativos da caixa de conversão. A principal delas é a perda de instrumentos de política econômica necessários em situações de choques externos, como a política cambial, e em resposta às oscilações dos ciclos econômicos próprios da economia, como a política monetária, além da perda da faculdade de emprestador de última instância ao sistema bancário.

Cunha (1999, p. 4) salienta que há dois efeitos combinados que fazem com que a oferta de moeda interna divirja do volume de reservas internacionais: os bancos podem criar moeda por meio do multiplicador bancário e há a entrada e saída de capitais, seja através da conta de capital, seja através da conta corrente15, processos que não são neutralizados automaticamente pelos ajustes das taxas de juros e do volume de crédito criado pelos bancos.

Além disso, a caixa de conversão não pode servir como emprestador de última instância. Dessa forma, no caso de uma corrida bancária, não haveria uma autoridade monetária competente para prover liquidez ao sistema até que se restabelecesse a calma. Mesmo que existisse um pool de bancos 15

Hadba (1994, p. 31) sustenta a mesma opinião.

17 estrangeiros que conferissem um empréstimo para a reposição da liquidez do sistema doméstico, o custo de aquisição de dívida externa se tornaria contraproducente.

1.2 – Dolarização, âncora cambial e união monetária O termo dolarização16 comporta diferentes entendimentos. Nas décadas de 1980 e 1990, incluía os processos de substituição monetária, típicos de países latino-americanos afetados pela crise da dívida externa e por inflação elevada e crônica, e continuava a ser utilizado para programas de estabilização baseados em algum tipo de âncora cambial. Após a adoção do euro pela União Européia em 199917, o termo dolarização passou a ser utilizado também para processos de união monetária.

A dolarização é defendida como um mecanismo para que os países emergentes recuperem a credibilidade dos agentes nacionais e estrangeiros em relação às suas políticas econômicas. Em qualquer ocasião, seja adotando uma moeda forte, seja apenas vinculando a moeda doméstica à uma moeda forte, pelo estabelecimento de uma âncora cambial, ela seria uma forma de importar a credibilidade tanto da moeda quanto das instituições do país emissor da moeda âncora.

No entanto, neste trabalho, denominaremos como dolarização a adoção de uma moeda estrangeira pelos agentes domésticos em substituição à moeda nacional. A dolarização como substituição monetária apresenta vários graus e peculiaridades, com uma distinção importante entre os processos de

16

Apesar de encontrarmos, na literatura o termo “euroização”, dolarização tornou-se um termo genérico e mais utilizado. De acordo com Gomis-Porqueras, Serrano e Somuano (2000), a maioria dos estudos efetuados nos anos de 1980 sobre substituição monetária focava a adoção do dólar pelos países latinoamericanos, advindo daí a generalização do conceito. 17 Em 1º de janeiro de 1999, onze países europeus fixaram as taxas de conversão de suas moedas nacionais, de forma irrevogável, com o euro, criando uma união monetária. Atualmente a União Monetária Européia é constituída por 12 países: Bélgica, Alemanha, Grécia, Espanha, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Áustria, Portugal e Finlândia.

18 dolarização espontânea, também denominada de informal ou de facto, e a dolarização oficial ou de jure.

No primeiro caso, é um processo que ocorre progressivamente, sem qualquer tipo de coordenação central. Como resultado de um ambiente de alta inflação ou de hiperinflação18, os agentes vão abandonando progressivamente a moeda nacional pela estrangeira. Inicialmente, eles vão utilizando a moeda estrangeira como reserva de valor, mantendo parte de sua riqueza nela denominada. É freqüente nestes casos que os governos legalizem os depósitos bancários em dólar, de modo a manter o sistema de crédito bancário em funcionamento e também captar parte da moeda estrangeira detida pelos residentes.

A etapa seguinte é a denominação de contratos e preços na moeda estrangeira. A moeda nacional, então, perde a sua função de unidade de conta e, por último, a moeda estrangeira é utilizada como meio de pagamento. A moeda doméstica perde, finalmente, a sua função de meio de troca.

No segundo caso, o Estado, oficialmente, renuncia ao seu poder de emitir moeda e adota a moeda estrangeira como sendo de curso legal19. Os casos observados de dolarização oficial na América Latina, Equador e El Salvador, também são classificados de unilaterais uma vez que não houve qualquer consulta ou acordo com os Estados Unidos em relação à utilização do dólar.

A questão da credibilidade engloba três aspectos: a desvalorização da moeda doméstica, a disciplina fiscal do governo, e o uso discricionário da política monetária pelo banco central.

18

Uma discussão sobre os conceitos de inflação, hiperinflação e inflação crônica pode ser obtida em Romeiro (1999, p. 4-11) 19 O caso mais antigo de dolarização oficial, na América Latina, é o do Panamá que adotou o dólar em 1904. Em Janeiro e Novembro de 2000, respectivamente, Equador e El Salvador adotaram a mesma medida. Ver Batista Jr. (2002).

19 As elevadas taxas de juros praticadas no mercado doméstico nos países emergentes e o alto custo do crédito externo oferecido a estes países são explicadas pelo risco de desvalorização cambial embutido nestas taxas. Uma vez que não haveria uma moeda doméstica e uma taxa de conversão entre ela e o dólar o risco de desvalorização estaria eliminado. Isto permitiria a redução no custo do crédito estrangeiro. Como resultado na redução das taxas de juros, os investimentos estrangeiros diretos no país dolarizado se expandiriam, assim como os investimentos internos e, o país retornaria à sua trajetória de crescimento.

A emissão de títulos de dívida em uma moeda forte plenamente aceita nos mercados de capitais internacionais elevaria a captação de recursos financeiros nestes mercados, outro fato que contribuiria para o seu crescimento.

A credibilidade seria obtida mediante o fato do banco central estar impedido de emitir moeda para financiar os gastos do governo. Não podendo emitir a sua própria moeda, o governo perderia também as receitas de seigniorage. Desta forma, o governo estaria obrigado a manter o seu orçamento equilibrado.

Outro impedimento que este fato acarreta ao banco central é o da provisão de liquidez e de resgate ao sistema bancário e financeiro em casos de crises. Elimina-se, então, a função de emprestador de última instância e com isso o risco moral. Esta função poderia ser substituída pela obtenção de linhas de crédito estrangeiras.

As instituições sabendo que não terão mais o respaldo do banco central seriam obrigadas a trabalharem de forma mais eficiente, sendo mais seletivas na concessão de créditos aos seus clientes e na aplicação de seus recursos. Isto permitiria que as forças do mercado eliminassem as instituições ineficientes isentando o contribuinte dos custos fiscais destas operações de salvamento.

20 A emissão de moeda e o uso de uma política monetária discricionária pelo banco central são considerados como fontes geradoras de processos inflacionários. Dessa forma, a dolarização funcionaria como uma forma de impor regras tanto às autoridades monetárias quanto às fiscais o que asseguraria a confiança na estabilidade.

Chang (2000) analisando o debate sobre as propostas de dolarização da América Latina apresenta resultados empíricos que não ratificam estas afirmações. Apresentando dados da Argentina, México e Brasil ele demonstra que as receitas de seigniorage transferidas para os Estados Unidos por estes países variariam entre 1 a 1,3% do PNB, caso eles adotassem o dólar, porém, em termos absolutos estes valores em relação ao tamanho do PNB de cada país podem variar muito. Para a Argentina, 1% significa US$ 1,2 bilhões ao ano, para o Brasil, 1,3% equivale a US$ 10 bilhões.

Chang (2000, p. 5) acrescenta que os defensores da dolarização propõem uma negociação entre os países emergentes e os Estados Unidos para que estes recuperem parte das receitas de seigniorage, porém, “...há pouca razão para sermos otimistas sobre as chances para tais negociações no curto prazo.”

Comentando a perda da função do emprestador de última instância pelo banco central, Chang (2000, p. 6) acredita que o endividamento externo é muito mais custoso ao país do que a manutenção de um banco central. Além disso, a falta de um emprestador de última instância pode aumentar o risco soberano ao invés de reduzi-lo, uma vez que no caso de corridas bancárias não haveria a possibilidade de socorro às instituições podendo resultar em crise sistêmica. (Chang, 2000, p. 8)

A dolarização não assegura disciplina fiscal por si mesma, pois os governos podem emitir títulos da dívida pública em dólares e negociá-los, tanto no mercado interno quanto no externo, de modo a contornar as restrições orçamentárias e a impossibilidade de colocar dívida no banco central. A

21 dolarização também não assegura que os níveis de preços dos países dolarizados convergirão para os níveis dos EUA, devido às diferenças de produtividade e de preços de fatores, além das divergências no ciclo econômico e das diferentes composições do comércio externo.

Um regime de câmbio rígido, como a dolarização, retira do país um dos principais instrumentos de política econômica utilizada para amenizar os efeitos de choques exógenos sobre a produção e o emprego que é a taxa de câmbio.

Breu (2002) em um trabalho onde a autora comenta dois fóruns realizados nos Estados Unidos, um pelo FMI e outro pelo Congresso americano ressalta muitos aspectos políticos da dolarização que beneficiariam, principalmente, os Estados Unidos, com a criação e expansão de uma área do dólar na América Latina que ajudaria a expandir a influência norte-americana na região (p. 12). Nas palavras da autora:

“...a dolarização é vista por uma parte das autoridades políticas norte-americanas como uma forma de competir com o euro. Esta nova moeda pode pôr em risco o futuro da hegemonia da moeda norte-americana, que é atualmente um dos pilares da expansão econômica desta potência.” (p. 15)

Breu (2002), neste mesmo artigo, apresenta as posições de L. Summers e A Greenspan em relação à dolarização, respectivamente, Secretário do Tesouro e Presidente do Federal Reserve, ou seja, as autoridades monetárias norte-americanas não cumpririam a função de emprestadores de última instância, nem de supervisão bancária, nem alteraria a sua política monetária para atender os interesses e os objetivos dos países dolarizados (p. 13).

De acordo com Souza (1994, p. 7): “uma economia em estado de alta inflação cônica ou em hiperinflação constitui um sistema sem âncoras nominais”. O autor denomina como sendo as variáveis nominais da economia os preços, salários, câmbio e moeda que nos processos citados se elevam mutuamente.

22 Estes processos também não conseguem ser vencidos com políticas fiscais restritivas, assim, os programas de estabilização devem fixar uma dessas variáveis “... de maneira a estabelecer barreiras à continuação da escalada inflacionária e coordenar a parada dos demais valores.” (Souza, 1994)

A escolha da taxa de câmbio como âncora nominal reside no fato que esta variável é de fácil controle pelo governo e de fácil sinalização para gerenciar as expectativas dos agentes.

No que se refere às outras variáveis, o uso de âncoras monetárias não é recomendável uma vez que o controle da oferta monetária não é possível dado a desmonetização sofrida pela economia nestas situações de alta inflação e hiperinflação. O congelamento de preços e salários, também conhecido como políticas de rendas, já comprovou historicamente a sua ineficácia na América Latina. É uma medida de difícil controle pelo governo, além de gerar distorções na distribuição de rendas e o desalinhamento de preços relativos.

Os programas de estabilização com âncoras cambiais têm um efeito bastante rápido e eficiente na redução da inflação. No entanto, podemos verificar claramente uma fase inicial de euforia e crescimento, seguida por outra, caracterizada por recessão e aumento do endividamento interno e externo, tanto do setor público quanto do setor privado. Os golpes finais são os ataques especulativos que provocam crise cambial e obrigam a desvalorização da moeda nacional e a adoção, na maioria das vezes de regimes de câmbio flutuante e controles cambiais.

Num primeiro momento, o consumo pessoal se expande como resultado do efeito riqueza proporcionado pela elevação da renda real, pela valorização dos ativos e a eliminação do imposto inflacionário. A produção interna também segue a mesma tendência, expandindo-se tanto para atender a este aumento do consumo, quanto como resultado da ampliação do crédito.

23 Cumpre lembrar que na primeira fase existe um ambiente de reversão nas expectativas procedentes da percepção dos agentes sobre a melhora nas condições atuais e otimismo em relação ao futuro da economia.

A situação fiscal e financeira do Estado também melhora devido à não corrosão das receitas pela inflação e pelo aumento da arrecadação decorrente da expansão da demanda agregada.

O aumento do crédito tem duas fontes: uma interna e a outra externa. A interna é a elevação dos depósitos no sistema bancário e a externa ocorre em um contexto de abertura financeira, que geralmente acompanha estes programas de estabilização com âncoras cambiais. É permitido então, tanto ao sistema financeiro nacional captar recursos no mercado financeiro internacional, quanto a entrada de fluxos de capitais seja através de investimentos estrangeiros diretos, seja pela aplicação no mercado de capitais do país.

Como já citado, programas de estabilização com âncoras cambiais, em geral, vêm acompanhados de liberalização financeira e comercial. A primeira para permitir a entrada de capitais necessários à manutenção do programa e da taxa de câmbio fixa; e a segunda, necessária para inibir o aumento dos preços, dada a concorrência externa dos bens e serviços tradables.

O aquecimento da economia somado à liberalização comercial desalinha os preços relativos na economia

20

. Os bens e serviços tradables têm

os seus aumentos de preços vedados pela concorrência com produtos importados, enquanto que a demanda aquecida estimula a elevação dos preços dos produtos nontradables.

20

É bom lembrar que, como resultado da hiperinflação ou da inflação alta, os preços relativos já se encontram desalinhados na ocasião da implantação do plano de estabilização. Souza (1994, p. 8) defende que a não-dolarização plena do sistema de preços contribui para o seu desalinhamento.

24 A combinação de desequilíbrio nos preços relativos, abertura comercial, aquecimento da demanda agregada gera a deterioração da balança comercial. Não necessariamente acompanhada pelo desequilíbrio na balança de pagamentos, tendo em vista que o déficit na balança comercial é financiado pela entrada de capitais estrangeiros. Além disso, a percepção da melhora nas condições atuais e futuras da economia a partir da estabilização, também é percebida pelos investidores estrangeiros que aproveitam o ambiente de liberalização financeira para aplicar no país.

É importante lembrar que os fluxos de capitais internacionais também são atraídos por taxas de juros elevadas praticadas pelo país que está utilizando a âncora cambial. De acordo com Silva (2002, p. 4), as taxas de juros internas são mais elevadas em comparação com as praticadas no mercado financeiro

internacional

por

embutir

não

apenas

a

expectativa

de

desvalorização da moeda nacional “... como também, o risco associado pelos formadores de opinião que atuam no mercado financeiro do país hospedeiro.”

Os juros elevados têm efeito deletério sobre o setor público e sobre o setor privado. Agrava os déficits públicos e aumenta a dívida interna, inviabiliza os investimentos do setor privado, aumenta a inadimplência levando bancos e empresas à falência, resultando em elevadas taxas de desemprego e contração da demanda agregada.

O ambiente interno e externo, antes otimista em relação às condições econômicas do país se reverte. O país torna-se, então, vulnerável a ataques especulativos contra a sua moeda. A fuga de capitais, a perda de reservas internacionais e a crise cambial são os sinais do colapso do plano de estabilização. O governo, então, sem alternativas, como forma de reduzir as perdas, desvaloriza a moeda e implementa controles cambiais.

É muito difícil precisar o momento em que a fase caracterizada pelo crescimento é substituída pela fase de recessão. O modelo possui uma contradição interna que gera a sua decadência e a reversão das expectativas.

25 O conceito de dolarização como união monetária significa a adoção de uma moeda única por dois ou mais países. Assim como a dolarização oficial, este tipo de arranjo cambial também é uma forma de substituição monetária, uma vez que os países membros renunciam à sua moeda nacional e adotam uma moeda comum. Rosa (2004) em um trabalho elaborado para o FMI, inclui nesta definição o compartilhamento de uma política monetária e cambial única entre os seus membros.

Os países membros fixam de forma irrevogável a taxa de conversão de suas moedas nacionais em relação à moeda da união monetária. No entanto, esta moeda única em relação às outras moedas internacionais pode variar, dessa forma, executa-se uma política de câmbio fixo entre os seus membros e uma de câmbio variável entre ela e o resto do mundo.

Há poucos casos de união monetária atualmente, sendo o mais bem sucedido o da União Monetária Européia, com a instituição do euro em 1999. Definiu-se também um banco central comum responsável pela estabilidade da moeda e dos preços e pela aplicação de políticas monetárias necessárias para atingir tais objetivos21. A Teoria das Zonas Ótimas de Moeda22 oferece o arcabouço teórico à união monetária. Esta teoria foi desenvolvida nos anos 1960 por Mundell (1961), Mckinnon (1963) e Kenen (1994)23 . Ela postula que dois ou mais países podem manter uma moeda única desde que exista perfeita mobilidade de fatores de produção, trabalho e capital, uma vez que no caso de um choque externo ou interno, o ajuste ocorreria via o lado real da economia ao invés da variação nas taxas de câmbio das diversas moedas nacionais, como aconteceria caso eles não participassem da união monetária.

21

Para uma melhor compreensão das instituições, metas e objetivos de política econômica e do processo político e histórico efetuado para a constituição da União Monetária Européia, ver Thorstensen (1992) e D’Arcy (2002). 22 Também denominada na literatura por Área Monetária Ótima. 23 Este artigo de Kenen foi publicado originalmente em 1969.

26 Além da perfeita mobilidade dos fatores de produção, outros aspectos devem ser levados em consideração para se obter o sucesso neste tipo de arranjo, como um elevado nível de integração comercial intra-regional e estruturas produtivas e econômicas semelhantes, assim os choques sofridos pela união repercutirão de forma igualitária entre todos os países membros.

A União Monetária Européia definiu critérios de convergência macroeconômicos para serem respeitados pelos participantes antes de se adotarem definitivamente o euro. Porém, defende-se que não há necessidade deste tipo de procedimento, uma vez que a integração econômica reduziria as assimetrias entre os seus membros, portanto os indicadores macroeconômicos tenderiam a convergir.

Os benefícios apontados para a constituição de uma união monetária são: um maior disciplinamento dos participantes no que diz respeito à políticas fiscal e monetária, a redução dos custos de transação, uma maior integração comercial entre seus membros e a convergência das taxas de juros e de inflação.

Existe um custo de transação representado pelo custo de conversão das diversas moedas, o risco de desvalorização e da volatilidade das diversas taxas de câmbio. Assim como ocorre com a dolarização plena, a adoção de uma moeda única eliminaria este risco permitindo a expansão do comércio entre os seus membros.

O principal custo é justamente a perda de soberania monetária e de importantes instrumentos de política econômica, como a política monetária e a cambial. No caso da União Monetária Européia foi constituído o Banco Central Europeu responsável pela emissão de moeda e pela política monetária necessária para dar estabilidade ao euro. Também ocorre a perda de seigniorage, visto que o governo deixa de emitir moeda transferindo esta responsabilidade a um órgão supranacional.

27 Apesar da União Monetária Européia possuir instituições políticas e econômicas comuns, cada nação ainda possui a sua própria legislação que difere entre si, o que dificulta a perfeita mobilidade dos fatores. Questões culturais como o idioma e os costumes, também prejudicam tal mobilidade.

Breu (2002, p. 7) distingue a dolarização da união monetária. A diferença reside justamente no fato que:

“esta consiste na decisão de seus membros de renunciar uma porção de sua soberania nacional para avançar na consecução de objetivos comuns, baseados em valores e estratégias compartilhadas.”

Lembramos que todos os membros na União Monetária Européia estão representados e têm direito a voto no Banco Central Europeu e em outros órgãos de política econômica. O que não ocorre com a dolarização, como já comentado anteriormente. Outro fator que merece destaque é a não existência de uma perfeita mobilidade do fator trabalho entre os Estados Unidos e as economias dolarizadas, como acontece na União Monetária Européia.

28

2 – O SISTEMA BIMONETÁRIO ARGENTINO

O objetivo deste capítulo é apresentar não apenas o regime cambial e monetário argentino instituído através da reforma monetária e financeira pelo governo Menem em 1991, mas também aspectos históricos e econômicos que condicionaram a implementação da dupla moeda.

A economia argentina já se encontrava plenamente indexada pelo dólar dos Estados Unidos quando da implementação da reforma. A fuga para o dólar, ocorrida nas décadas anteriores, foi resultado de um ambiente de incerteza causado pela incapacidade das autoridades locais em coordenar as principais variáveis macroeconômicas.

A partir da segunda metade da década de 1970 e por toda a década de 1980, a Argentina experimentou um ambiente interno e externo repleto de conflitos políticos, sociais e militares que repercutiram de forma negativa sobre a sua economia. O modelo de desenvolvimento até então adotado, por substituição de importações, foi substituído por um modelo liberal com abertura comercial e financeira, de forma extremamente rápida que dificultou a adaptação do setor produtivo local.

Além disso, a economia argentina sofreu com um ambiente externo desfavorável, a segunda crise do petróleo, a elevação das taxas de juros americana e a moratória mexicana em 1982 que resultou no fechamento dos mercados internacionais de capitais aos mercados emergentes.

Este capítulo está organizado em três subseções: a primeira abordará a crise dos anos 1980 e o início do governo Menem, enfatizando os planos econômicos e os principais fatos que geraram um clima de desconfiança e incerteza; a segunda, os argumentos do Ministro Domingo Cavallo para a adoção da dupla moeda; a terceira, comentaremos as principais medidas referentes à reforma monetária, ou seja, a Lei de Conversibilidade e a nova Carta Orgânica do BCRA.

29

2.1 - Origem: crise e dolarização nos anos 1980

O Plano de Conversibilidade adotado em 1991 implementou uma reforma monetária e financeira que instituiu a dupla moeda na Argentina. Além da possibilidade de se utilizar o dólar dos Estados Unidos e a moeda doméstica como moedas de curso legal para liquidar pagamentos e efetuar qualquer tipo de transação, indistintamente, os bancos argentinos podiam manter depósitos e outorgar empréstimos em moedas estrangeiras.

As imprensas argentina e brasileira informaram que a equipe econômica apenas estava oficializando uma situação que já existia de fato. Os preços na economia argentina já estavam indexados pelo dólar americano há muito tempo.

De acordo com Frick (1994, p. 45) o fenômeno da indexação na economia argentina é resultado da incerteza gerada pelo descontrole das principais variáveis macroeconômicas nas mãos do governo. Haines (1998, p. 25) afirma que o regime de alta inflação, que estimulou a indexação de contratos, iniciou-se em 1975 com o “Rodrigazo”.

Este foi um plano implementado, em junho de 1975, no governo de Isabel Perón, que objetivava a recomposição das contas públicas e externas. Suas principais medidas foram um forte aumento de tarifas públicas, maxidesvalorização cambial e reajustes salariais abaixo da inflação. Gontijo (1994a, p. 8) apresenta os seguintes dados: o peso foi desvalorizado em 100% e os sindicatos reagiram e conseguiram reajustes de 160%, em média. Haines (1998) nos informa que:

”os efeitos do ‘Rodrigazo’ são percebidos claramente no nível das taxas de câmbio. A taxa básica pulou de 45,3 para 140,4 em relação à paridade teórica de equilíbrio (100), enquanto a taxa de câmbio paralela chegou a 261,0 ... A arrecadação tributária caiu mais de 6% do PIB em comparação com 1974, o déficit fiscal chegou a 15,21% e a taxa de inflação atingiu 330%, configurando-se um contexto de total caos econômico.” (p. 25)

30 De acordo com Gontijo (1994a) o contexto apresentado pela economia argentina era de explosão inflacionária combinada com dificuldades externas e restrição monetária, o que provocou uma forte crise de estabilização e a queda do ministro da Economia, Celestino Rodrigo, em agosto de 1975.

Essa situação de total descontrole macroeconômico por parte do governo gerou uma situação de incerteza que fez com que a indexação de contratos se generalizasse. Apesar da política monetária restritiva e do ambiente recessivo a inflação não cedeu. Em março de 1976, um golpe militar destituiu Isabel Perón assumindo o General Videla em seu lugar.

Martinez de Hoz foi indicado para assumir a pasta da Economia. Ele adotou medidas para alcançar a estabilização e algumas reformas como a comercial, a financeira e a tributária. Dentre as medidas para a estabilização destacamos: o congelamento de salários, a liberalização dos preços, a desvalorização cambial, o corte de dispêndios e de subsídios governamentais, o aumento nas tarifas de bens e serviços das empresas estatais. (Gontijo, 1994a, p. 9)

Segundo Cano (2000, p. 110), a reforma comercial abrangeu a eliminação do câmbio múltiplo e de restrições às exportações, a redução das tarifas de importação e o aumento dos incentivos às exportações. Rapoport et alli (2000, p. 789) destaca também a desregulamentação do investimento estrangeiro, com a concessão de igualdade de direitos ao capital transnacional em relação ao capital nacional.

A reforma financeira foi instituída em 1977 com a nova Lei das Entidades Financeiras24. De acordo com Fanelli e Machinea (1995, p. 147) esta lei criou um ambiente de “desrepressão” financeira, cujo objetivo era induzir a uma expansão na oferta de crédito que favorecesse o setor privado.

24

Lei 21.526 de 14 de fevereiro de 1977.

31 Rapoport et alli (2000, p. 791) enfatiza que esta reforma pretendia “a liberalização dos principais mercados internos e uma maior vinculação com os mercados internacionais.”. Mais adiante ele declara que ela objetivava aumentar o papel do setor financeiro reduzindo a participação do Estado, uma vez que o primeiro proporcionaria uma alocação mais eficiente dos recursos do que o segundo, desenvolvendo um sistema financeiro mais apto, solvente e competitivo, reduzindo os custos dos serviços bancários.

As alterações mais importantes efetuadas por esta reforma foram: a criação de um sistema de reservas fracionárias, a liberalização das taxas nominais de juros ativas e passivas, maior responsabilidade às instituições em relação aos seus clientes; a eliminação das restrições à abertura de novos bancos e de novas sucursais; o regime de garantia de depósitos, a conta de regulação monetária25 e a recriação da função de emprestador de última instância ao BCRA (Rapoport et alli, 2000). A partir de dezembro de 1978 foi autorizada a captação de depósitos e de empréstimos em moeda estrangeira pelos bancos argentinos. (Hermann, 2001, p. 289)

Como em 1978 a taxa de inflação continuava elevada, em dezembro, adotou-se uma política cambial como instrumento antiinflacionário. Esta política constituiu-se da adoção de um cronograma de desvalorizações pré-anunciadas do câmbio denominado de tablita26 (Haines, 1998, p. 51). Este cronograma permitia que se conhecesse, antecipadamente, as alterações futuras desta taxa. De acordo com Cano (2000, p. 111), as estimativas de desvalorizações eram inferiores à alta efetiva dos preços o que causou uma valorização cambial.

Em 1980, é adotada a reforma tributária. Conforme Cano (2000) o governo expandiu a base tributária do IVA27, principal imposto argentino, 25

Roque B. Fernandéz (1982) faz uma análise da reforma e seu impacto sobre a crise bancária argentina em 1980-82. 26 Haines (1998, p. 51), em nota de rodapé, nos esclarece que: “a tablita consistia em umas tabelas prefixadas e anunciadas previamente de desvalorização da taxa de câmbio e de aumento das tarifas públicas, decrescentes no tempo e tendentes a zero, momento no qual se sustentava que a taxa de inflação interna seria igual à internacional, dado o contexto de abertura comercial e financeira.” 27 Imposto sobre Valor Adicionado.

32 aperfeiçoou a arrecadação e combateu a evasão. A alíquota foi elevada de 13 para 25%, mas com a crise, ela foi reduzida para 20%. O governo federal centralizou as receitas fiscais e transferiu encargos às províncias, iniciando um regime de co-participação.

Haines (1998), Rapoport et alli (2000) e Gontijo (1994a) concordam que estas reformas intencionavam promover uma alteração completa no modelo de desenvolvimento por substituição de importações, até então adotado, por um outro, onde prevaleceria a livre atuação das forças de mercado.

A redução do déficit público ocorreu não apenas como reflexo da elevação da arrecadação e de contínuos aumentos dos preços de bens e serviços públicos, mas devido ao congelamento de salários do setor público que representou uma redução nos gastos governamentais.

A conta de regulação monetária foi criada para reduzir os custos da manutenção de depósitos imobilizados pelo sistema financeiro. Acreditava-se que este custo era responsável pelo diferencial entre as taxas de juros ativas e passivas e, uma vez que este custo estava sendo assumido pelo governo, o crédito tornar-se-ia mais barato estimulando a recuperação econômica. Entretanto, isto não aconteceu, as taxas de juros internas mantiveram-se elevadas por todo o período, comparativamente em relação às taxas internacionais como resultado do risco de desvalorização cambial.

As medidas contracionistas adotadas pelo ministro Martinez de Hoz, não tiveram o impacto desejado sobre a inflação. Esta recuou de forma bastante lenta, gerando uma significativa valorização do peso. Este processo resultou em dois efeitos importantes sobre a economia: a deterioração da balança comercial e o surgimento de atividades especulativas no mercado financeiro.

Gontijo (1994a, p. 19) destaca que pouco a pouco a pauta de importações foi se alterando, com o crescimento da participação dos bens de

33 consumo. Com a abertura comercial e financeira, os importadores locais tiveram um maior acesso ao financiamento concedido pelos bancos internacionais ao comércio de importação. Da mesma forma, os bancos argentinos obtinham recursos externos que eram utilizados no crédito ao consumo, que por sua vez, destinava-se à aquisição de produtos importados. O reflexo deste fenômeno foi o crescimento do endividamento das famílias e da dívida externa. Este processo possibilitou a reativação da economia. De acordo com o autor, o PIB, em 1979, cresceu 7,1% (p. 21).

No que se refere à especulação, como já mencionado, esta foi resultado de uma combinação de sobrevalorização cambial com liberalização financeira. Os ganhos eram obtidos tanto com o diferencial entre as taxas de juros internas e externas, quanto entre o diferencial de taxas de câmbio nos mercados oficial e paralelo.

A partir do último trimestre de 1979, a taxa de juros foi elevada como uma medida de política antiinflacionária. A taxa de juros real tornou-se positiva28. Gontijo (1994a, p. 22) afirma que esta elevação representou para as instituições financeiras um aumento nos ganhos obtidos com empréstimos internos. No entanto, no decorrer do período, isto acarretou uma elevação nos custos financeiros das empresas, que já estavam sofrendo perdas de receitas devido ao aumento da concorrência com produtos importados. Cumpre lembrar que as elevações de tarifas e preços de bens e serviços públicos também significaram um impacto negativo sobre estas receitas.

De acordo com Cano (2000, p. 111), a valorização do câmbio “agravou fortemente o endividamento público e privado”. O autor acrescenta:

“O câmbio fez que os preços relativos industriais caíssem ainda mais e os juros reais crescessem muito, elevando os custos financeiros e a inadimplência das empresas, e instabilizando ainda mais as instituições financeiras” (Cano, 2000, p. 111)

28

A taxa de juros real era negativa como uma medida de política desenvolvimentista adotada pelo modelo de substituição de importações. Agia como um subsídio financeiro aos investimentos.

34 Em março de 1980, iniciou-se uma corrida bancária sem precedentes: um grande e importante banco privado quebra, o Banco de Intercâmbio Regional (BIR), arrastando consigo outras empresas e outras instituições financeiras. De acordo com Fernández (1982, p. 12), o BCRA, através da Circular 1051, organizou uma operação de adiantamentos para prover liquidez às instituições financeiras. O autor nos informa que no mês de abril, o BCRA concedeu mais de US$ 2 bilhões em adiantamentos, o que correspondeu a 27% da base monetária.

Segundo Gaba (1981, apud Fernández, 1982, p. 12), 62 entidades financeiras sofreram intervenção ou liquidação, no período que compreende abril de 1980 a março de 1981, o que equivale a 20% do total de depósitos.

Isto provocou uma onda de desconfiança em relação ao sistema financeiro argentino e em relação à capacidade do governo em manter a taxa de câmbio. O governo, então, no intuito de proteger a moeda doméstica e frear a fuga de divisas, elevou ainda mais as taxas de juros, agravando o quadro recessivo que já se apresentava.

Em fevereiro de 1981, o peso foi desvalorizado em 10%, o que ampliou a desconfiança na política cambial, resultando em uma fuga de capitais. De acordo com Gontijo (1994a, p. 23) o BCRA perdeu US$ 1,5 bilhões de reservas em apenas duas semanas.

Analisando o efeito dos influxos de capitais externos neste período, Fanelli e Machinea (1995, p. 148) destacam que o desequilíbrio da conta corrente e o ciclo do crédito que se desenvolve internamente dentro de um contexto de um sistema financeiro liberalizado são aspectos endógenos ao modelo de liberalização da conta de capital adotado pela Argentina.

Os autores também evidenciam que as autoridades monetárias não esterilizaram os efeitos da entrada destes fluxos sobre o mercado de crédito, pelo contrário, o aumento da oferta monetária foi intensificado pela redução nos

35 coeficientes de efetivos mínimos com o intuito de expandir o crédito ao setor privado. (Fanelli e Machinea, 1995, p. 149)

Mais adiante, Fanelli e Machinea (1995, p. 149-151) afirmam que nem o BCRA possuía instrumentos para supervisionar um mercado financeiro recentemente liberado que estava recebendo um grande influxo de capitais, nem o mercado financeiro argentino apresentava tamanho e capacidade compatíveis para alocar de forma eficiente estes capitais.

De acordo com os autores: “a crise financeira de 1980-81 originada na liberalização, antecipou a ‘crise da dívida’ latino-americana de princípios de 1982.” [grifos no original] (Fanelli e Machinea, 1995, p. 150)

Analisando a experiência de liberalização financeira, Hermann (2001, p. 289) conclui que “a Argentina passou por violenta ‘desmonetização’ e dolarização informal. Este processo retraiu a atividade financeira durante toda a década de 1980 e culminou na hiperinflação de 1989 e 1990.”

Em março de 1981, o General Viola assume a presidência e nomeia Lorenzo Sigaut como ministro da Economia. A política cambial é alterada: a tablita é eliminada, o peso é desvalorizado novamente em 28% e o BCRA volta a controlar diariamente o mercado de câmbio.

Em junho de 1981, o peso é novamente desvalorizado em 30%. Em setembro, ocorrem novas alterações no mercado de câmbio. Define-se um mercado financeiro, onde as taxas são definidas livremente e, o comercial, cujas taxas são definidas diariamente pelo BCRA.

As autoridades monetárias dão continuidade às operações de adiantamentos e redescontos para reverter a crise no sistema bancário. No intuito de reativar a economia, o governo disponibiliza linhas de crédito ao setor produtivo, em especial, ao setor exportador.

36 Os eventos mais importantes no período que antecede o retorno dos civis ao poder são: a Guerra das Malvinas, os efeitos do segundo choque do petróleo, a elevação das taxas de juros dos Estados Unidos e a moratória mexicana.

A Guerra das Malvinas durou apenas três meses, de abril a junho de 1982. No entanto, de acordo com Rapoport et alli (2000, p. 829) o Reino Unido adotou severas represálias congelando os fundos argentinos depositados em bancos ingleses e embargou as exportações vindas da Argentina. A Comunidade Econômica Européia suspendeu as compras da Argentina. Frediani (1993, p. 25), comentando os efeitos da guerra:

“... não significou a destruição da infraestrutura nem do aparato produtivo, nem gerou grave recessão econômica interna, teve um efeito negativo desde o momento que aumentou a taxa de risco-país, acentuou a saída de capitais ao exterior, e fechou o acesso de Argentina aos mercados de financiamento externo tanto dos bancos privados como dos organismos multilaterais, quer dizer, o maior impacto da guerra não se deu nos campos de batalha senão na conta de capital da balança de pagamentos.”

Frediani (1993) também argumenta que a derrota militar nesta guerra foi o estopim do retorno da democracia ao país.

Além do impacto da guerra, a economia argentina estava sentindo os efeitos do aumento dos preços do petróleo ocorrido em 1979. Segundo Rapoport et alli (2000, p. 830) esta alta desencadeou uma recessão mundial que provocou uma redução nos preços das matérias-primas, fazendo com que os termos de troca argentinos caíssem 16% em relação ao ano anterior. Somando-se a isso, os Estados Unidos elevaram as suas taxas de juros fazendo com que os fluxos de capitais se redirecionassem para os países desenvolvidos.

37 Os países latino-americanos tornaram-se exportadores de capital. Em agosto de 1982, o México declarou a moratória unilateral de sua dívida. Iniciou-se o período denominado na literatura como “crise da dívida”.

Como já mencionado, devido à Guerra das Malvinas, a Argentina ficou excluída do mercado internacional de capitais. A sua dívida externa cresceu de forma abrupta como resultado da acumulação de juros e amortizações não pagas. Além disso, em julho de 1982, a dívida externa privada foi estatizada pelo BCRA.

Frediani (1993, p. 35) argumenta que as empresas privadas foram prejudicadas pela desvalorização da moeda nacional, tendo em vista que elas estavam, na sua maioria, endividadas em dólares. O BCRA trocou a dívida externa privada em dólares por dívida em pesos, que foi corroída pela inflação para o benefício do setor privado. Rapoport et alli (2000, p. 831) afirma que ”os devedores privados receberam, desta forma, um subsídio indireto estimado em mais de 5.500 milhões de dólares“.

O governo militar transferiu o poder aos civis, em outubro de 1983, deixando uma economia falida. Rapoport et alli (2000, p. 905) nos oferece um quadro da situação: recessão, desemprego, uma inflação de mais de 400%, uma dívida externa de quase 70% do PIB (US$ 45 bilhões) e sem reservas internacionais.

O Presidente Alfonsín encontrou muitas irregularidades nas contas públicas, mas o seu principal problema foi o endividamento externo, cujos pagamentos atrasados somavam US$ 20 bilhões. A dívida externa havia se agravado como resultado da elevação das taxas de juros internacionais. A balança comercial apresentava dificuldades como resultado da queda nos preços dos produtos exportados e pela deterioração dos termos de troca. (Rapoport et alli, 2000)

38 Procurou-se estabelecer novamente o controle do Estado sobre a economia, com a fixação de limites para os aumentos futuros de preços, salários e tarifas públicas e para a determinação das taxas de câmbio, controles de preços industriais e redução das taxas de juros reguladas.

O ministro Grinspun promoveu aumentos das tarifas dos serviços públicos objetivando um ajuste nas contas públicas, no entanto, o processo inflacionário dificultava a melhoria nas receitas fiscais, dessa forma, promoveuse um corte nos investimentos. Outro aspecto que impactava sobre a obtenção de um equilíbrio nas contas públicas era a dívida interna, cujo pagamento dos juros alimentava cada vez mais o seu montante.

Por todo o período até 1989, a balança comercial sofreu o impacto da deterioração dos termos de troca, além disso, a produção agrícola foi prejudicada por desastres naturais, como enchentes em 1985-86 e secas em 1988-89. As divisas geradas não eram suficientes para o pagamento dos compromissos externos assumidos.

Em março de 1985, Grinspun renuncia e assume Sourrouille. Em junho, é implementado o Plano Austral. Segundo Cano (2000, p. 117) as principais medidas foram: a mudança do signo monetário ($10.000 pesos = $1 austral), congelamento de preços e salários, forte desvalorização cambial com a posterior fixação da taxa, aumentos das tarifas de importações e de impostos sobre exportações e a adoção da tablita para a correção de saldos remanescentes de dívidas contratuais. De acordo com Machinea e Fanelli (1988, p. 162):

“Os contratos em pesos argentinos que vencessem depois de 14 de junho se depreciariam (de acordo com uma tabela de conversão) frente ao austral por uma quantidade equivalente a taxa de inflação prevalecente antes do plano. Esta medida tratava de evitar uma distribuição de renda em favor dos credores à custa dos devedores resultante da redução da taxa de inflação, posto que os contratos vigentes já incluíam a taxa de inflação esperada”

39 Rapoport et alli (2000, p. 911) acrescenta que houve forte redução nas taxas de juros reguladas29, a adoção de uma política monetária e fiscal restritiva, as tarifas públicas também foram congeladas após fortes reajustes no início do ano antes da implementação do plano.

A redução no déficit fiscal seria obtida não apenas através da elevação das tarifas dos serviços públicos, mas também do aumento da carga tributária do comércio exterior, de uma reestruturação dos impostos diretos e do aumento da arrecadação resultante da queda da inflação. (Machinea e Fanelli, 1988, p. 161)

Num primeiro momento a inflação caiu, e durante os doze meses seguintes, a economia se remonetizou e a produção manufatureira cresceu 20%, entretanto, este mesmo fenômeno fez com que os desequilíbrios externo e fiscal reaparecessem. Damill, Fanelli e Frenkel (1994, p. 71) destacam três fatores que causaram estes desequilíbrios.

O primeiro, que se refere à deterioração do balanço de pagamentos, foi devido tanto às inundações que reduziram as exportações agrícolas, quanto ao aumento das importações resultante do reaquecimento da demanda. O segundo fator estava, de certa forma, relacionado ao primeiro, uma vez que este ocasionou a redução da arrecadação de impostos sobre as exportações. O último fator referia-se à estrutura de contratos de curto prazo, de mecanismos de indexação e expectativas voláteis que não foram eliminados e que condicionaram à aceleração inflacionária frente a choques de oferta e demanda. Somando-se a isso, Rapoport et alli (2000, p. 913) acrescenta que o plano não incluía medidas para a reativação do crescimento.

De acordo com Cano (2000, p. 117) inicia-se em abril de 1986 a segunda fase do plano, “com correção programada do câmbio, preços e salários”, porém, persistiu a deterioração das contas públicas e externas. Novo congelamento foi imposto, mas sem a adesão do setor privado, a inflação 29

De acordo com Rapoport et alli (2000, p. 911): “...de 28 e 30% para depósitos e empréstimos a 4 e 6%, respectivamente...”

40 retornou de forma acentuada. Em abril de 1988, em uma situação de completo esgotamento das reservas e com a retirada do apoio pelo FMI, o governo pediu a moratória da dívida externa.

Em agosto foi lançado o Plano Primavera. A economia apresentava novamente uma situação caótica: recessão, inflação acumulada no semestre de 440%, uma dívida interna igual a US$ 46 bilhões, o salário acumulava uma queda de 33% desde 1984; uma taxa de desemprego de 6,5% da PEA e um subemprego igual a 8,9%30.

Este plano criou um mercado múltiplo de câmbio. As exportações agropecuárias seriam liquidadas pelo câmbio comercial. As importações, as operações financeiras seriam liquidadas pelo câmbio financeiro, enquanto as exportações industriais seriam liquidadas da seguinte forma: 50% pelo comercial e 50% pelo financeiro.

As tarifas públicas foram reajustadas novamente, reduziu-se o IVA e o congelamento de preços foi substituído por um acordo desindexatório com as empresas líderes. A política monetária restritiva elevava as taxas reais de juros.

Conforme Damill, Fanelli e Frenkel (1994, p. 73) a elevação do superávit comercial, a não redução do déficit público e a recusa do mercado em aceitar os títulos públicos, fez com que o BCRA forçasse a colocação de dívida no sistema financeiro através de encaixes remunerados.

Em 1989, a proximidade das eleições fez crescer a incerteza e as expectativas inflacionárias. O Banco Mundial negou um empréstimo de US$ 350 milhões alegando o não cumprimento das metas estabelecidas. Em janeiro de 1989, os possuidores de depósitos em dólares iniciaram um processo de retirada de seus fundos nos bancos. No final de janeiro e começo de fevereiro ocorreu uma corrida especulativa contra o austral. Em duas semanas, o BCRA vendeu aproximadamente US$ 900 milhões. Em 6 de fevereiro, o câmbio

30

Conforme dados apresentados por Rapoport et alli (2000, p. 922)

41 múltiplo foi abandonado. Conforme Cano (2000, p. 118), entre abril e junho, ocorreu a ampla dolarização dos preços.

Cumpre notar que em março renunciou a equipe econômica, Sourrouille foi substituído por Juan Pugliese, que liberou totalmente o mercado de divisas. A cotação do dólar continuou subindo fazendo o ministro renunciar. Em 27 de maio assumiu Jesus Rodríguez que adotou um regime cambial do tipo crawling peg31 e a proibição da retirada de depósitos das contas bancárias o que permitiu controlar temporariamente a subida do dólar.

A bolha especulativa liderou o processo de aceleração inflacionária transformando-se em hiperinflação entre maio e julho de 1989, que só foram contidos com a saída antecipada de Alfonsín e a transferência do poder a Carlos Menem.

2.2 – O governo Menem antes do Plano de Conversibilidade

Haines (1998, p. 62) afirma que Carlos Menem desfrutava de escassa credibilidade no meio da comunidade empresarial, todavia, de acordo com Catterberg e Braun (1989) a sua vitória foi uma resposta do eleitor argentino ao fracasso do partido de Alfonsín32 em melhorar a situação econômica do país:

“... frente a expectativas frustradas uma porção importante do eleitorado votou pelo partido da oposição (ibid. p. 362) [...] o eleitorado avaliou a gestão radical sobre a base de dimensões estreitamente ligadas à problemática econômica”. (Catterberg e Braun, 1989, p. 366)

De acordo com estes autores, os eleitores estavam percebendo a deterioração tanto de aspectos econômicos, quanto de outros relacionados a 31

De acordo com Canuto e Holland, (2000, p. 11) em um regime cambial do tipo crawling peg, “a taxa de câmbio nominal é ajustada periodicamente de acordo com uma série de indicadores”. 32 O partido de Raúl Alfonsín era o UCR – União Cívica Radical.

42 sua vida cotidiana, como o aumento da violência, por exemplo. Nas palavras dos autores:

“ao governo de Alfonsín reconhecia-se o fato dele assegurar a estabilidade democrática, respeitar os direitos humanos e melhorar o prestígio internacional do país, mas não ter melhorado o nível de vida, solucionado o problema da falta de emprego ou outras questões como a moradia, a saúde ou a delinqüência.” (Catterberg e Braun, 1989, p. 365)

Carlos Menem pertencia ao Partido Justicialista de inspiração peronista33. Como já mencionado neste trabalho, o governo de Isabel Perón foi interrompido por um golpe de Estado, após um período de crise econômica. Entretanto, Catterberg e Braun (1989) ressaltam que o governo de Juan D. Perón (1946-1955) sempre foi identificado como aquele que ofereceu o maior crescimento econômico e justiça social à nação argentina. Os autores concluem que a eleição de Menem:

“se apresentou como uma alternativa política frente ao descontentamento com a administração radical e a lacuna entre as expectativas da população e a avaliação das políticas públicas”. (Catterberg e Braun, 1989, p. 373)

Machinea (1997) apresenta a falta de credibilidade no governo Menem, como sendo um problema distinto da difícil situação macroeconômica que o país estava vivenciando no momento de sua posse:

“o presidente Carlos Menem chegou ao poder tendo que se defrontar com dois problemas: um de ordem macroeconômica – a hiperinflação e a crise econômica do Estado –, e outro de credibilidade – tratava-se de um caudilho de província, com tradição populista, que até poucos dias antes de assumir o governo repudiara o programa de reformas estruturais que, posteriormente, acabou adotando como seu.” (Machinea, 1997, p. 17)

33

De acordo com Schvarzer (1994, p. 77) “a tradição política do movimento vitorioso nas urnas estava estreitamente vinculado às políticas estatizantes, ao mercado interno e pró-sindical do governo do General J. D. Perón (1946-1955) cuja lembrança marcou toda a campanha eleitoral”.

43 Rapoport et alli (2000), por sua vez, atribui a busca por credibilidade à difícil situação econômica existente:

“a traumática experiência de hiperinflação e recessão, a deterioração das contas fiscais, o elevado endividamento, o retrocesso das reservas e a fuga de capitais persuadiram Menem a abandonar suas promessas eleitorais de ‘salariazo’ e ‘revolução produtiva’, e buscar o apoio dos principais agentes econômicos, tanto interno quanto externos.” (p. 968)

Haines (1998) observa que a hiperinflação provocou a ruína das finanças públicas e a desconfiança dos empresários, em relação ao novo presidente eleito, estava vinculada não apenas ao caótico contexto econômico, mas também, à “lembrança traumática da experiência do último governo peronista em 1973-76”34 (p. 62). Haines (1998) ressalta que Menem sabia que ele só poderia governar com o apoio de setores conservadores da sociedade.

A escolha de um funcionário de alto escalão de uma das principais multinacionais argentinas, Bunge & Born, para ser Ministro da Economia demonstrou a mudança de rumo do governo de Menem. Rapoport et alli (2000, p. 969) comentando esta atitude observa que:

“implicava um reconhecimento prematuro por parte de Menem das mudanças estruturais que havia sofrido a Argentina a partir da ditadura militar e os condicionamentos externos e internos herdados [...] aproximou-se, então, ao governo um conjunto de organizações empresariais representativas da grande burguesia nacional ...”

Schvarzer (1994, p. 79) analisando a nova aliança política organizada em torno do presidente Menem ressalta tanto o papel da hiperinflação quanto dos grupos de poder:

34

Cumpre lembrar que, de acordo com Catterberg e Braun (1989, p. 370) foram as classes mais baixas e marginalizadas da sociedade argentina que votaram no candidato peronista. Os eleitores de nível sócioeconômico, educacional e profissional médio e alto, em sua maioria, votaram no candidato radical, Angeloz.

44 “o estouro hiperinflacionário foi, nesse sentido, uma mensagem evidente de que a crise econômica argentina só podia ser superada com a estreita colaboração destes fatores de poder [...] Menem resumiu várias vezes essa idéia, repetindo que Alfonsín havia fracassado porque enfrentou a todos os fatores de poder (econômicos, militares, sindicais ou eclesiásticos); havia chegado a hora de negociar com eles, associando-os ao governo ...”

Assim, Miguel Roig é designado como Ministro da Economia, sendo posteriormente substituído por Nestor Rapanelli35, devido ao seu falecimento. Este se manteve no poder por seis meses, sendo depois substituído por Ermán Gonzalez.

Rapanelli e sua equipe elaboraram o plano de estabilização denominado de Plano Bunge & Born (BB). Conforme Smith (1993, p. 202), o objetivo do plano era instituir um novo modelo de acumulação de capital, uma vez que o existente implantado pelo governo militar em 1976 era baseado na especulação financeira, com taxas de juros domésticas superiores às internacionais e com o Estado subsidiando poderosos grupos econômicos.

Com a falência fiscal e financeira do Estado argentino em 1989, não era mais possível a sustentação deste modelo. O Plano BB, além de medidas de estabilização, compreendia duas leis, a Lei de Reforma do Estado 36 e a Lei de Emergência Econômica37, que autorizaram o governo a: privatizar empresas estatais e vender imóveis públicos, cancelar subsídios ao setor privado, eliminar impostos sobre exportações, extinguir o sistema de compras nacionais, reduzir tarifas de importação, dispensar funcionários públicos ou reduzir os seus salários, compensar dívidas entre particulares e o setor público; autorizar a reforma da Carta Orgânica do BCRA e liberar os investimentos estrangeiros.

35

De acordo com Smith (1993, p. 202) tanto Miguel Roig quanto Nestor Rapanelli haviam sido vicepresidentes da empresa Bunge & Born. O autor os denomina de “capitães da indústria”. 36 Lei 23.696 sancionada em 17/08/1989. 37 Lei 23697. O texto não apresenta a data de sanção e de promulgação. Foge ao escopo deste trabalho a análise e descrição destas reformas.

45 Segundo Damill e Frenkel (1991, p. 25) o Plano BB combinou diversas medidas de políticas de rendas, para romper a inércia inflacionária, com outras orientadas a um maior controle fiscal e monetário. Smith (1993) nos apresenta as principais medidas: as tarifas dos serviços públicos foram elevadas entre 200 e 640%; os benefícios fiscais e os incentivos promocionais para as empresas foram suspensos por 180 dias. A moeda foi desvalorizada em 170% em relação à cotação predominante no mercado paralelo.

Rejeitou-se o congelamento de preços, em seu lugar foi efetuado um acordo com 350 empresas “formadoras de preços” que deveriam se comprometer a não efetuar aumentos de preços, em troca, o governo deveria reduzir as taxas de juros e não modificar nem a taxa de câmbio nem as tarifas públicas (que deveriam ficar fixas até março de 1990)38.

Os

resultados

iniciais

foram

positivos.

A

inflação

caiu de

aproximadamente 200% em julho para 5,6% em outubro. De acordo com Damill e Frenkel (1991, p. 29), a arrecadação fiscal melhorou visivelmente. No período setembro-novembro ela foi superior a 70% em relação ao mesmo período do ano anterior. Os autores ressaltam que isto se deveu à recente adoção de impostos sobre as exportações.

Tanto Smith (1993, p. 202) quanto Canavese (1992, p. 188) enfatizam que esta elevação na arrecadação não foi suficiente para cobrir o pagamento dos juros da dívida pública interna.

A desvalorização da moeda e as mudanças de expectativas geraram uma entrada de divisas e a expansão das reservas internacionais do BCRA atingindo US$ 1,3 bilhões no terceiro trimestre.

Canavese (1992, p 188) comenta que este fato, num primeiro momento, provocou um excesso de oferta no mercado cambial que foi comprado pelo BCRA; num segundo momento, as medidas de esterilização

38

Ver Smith (1993) e Damill e Frenkel (1991)

46 concentraram-se no aumento das reservas dos bancos comerciais. Contudo, esta operação impunha o pagamento de juros sobre as reservas gerando uma elevação no déficit fiscal de responsabilidade do BCRA.

Nos quatro meses seguintes ao lançamento do plano, a economia se remonetizou de forma bastante rápida. O agregado M1 real, de acordo com Damill e Frenkel (1991, p. 30), cresceu a uma taxa média de 30% ao mês.

Damill e Frenkel (1991, p. 29-30) declaram que esta expansão monetária causou a queda nas taxas de juros gerando discórdia dentro do próprio governo entre aqueles defensores do argumento fiscalista e os contrários a este argumento. Os primeiros acreditavam que a redução na taxa de juros era benéfica à situação fiscal do governo tendo em vista o seu efeito sobre a dívida pública. Os últimos sustentavam que havia:

“... a necessidade de defender a política cambial mediante taxas que encorajassem a demanda por ativos domésticos, permitindo manter em baixos níveis a diferença entre o tipo de câmbio único e o paralelo.” (Damill e Frenkel, 1991, p. 30)

As desavenças não se observaram apenas dentro do seio do governo, mas também entre este e outros setores da sociedade. Os autores afirmam que as primeiras desavenças são observadas na época da negociação do acordo de preços: “a desvalorização e o ajuste tarifário foram anunciados em 09 de julho, mas o acordo com o setor privado recente se firmou uns dez dias mais tarde.” (p. 28)

Smith (1993, p. 204) observa que as propostas de reformas estruturais

de

Menem39

enfrentaram

um

sério

obstáculo

político,

“o

desmantelamento da coalizão de interesses empresariais e trabalhistas, ainda presa a um modelo pós-guerra de uma industrialização guiada pelo Estado numa economia semifechada.”

39

Smith (1993) as denomina de Menemstroika (p. 204).

47 Esta situação gerou um clima de desconfiança resultando em uma subida da cotação do dólar no mercado paralelo. O ágio entre o mercado paralelo e o livre foi igual a 50%.

Em 10 de dezembro de 1989, Rapanelli lança o Plano BB II. De acordo com Smith (1993, p. 206) consistia na desvalorização do austral em 57%, na elevação das tarifas de serviços públicos entre 50 e 70%40, no aumento dos impostos sobre importações e na moratória unilateral sobre a dívida pública interna (reprogramação do prazo de maturidade acima de dois anos)41.

Damill e Frenkel (1991, p. 35) acrescentam que o mercado de câmbio foi dividido em um “oficial”, com a paridade de $1.000 austrais por dólar, e um mercado livre. Liberou-se também um conjunto de preços de produtos comercializados em mercados competitivos que estavam previamente compreendidos no acordo com os empresários.

Gontijo (1994b, p. 11) observa que estas novas medidas conduziram o país a uma nova onda hiperinflacionária, com fuga de capitais e rejeição à moeda nacional. Terminando com a demissão da equipe econômica de Rapanelli e a sua substituição por Antonio Ermán Gonzalez.

O novo ministro tomou medidas totalmente diversas do seu antecessor. Eliminou os controles sobre o mercado de câmbio e sobre os preços. Outorgou um aumento nos salários dos funcionários públicos mediante um valor fixo42 e não houve alterações nas tarifas públicas.

Damill e Frenkel (1991, p. 37) enfatizam a falta de confiança dos agentes em qualquer tipo de dívida em austrais. Situação que fez com que o 40

Damill e Frenkel (1991, p. 35) afirmam que a desvalorização foi de 53% e o aumento das tarifas ficou entre 60 e 70%. 41 Damill e Frenkel (1991) se referem a esta medida como sendo de difícil explicação, “... se se pensa que a mesma alcançava só a aproximadamente 25% da dívida interna pública remunerada, a um custo seguramente muito elevado em termos de credibilidade.” 42 Rapoport et alli (2000, p. 970) informa que esta soma fixa era igual a aproximadamente US$ 15,00, enquanto Damill e Frenkel (1991, p. 37) afirmam que era inferior a US$ 20,00.

48 governo se comprometesse a “...respeitar os depósitos em moeda doméstica e manifestou a intenção de adiantar os pagamentos dos títulos recentemente reprogramados se a situação fiscal o permitisse.”

Rapoport et alli (2000, p. 971) argumenta que estas medidas geraram “...novas tendências inflacionárias, sem solucionar os desequilíbrios fiscais, agravados pelas volumosas dívidas interna e externa”.

A conversão de depósitos em ativos estrangeiros se acelerou, assim como a fuga de capitais, empurrando as cotações do dólar e alimentando a inflação. A taxa de inflação registrada em novembro de 1989 de 6,5% ao mês saltou para 40,1% em dezembro. As taxas de juros se elevaram afetando a dívida pública doméstica.

Os boatos sobre a dolarização da economia e sobre o governo estar estudando um esquema de conversibilidade com âncora cambial agravaram ainda mais as expectativas e reforçaram o ritmo de depreciação do austral. No intuito de estancar a corrida bancária que estava ocorrendo em 28 de dezembro de 1989, Erman Gonzalez anuncia o Plano Bonex (Plano Ermán II), que entrou em vigor após os feriados de final de ano.

O Plano Bonex consistiu de uma troca compulsória de depósitos a prazo fixo (em geral, de 7 dias)43 por títulos da dívida externa (Bonos Externos – série 89), ao portador, com 10 anos de prazo e 3 de carência. Também foram convertidos títulos da dívida pública interna e depósitos indisponíveis das instituições financeiras no BCRA. Os titulares de depósitos poderiam retirar até $1 milhão de austrais, aproximadamente US$ 500,00 (Damill e Frenkel, 1991, p. 38)

As instituições financeiras foram proibidas, temporariamente, de receberem depósitos a prazo, porém, posteriormente, este tipo de operação foi autorizada com prazos superiores a 90 dias. Conforme Rapoport et alli (2000, 43

Rapoport et alli (2000, p. 971) também inclui os depósitos em caderneta de poupança nesta troca, diferindo de Damill e Frenkel (1991, p. 38) e de Carvalho (1999, p. 54)

49 p. 971), neste ínterim, as instituições só poderiam receber depósitos e conceder créditos em Bonex e em taxas livres.

Cano (2000, p. 138) adverte que esta medida dolarizou ainda mais a economia e “pôs em prática no Tesouro a política de caixa (grifo do autor), obrigando fornecedores do governo a financiá-lo”. Canavese (1992, p. 192) ressalta que, como em toda reforma monetária, os direitos de propriedade foram desrespeitados e a credibilidade deveria ser restaurada.

Rapoport et alli (2000, p. 971) argumenta que estas medidas proporcionaram ao Estado argentino a reestruturação do seu passivo, ao trocar dívida de curto prazo em austrais por dívida de longo prazo em dólares, além de aniquilar uma das principais fontes de distorção ao eliminar o déficit quasefiscal provocado pela remuneração dos encaixes bancários.

Conforme Canavese (1992, p. 189), desde a implementação do Plano Austral, o governo utilizava os depósitos compulsórios para financiar os seus gastos, rolar a dívida pública e comprar uma fração do saldo do balanço comercial para pagar os juros da dívida externa. O BCRA emitia moeda para pagar os gastos do governo e, simultaneamente, aumentava os requerimentos de reserva sobre os depósitos bancários para esterilizar a moeda emitida: “... desta forma a emissão de moeda tornava-se uma dívida compulsória do BCRA com o sistema bancário.”

Damill e Frenkel (1991, p. 38-39) enfatizam que o plano restringiu o estoque de recursos monetários em poder do público e possibilitou eliminar a carga de juros a curto prazo sobre a dívida doméstica. Conforme os autores, comparando com dezembro, em janeiro, o agregado M3 caiu quase 60% em termos reais, e o M1, 15%.

As medidas provocaram um forte aperto de liquidez, atingindo 60% da base monetária implicando em uma severa perda para os depositantes, na redução na oferta de moeda e uma profunda recessão. Segundo Smith (1993,

50 p. 207), no primeiro trimestre de 1990 o PIB caiu 2,7% enquanto que a produção industrial caiu 15% em relação ao ano anterior. Nas semanas seguintes o governo autorizou saques para o pagamento de salários, impostos e encargos sociais.

Porém, estas medidas se mostraram incapazes de conter o movimento ascendente dos preços e estabilizar a moeda. No começo de fevereiro, o governo aplicou um tarifaço, um aumento médio de 97% nas tarifas de bens e serviços públicos. Damill e Frenkel (1991, p. 39) observam que este aumento agiu como coordenador das expectativas inflacionárias e contribuiu para uma nova aceleração.

Em março, o governo tomou novas medidas de restrição monetária fazendo com que os bancos fossem obrigados a vender divisas provocando um aumento na oferta de dólares no mercado cambial. Segundo Damill e Frenkel (1991, p. 40) esta medida do BCRA conteve a bolha cambial:

“É particularmente importante destacar o papel das restrições legais que operam sobre os bancos, pois este elemento institucional foi o que permitiu ao governo, no limite da iliquidez dos mesmos, frear a bolha”

Estas medidas foram acompanhadas por medidas de cunho fiscal, um pacote de emergência, denominado de Ermán III: os impostos sobre exportações foram elevados em mais 5% e o IVA, além de subir 13% teve a sua base de arrecadação tributária expandida.

Rapoport et alli (2000, p. 971) acrescenta que este pacote introduziu reformas estruturais no setor público e em toda a economia: severo controle sobre as compras e contratações do Estado, redução do pessoal do setor público nacional, eliminação de secretarias, redução nos prazos de pagamento dos impostos e início das privatizações.

“... a diferença do plano BB, os planos Erman se fundavam em liberar o mercado cambial e os preços, congelando os salários.

51 Se havia produzido uma reorientação na política econômica, passando a favorecer prioritariamente a outros setores do poder econômico, o dos credores externos e, de maneira secundária, o dos exportadores.”

Segundo Smith (1993, p. 208), estas medidas detiveram a hiperinflação, o IPC de abril foi igual a 11,4% e caiu gradualmente a uma média de 6,2% no quarto trimestre de 1990.

Rapoport et alli (2000, p. 972) afirma que estes planos provocaram uma recessão que resultou em redução das importações e aumento das exportações, gerando um superávit na balança comercial, um aumento nas reservas e a estabilização do preço do dólar. As contas públicas também apresentaram um superávit como resultado tanto da desaceleração da inflação quanto da redução dos gastos do governo.

Smith (1993, p. 209) observa que no segundo semestre de 1990, “acelerou-se a investida contra o Estado intervencionista”. Em julho foi lançado o plano Erman IV, que aprimorou os instrumentos de arrecadação de impostos e definiu novas medidas de liberalização do mercado, desregulamentação das importações e eliminação de medidas protecionistas que favoreciam a indústria doméstica.

No final de agosto, anunciou-se o plano Erman V que colocou à disposição do Ministério da Economia, novos e “amplos poderes para acelerar a privatização e/ou a liquidação das maiores empresas estatais” (Smith, 1993, p. 209). Rapoport et alli (2000, p. 972) complementa que este plano também compreendeu medidas severas de redução dos gastos, como a eliminação de contribuições e subsídios locais, congelamento de salários estatais, restrição de investimentos governamentais e, também, novos aumentos das tarifas públicas.

Em meio a críticas tanto em relação à situação recessiva na qual se encontrava o país, quanto ao programa de privatizações, ao final do ano, foram tomadas novas medidas de liberalização do comércio exterior, de anistia fiscal,

52 que possibilitava a repatriação de dólares sem obrigações legais e tributárias, de redução nos custos de produção e de estímulo ao consumo (Erman VI).

Em meados de janeiro de 1991, novas medidas de emergência foram anunciadas que provocaram uma febre especulativa, onde o austral perdeu 50% de seu valor. Somando-se a isso, denúncias de corrupção envolvendo o cunhado do presidente e o retorno da inflação contribuíram para a renúncia do ministro Erman Gonzalez. Ele foi substituído por Domingo Cavallo, que até então, ocupava o Ministério das Relações Exteriores.

O gráfico 2.1 abaixo apresenta o comportamento do IPC após o Plano Austral até o final de 1991.

Gráfico 2.1 – Taxa de Inflação Mensal, janeiro/1989 a dezembro/1991

Variação em relação ao mês anterior (%)

250,0

200,0

150,0

100,0

50,0

v/ 91 no

ju l /9 1 se t/9 1

1

ai /9 1 m

n/ 91

ar /9 m

ja

v/ 90 no

ju l /9 0 se t/9 0

0

ai /9 0 m

n/ 90

ar /9 m

ja

v/ 89 no

ju l /8 9 se t/8 9

9

ai /8 9 m

ar /8 m

ja

n/ 89

0,0

Meses

Nota: IPC da Grande Buenos Aires; v ariação em relação ao mês anterior, em porcentagem ; Fonte: INDEC. Disponív el em : . Acesso em: 10/11/04 elaborado pela autora;

Os processos hiperinflacionários ocorridos durante o período de 1989-1990 são resultado da combinação de diversos desequilíbrios no setor fiscal e externo da economia argentina.

53 Nakano e Tokeshi (1990) apresentam cinco fatores comuns observados em processos hiperinflacionários: 1) constrangimento físico que provoca redução na renda real disponível aos residentes do país (no caso dos países latino-americanos, o constrangimento nos anos 80 foi imposto pela dívida externa); 2) o déficit público financiado por endividamento interno; 3) emissão desenfreada de moeda; 4) desvalorização cambial e crise no balanço de pagamentos; e por fim, 5) fragilidade política.

Os autores evidenciam que, no caso argentino, os quatro primeiros fatores estavam presentes, porém, o que desencadeou de forma imediata a hiperinflação foi a fragilidade política que gerou uma crise de confiança às vésperas da eleição presidencial, resultando em um ataque especulativo ao austral, fuga de capitais, elevação da cotação do dólar, corrida bancária, explosão da taxa de juros, e finalmente, dos preços.

Tavares (1990) argumenta que é a redução das reservas internacionais e a crise cambial que convertem os regimes de alta inflação em hiperinflação. Nas palavras da autora:

“Na Argentina, a partir do início de 1989, a posição das reservas e as condições de negociação (com os credores, as instituições governamentais e os governos estrangeiros) determinaram uma tendência à explosão da taxa de câmbio, mergulhando o país na hiperinflação.” (p. 133)

Frenkel (1990) destaca o desequilíbrio estrutural da economia argentina gerado pela dívida externa e pela restrição do financiamento internacional. “A posição das reservas, as condições de negociação e a incerteza que se configurou a partir de fevereiro de 1989 determinaram uma tendência explosiva para a taxa de câmbio”. (p. 129)

54

2.3 - Cavallo e a defesa do bimonetarismo

Quando o Presidente Carlos Menem e o Ministro Domingo Cavallo anunciaram as medidas, tanto a imprensa argentina quanto a brasileira noticiaram a dolarização da economia. Também foi divulgado que havia se oficializado uma situação que já existia de fato, ou seja, o dólar já havia substituído o austral como moeda legal em suas funções clássicas de reserva de valor, unidade de conta e meio de troca.

No entanto, a dolarização oficial da economia não era viável dada a ampla indexação dos preços em dólar. “Os preços continuam subindo porque o dólar sobe [...] e o dólar sobe porque os preços também sobem, forçando a alta das taxas de juros, negociadas ontem no interbancário a 75% mensais.” (Paulo Totti, Gazeta Mercantil, 07/02/90)44 Nassif em um artigo na Folha de S. Paulo45 afirma que a medida foi tomada para dar confiança à moeda doméstica. Ele ressalta que o presidente do BCRA, na época, Roque Fernández, afirmou que o plano visava australizar ou desdolarizar a economia.

A conversibilidade do austral já havia sido anunciada pela imprensa durante a gestão do Ministro Antônio Erman Gonzalez46. No entanto, ela só foi adotada na gestão de Domingo Cavallo.

Almansí e Rodríguez em um artigo publicado no jornal Ámbito Financiero em 26 de abril de 198947 evocando a falta de credibilidade do governo argentino para a implementação de políticas econômicas afirmaram

44

Ver Paulo Totti, Argentina corre atrás do dólar, Gazeta Mercantil, 07/02/1990. Ver Luís Nassif, Dolarização da economia argentina visa devolver confiança ao austral, Folha de S. Paulo, 19/05/1991. 46 Ver Maurício Cardoso, Pacote argentino promoverá a convertibilidade do austral, Jornal do Brasil, 30/12/1989. 47 Este artigo foi reproduzido no livro Ávila, J. C.; Almansí, A.A; Rodríguez, C. A; Convertibilidad: Fundamentación y funcionamiento. Buenos Aires: CEMA. 1997, p. 43-47. 45

55 que a única reforma monetária possível era a proibição do financiamento do déficit fiscal mediante a emissão de moeda. Nas palavras dos autores:

“... cremos que a única forma em que o Estado nacional pode comprometer-se de forma crível a não utilizar nunca mais a emissão monetária como mecanismo consuetudinário de financiamento é abandonando seu poder de emitir dinheiro.” (p. 45)

A reforma monetária proposta por Almansí e Rodríguez (1989) incluía três aspectos: 1) a aquisição do passivo denominado em austrais do governo com o sistema financeiro e a moeda em circulação pelas reservas internacionais disponíveis; 2) uma vez efetuada esta troca, o austral deixaria de existir e deveria ser substituído por uma moeda estrangeira, e, por fim; 3) a criação de uma caixa de conversão, que deveria ser administrada pelos bancos privados, “... que teria como única missão emitir a nova moeda em troca de divisas e que sob nenhum conceito poderia emprestar suas reservas ao Estado nacional.” (p. 47)

Desta maneira, nesta reforma, o BCRA perderia também a sua função de órgão emissor e as reservas internacionais deveriam estar imunes às necessidades financeiras do Tesouro Nacional.

Podemos identificar três argumentos na opinião de Cavallo para a defesa do sistema bimonetário: recuperar a credibilidade na moeda argentina e fazer renascer o crédito, respeitar o direito dos cidadãos argentinos na escolha da moeda que pretende transacionar e, eliminar a seigniorage e a inflação. Em um artigo publicado em 1995, Cavallo48 afirmava que seu programa de estabilização inflacionária estava baseado na teoria da quantidade ótima de moeda de Friedman. O governo possui o monopólio de emissão da moeda e como todo monopolista ele poderia definir o preço de oferta de seu produto (a moeda) em um ponto onde a receita marginal seria

48

Este artigo é de autoria de Cavallo e Mondino (1995).

56 igual ao seu custo marginal49, ou num ponto na Curva de Laffer onde a arrecadação de receitas de seigniorage50 seria máxima. Nas palavras de Cavallo:

“Uma vez que o preço de manter moeda é o rendimento dos juros nominais abdicados, a quantidade ótima de moeda poderia ser obtida no ponto onde a inflação fosse igual a menos a taxa real de juros […] em conseqüência, o governo cede o seu poder de emitir moeda. [...] Conversibilidade força o peso, se ele for usado e mantido por possuir um preço competitivo em relação a outras moedas de referência.” (Cavallo e Mondino, 1995, p. 18).

Em outras palavras, a concorrência entre as diversas moedas eliminaria o poder de monopólio do governo e, conseqüentemente, a seigniorage e a inflação. Ele acreditava também que os cidadãos argentinos deveriam ter o direito de escolher a moeda com a qual eles desejariam negociar ou manter como poupança e em conta corrente:

“o risco da hiperinflação desaparece simplesmente por permitir aos depositantes manterem contas correntes e contas de poupança em dólares dos Estados Unidos, uma prática que poderia ajudar a reconstruir o sistema doméstico de pagamentos em moeda estrangeira” (2002, p. 1).

Além disso, ele acreditava também que a conversibilidade traria credibilidade ao peso, tanto internamente quanto externamente e, permitiria também o renascimento do crédito, mesmo que fosse em moeda estrangeira.

49

Sendo o custo marginal de produzir moeda igual a zero, e em economia, o ponto ótimo é obtido quando a receita marginal iguala ao seu custo marginal, então, a receita marginal também será igual a zero. 50 Segundo Blanchard (2001, p. 496) “a inflação pode, com efeito, ser encarada como um imposto sobre os saldos monetários. A alíquota é a taxa de inflação, π, que reduz o valor real da moeda retida. A base de impostos corresponde aos saldos monetários reais, M/P. Há uma diferença sutil com outras formas de tributação: o que o governo arrecada com a emissão de moeda a qualquer tempo não é imposto inflacionário, mas sim senhoriagem: (∆M/M) vezes (M/P). Entretanto, ambos estão estreitamente relacionados. Quando o crescimento da moeda é constante, a inflação tem de acabar sendo igual à expansão monetária...”. Um tratamento matemático do tema pode ser verificado em Romer, Advanced Macroeconomics, 2nd Edition, New York: McGraw-Hil, 2001, Chapter 10, p. 510-519.

57

2.4 – Características do sistema

A reforma monetária que instituiu a dupla moeda na Argentina é composta por dois instrumentos jurídicos principais: a Lei 23.928, ou Lei de Conversibilidade51, como ficou popularmente conhecida e a Lei 24.144, ou nova Carta Orgânica do BCRA52.

Na Tabela 2.1 reproduzimos a Lei de Conversibilidade que foi publicada no Brasil pela Revista de Economia Política em 1991. De acordo com Braessas e Naughton (1997, p. 101):

“...a intenção foi restabelecer a confiança no poder de compra da moeda estabelecendo uma taxa de conversão fixa e a obrigatoriedade do Banco Central de entregar todas as divisas que lhe forem requeridas em troca de seus passivos monetários, para o qual deveria manter permanentemente em seu ativo, reservas suficientes.”

Tabela 2.1 - Lei De Conversibilidade Do Austral Título I – Da Conversibilidade do Austral Art. 1º - Declara-se a conversibilidade do Austral com o Dólar dos Estados Unidos de Norte América a partir de 1º de Abril de 1991, a uma relação de dez mil (10.000) austrais por cada dólar, para venda, nas condições estabelecidas pela presente lei. Art. 2º - O Banco Central da República Argentina venderá as divisas que lhe sejam requeridas para operações de conversão à relação estabelecida no artigo anterior, devendo retirar de circulação os austrais recebidos em troca. Art. 3º - O Banco Central da República Argentina poderá comprar divisas a preços de mercado, com seus próprios recursos, por conta e ordem do Governo Nacional, ou emitindo os austrais necessários a tal fim. Art. 4º - As reservas de livre disponibilidade do Banco Central da República Argentina em ouro e divisas estrangeiras serão sempre equivalentes a, pelo menos, cem por cento (100%) da base monetária. Quando as reservas forem aplicadas em depósitos, outras operações a juros, ou em títulos públicos nacionais ou estrangeiros pagáveis em ouro, metais preciosos, dólares estadunidenses ou outras divisas de similar solvência, seu cômputo para os fins desta lei se efetuará a valores de mercado. Art. 5º - O Banco Central da República Argentina deverá introduzir as modificações pertinentes em seu balanço e registros contábeis para refletir, por um

51 52

Lei 23.928 sancionada em 27/03/1991. Lei 24.144 sancionada em 23/09/1992.

58 lado, a soma, a composição e a forma de aplicação das reservas de livre disponibilidade, e, por outro, a soma e a composição da base monetária. Art. 6º - Os bens que integram as reservas mencionadas no artigo anterior constituem garantia comum da base monetária são inembargáveis e podem aplicar-se exclusivamente aos fins previstos na presente lei. A base monetária está constituída pela circulação monetária mais os depósitos à vista das entidades financeiras no Banco Central da República Argentina, em conta corrente ou contas especiais.

Título II – Da Lei de Circulação do Austral Conversível Art. 7º - O devedor de uma obrigação de pagar uma soma determinada de austrais cumpre sua obrigação pagando no dia de seu vencimento a quantidade nominalmente expressa. Em nenhum caso se admitirá a atualização monetária, indexação por preços, variação de custos ou repotencialização de divisas, qualquer que seja a causa, haja ou não mora do devedor, com posterioridade ao dia 1º de abril de 1991, em que entra em vigor a conversibilidade do Austral. Serão nulas, de nulidade absoluta, as disposições legais, regulamentares, judiciais, contratuais ou convencionadas que contrariem o disposto. Art. 8º - Os mecanismos de atualização monetária ou repotencialização de créditos dispostos em sentenças judiciais relacionados com quantias expressas em austrais não conversíveis aplicar-se-ão exclusivamente até o dia 1º de abril de 1991, não se criando obrigação de novos ajustes por tais conceitos com posterioridade a esse momento. Art. 9º - Em todas as relações jurídicas nascidas com anterioridade à conversibilidade do Austral, nas que existam prestações pendentes de cumprimento por ambas as partes, ou naquelas de execução continuada com prestações e contraprestações periódicas, o preço, cota ou aluguel a pagar pelo bem, na prestação do serviço ou período posterior a ela, determinar-se-á pela aplicação dos mecanismos previstos legal, regulamentar ou contratualmente, salvo se tal ajuste for doze por cento (12%) superior ao que surja da evolução da cotação do Austral em dólares estadunidenses entre a origem da obrigação ou o mês de maio de 1990, o que for posterior, e o dia 1º do mês de abril de 1991, nas condições que determine a regulamentação. Nesse último caso, a obrigação de quem deve pagar a quantia de dinheiro se cancelará com a quantidade de austrais que corresponda à atualização pela evolução do dólar estadunidense pelo período indicado, com mais doze por cento (12%), sendo-lhe não oponíveis as estipulações ou condições originais. Art. 10º - Revogam-se, com efeito, a partir de 1º do mês de abril de 1991, todas as normas legais ou regulamentarias que estabelecem ou autorizam a indexação por preços, atualização monetária, variação de custos ou qualquer outra forma de repotencialização das dívidas, impostos, preços ou tarifa de bens ou serviços. Essa revogação aplicar-se-á ainda às relações ou situações jurídicas existentes, não podendo aplicar-se ou ser invocada nenhuma cláusula legal, regulamentaria, contratual ou convencionada – inclusive convênios coletivos de trabalho – de data anterior, como causa de ajuste nas quantias em austrais que corresponda pagar senão até o dia 1º de abril de 1991, em que entra em vigor a conversibilidade do Austral. Art. 11 - Modificam-se os artigos 617, 619 e 623 do Código Civil, que ficarão redigidos da seguinte forma: Art. 617 – Se pelo ato pelo qual se constitui a obrigação, se houver estipulado dar moeda que não seja de curso legal na República, a obrigação deve considerar-se como de dar quantias de dinheiro. Art. 619 – Se a obrigação do devedor for de entregar uma soma de determinada espécie ou qualidade de moeda, cumpre a obrigação dando a espécie designada, no dia de seu vencimento.

59 Art. 623 – Não se devem juros sobre juros, senão por convenção expressa que autorize sua acumulação ao capital com periodicidade que acordem as partes, ou, quando liquidada a dívida judicialmente com os juros, o juiz mandar pagar a soma que resultar e o devedor for moroso em fazê-lo. Serão válidos os acordos de capitalização de juros que se baseiam na evolução periódica da taxa de juros de mercado. Art. 12 – No caso de mora do devedor aplicar-se-ão as estipulações sobre danos e juros previstas no Código Civil. Art. 13 – Devido ao diferente regime jurídico aplicável ao Austral, antes e depois de sua conversibilidade, deve-se considerá-lo para todos os efeitos como uma nova moeda. Para facilitar tal diferenciação, faculta-se ao Poder Executivo Nacional substituir no futuro a denominação e expressão numérica do Austral, respeitando a relação de conversão que surge do Artigo 1. Art. 14 – A presente lei é de ordem pública. Nenhuma pessoa pode alegar contra essa lei direitos irrevogavelmente adquiridos. Revoga-se toda outra disposição que se oponha ao que esta lei está disposto. Fonte: Reproduzido de Revista de Economia Política, v. 11, n. 4 (44), p. 157-159, outubrodezembro, 1991;

No artigo 1º, definiu-se que, a partir de 1º de abril de 1991, a moeda doméstica seria plenamente conversível à paridade de $10.000 austrais por $1 dólar dos Estados Unidos.

Os artigos 2º e 3º estabeleceram que o BCRA só poderia emitir austrais para a compra de divisas a preços de mercado, enquanto, a venda das mesmas seria efetuada mediante a taxa de câmbio definida por esta lei.

O artigo 4º instituiu a relação que deve ser respeitada entre as reservas de livre disponibilidade no BCRA em ouro e moedas estrangeiras e a base monetária53. No artigo 6º, determinou-se o uso das reservas de livre disponibilidade apenas para a conversão da moeda nacional.

Os artigos 7º a 12º se ocuparam de regulamentar e proibir qualquer tipo de correção monetária ou indexação dos preços, tarifas, impostos e contratos, bem como, conferir validade jurídica aos contratos efetuados em moeda estrangeira54.

53

A base monetária é constituída pela circulação monetária mais os depósitos à vista das entidades financeiras no BCRA em conta corrente ou em contas especiais (art. 6º). 54 Ver art. 11.

60 O artigo 13º autorizou a mudança do signo monetário. De acordo com Calcagno (1997, p. 66) a partir de 1º de janeiro de 1992 o austral é substituído pelo peso à paridade de $10.000 austrais por $1 peso.

Braessas e Naughton (1997, p.103-5) advertem que havia a necessidade de definir o cômputo dos títulos públicos que poderiam ser utilizados como reserva de livre disponibilidade:

“Se bem que a lei não o menciona, resultou indispensável regulá-lo, dada a desconfiança que poderia gerar no sistema a inclusão de uma excessiva quantidade de títulos emitidos pelo Governo para respaldar outro passivo do mesmo, como são os passivos monetários do Banco Central” (p. 103)

De acordo com os autores, isto foi regulamentado por outra lei, a Lei 23.99055, na qual o artigo 37 surge como a primeira alusão ao tema:

“Art. 37. — Em nenhum caso a proporção de títulos públicos nacionais computáveis para o efeito de constituir as reservas de livre disponibilidade do BANCO CENTRAL DE LA REPUBLICA ARGENTINA referidas no art. 4° da Lei de Conversibilidade do Austral 23.928 poderá exceder DEZ POR CENTO (10 %) da base monetária.”

Pelo art. 33 da Carta Orgânica do BCRA este limite de integração foi, posteriormente, elevado a 33%. Contudo, no art. 60 das Disposições Transitórias, desta mesma regulamentação, este valor foi definido em 20% para a gestão do primeiro diretório do banco.

“Art. 33 – Até uma terça parte das reservas de livre disponibilidade mantidas como garantia comum poderão estar integradas com títulos públicos avaliados a preços de mercado. O banco poderá manter uma parte de seus ativos externos em depósitos ou outras operações que rendam juros, em instituições bancarias no exterior ou em papéis de reconhecida solvência e liquidez pagos em ouro ou em moeda estrangeira.” [...]

55

Lei 23.990, Orçamento Geral de Gastos e Cálculo de recursos da Administração Nacional para o Exercício de 1991, sancionada em 28/08/1991 e promulgada parcialmente em 16/09/1991;

61 “Art. 60 – Fixa-se em vinte por cento (20%) o limite das reservas de livre disponibilidade mantidas como garantia comum que poderão estar integradas com títulos públicos avaliados a preços de mercado, durante a gestão do primeiro diretório do banco designado de acordo com o prescrito por esta lei. Somente por necessidade de dotar de adequada liquidez o sistema financeiro ou por verem se afetados os preços de mercado dos ativos mantidos como garantia comum, a participação de títulos públicos, mencionada no parágrafo anterior poderá atingir, transitoriamente, e até o limite estabelecido no art. 33. Tal circunstância deverá ser posta em conhecimento do H. Congresso da Nação e não poderá estender-se por prazos superiores a noventa (90) dias corridos.”

Segundo Ribas (1998, p. 39-41) as alterações efetuadas no Código Civil pelo art. 11 da lei de Conversibilidade conferiram às moedas estrangeiras o mesmo poder liberatório próprio da moeda nacional. Esta alteração estimulou fortemente a expansão dos depósitos em dólares no sistema bancário argentino, sendo a contrapartida disso, a ampliação do crédito.

“O artigo 4º citado limitava a capacidade do Banco Central para a criação de moeda; e as disposições com respeito ao Código Civil determinavam, de fato, a criação de um sistema bimonetário em que o dólar e o peso eram intercambiáveis.” (p. 39)

No mesmo trabalho, Ribas (1998) enfatiza, então, que o sistema bancário argentino era capaz de criar dólares, tendo em vista que os dólares depositados no sistema bancário eram convertidos em crédito.

Damill, Salvatore e Simpson (2003) destacam que, no intuito de reverter o processo de desmonetização da economia, as autoridades argentinas estimularam a formação de um segmento em dólares no sistema financeiro local. Na verdade, desde 1989, antes da aprovação da Lei de Conversibilidade, o governo argentino já havia adotado medidas para a utilização de moedas estrangeiras livremente na economia.

62 A autorização aos bancos argentinos de receber depósitos e conceder empréstimos em moeda estrangeira era anterior a esta lei. Através da Comunicação “A” 1493, expedida pelo BCRA, datada de julho de 1989, as instituições financeiras foram autorizadas a captarem e aplicarem recursos em moeda estrangeira56.

Os depósitos poderiam ser à vista ou a prazo, de residentes ou não residentes no país, e as taxas de juros poderiam ser negociadas livremente entre as instituições e seus clientes. Os empréstimos deveriam ser destinados ao financiamento de residentes em operações com comércio exterior e atividades produtivas, à concessão de empréstimos interfinanceiros e à realização de colocações à vista em correspondentes no exterior.

Esta comunicação também liberava as entidades da obrigação de negociarem as divisas recebidas no mercado único de câmbio. Na ocasião dos saques pelos titulares, devia-se obedecer a moeda na qual a conta estava constituída. Estes depósitos em moeda estrangeira estavam excluídos do sistema de garantias, definida pelo art. 56 da Lei 21.526.

Este documento também definia uma exigência de 70% para a manutenção dos efetivos mínimos (encaixes) que deveriam ser depositados na sucursal de Nova York do BCRA.

Os depósitos a prazo fixo deveriam obedecer à um prazo mínimo de 30 dias. As características citadas acima também se referem a este tipo de depósito, com exceção das exigências de efetivo mínimo. Estes valores foram alterados pela Comunicação “A” 1527, datada de setembro de 1989, cujos valores apresentamos na tabela 2.2 abaixo:

56

A moeda estrangeira a qual se refere esta comunicação é o dólar dos Estados Unidos, para captar depósitos em outra moeda era necessário solicitar autorização do BCRA.

63 Tabela 2.2 – Alterações nos efetivos mínimos em moeda estrangeira Tipo de depósito À vista De 30 a 89 dias De 90 a 179 dias Acima de 180 dias

Comun. “A” 1493 Exigência em % 20,0 10,0 7,5 5,0

Comun. “A” 1527 Exigência em % 12,0 6,0 4,5 3,0

Fonte: BCRA. Disponível em http://www.bcra.gov.ar. Elaborada pela autora.

A Comunicação “A” 1527 estabeleceu que os contratos de empréstimos regidos pela Comunicação “A” 1493 deveriam ser reintegrados aos fundos na mesma moeda em que foram outorgados. A redução dos efetivos mínimos para depósitos em moeda estrangeira foi um fator que contribuiu para a expansão dos “argendólares”. No final de 1989, a Lei 23.75857 autorizou os bancos a captarem depósitos e concederem empréstimos em moeda estrangeira, obrigando-os a devolverem os valores na mesma moeda em que foram efetuados.

Esta lei proíbia o BCRA de dispor destes fundos e estabeleceu no seu art. 5º: “O Estado nacional garantirá a liberdade de contratação e o exercício dos direitos que se acordarem pela presente lei” . Definiu-se também que os recursos captados deveriam ser utilizados para o financiamento de atividades produtivas e de comércio exterior. Juntamente com a Lei de Conversibilidade, conferiu validade jurídica aos contratos efetuados em moeda estrangeira.

Rozenwurcel e Bleger (1997, p. 166), também fazem alusão a esta lei, porém eles defendem que o governo, partindo da premissa que a crescente mobilidade de capitais era uma situação irreversível, adotou a estratégia de incentivar a expansão da dolarização do sistema financeiro doméstico, ao invés de combatê-la. Os autores acrescentam que o mercado bursátil foi desregulamentado e, permitiu-se tanto que os bancos argentinos tivessem um

57

Os autores (Rozenwurcel e Bleger, 1997; Hanke e Schuler, 1999; Damill, Salvatore e Simpson, 2003) se referem a esta lei como 23.578, no entanto, em documentos oficiais, a lei referente a depósitos e empréstimos em moeda estrangeira é a Lei 23.758.

64 acesso maior ao mercado internacional de capitais, quanto a livre entrada de bancos estrangeiros no país.

Braessas e Naughton (1997, p. 126) enfatizam que a nova Carta Orgânica

do BCRA completou

o processo

iniciado

com a

Lei de

Conversibilidade, ou seja, o de estabelecer a confiança na moeda nacional, ao definir o campo de ação do banco.

“... persistia a necessidade de operacionalizar um mecanismo que evitasse a repetição de erros passados determinando claramente os principais objetivos do Banco Central assim como também sua capacidade de operação com as entidades financeiras e sua relação com o Governo nacional...”

O art. 3º da Carta Orgânica definiu como “missão primária e fundamental do BCRA” a preservação do valor da moeda. De acordo com este artigo deveria adotar políticas monetária e financeira que assegurassem à moeda suas funções de reserva de valor, unidade de conta e meio de pagamento. Para isto, o BCRA não estaria sujeito à ordens, indicações ou instruções do Poder Executivo Nacional.

Este artigo também o proibiu de “assumir obrigações que impliquem em condicionar, restringir ou delegar, sem autorização expressa do Congresso da Nação, o exercício de suas faculdades legais”. (Rodríguez e Capece, 2001, p. 25). Estabeleceu que as obrigações assumidas seriam garantidas pelo Estado Nacional.

O art. 4º determinou como outras funções do BCRA: regular a quantidade de moeda e a evolução do crédito na economia, vigiar o bom funcionamento do mercado financeiro e aplicar a Lei de Entidades Financeiras, atuar como agente financeiro do Estado nacional, depositário e agente do país perante instituições monetárias, bancárias e financeiras internacionais, concentrar

e

administrar

as

reservas

internacionais,

promover

o

desenvolvimento e o fortalecimento do mercado de capitais, estabelecer e executar a política cambial.

65 A nova Carta Orgânica limitou as suas funções como emprestador de última instância. Braessas e Nauhton (1997, p. 128) comentam que o auxílio ao sistema só poderia ocorrer em situações de iliquidez temporária, excluindo o financiamento por problemas de insolvência ou o financiamento que atendesse a fins específicos, como as atividades produtivas, as operações de comércio exterior, e a bancos nacionais e provinciais58.

O art. 17º instituiu que o BCRA só poderá outorgar redescontos ou adiantamentos a entidades financeiras em casos de iliquidez temporária, não podendo exceder o prazo de 30 dias com caução de títulos públicos ou outros valores. A soma dos redescontos e dos adiantamentos concedidos a uma mesma instituição financeira não poderia superar o patrimônio desta.

O art. 18º, inciso a) autorizou o BCRA a comprar e vender em operações de mercado aberto, a preços de mercado, títulos públicos, divisas e outros ativos financeiros com a finalidade de efetuar a regulação monetária e cambial.

Pelo art. 19º o banco ficou proibido de: conceder empréstimos e garantir ou endossar letras e outras obrigações aos governos nacional, provincial e municipal; conceder empréstimos a pessoas físicas ou jurídicas não autorizadas a operar como instituição financeira; efetuar redescontos, adiantamentos ou outras operações de crédito; comprar e vender imóveis a não ser que fosse necessário ao funcionamento normal do Banco; comprar ações, salvo as emitidas por organismos financeiros internacionais; participar direta ou indiretamente em empresas agrícolas, industriais e comerciais; colocar suas disponibilidades em moeda nacional ou estrangeira em instrumentos que não desfrutassem de imediata liquidez; emitir títulos, bônus ou certificados de participação, de colocação ou de cumprimento obrigatório para instituições financeiras; pagar juros sobre depósitos; outorgar garantias

58

Braessas e Naughton (1997) fazem uma análise do BCRA, comparando tanto a atuação do banco quanto as principais operações por ele efetuadas, no período anterior e posterior à Lei de Conversibilidade. No cap. 3, item 3, os autores apresentam as atividades discricionárias do banco quanto ao seu poder de emitir moeda.

66 especiais que cubrissem obrigações das entidades financeiras, incluso as originadas na captação de depósitos.

Pelo art. 28 o BCRA também ficou proibido de remunerar os requisitos de reserva (encaixes). O art. 20º dispôs sobre o financiamento do governo nacional, que somente poderia ser efetuado mediante a compra, a preços de mercado, de títulos negociáveis emitidos pelo Tesouro Nacional. No entanto, o BCRA é o agente financeiro do governo, sendo responsável por fazer as remessas e transações bancárias, tanto domesticamente quanto no exterior; receber os depósitos de fundos e efetuar pagamentos. Deveria cobrar comissão do governo pelos serviços prestados e poderia debitar da conta do governo nacional os montantes referentes aos serviços das dívidas interna e externa59.

A Carta Orgânica estabeleceu que os demonstrativos contábeis do banco deveriam ser submetidos à auditoria externa e as funções de supervisão do mercado financeiro foram outorgadas à Superintendência de Entidades Financeiras e Cambiais. Conforme Rodríguez e Capece (2001, p. 10), este era um “órgão ‘desconcentrado’ mas orçamentariamente dependente do BCRA”, mais adiante, os autores o qualificam como que possuindo um caráter semiautônomo.

Em suma, a reforma monetária e financeira instituída pelo governo Menem procurou limitar ou proibir as operações identificadas no passado como responsáveis pela emissão descontrolada de moeda que culminaram nos processos hiperinflacionários ocorridos no início de seu mandato.

Além disso, buscou-se também conferir credibilidade à moeda nacional ampliando a utilização paralela de moedas estrangeiras, em especial, o dólar dos Estados Unidos. No entanto, verificaremos que as medidas adotadas não conseguiram apagar da memória da população argentina, crises

59

Ver detalhes em Rodríguez e Capece (2001, p. 24-35).

67 bancárias que geraram confiscos de depósitos no passado, nem as bruscas alterações nas políticas cambiais que também geraram severas perdas.

O clima de insegurança seria observado ainda em dois momentos cruciais durante a vigência do Plano de Conversibilidade: na Crise Tequila e na crise final em 2001.

68

3 – O PLANO DE CONVERSIBILIDADE E OS SEUS EFEITOS SOBRE A ECONOMIA O objetivo deste capítulo é analisar o desempenho da economia argentina e, em especial do seu sistema financeiro bimonetário, no período que compreende o início do Plano de Conversibilidade até 1997, ano anterior à recessão que se prolongou até o final de 2001, quando ocorreu, então, a crise que culminou no fim da Conversibilidade. Tema que será melhor abordado no capítulo 4.

A economia argentina estava experimentando um período de crescimento acelerado e estabilidade no nível de preços, com a remonetização e a expansão do crédito. Entretanto, o plano de estabilização adotado gerou desequilíbrios macroeconômicos que, frente a uma situação de choque externo, combinados com a falta de um emprestador de última instância em um sistema financeiro dolarizado, geraram expectativas de desvalorização e desconfiança em relação à solidez das suas instituições.

A Crise Tequila, ocorrida no México em dezembro de 1994, significou o primeiro choque recebido pelo plano, cujos efeitos sobre a economia

argentina

demonstraram

a

fragilidade

do

modelo

adotado

representando um ponto de inflexão no seu sistema financeiro, sendo que depois dela ocorreram alterações tanto no marco regulatório do sistema, quanto na composição da sua indústria bancária. Os efeitos, apesar de breves, (a recessão que se seguiu durou apenas alguns meses) aprofundaram os desequilíbrios no sistema financeiro.

Este capítulo está dividido em três subitens. O primeiro dedicar-se-á à uma visão geral apresentando os efeitos do Plano de Conversibilidade, destacando seus aspectos positivos e negativos. O segundo analisará em particular o sistema financeiro, com enfoque sobre os bancos e sobre suas operações bimonetárias. O terceiro explorará o impacto da crise Tequila, as medidas adotadas no seu gerenciamento, e a situação pós-crise.

69

3.1 – A Economia Argentina e o Sistema Financeiro antes da Crise Tequila O Plano de Conversibilidade colocou um ponto final em um período de alta inflação experimentado pela economia argentina desde o final da década de 1970 cujo ápice foram os processos hiperinflacionários ocorridos em 1989-90.

A reforma financeira e monetária representada por este plano, e pela nova Carta Orgânica do BCRA, sancionada em 1992, foi acompanhada por medidas de reformas estruturais implementadas pelo governo Menem que objetivavam tanto modernizar a economia quanto solucionar a crise fiscal e financeira do Estado argentino60.

A entrada de capitais estrangeiros converteu-se em um fator dinâmico tanto para o setor financeiro, cujo sistema bimonetário foi alimentado pela entrada de dólares, quanto para o setor real da economia. Os capitais estrangeiros possibilitaram o fechamento do balanço de pagamentos e, aqueles que se direcionaram para as privatizações, permitiram ao governo equilibrar suas contas. De acordo com Fanelli e Frenkel (1997, p. 2), a economia argentina recebeu um total de US$ 40 bilhões entre 1991-94, ademais, dadas as regras da conversibilidade, a entrada de capitais estrangeiros foi responsável pelo acúmulo de reservas internacionais, pelo crescimento da oferta monetária e do crédito.

No gráfico 3.1 abaixo, verificamos que este processo de abertura financeira e de entrada de capitais, permitiu a recomposição de reservas internacionais pelo BCRA. Entre o final de 1989 e o início de 1994, as reservas internacionais praticamente triplicaram. A queda observada logo depois foi resultado da fuga de capitais provocada pela crise mexicana.

60

A Lei de Conversibilidade foi acompanhada por outras duas leis, a Lei de Emergência Econômica e a Lei de Reforma do Estado, responsáveis pelas reformas estruturais, foram comentadas no capítulo 2.

70 Gráfico 3.1 – Reservas Internacionais, janeiro/1988 a dezembro/1997

em

milhões

de

dólares,

Em milhões de dólares

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

/8 9 ja n/ 90 ju l/9 0 ja n/ 91 ju l/9 1 ja n/ 92 ju l/9 2 ja n/ 93 ju l/9 3 ja n/ 94 ju l/9 4 ja n/ 95 ju l/9 5 ja n/ 96 ju l/9 6 ja n/ 97 ju l/9 7

/8

9

ju l

ja n

ju l

ja n

/8

8 /8 8

-

Período

Fonte: Centro de Economía Internacional Disponível em: . Acesso em 11/11/04;

Podemos verificar na tabela 3.1 abaixo que, com a adoção do plano, alguns

indicadores

macroeconômicos

da

Argentina

melhoraram

substancialmente como o PIB, o investimento e a inflação, medida pelo IPC, enquanto a balança comercial começou a apresentar déficits preocupantes. A reversão destes indicadores aconteceu em 1995, como resultado da Crise Tequila ocorrida em dezembro de 1994 e cujos efeitos se prolongaram por todo o ano de 1995.

71 Tabela 3.1 – Principais indicadores macroeconômicos, 1988-1995

1988 PIB (%) (a)

1989

(1,9)

IPC (%) (a) Investimento (b)

(6,2)

1990

1991

1992

1993

1994

1995

0,1

8,9

8,7

6,0

7,1

(4,6)

343,0

3.079,5

2.314,0

171,7

24,9

10,6

4,2

3,4

19,5

15,7

14,2

16,3

19,6

21,1

23,2

20,5

0,4

1,3

0,4

(0,9)

0,3

0,9

Déficit fiscal (b)

nd

nd

Exportações (c)

9.133,0

9.579,0

12.353,0

11.978,0

12.235,0

13.098,0

15.839,0

20.893,0

Importações (c)

5.322,0

4.203,0

4.077,0

8.275,0

14.872,0

16.784,0

21.589,0

19.969,0

Balança comercial (c)

3.811,0

5.376,0

8.276,0

3.703,0

(2.637,0)

(3.686,0)

(5.750,0)

Conta Corrente (c)

1.041,0

1.781,0

6.431,0

992,0

(5.403,0)

(7.047,0)

(9.365,0)

6,5

8,1

8,6

6,9

Desemprego (%)

6,9

9,9

10,7

925,0 (2.399,0) 18,4

Notas: (a) variação em relação ao ano anterior; (b) como porcentagem do PIB (c) em US$ milhões nd = não disponível Fonte: Reproduzido de Gerchunoff e Torre (op. cit. , p. 758); elaborada pela autora;

Hopenhayn e Merighi (1998) analisando os movimentos de capitais para a Argentina no período 1991-94, concluem que os fatores de expulsão, ou externos (push), foram mais relevantes que os de atração, ou internos (pull), para explicar o comportamento destes fluxos61. Os autores defendem que as variações nas taxas de juros americanas, com conseqüentes oscilações nas rentabilidades de seus ativos financeiros, condicionaram as entradas e as fugas de capitais observadas no período estudado62.

Chudnovsky, López e Porta (1995) estudando o investimento estrangeiro direto na Argentina comentam que este tipo de recurso se reativou a partir de 1988 devido aos programas de conversão de dívida externa. Os autores destacam quatro fatores que contribuíram no início da década de 1990 para a sua atração: as reformas estruturais, a estabilidade de preços combinada com alto crescimento, a renegociação da dívida externa e a legislação que liberou os investimentos estrangeiros. 61

Neste trabalho, Hopenhayn e Merighi (1998, p. 108-9) apresentam e discutem estes fatores internos e externos. 62 Os autores aplicam um modelo econométrico para medir a relação entre as taxas de juros americanas e o movimento de capitais externos na Argentina e concluem que as “variáveis financeiras que refletem o ciclo econômico dos Estados Unidos explicam 64% das flutuações”. (Hopenhayn e Merighi, 1998, p. 115)

72 De acordo com estes autores, o rápido programa de reformas estruturais, em particular o de privatizações, foi um forte elemento de atração. A intenção do governo argentino em atrair este tipo de investimento era a ampliação do mercado de capitais doméstico, o aumento da poupança externa e da oferta de divisas. Dessa forma, eliminou-se qualquer tipo de restrição à entrada e aplicação de capital externo o qual teve seu tratamento equiparado ao capital nacional.

Chudnovsky, López e Porta (1995, p. 38) ressaltam que mais de 60% do investimento em setores privatizados tiveram origem externa e se concentraram em serviços nontradables, mais do que em empresas com atividades produtivas ou extrativas.

Na tabela 3.2 abaixo apresentamos a participação das privatizações no fluxo total de investimento estrangeiro direto. Verifica-se que nos três primeiros anos, ela corresponde a mais de 50% do total.

Tabela 3.2 – Participação das privatizações no fluxo total de investimento estrangeiro direto (IED), em milhões de dólares, 1990-1999 1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

6.848 13.091

Total

Fluxo total de IED

1.553

828

4.432

2.791

3.637

5.610

6.951

9.155

Privatizações (IED)

1.174

460

2.344

935

136

1.114

580

892

334

4.192

12.162

Setor Público Nacional

1.174

460

2.332

935

102

1.060

267

-

-

3.011

9.341

34

54

313

892

334

1.181

2.821

Setor Público Local

-

-

12

-

54.896

Privatizações (IED)/Fluxo total (%) Total

76

56

53

33

4

20

2.727

1.288

5.496

3.726

3.773

6.724

8

10

7.531 10.047

5

32

22

7.182 17.283

23.849

Fonte: Argentina, Ministério da Economia, El processo de privatizaciones emla Argentina desde uma perspectiva del balance de pagos, s/d, p. 23; Disponível em: http://www.mecon.gov.ar/cuentas/internacionales/documentos/privatizaciones.doc Acesso em12/10/05

O governo argentino aceitou títulos da dívida externa como pagamento da privatização de grandes empresas de serviços públicos. A

73 redução do risco-país63 e a aquisição de um mercado cativo explorado em condições de monopólio foram os maiores estímulos aos investidores estrangeiros. Os novos donos adquiriram a maioria das empresas sem os seus passivos, que ficaram a cargo do Estado, mas com ativos físicos relevantes. Gerchunoff e Torre (1996, p. 740) resumem esta situação:

“... ante a asfixia financeira do setor público, a privatização dos monopólios de serviços públicos tinha a vantagem de aumentar a arrecadação de fundos líquidos ou o cancelamento de títulos da dívida.”

Pela tabela 3.3 abaixo, observa-se que aproximadamente, 20% dos pagamentos das privatizações, no período 1990-94, foram efetuados com títulos da dívida.

Tabela 3.3 – Privatizações: modalidade de pagamento, em milhões de dólares, 1990-1999 1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

Total

1.787

1.963

5.478

4.496

849

1.319

291

1

83

3.156

19.422

Em espécie

611

1.943

2.972

2.851

783

1.319

291

1

83

3.156

14.009

Títulos da dívida

886

20

2.198

1.521

29

-

-

-

-

-

4.654

Fideicomissos a)

-

-

308

124

37

-

-

-

-

-

469

Outras

290

-

-

-

-

-

-

-

-

-

290

-

-

19

960

74

91

445

1.219

439

1.181

4.427

Em espécie

-

-

19

960

74

73

445

1.219

439

1.181

4.410

Fideicomissos

-

-

-

-

-

18

-

1.787

1.963

5.496

5.456

Nacional

Provincial

Total

923

1.410

736

1.220

522

4.337

18 23.849

Nota: a) De acordo como art. 1º da Lei 24.441: "haverá fideicomisso quando uma pessoa (fiduciante) transmitir a propriedade fiduciária de bens determinados a outra (fiduciário), que se obriga a exercê-la em benefício de quem se designe no contrato (beneficiário), e a transmiti-lo ao cumprimento de um prazo ou condição ao fiduciante, ao beneficiário ou ao fideicomissário" [tradução nossa] Fonte: Argentina, Ministério da Economia, El processo de privatizaciones em la Argentina desde uma perspectiva del balance de pagos, s/d, p. 8; Disponível em: http://www.mecon.gov.ar/cuentas/internacionales/documentos/privatizaciones.doc Acesso em 12/10/05

63

De acordo com Canuto e Santos (2003, p. 16) o risco-país se refere “ao risco de inadimplência dos demais credores residentes em um país associado a fatores que podem estar sob o controle do governo, mas não estão sob o controle das empresas privadas ou dos indivíduos”, como o risco de conversibilidade ou de transferência de divisas decorrentes dos controles de capital adotados pelas autoridades governamentais. Desta forma o risco-país diz respeito a todos os ativos financeiros do país. O risco soberano está relacionado com a capacidade e disposição de pagar dos governos. Para estas definições ver também Damill e Kampel (1999).

74 Para Gerchunoff e Canovas (1995, p. 485), o processo de privatizações foi muito mais um instrumento de estabilização macroeconômica do que um instrumento direcionado a aumentar a produtividade da economia no longo prazo.

Estes autores defendem também que a entrada de capitais causada pela privatização de empresas públicas contribuiu para a apreciação real do câmbio. O cancelamento de dívida externa efetuada com a transferência de ativos públicos constituiu um efeito favorável sobre a solvência do Estado que encorajou a entrada de recursos externos.

Quando ela ocorreu mediante a entrada em espécie (de acordo com a tabela 3.3 aproximadamente, 77%) e foi utilizada para cobrir desequilíbrios fiscais, seguiu-se uma expansão monetária e creditícia que gerou a valorização cambial. Os autores acrescentam também que, em 1992-93, as privatizações direcionadas para o cancelamento de dívida interna pública também alimentaram a valorização.

Dessa forma, a entrada de capital estrangeiro seja sob a forma de investimento estrangeiro direto, seja através das privatizações ou até mesmo da repatriação da poupança dos argentinos, que se encontrava no exterior, e retornou devido à falta de liquidez representada pelo confisco do Plano Bonex, geraram uma supervalorização do câmbio real.

Frenkel e Rozada (1999, p. 7) observam que após a fixação do tipo de câmbio persistiu uma inércia inflacionária devido à existência de mecanismos

indexatórios

de

preços

e

salários.

Apesar

da

Lei

de

Conversibilidade ter proibido e eliminado qualquer tipo de indexação de preços, salários e impostos. A convergência do índice de preços ao consumidor ao nível da taxa de inflação internacional durou cerca de 3 anos, enquanto que os preços dos bens tradables convergiram de forma praticamente instantânea. Os autores afirmam que: “...os preços internacionais foram uma restrição operacional sobre os preços locais desde o primeiro momento do programa.”

75 Calcagno (2001, p.2) atenta também para o fato que houve um desequilíbrio entre os preços relativos dos bens tradables e dos bens nontradables e os serviços. O autor ressalta que quando ocorreu a fixação do câmbio em abril de 1991, os preços dos produtos industriais, que são na sua maioria tradables, já estavam defasados em relação aos demais. Isto provocou uma deterioração da competitividade da economia.

Heymann (2000, p. 33) argumenta que esta defasagem entre os preços dos bens não permitiu que as taxas de inflação na Argentina convergissem rapidamente em direção às taxas de inflação internacionais provocando uma apreciação real significativa do câmbio.

Este autor destaca também que esta lenta convergência foi resultado de dois fatores: as expectativas em relação a uma estabilização plena e rápida não haviam sido incorporadas pelos agentes no início do plano e a evolução do gasto agregado, cujo volume de vendas de produtos nontradables se ampliou fortemente, acompanhando o aumento dos seus preços relativos. Nas palavras do autor:

“... ao longo da fase expansionista que abrangeu até 1994 os preços parecem ter respondido mais aos sinais de mercado tal como iam sendo observados, e não tanto à influência adiada das condutas inflacionárias prévias.”

Gerchunoff e Machinea (1995) observam que o processo de privatizações foi acompanhado por um reajuste contínuo das tarifas de serviços públicos desde o princípio de 1990, configurando “um sistema de preços relativos e um ranking de rentabilidades relativas a favor dos serviços e dos bens não comercializáveis e desfavorável à agricultura e à indústria” (p. 58).

A redução da inflação foi acompanhada por uma forte expansão da demanda

agregada,

principalmente,

do

consumo

e

do

investimento,

financiados por empréstimos bancários. A ampliação do crédito ocorreu como

76 resultado da entrada de capital estrangeiro que possibilitou a remonetização da economia.

Fanelli e Frenkel (1997, p. 2) afirmam que nos primeiros quatro anos do plano, a demanda doméstica cresceu 60% e o produto, 40%, enquanto que a

oferta

monetária,

os

depósitos

bancários

e

o

crédito

doméstico

quintuplicaram.

Gerchunoff e Machinea (1995) afirmam que o governo argentino adotou uma postura passiva frente à entrada de capitais, com isso ocorreu a rápida reconstrução de um sistema de crédito que financiou a demanda por bens de consumo duráveis e, posteriormente, a compra de bens de capital. As taxas de juros domésticas se reduziram como reflexo da queda nas taxas de juros internacionais, além disso, o governo manteve, ao final de 1992 e início de 1993, medidas para a expansão do crédito, como a redução das reservas bancárias.

A combinação de câmbio real apreciado, abertura comercial e estabilidade causou um rápido crescimento no volume das importações que não foi acompanhada pelas exportações gerando um déficit na balança comercial. (tabela 3.1)

Rozenwurcel

(1994,

p.

1)

enfatiza

que

as

exportações

permaneceram estagnadas e a conta corrente que havia apresentado um superávit em 1990, começou a registrar déficits a partir de 1991. Conforme dados de Fanelli e Frenkel (1997, p. 5) entre 1990-94 o volume das importações foi sextuplicado.

No entanto, a política de livre mobilidade de capitais adotada possibilitou que estes déficits comerciais fossem financiados por superávits na conta de capital. Quanto à composição destes gastos, Fanelli (1998) argumenta que: “...a ampliação do desequilíbrio na conta corrente se deveu à expansão do déficit do setor privado, o desequilíbrio externo tendeu a correlacionar-se com a evolução do gasto deste setor”. (p. 15)

77 Quanto à abertura comercial, conforme Gerchunoff e Machinea (1995, p. 57):

“...contribuiria para o combate à inflação, disciplinando os produtores de bens comercializáveis – que por muitas décadas haviam sido formadores dos preços nos mercados oligopólicos – e da mesma forma que as privatizações, aumentaria a eficiência econômica.”

Este

programa

de

abertura

comercial

eliminou

restrições

quantitativas sobre as importações, redução de tarifas e eliminação de tributos sobre as exportações64. Cumpre lembrar que, no início da década de 1990, a integração regional promovida pelo Mercosul também definia a eliminação de barreiras e a redução de tributos sobre o comércio exterior entre os países do bloco65.

Os efeitos da estrutura de preços relativos desequilibrados somados à rápida abertura comercial podem ser resumidos nas palavras de Fanelli e Frenkel (1997, p. 7):

“O efeito substituição sobre atividades de exportação e os efeitos das importações baratas sobre a produção local de bens tradables produziram mais destruição dos ativos produtivos existentes e mais desemprego do que o necessário. Este fato afetou negativamente a distribuição de renda regional e setorial. Devido ao fato que a destruição de firmas e do capital físico e humano tende a ser irreversível, os efeitos sobre a distribuição de renda e emprego são persistentes. Sob estas circunstâncias, os ganhos de eficiência ao nível ‘micro’ gerado pela liberalização comercial podem ser mais do que compensados pelas perdas induzidas pelo desequilíbrio ‘macro’...”

Conforme

estes

autores,

para

sobreviver

a

este

ambiente

extremamente competitivo, as firmas domésticas adotaram estratégias de redução de custos, buscando maior eficiência com a especialização da produção, o uso de insumos importados, ajustes na organização da produção 64

De acordo com Fanelli e Frenkel (1997, p. 5), as mudanças nas tarifas foram introduzidas acompanhando a evolução da taxa de câmbio real e o déficit no balanço comercial. 65 O Mercosul, no início da década de 1990, era composto pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

78 tornando-a mais intensiva em tecnologia em detrimento do uso da mão-deobra. Em 1993, a produção manufatureira foi 20% maior do que a média da produção da segunda metade dos anos 1980, porém, o emprego neste setor caiu 16% no mesmo período considerado.

No que tange à questão fiscal, Cetrángolo et alli (1997, p. 7) nos lembra que a queda das taxas de juros internacionais no início da década de 1990, reduziu o volume de juros devidos sobre a dívida pública e a valorização cambial diminuiu o valor real destes fluxos. Em relação às receitas, verificou-se o efeito Oliveira-Tanzi, ou seja, a redução da inflação interrompeu o processo de corrosão dos valores, além disso, a retomada do crescimento nas vendas e no nível de atividades expandiram a arrecadação, que estava concentrada sobre impostos sobre o consumo e sobre os lucros.

Na tabela 3.4 abaixo apresentamos dados do setor público não financeiro:

Tabela 3.4 – Setor público não-financeiro, em porcentagem sobre o PIB, 1988-1995 1988 Receitas correntes

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

13,4

13,8

13,3

15,8

17,9

17,3

17,0

17,0

11,8

12,9

12,2

14,6

16,8

16,0

15,8

16,0

Não tributárias

1,6

0,9

1,1

1,1

1,1

1,3

1,2

1,0

Gastos correntes

14,9

16,9

14,2

15,8

17,6

16,7

18,1

19,4

Recursos de capital

0,1

0,2

0,5

1,0

1,0

1,2

0,4

0,7

Gastos de capital

4,2

3,2

2,3

1,3

1,0

1,0

0,5

0,4

Remanescentes de exercícios anteriores

0,1

0,2

0,4

Déficit global

5,6

6,1

2,8

0,2

(0,7)

(0,8)

1,3

2,2

Déficit sem privatizações

5,6

6,3

3,2

0,9

0,2

(0,6)

1,5

2,6

Déficit primário

3,3

2,6

1,4

(1,0)

(2,5)

(1,9)

0,1

0,6

Tributárias

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

Fonte: Reproduzido de Cetrángolo et alli (1997, p. 8); elaborado pela autora;

Como parte da reforma fiscal, o governo descentralizou os gastos públicos transferindo-os para a esfera provincial e municipal, adotou um

79 processo de reforma administrativa com a aposentadoria voluntária de servidores públicos e a recomposição salarial. (Cetrángolo et alli , 1997)

Cumpre lembrar que a reforma tributária adotada pelo governo Menem intencionava a diminuição dos custos de produtos, principalmente dos tradables. Muitos tributos foram eliminados ou tiveram suas alíquotas reduzidas. A estrutura tributária concentrou-se basicamente no imposto sobre o valor agregado (IVA) e no imposto sobre os lucros que tiveram as suas bases e alíquotas elevadas. (Cetrángolo et alli , 1997)

As autoridades também tomaram medidas para aumentar a eficiência da administração tributária e reduzir a evasão fiscal, como a difusão do sistema de faturamento de vendas, o regime penal tributário, e um esquema de pagamento em conta que facilitou o controle e melhorou a arrecadação. (Cetrángolo et alli , 1997)

A partir do terceiro trimestre de 1994, antes mesmo do estopim da Crise Tequila, as contas públicas começaram a apresentar resultados negativos. Cetrángolo et alli (1997) destacam duas medidas de política econômica que geraram perda de receitas: a redução da carga tributária sobre os setores produtores de bens tradables e a reforma da previdência.

No primeiro caso, o governo estando impossibilitado de alterar a taxa de câmbio no intuito de reduzir o efeito da apreciação cambial sobre a rentabilidade dos setores exportadores, decidiu reduzir a carga tributária sobre eles, combinada com o restabelecimento de reembolsos à exportação66. A medida mais importante, conforme Cetrángolo et alli (1997, p. 9) foi a diminuição das contribuições patronais que financiavam a seguridade social.

No segundo caso, a reforma previdenciária, constituiu-se da adoção de um sistema de capitalização privado, mas que coexistia com o antigo sistema de repartição estatal. O sistema antigo perdeu uma parte significativa 66

Gerchunoff e Machinea (1995, p. 60) denominam estas medidas como “desvalorização fiscal”.

80 das receitas daqueles contribuintes que se transferiram para o novo, em contrapartida, não se verificou a redução no pagamento das pensões efetuadas pelo sistema público. Este problema seria um dos responsáveis pelo déficit público que se verificaria até o final da conversibilidade.

No que se refere ao nível de poupança doméstica e de investimento, Fanelli e Frenkel (1997, p 10) argumentam que o governo argentino acreditava que estes indicadores se elevariam como resultado das reformas estruturais. A poupança privada seria estimulada mediante a eliminação da repressão financeira, enquanto que a poupança pública se elevaria como conseqüência da queda do déficit fiscal resultante da privatização e da reforma administrativa.

No entanto, isto não se verificou. A taxa média de poupança do período 1991-95 foi inferior à taxa média da segunda metade dos anos 1980. Os autores concluem que o investimento no início da década de 1990 foi financiado por poupança externa representada por fundos estrangeiros.

Tabela 3.5 – Taxas anuais médias de Poupança e Investimento, 1980-1995 Período

1981-85

1986-90

1991-95

24,8

18,6

14,0

1990

1991

1992

1993

1994

1995

Poupança Privada

17,8

14,5

12,4

12,8

14,8

15,1

Governo

(6,7)

(3,8)

(0,1)

(2,6)

(1,7)

0,0

1,2

0,2

Total Nacional

18,1

14,8

13,9

15,2

12,8

12,4

14,0

15,0

15,1

2,2

1,5

3,5

(2,0)

1,5

3,9

4,3

5,2

2,6

14,9

11,7

15,6

10,1

12,2

14,5

16,3

18,5

16,3

Estrangeira

0,0

Investimento Privada Governo

5,4

4,6

1,8

3,1

2,1

1,8

2,0

1,7

1,4

Total Nacional

20,3

16,3

17,4

13,2

14,3

16,3

18,3

20,2

17,7

Nota: taxas médias anuais como porcentagem do PIB a preços correntes Fonte: Reproduzido de Fanelli e Frenkel (op. cit , p. 19); elaborada pela autora

Quanto ao investimento, Fanelli e Frenkel (1997) ressaltam que a liberalização comercial fez com que uma parte dos investimentos se reorientasse para o setor de bens tradables, porém, apesar do seu crescimento, os autores afirmam que o principal determinante do investimento continuou sendo a demanda agregada interna.

81 Em suma, a adoção do Plano de Conversibilidade, bem como, o seu sucesso inicial foi condicionado à existência de um meio ambiente favorável tanto interno, quanto externamente, respectivamente, as reformas estruturais, em especial, as privatizações e a redução nas taxas de juros internacionais, que estimularam a busca de maiores rentabilidades em países emergentes. A entrada de capitais foi essencial ao sucesso do plano e, mais do que isso, condicionou a trajetória da economia. A rapidez na adoção das medidas dificultou a adequação da economia real ao novo ambiente de liberalização comercial. A supervalorização do câmbio e o desequilíbrio nos preços relativos estimularam

as

importações

e

desencorajaram

as

exportações.

As

privatizações, o fechamento de diversas empresas nacionais, bem como a sua reestruturação, provocaram desemprego. As contas públicas que no início do plano foram beneficiadas com a expansão da demanda agregada e com a entrada de capitais direcionados às privatizações se deterioraram com a reforma da seguridade social e com a redução nas receitas fiscais. Assim, quando as taxas de juros americanas se elevaram e os capitais externos migraram para os países industrializados, a economia argentina já apresentava sérias debilidades que foram intensificadas pela crise Tequila.

3.1.1 – Características gerais do sistema bancário argentino no início da década de 1990 O sistema financeiro argentino na ocasião da posse do Presidente Carlos Menem encontrava-se desmonetizado67, experimentando um processo de dolarização informal, resultado do período de alta inflação e dos surtos hiperinflacionários ocorridos em 1989-90.

Esta situação verificada no início do governo Menem, na verdade, foi resultado do desequilíbrio externo gerado pela crise da dívida ocorrida na década de 1980. Este episódio representou para a Argentina um período de

67

García (1990, p. 43) prefere se referir a este processo como “desaustralização” ao invés de desmonetização. O autor explica que os recursos monetários existiam e cumpriam as funções de moeda, entretanto, estavam em moeda estrangeira.

82 forte restrição ao crédito internacional e pesados encargos com a dívida externa.

De acordo com Rozenwurcel e Fernández (1994a, p. 41) este foi um dos fatores que originou o que eles denominam de “desequilíbrio financeiro básico da economia argentina nos anos oitenta”, o outro fator foi a reduzida oferta de fundos emprestáveis por parte do setor privado, resultante da renda disponível declinante e da dolarização dos ativos.

O financiamento do governo provinha de recursos fornecidos por organismos multilaterais, pelo acúmulo de atrasados no pagamento de juros da dívida externa, bem como do setor privado. Além disso:

“As dificuldades para encontrar financiamento voluntário em um contexto de queda do superávit privado e racionamento do crédito externo fizeram com que o setor público se visse obrigado a fazer uso sistemático da seigniorage para financiar seus desequilíbrios orçamentários.” (Rozenwurcel e Fernández, 1994a, p. 43)

As altas taxas de inflação no período reduziram a demanda doméstica por ativos internos. “O processo de desmonetização e a hysteresis68 que pareceu acompanhá-lo não foram senão a outra face de uma crescente dolarização da economia” [grifo no original]. A relação crédito/produto se reduziu, o crédito bancário total sofreu uma forte queda, de um valor acima de 35% do PIB em 1983 para um valor menor do que 20% ao final da década passada. (Rozenwurcel e Fernández, 1994a, p. 46)

O aumento do déficit fiscal e a redução no superávit privado foram outros fatores apontados pelos autores como responsáveis pela redução da poupança nacional.

68

Guidotti e Rodríguez (1991, apud Gomis-Porqueras, Serrano e Somuano, 2000, p. 5) ao analisar o processo de dolarização na América Latina, concluem que este é caracterizado pela hysteresis, isto é, uma vez que os residentes domésticos substituem parte dos seus saldos monetários por dólares, é muito custoso retornar à moeda local, mesmo depois que a inflação declina.

83 Dessa forma, face ao exposto, Rozenwurcel e Fernández (1994a) destacam que para resolver este desequilíbrio e fortalecer o sistema financeiro argentino fazia-se necessário três procedimentos: um ajuste fiscal sustentável, a remonetização e a normalização das relações do país com os credores internacionais.

Canavese

(1992,

p.

189-190)

nos

recorda

que,

desde

a

implementação do Plano Austral o governo argentino vinha incorrendo em dívida compulsória com o sistema bancário. O BCRA financiava os gastos do Tesouro mediante a emissão de moeda, simultaneamente, elevava os requerimentos de reserva compulsória sobre os depósitos bancários com o intuito de esterilizar esta emissão.

Canavese (1992) explica que este aumento nos requerimentos de reserva reduzia a capacidade dos bancos em conceder empréstimos diminuindo a sua lucratividade. Desta forma, para manter os bancos trabalhando, o BCRA remunerava as reservas compulsórias, principal fonte geradora dos seus déficits quase-fiscais. De acordo com Canavese (1992, p. 194):

“A reforma monetária efetuada através do Plano Bonex colocou a economia à beira da completa dolarização e tornou a entrada em um esquema de conversibilidade inevitável [...] mas a mesma reforma tornou possível equilibrar as contas fiscais por uma rápida redução nos juros devidos sobre a dívida pública em um prazo muito curto.”

O Plano Bonex representou também a eliminação dos déficits quase-fiscais representados pela remuneração dos encaixes bancários. Como já mencionado o governo Menem em paralelo ao lançamento do Plano de Conversibilidade também efetuou as reformas fiscal e tributária que reduziram o déficit fiscal.

Fanelli e Damill (1993, p. 2) argumentam que as reformas implementadas intencionavam “instaurar um clima de investimento que fizesse

84 viável um processo de crescimento sustentado”. Segundo estes autores, o governo possuía quatro prioridades: atrair o investimento estrangeiro direto, gerar uma maior corrente de financiamento externo, promover a repatriação de capitais e desenvolver o mercado de capitais doméstico.

O governo argentino partindo do princípio que a livre mobilidade de capitais era um fenômeno irreversível, tomou medidas para desregulamentar o mercado de câmbio e de capitais. Fanelli e Damill (1993, p. 37-8) argumentam que o governo além de extinguir qualquer tipo de tratamento diferencial entre os capitais nacionais e estrangeiros também eliminou qualquer tipo de registro das operações. Assim, além da Lei de Conversibilidade e da Carta Orgânica do BCRA, foram aprovadas as seguintes medidas69:

O Decreto de Desregulamentação n. 2.284 de novembro de 1991 objetivava reduzir os custos de intermediação eliminando impostos à transferência de títulos e valores, o imposto ao selo sobre as operações efetuadas em bolsas de valores e se liberaram as comissões de intermediação dos agentes neste mercado.

A Lei 23.962 sancionada em julho de 1991 permitiu à Comissão Nacional de Valores introduzir uma série de regulamentações para estimular o acesso das novas empresas à bolsa de valores, com a finalidade de atrair tanto poupança externa quanto doméstica, e a emissão de obrigações negociáveis e commercial papers70. A Lei de Anistia Fiscal71, n. 24.073 de abril de 1992, pretendia suprimir travas fiscais que dificultavam a repatriação de capitais que fugiram do país. Estabeleceu um regime especial para a declaração de bens e ativos no exterior e para a regularização da posse de ativos em moeda estrangeira no país. 69

A Lei de Reforma do Estado e a Lei de Emergência Econômica, sancionadas em 1989, foram comentadas no capítulo anterior. 70 Segundo Fanelli e Damill (1993, p. 6), os commercial papers são obrigações negociáveis de curto prazo. 71 Em espanhol esta lei é denominada como Ley de Olvido Fiscal

85 A desmonetização da economia argentina foi revertida mediante a criação de um segmento dolarizado. Como já mencionado, foram tomadas medidas que estimularam a captação de depósitos e a concessão de empréstimos em moeda estrangeira (Comunicação “A” 1493 de 20/07/89 e Comunicação “A” 1820 de 27/03/91). O mercado de câmbio foi totalmente liberado impulsionando ainda mais a criação dos “argendólares” (Comunicação “A” 1589 de 18/12/89 e Comunicação “A” 1822 de 08/04/91).

Rozenwurcel e Fernández (1994a, p. 49) acrescentam que “o maior acesso dos bancos argentinos ao mercado internacional de capitais também foi um fator importante que operou no mesmo sentido”,

qual

seja,

a

reversão

da

desmonetização. Segundo estes autores:

“a poupança privada tem permanecido praticamente estancada, por que a fonte praticamente exclusiva do processo de remonetização tem sido o refluxo de capitais do exterior [...] as privatizações vêm vindo operando como um importante fator autônomo de atração de capitais para o país” (p. 51)

O crescimento do segmento em dólares não era visto como algo prejudicial pelas autoridades monetárias. Acreditavam que isto fortaleceria a credibilidade na política cambial, uma vez que mudanças no portfólio a favor de ativos em dólares não implicavam necessariamente numa redução dos depósitos totais do sistema bancário.

Na tabela 3.6 abaixo podemos verificar o rápido processo de remonetização

da

economia

argentina

promovido

pelo

Plano

de

Conversibilidade e, principalmente, a importância representada pelos depósitos em dólares neste processo.

86 Tabela 3.6 – Principais agregados monetários, em porcentagem sobre o PIB, 1990-1996 1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

M1

1,9

1,9

3,4

4,6

5,5

6,2

6,7

M2

2,9

5,1

6,4

7,8

8,1

7,9

8,6

M3

3,8

6,8

9,0

11,3

11,5

10,5

11,5

M3*

4,5

10,2

13,8

18,3

19,7

18,6

20,8

Nota: M3 * inclui os depósitos em dólares no sistema financeiro doméstico; dados de dezembro de cada ano; Fonte: Reproduzido de Fanelli (1998, p. 41); elaborado pela autora;

Dessa forma, de acordo com Fanelli (1998, p.41), em dezembro de 1991, M1 equivalia a apenas 1,9% do PIB, enquanto M3, que incluía os depósitos a prazo em poupança e em renda fixa, atingiu 6,8%, e se considerarmos, M3*, que inclui também todos os depósitos à vista e a prazo em dólares, este dado sobe para 10,2%. Em dezembro de 1996, com a recuperação pós-crise Tequila, estes dados, M1, M3 e M3*, se elevaram para 6,7%, 11,5% e 20,8%, respectivamente.

Fanelli e Damill (1993, p. 41) atentam para o risco associado com a fragilidade financeira que este estímulo à dolarização criou. Os bancos estavam dando créditos de longo prazo em dólares, enquanto recebiam depósitos em dólares (argendólares) com prazos inferiores a 90 dias, configurando a geração de um descasamento de prazos.

Os autores também destacam que 77,5% dos recursos foram utilizados para financiar, além de créditos hipotecários, créditos pessoais e empresas cuja produção estava destinada ao mercado interno. Assim, existia um risco cambial, tendo em vista que, caso ocorresse uma desvalorização os tomadores de crédito teriam dificuldades para honrar seus compromissos. Fanelli e Pradelli (2002, p. 24) observam que esta situação fez com que existisse, então, uma interação entre risco cambial e creditício, uma vez que seus clientes possuíam rendas em pesos e dívidas em dólares.

87 Machinea (1996, p. 8) também identifica estas circunstâncias como sendo as principais fragilidades do sistema financeiro: 50% dos créditos em dólares foram alocados a setores produtores de bens nontradables e o curto prazo dos depósitos e dos créditos tanto em pesos quanto em dólares.

“...qualquer ‘perturbação’ no sistema financeiro poderia provocar uma redução dos depósitos em um breve período [...] os créditos a curto prazo não implicam que os mesmos possam ser recuperados em prazos breves num contexto de uma restrição generalizada de crédito” (Machinea, 1996, p. 9)

A tabela 3.7 abaixo nos apresenta os prazos médios praticados em agosto de 199272. Verificamos que os bancos públicos assumiam um maior risco de descasamento de prazos, de acordo com Rozenwurcel e Fernández (1994b) isto fazia com que concentrassem quase a metade da carteira ativa do sistema.

Tabela 3.7 – Prazos médios de operações bancárias, em dias, em agosto de 1992 M oeda n a c io n a l

M oeda e s tr a n g e ir a

D e p ó s it o s G e ra l

15

39

E m p ré s t im o s G e ra l

331

76

B a n c o s p ú b lic o s

700

200

B a n c o s p riv a d o s

50

60

N o ta : d a d o s d e a g o s to d e 1 9 9 2 ; F o n t e : R e p r o d u z i d o d e R o z e n w u r c e l e F e r n á n d e z ( 1 9 9 4 b , p . 2 1 - 2 2 ) ; e l a b o r a d o p e la a u t o r a

A expansão do crédito foi resultado do aumento dos depósitos e do reativamento das linhas de crédito externas. O fato gerador desta expansão foi a entrada de capitais estrangeiros. O crescimento do crédito ao consumo foi responsável pelo “boom” desta variável e pela conseqüente distorção dos preços relativos e pelo aparecimento do déficit em conta corrente. (Machinea, 1996, p. 8)

72

A literatura consultada não nos permite afirmar se estes prazos foram alongados no decorrer da Conversibilidade.

88 A fim de ilustrarmos a magnitude este processo, apresentamos dados de Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 8): no período entre março de 1991 e dezembro de 1994, os depósitos totais do setor privado cresceram 395%, enquanto que o crédito total cresceu, 330%.

Nos gráficos 3.2 e 3.3 abaixo observamos o comportamento dos créditos e dos depósitos em pesos e em dólares no período de dezembro de 1989 a dezembro de 2001. Em ambos os casos, antes mesmo da crise Tequila, mais precisamente no ano de 1993, os depósitos e os créditos em dólares já superavam os em pesos.

Gráfico 3.2 – Evolução dos Créditos bancários, em milhões de pesos Dezembro/1989 a Dezembro/2001

50.000

Em milhões de pesos

45.000 40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000

1 z/ 0 de

z/ 0

0

9 de

z/ 9 de

de

z/ 9

z/ 9

8

7

6 de

z/ 9 de

de

z/ 9

5

4 z/ 9 de

z/ 9

3

2 de

z/ 9

1 de

z/ 9 de

z/ 9 de

de

z/ 8

9

0

-

Período em pesos

em USD

Fonte: BCRA, Estadísticas Monetarias y Financieras, Balances consolidados del sistema financiero (serie mensual ). Disponível em . Acesso em 16/11/04; elaborado pela autora

89 Gráfico 3.3 – Evolução dos Depósitos bancários, em milhões de pesos, dezembro/1989 a dezembro/2001

60.000

Em milhões de pesos

50.000 40.000 30.000 20.000 10.000

dez/01

dez/00

dez/99

dez/98

dez/97

dez/96

dez/95

dez/94

dez/93

dez/92

dez/91

dez/90

dez/89

-

Período em pesos

em USD

Fonte: BCRA, Estadísticas Monetarias y Financieras, Balances consolidados del sistema financiero (serie mensual ). Disponível em . Acesso em 16/11/04; elaborado pela autora

De acordo com Rozenwurcel e Fernández (1994b, p. 37), em junho de 1993, 56% do total de créditos estavam em moeda estrangeira. Quanto aos depósitos, estes autores também salientam que, em março de 1993, o grupo dos vinte maiores bancos concentrava em moeda nacional e em moeda estrangeira, 67% e 69%, respectivamente. (p. 22)

Conforme Rozenwurcel e Fernández (1994b, p. 38), o aumento da oferta de crédito também foi acompanhado pelo crescimento na demanda, principalmente da expansão de operações para pessoas físicas. De acordo com os autores, em maio de 1993, os empréstimos pessoais somados aos hipotecarios y prendarios73 equivaliam a 28% do total de empréstimos.

73

De acordo com Rodríguez e Capece (2001, p. 83), “os empréstimos hipotecários y prendarios são os instrumentalizados mediante hipoteca ou prenda com registro ou desplazamiento, com ou sem notas promissórias.” (grifo nosso)

90 O restante destinou-se às empresas privadas e órgãos públicos, destacando-se os adelantos en cuenta corriente e os documentos a sola firma74 descontados y comprados , respectivamente 23,3% e 24% do total75. Os autores ressaltam que “... um quarto da carteira total das entidades e mais de um terço do crédito não pessoal se canaliza através dos adiantamentos em conta...” (Rozenwurcel e Fernández,1994b p. 38)

Em junho de 1993, os bancos públicos eram responsáveis por 47,1% do crédito total, enquanto os bancos privados locais, 28,3%, os bancos estrangeiros, 17,7% e os bancos cooperativos, 6,9%.

Rozenwurcel e Fernández (1994b, p. 23) comentam que, nesta data, os bancos oficiais exibiam um menor grau de dolarização e também apresentavam uma grande participação relativa entre os maiores bancos. No grupo dos cinco maiores bancos por volume de depósito, três são públicos: Banco Nación, Banco Província de Buenos Aires e o Banco Ciudad de Buenos Aires76.

As tabelas 3.8 e 3.9 abaixo nos apresentam a distribuição de depósitos em moeda estrangeira. Concentraram-se, nos 20 maiores bancos, principalmente, nos bancos privados e nos estrangeiros.

74

O adelanto en cuenta corriente é uma modalidade de crédito onde os fundos são creditados em conta. Os documentos a sola firma é uma modalidade de desconto, “um empréstimo bancário com juro documentado, pois aqui não há cessão de direitos (não existe um terceiro, devedor principal)”. (Rodríguez e Capece, 2001, p. 82-84) 75 Segundo Rozenwurcel e Fernández (1994b, p 38) os adiantamentos em conta são uma modalidade de financiamento que pode ser exigível em um prazo bem curto pelas instituições que os concederam de acordo com as condições de liquidez existentes. 76 Rozenwurcel e Fernández (1994b, p. 23) não citam os nomes das outras instituições constantes neste grupo.

91 Tabela 3.8 – Participação dos maiores grupos no total de depósitos do sistema bancário por tipo de moeda, em porcentagem sobre o total, 19901993 1990 a/

mar/92

mar/93

5 maiores

moeda moeda moeda moeda nacional estrangeira nacional estrangeira 41,2 39,3 28,9 43,5 32,2

10 maiores

54,1

53,0

47,5

55,5

49,4

20 maiores

67,8

67,9

67,6

69,3

67,3

Outros

32,2

32,1

32,4

30,7

32,8

grupo

Nota: a/ os autores não especificam qual a moeda destes dados; Fonte: Rozenwurcel e Fernández (1994b, p. 91)

Tabela 3.9 – Distribuição dos depósitos em moeda estrangeira por tipo de instituição, em porcentagem sobre o total, outubro/1990 a junho/1993 out/90 dez/90 abr/91 dez/91 fev/92 ago/92 dez/92 jun/93 Bancos Públicos Nacionais Provinciais e Municipais

20,19 10,80

20,58 10,85

30,04 18,06

36,59 24,38

36,76 23,09

33,51 25,20

31,52 26,12

34,07 24,08

Privados Capital Federal Interior Estrangeiros

48,67 37,83 61,48

46,77 35,24 60,40

59,10 50,94 72,50

59,36 51,35 69,00

59,52 50,12 66,95

59,96 48,72 62,09

56,16 48,09 63,22

57,22 48,05 64,90

Instituições não bancárias

26,99

30,67

44,81

74,38

71,77

70,22

66,57

35,09

Total do sistema

34,08

34,10

45,56

48,10

47,57

46,40

44,98

46,11

Fonte: Rozenwurcel e Fernández (1994b, p. 91-92)

No que tange à sua estrutura, o sistema financeiro argentino, no início da década de 1990, estava sobredimensionado77. Conforme Rozenwurcel e Fernández (1994a, p. 55-57), possuía um número elevado de entidades e sucursais, perfazendo um índice aproximado de 8.000 habitantes por agência. Um nível, que os autores consideram equiparável ao dos países desenvolvidos, mas inconsistente com o grau de monetização apresentado pelo país. 77

Os autores, inclusive, comentam que este sobredimensionamento é “um fenômeno de longa data reforçado pela Reforma Financeira de 1977”, e que ainda podia ser observado nos primeiros anos da Conversibilidade. (Rozenwurcel e Fernández, 1994b, p. 57)

92 Fanelli e Pradelli (2002, p. 22) dizem que a utilização de serviços bancários aumentou sensivelmente, mas permaneceu abaixo de parâmetros internacionais. O sistema de pagamentos administrado pelos bancos se sustentava fundamentalmente nas contas de depósitos a vista.

Os bancos comerciais na Argentina, com a reforma de 1977, podiam desenvolver operações próprias de bancos universais. De acordo com Rozenwurcel e Fernández (1994b, p. 20), esta legislação permitiu uma forte expansão destes bancos pois eles também podiam efetuar operações próprias de bancos de investimentos e hipotecários.

Estes bancos além da captação e aplicação de recursos, realizavam operações de mercado de capitais, de comércio exterior e câmbio, seguros e turismo, financiamento e venda de imóveis, serviços de engenharia financeira e avaliação de projetos além de, fusões e aquisições.

As

entidades

financeiras

não

bancárias

compreendem:

as

companhias financeiras e de investimento, as sociedades de poupança e empréstimos para a habitação e as caixas de crédito.

De acordo com Damill, Salvatore e Simpson (2003) o sistema financeiro argentino apresentou a seguinte evolução entre 1981-2001:

93 Tabela 3.10 – Evolução do sistema financeiro argentino por número e tipo de instituições, 1981-2001 1981

1991

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

35

35

33

33

21

21

16

16

14

13

Bancos Públicos Nacionais Provinciais e Municipais Privados

4

6

6

4

3

3

3

2

2

2

31

29

27

29

18

18

13

14

12

11

179

101

104

71

98

92

86

76

75

73

Capital Nacional

nd

57

66

59

53

52

43

36

34

32

Cooperativos

nd

44

38

12

Capital Estrangeiro Sucursais Total de Bancos Instituições não bancárias

27

31

31

31

214

136

137

104

255

Total de Instituições Financeiras

469

47 183

37 174

6

6

4

2

2

2

23

18

22

21

21

21

16

16

17

17

18

18

119

113

102

92

89

86

31 135

26 145

25 138

23 125

24 116

21 110

22 108

Nota: nd = não dsiponível Fonte: Reproduzido de Damill, Salvatore e Simpson, (2003, p. 98); elaborado pela autora; Disponível em: . Acesso em 18/10/04;

Conforme Rozenwurcel e Fernández (1994b, p. 21), em meados de 1993, os bancos eram responsáveis por 99,5% das agências, sendo que 44% eram de bancos públicos. Entre as entidades privadas, os bancos nacionais controlavam 55% do total de sucursais. Dentro do segmento de bancos mayoristas78, os bancos estrangeiros operavam 9% do total. Os bancos concentravam 98,5% do total de créditos e depósitos, dentre estes, os bancos públicos

captavam

44,9%

dos

depósitos

e

outorgavam

47,1%

dos

empréstimos79.

Machinea (1996, p. 11) analisa a segmentação do mercado financeiro. De acordo com o autor, há diferenças visíveis entre os bancos 78

Conforme Rodríguez e Capece (2001, p. 52): bancos minoristas são aqueles que “podem realizar todas as operações ativas, passivas e de serviços que não lhes sejam proibidas pela lei ou a regulamentação. Enquadram-se na tipificação do art. 21 da LEF.” Bancos mayoristas, são aquelas entidades que “realizam as mesmas operações que os minoristas, mas só podem receber depósitos de ‘investidores qualificados’: governos e entidades do setor público, fundos comuns de investimento, fundos de pensão e instituições da lei 24.241, sociedades, associações e pessoas físicas que investem não menos do que $100.000 e pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no exterior.” Ambos são considerados como bancos comerciais. 79 Machinea (op. cit., p. 10) apresenta outros dados: os bancos oficiais são responsáveis por 43% dos depósitos e 55% dos créditos em 1991. em dezembro de 1994, estes valores se alteram para 39% e 42%, respectivamente.

94 minoristas pequenos e os bancos comerciais que atuavam em Buenos Aires, que por sua vez, diferem dos bancos estrangeiros. Os bancos pequenos apresentavam ativos e passivos com custos elevados, isto se devia ao fato dos mesmos possuírem um volume maior de seus depósitos em pesos (cujos custos são mais elevados), remuneravam os depósitos em pesos e em dólares a taxas maiores e tinham um acesso menor às linhas de crédito externas. Os bancos

pequenos,

segundo

o

autor,

também

apresentavam

custos

operacionais mais elevados e uma menor receita por serviços. Machinea (1996) conclui que estes fatores justificam as maiores margens de intermediação, que juntamente com os custos superiores de seus passivos, determinavam taxas ativas mais elevadas.

Quanto aos bancos estrangeiros, a sua entrada foi estimulada acreditando-se que isto fortaleceria o sistema e reduziria os riscos sistêmicos. Estas instituições seriam maiores, estavam crescendo mais rapidamente e possuíam um portfólio de melhor qualidade do que os bancos domésticos. (Banco Mundial, 1998, p. 27)

Durante o período hiperinflacionário, de acordo com García (1990), os bancos estrangeiros foram os que mais se beneficiaram, aumentando a sua participação no total de depósitos do sistema, entre dezembro de 1988 e setembro de 1989, em 4,78% (p. 44); enquanto que os bancos privados nacionais aumentaram apenas 1,24% e os bancos estatais federais e provinciais perderam participação, respectivamente, -0,33% e –2,8% (p. 46).

O autor acrescenta que os bancos estrangeiros tinham uma participação importante em operações de comércio exterior e câmbio, na negociação de títulos e capitalização de dívida externa. Estes bancos possuíam um grande volume de operações dolarizadas e se beneficiaram quando adquiriram dívida pública em títulos, também dolarizados.

Os bancos estrangeiros também operavam com empresas de grande porte e grandes empresas exportadoras. A liquidação das operações e a conversão das divisas em austrais que eram depositados nas contas

95 correntes destas empresas, representava uma expansão dos depósitos nos bancos com os quais operavam. García (1990) salienta também que o Banco de la Nación cresceu neste período por operar com grandes exportadores e produtores agropecuários.

Clarke et alli (1999, p. 9-10) estudando a entrada de bancos estrangeiros na Argentina no período pós-crise Tequila, também concorda que os bancos estrangeiros são maiores, apresentavam um melhor desempenho e uma carteira de melhor qualidade que os bancos domésticos. De acordo com os autores, os bancos estrangeiros focaram suas ações em áreas diferentes daquelas onde atuaram os bancos domésticos.

Enquanto estes deram preferência ao crédito de consumo, aqueles preferiram hipotecas e empréstimos à propriedade. Os bancos estrangeiros também direcionaram uma maior parte de seus recursos a setores manufatureiros e sub-setores de serviços públicos, e uma menor fração ao comércio varejista.

Clarke et alli (1999, p. 10) afirma que os bancos estrangeiros, no primeiro trimestre de 1995, concentraram a maior parte dos seus empréstimos, 95%, na capital federal, Buenos Aires, contra somente 55% dos bancos privados domésticos. Eles também se envolveram muito pouco com empréstimos ao setor público (0,1% dos bancos estrangeiros e 1,0% dos bancos domésticos privados).

Clarke et alli (1999) também salienta que durante o processo de fusões e aquisições que se seguiram após a crise Tequila, os bancos estrangeiros preferiram adquirir os bancos domésticos maiores, mais lucrativos e com carteiras de crédito de melhor qualidade que a média dos bancos domésticos privados80. (p. 8)

80

Entre o primeiro trimestre de 1995 e o segundo trimestre de 1997, somente um único banco estrangeiro pequeno entrou na Argentina. (Clarke et alli, 1999, p 8)

96 O declínio nos depósitos dos bancos públicos foi devido à privatização, mais do que a competição crescente com os bancos estrangeiros. Os bancos provinciais públicos não competiam tão diretamente com os bancos privados,

domésticos

ou

estrangeiros

quanto

os

bancos

provinciais

privatizados. (Clarke et alli, 1999, p. 7)

Clarke e Cull (1997, p. 7) declaram que na década de 1990, os bancos provinciais públicos apresentavam um desempenho inferior aos bancos domésticos privados e suas perdas incorreram em pesados custos fiscais sobre as províncias. A privatização dos bancos provinciais iniciou-se em 1991 quando o governo provincial de Corrientes aprovou uma lei que autorizava a privatização do Banco de Corrientes. Este processo se intensificou após a crise Tequila e com a constituição do Fundo Fiduciário de Desenvolvimento Provincial.

De acordo com o Banco Mundial (1998, p. 33), os bancos domésticos privados direcionavam o crédito à produção primária agrícola e à mineração, assim como ao comércio varejista, enquanto os bancos públicos e os privatizados concentravam o seu crédito em serviços governamentais. Somente 38% dos créditos públicos direcionados à produção primária podem ser avaliados como normais81, sugerindo que os bancos públicos não se utilizavam de critérios comerciais para a concessão de crédito.

Quanto à evolução das taxas de juros, os spreads de intermediação entre as taxas ativas e passivas se mantiveram elevados, esta situação poderia estar refletindo operações ineficientes do sistema bancário, custos eventuais da regulação de liquidez ou um excessivo risco de crédito devido a problemas de informação. (Fanelli e Pradelli, 2002, p. 26)

Buera e Nicolini (1998) estudando a evolução das taxas de juros na economia argentina no período 1993-96 defendem que as taxas passivas 81

Conforme o Banco Mundial, o BCRA possui seis categorias para classificar os empréstimos. A categoria “normal” indica o top, a melhor classificação: “em situação normal/cumprimento normal”. A classificação de devedores é tratada pela Comunicação “A” 2216 expedida pelo BCRA em 09/09/94.

97 convergiram rapidamente às taxas de juros internacionais, enquanto que as ativas eram bastante superiores indicando um spread médio no sistema em torno de 12 pontos.

Buera e Nicolini (1998) verificaram que os spreads altos se concentraram fundamentalmente em operações de adelantos de cuenta corrientes e em créditos pessoais82, sendo também superiores para operações em pesos em relação àquelas em dólares. Eles afirmam também que o mercado de crédito era segmentado “onde cada linha é um produto diferente, presumivelmente desenhado para clientes diferentes. Sob esta interpretação, os bancos utilizam o tipo de crédito para discriminar clientes e oferecer produtos distintos”. (p. 235)

Buera e Nicolini (1998) concluem que as taxas de juros dos empréstimos pessoais eram altas devido aos elevados custos administrativos destas linhas de crédito. De acordo com os autores, o poder de mercado não influenciou o nível dos spreads. Da mesma forma, sua análise não permitiu identificar características de risco que justificassem as altas taxas dos adiantamentos e sugerisse que o risco de default em empréstimos pessoais implícito nas taxas celebradas subestimava o verdadeiro risco.

Todavia, Fanelli e Pradelli (2002, p. 26) enfatizam a existência de um componente de risco cambial na formação das taxas de juros ativas e passivas. Os autores declaram que as taxas de juros domésticas se alinharam imperfeitamente com as taxas internacionais, perdurando um spread de risco país variável com as condições locais e externas. A possibilidade do câmbio ser modificado deu lugar a um spread de taxas, tanto passivas como ativas, entre contratos denominados em moeda local ou estrangeira, tanto de depósitos quanto de créditos.

Fanelli e Pradelli (2002, p. 28) afirmam que o spread cambial atingiu o seu nível máximo em 1995, principalmente, nas taxas passivas, “refletindo a 82

De acordo com Buera e Nicolini (1998, p. 231) os adiantamentos em conta corrente e os empréstimos pessoais representam um pouco mais de 30% do total de crédito ao setor privado não financeiro do país.

98 incerteza cambial de curto prazo nesse evento”. No entanto, por toda a década de 1990, o spread foi maior para os créditos do que para os depósitos, “refletindo a incerteza cambial de longo prazo”. Dessa forma, “as firmas enfrentaram um trade off entre o prazo de financiamento curto/longo e moeda local/estrangeira, assim como restrições ao endividamento longo em episódios de crises”. (Fanelli e Pradelli, 2002)

De acordo com Arnaudo (2000, p. 38), entre maio de 1991 e janeiro de 1993, as taxas de juros de empréstimos bancários no mercado doméstico eram determinadas pelas taxas de juros pagas aos depósitos, que, por sua vez, eram influenciadas pela taxa negociada no mercado interbancário. As operações de swap do BCRA neste período tinham como objetivo reduzir as taxas neste mercado83. Estas intervenções explicam também o aumento da base monetária.

Entre fevereiro de 1993 e junho de 1994, o instrumento de política monetária utilizado foi os coeficientes de requerimentos de reservas. No início da conversibilidade os coeficientes eram bastante elevados, pois se temia que a sua redução combinada com a rápida remonetização que estava ocorrendo no país teria efeitos adversos sobre a estabilidade de preços.

No período assinalado, os coeficientes foram reduzidos para aumentar a liquidez e a concessão de crédito pelas entidades. Esta medida foi acompanhada por outras de caráter institucional como: a eliminação de contas especiais de poupança, o prazo mínimo de 30 dias para depósito a prazo fixo, a unificação dos requerimentos de reservas para depósitos à vista e poupança, a unificação dos requerimentos de reservas para depósitos em moeda nacional e estrangeira. Conforme Arnaudo (2000, p. 41):

“...de acordo com autoridades governamentais, esta última medida significou um passo adicional para a completa 83

Segundo Arnaudo (2000, p. 38), “swap é uma transação financeira onde uma parte (isto é o banco central) empresta fundos (chamada ‘uma compra’) a uma contraparte (isto é um banco) geralmente por um curto período de tempo e a uma taxa de juros dada. Estas operações são auto-canceláveis no sentido que toda compra deve ser seguida poucos dias mais parte por uma ‘venda’ pela mesma quantia, assim o valor líquido será zero”.

99 dolarização do sistema financeiro, onde pesos e dólares poderiam ser substitutos perfeitos.”

A redução dos requerimentos de reserva criou um excesso de reserva no sistema financeiro, que aliviou a carga que as operações de swap representavam ao BCRA e diminuiu as taxas de juros. Porém, seus efeitos sobre as taxas de juros foram temporários.

As taxas de juros reais domésticas provaram ser relacionadas principalmente às variáveis estrangeiras e não às condições monetárias locais. A elasticidade das taxas de juros às políticas monetárias se reduziu, o autor acredita que isto deve ter sido conseqüência da segmentação do mercado financeiro entre pesos e dólares.

Observou-se uma grande disparidade entre as taxas de juros dos segmentos em pesos e em dólares. As autoridades monetárias pensavam que um decréscimo e a unificação dos requerimentos de reservas para depósitos em ambas as moedas poderia levar, em um contexto de livre movimento de capitais, a uma gradativa convergência das taxas de juros em pesos para as em dólares. Entretanto, isto não ocorreu. (Arnaudo, 2000, p. 42)

A política macroeconômica neste período foi direcionada para obter um selo de confiança entre os investidores domésticos e estrangeiros. O BCRA recuperou as suas funções de emprestador de última instância, criou-se um esquema de garantia de depósitos e dois fundos para assistir a reestruturação das instituições permitindo que bancos fortes adquirissem os fracos.

A possibilidade que os requerimentos de reserva para depósitos em dólares ou pesos pudessem ser atendidos por qualquer uma das moedas removeu qualquer significado ao conceito. Passivos monetários e passivos financeiros84 haviam substituído o conceito de base monetária no balanço do

84

Conforme Braessas e Naughton (1997, p. 112), passivos monetários compreendem a base monetária, os depósitos de entidades financeiras em dólares menos a contrapartida de operações de passes passivas. Enquanto que os passivos financeiros compreendem a base monetária, os depósitos de entidades

100 BCRA. A saúde e solvência do mercado financeiro foram os principais objetivos da política econômica implementada pelas autoridades monetárias: razão capital mínimo/ativos, emissão de bônus em mercados internacionais de capitais em uma quantia não inferior a 2% dos seus depósitos, os requerimentos de depósitos passaram a ser baseados em depósitos e outros itens depositados em Nova York, o BCRA acordou um crédito stand-by com os maiores bancos internacionais.

3.2 – A Crise Tequila 1994/1995 A economia argentina sofreu um profundo impacto com a crise mexicana (tequila) ocorrida no final de 1994. Seus efeitos se prolongaram até, aproximadamente o final do primeiro semestre de 1995.

As duas economias possuíam características semelhantes que fizeram com que os investidores externos acreditassem que a Argentina também desvalorizaria a sua moeda como fez o México. Segundo Gerchunoff e Torre (1996, p. 759):

“Para os investidores externos a experiência argentina era uma réplica do programa de ajuste e reformas aplicado no México, de tal modo que quando o presidente Zedillo decidiu desvalorizar em dezembro de 1994 cresceram temores de que a Argentina faria o mesmo. Isso impulsionou uma saída em massa de ativos financeiros locais, um abrupto aumento nas taxas de juros e uma conseqüente crise recessiva fiscal e financeira como não sofreria nenhum outro país da América Latina.”

Para combater uma inflação elevada, o México adotou um plano de estabilização baseado em um câmbio fixo. Kessler (2001, p. 123) denomina este arranjo cambial adotado pelo México, que substituiu um regime de câmbio flutuante, como fixed peg. Este plano foi implementado em julho de 1987, pelo financeiras em conta corrente em dólares, somadas à posição líquida de passes e os depósitos do governo nacional.

101 então ministro, Carlos Salinas de Gortari, no governo do Presidente Miguel de la Madrid (1982-88).

Quando Salinas de Gortari se tornou presidente estabeleceu um crawling peg, abrandando o regime cambial fixo. Intensificou também o processo de abertura da economia e de reformas estruturais iniciados no governo anterior.

As reformas compreenderam: a liberalização e a desregulamentação comercial e financeira, a eliminação de restrições impostas à propriedade privada estrangeira, a adaptação da legislação mexicana às normas internacionais, a privatização de empresas púbicas (inclusive do sistema bancário), a reforma administrativa e fiscal85.

A citação de Mayer-Serra (1997, p. 964) abaixo resume o sucesso da política econômica de Salinas de Gortari:

“O êxito político inicial de Salinas consistiu em controlar a inflação e estabilizar o tipo de câmbio, já que aumentava o consumo privado de bens que requeriam insumos de importação, assegurava aos poupadores altas taxas de juros em termos de dólares, permitia elevar os salários reais e reduzia o injusto imposto inflacionário.”

O México era considerado o modelo bem sucedido de país que havia adotado as normas do Consenso de Washington 86. Estabilizou a inflação que superou 100% no biênio 1987-88, apresentando crescimento do PIB. A tabela 3.11 abaixo apresenta o comportamento destes indicadores:

85

Para uma análise das reformas no México ver Nora C. Lustig e Jaime Ros, Las reformas económicas, las políticas de estabilización y el “síndrome mexicano”, Desarrollo Económico, Buenos Aires, v. 37, n. 148, p. 503-532, enero-marzo, 1998. 86 Para uma melhor discussão sobre o Consenso de Washington ver Joseph Stiglitz, Rumo ao pósConsenso de Washington, Política Externa, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 3-40, Setembro, 1998.

102 Tabela 3.11 – Indicadores da economia mexicana no período 1985-1994, Variações percentuais anuais, 1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

PIB

2,6

(3,8)

1,9

1,2

3,3

4,5

3,6

2,8

0,6

3,5

IPC

57,7

86,2

131,8

114,2

20,0

26,7

22,7

15,4

9,8

7,0

Fonte: Lustig e Ros, 1998 p. 505; elaborado pela autora

Apesar da rápida queda na inflação mexicana ela ficou acima da inflação dos Estados Unidos, país ao qual a moeda mexicana estava atrelada, gerando uma valorização gradual do peso. Isto implicou em um desequilíbrio na balança comercial ao estimular a importação de bens e serviços. O déficit comercial era financiado com a entrada cada vez mais volumosa de capitais externos. Estas importações, inclusive, eram direcionadas ao consumo ou então, à aquisição de insumos para a produção ao mercado interno.

Em 1994, os Estados Unidos temendo que o aquecimento de sua economia gerasse inflação internamente reverteu a sua política monetária elevando sua taxa de juros de 3,0% para 5,5%. Isto tornou os ativos financeiros americanos muito mais atraentes, que somados aos choques políticos ocorridos no México87 fizeram com que a entrada de capital externo neste último país, no segundo semestre, caísse 75%. No final de 1994, no intuito de defender a paridade do peso, o banco central “queimou” suas reservas, que despencaram de US$ 30 bilhões para US$ 6 bilhões (Kessler, 2001, p. 123).

Mayer-Serra (1997) sustenta que a maior fragilidade do programa econômico mexicano foi o desequilíbrio em conta corrente com uma moeda cada vez mais sobrevalorizada. Em seu trabalho o autor comenta que se acreditava que o ingresso de capitais estrangeiros havia sido percebido como permanente, tanto quanto, a regulagem automática do déficit em conta corrente.

87

O levante de Chiapas em janeiro e o assassinato de Colosio em março.

103 Machinea (1996) analisando o efeito da crise Tequila sobre a economia argentina defende que este choque afetou principalmente os países mais dependentes de financiamento externo, situação na qual se encontrava a Argentina. Calcagno (1996, p. 15)88, por sua vez, argumenta que a economia argentina já estava exibindo sinais preocupantes: o desequilíbrio em sua conta corrente manifestava

um movimento

ascendente,

as contas

públicas

começaram a apresentar déficits como resultado da reforma previdenciária e do estancamento das receitas tributárias. O autor afirma que a Argentina apresentava os seguintes pontos em comum com o México: “um regime de câmbio fixo, uma taxa de poupança doméstica baixa, um sistema bancário débil, e um significativo déficit em sua balança corrente” (p. 16)

Entre dezembro e maio, o sistema bancário argentino perdeu 18% do seu total de depósitos e o BCRA, 30% das suas reservas internacionais

89

(Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 15).

A desvalorização mexicana provocou uma revisão de expectativas em relação ao risco-país dos países emergentes por parte dos investidores estrangeiros. Os títulos argentinos sofreram uma queda no seu preço que provocou, por sua vez, a redução no valor dos ativos das instituições financeiras, principalmente daquelas com um grande portfólio em títulos governamentais.

Assim, na Argentina, os bancos mayoristas foram os primeiros a sentir os efeitos da crise Tequila. De acordo com Martinez (1995), uma parte dos investidores transferiu seus fundos ao exterior, outra parte para bancos nacionais maiores.

88

Calcagno (1996) faz uma excelente exposição do comportamento dos bancos, dos agentes econômicos e das medidas tomadas pelos BCRA para salvar o sistema. 89 Kiguel ( 2001, p. 9) nos informa que os depositantes perderam $130 milhões de pesos, 0,28% do total de depósitos e o BCRA estima que o custo fiscal da crise bancária argentina para os contribuintes foi igual a 0,25 do PIB.

104 Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 16) ressaltam que estes bancos estavam muito expostos em títulos públicos, possuindo um baixo volume de depósitos em conta corrente e escassas reservas líquidas no BCRA90. Logo depois foi a vez dos bancos cooperativos, os privados de menor tamanho e alguns bancos provinciais, que foram prejudicados pela má qualidade de suas carteiras.

Esta redução nos fundos afetou principalmente o mercado interbancário, fazendo com que as taxas de juros se elevassem e os empréstimos fossem cancelados. Em 28 de dezembro, o Banco Extrader foi suspenso e, em 08 de janeiro foi a vez do Finansur91.

Outra medida que teve impacto negativo sobre as expectativas dos investidores foi destacada por Rozenwurcel e Bleger (1997, p. 180). De acordo com estes autores, o governo argentino cancelou o Acordo de Facilidades Ampliadas firmada com o FMI antes de ter acesso aos desembolsos finais por estar impossibilitado de cumprir as metas fiscais impostas.

De

acordo

com

o

BCRA

(Boletín,

1995a)

observando

o

comportamento do sistema financeiro no período de 20 de dezembro de 1994 até, aproximadamente a primeira quinzena de julho de 1995, podemos distinguir quatro fases: a primeira compreende o final de dezembro até o final do mês de fevereiro; a segunda corresponde ao mês de março; a terceira, entre o mês de abril até a segunda quinzena de maio; e, a última, a partir de 14 de maio em diante. O movimento dos depósitos em pesos e em dólares pode ser melhor visualizado no gráfico 3.4 abaixo:

90

De acordo com estes autores, os depósitos em conta corrente tinham um encaixe de 40% enquanto que os depósitos a prazo fixo não requeriam encaixe. 91 Sotelsek (1999, p. 225) nos informa que a suspensão do Finansur provocou o rompimento do crédito interbancário em Buenos Aires e todas as operações de passes e a maioria dos bancos já não estavam cumprindo a norma sobre efetivos mínimos.

105 Gráfico 3.4 – Comportamento dos depósitos bancários durante a Crise Tequila, dezembro/1994 a julho/1995 (a) 50.000

Em milhões

40.000 1ª fase

30.000

2ª fase

3ª fase

4ª fase

20.000 10.000 -

Em semanas Depósitos em Pesos

Depósitos em Dólares

Total de Depósitos

Fonte: BCRA, Boletín Monetario y Financiero, Apéndice, p. 15, junio-julio, 1995; elaborado pela autora; (a) Inclui contas correntes, cadernetas de poupança e depósitos a prazo. A partir de 17/07/95 os dados são estimados;

A redução no total de depósitos observada na primeira fase não é idêntica em sua composição. Enquanto os depósitos em pesos se reduzem, os em dólares se elevam lentamente apresentando uma estabilização na maior parte do período. Este movimento de fuga da moeda nacional evidencia um temor que ocorresse uma desvalorização, como aconteceu no México. Segundo Machinea (1996, p. 12): “... o problema principal era o temor de uma desvalorização, que também se evidenciava na queda das reservas ...”

Calomiris e Powell (2000) não acreditam que tenha ocorrido uma crise sistêmica uma vez que houve uma transferência de depósitos para bancos de grande porte, tanto de varejo privados, quanto para bancos públicos. Calomiris e Powell (2000) identificam este fenômeno como sendo de “fuga para a qualidade”.

106 O governo então tomou medidas para assegurar aos agentes que a Conversibilidade não seria abandonada. Ao final de dezembro, através da Comunicação “A” 2293, o BCRA reduziu os encaixes dos depósitos em dólares92, com a Comunicação “A” 2298, ocorreu a unificação dos saldos das contas das entidades financeiras no BCRA, tanto em pesos, quanto em dólares93, ou seja, ao final do dia, todas as operações efetuadas deveriam ser convertidas em dólares, independente da moeda em que tivessem sido efetuadas94. Machinea (1996, p. 12): interpreta da seguinte forma esta última medida:

“esta última medida, além de permitir ao Banco Central ‘ocultar’ parte de sua perda de reservas, poderia ter sido utilizada para mudar o espírito da Lei de Conversibilidade, já que a partir deste momento os passivos monetários do Banco Central foram maiores que a base monetária que, por lei, devia estar respaldada por reservas internacionais.”

A interpretação de Machinea (1996) citada fica mais clara quando adicionamos a de Braessas e Naughton (1997, p. 133):

“a equivalência entre o esquema anterior e posterior à Comunicação ‘A’ 2.298 pode ser considerada da seguinte maneira: a operação originalmente denominada ‘compra de divisas’ passa a ser um ‘depósito de dólares por parte das entidades no Banco Central’, enquanto que as ‘vendas de divisas’ se substituem por ‘saques em dólares’. Ambas operações se identificarão, doravante, sob a denominação de ‘Conversão cambial’.”

Segundo estes últimos autores, esta medida permitiu, na prática, que as instituições pudessem utilizar as suas disponibilidades depositadas no BCRA para atender tanto às operações em pesos quanto em dólares. Com a unificação dos saldos das contas correntes dos bancos em uma conta especial 92

Esta redução compreendeu os depósitos a vista, à prazo fixo e cadernetas de poupança. Em julho de 1995, a exigência de encaixes ou efetivos mínimos foi substituído pelos requisitos mínimos de liquidez (Com. “A” 2350). 93 Esta unificação se referia às contas correntes em pesos e às contas à vista em dólares no Banco Central. 94 Esta conversão incluía também os requerimentos de efetivos mínimos sobre os depósitos e demais obrigações em pesos, os cheques devolvidos na Câmara de Compensação da Capital Federal, os movimentos em pesos resultantes das câmaras compensadoras, as transferências entre entidades, os cheques entre entidades, etc.

107 no BCRA, o conceito de base monetária se reduziu ao de circulação monetária. (Braessas e Naughton, 1997, p. 177)

Braessas e Naughton (1997, p. 179) afirmam também que esta medida libertou o sistema dos efeitos de possíveis desvalorizações que poderiam afetar seus saldos depositados em pesos, além de anular a surgimento de expectativas de qualquer outra natureza.

Damill, Salvatore e Simpson (2003) acreditam que o objetivo desta medida era antecipar-se a uma possível mudança de pesos para dólares que poderia ser efetuada pelos bancos e transmitir confiança ao sistema.

O BCRA organizou uma rede de segurança privada, na qual os bancos mais sólidos comprariam as carteiras dos bancos com problemas de liquidez. Esta rede foi constituída por um aumento de 2% nos encaixes sobre os depósitos das instituições financeiras, tanto em pesos quanto em moeda estrangeira. Esta exigência deveria ser efetuada em dólares sob a forma de saldos diários na conta que o BCRA mantinha no Banco de la Nación. (Comunicação “A” 2298). O BCRA também concedeu liquidez ao sistema através de operações de passes e redescontos, de acordo com as regras definidas pela Carta Orgânica de 1992.

Em paralelo a isto, o BCRA retirou fundos de contas de correspondentes no exterior e as depositou nesta conta especial. Cavallo (1999, p.14) atenta para o fato que estes fundos se esgotaram em menos de um bimestre. Sotelsek (1999, p. 225) destaca que estas medidas não foram bem recebidas pelo mercado acentuando a desconfiança sobre a situação de iliquidez do sistema.

Somando-se a isso, declarações de autoridades governamentais sobre a capacidade operacional dos bancos e a necessidade da redução no número de instituições alimentaram ainda mais esta desconfiança. Surgiram também boatos sobre a possibilidade do governo argentino promover um

108 congelamento ou uma reprogramação de depósitos bancários assim como fez com o Plano Bonex.

Observamos, então, no gráfico 3.4 que a partir do final de fevereiro, os depósitos em dólares começaram a se reduzir também, situação que permaneceu por todo o mês de março.

No final de fevereiro, com o Decreto 286/95 foi criado o Fundo Fiduciário para o Desenvolvimento Provincial. A finalidade deste fundo era a privatização de empresas e de bancos provinciais. Segundo Calcagno (1996, p. 26) este fundo seria financiado com a caução de ações da YPF95. pertencentes aos Estado e com empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial. Neste período também a Carta Orgânica do BCRA foi modificada pelo Decreto 290/95.

As alterações efetuadas por esta medida, basicamente, referem-se à elevação dos limites máximos de montantes e prazos que o BCRA poderia dispor para dar assistência de liquidez às instituições em dificuldades. Permitiu ao BCRA ceder, transferir, e vender os créditos que tivesse adquirido das entidades com problemas e criar dispositivos para o seu resgate antes de ter que recorrer à sua liquidação. A única condição imposta por esta medida era que as reservas totais deveriam equivaler sempre aos passivos monetários do BCRA. Estas alterações permitiram ao BCRA socorrer os bancos mediante operações de passes e redescontos.

Autorizaram também a manutenção de 33% das reservas de livre disponibilidade em títulos públicos denominados em dólares ao invés de 20% como havia sido definido inicialmente em 1992.

Em março, a retirada de depósitos se acelerou generalizando-se para todos os tipos de bancos. Muitos não estavam devolvendo os depósitos a seus titulares sob as condições que haviam sido inicialmente pactuadas. Além

95

YPF é a sigla de Yacimientos Petrolíferos Fiscales, empresa estatal petrolífera que foi privatizada.

109 dos boatos já citados sobre a reprogramação dos depósitos e as medidas fiscais adotadas pelo Ministro Cavallo, segundo o BCRA (1995a, p. 4) havia também o medo de que o Brasil desvalorizasse sua moeda. Isso tudo contribuía para esta aceleração.

A Comunicação “A” 2319, datada de 17/03/95, estabeleceu que nenhum cheque seria pago pela câmara de compensação de 24h da Capital Federal das instituições possuidoras de saldos líquidos credores insuficientes para atender ao movimento. Os documentos poderiam ser devolvidos mesmo que o cliente emissor do cheque possuísse saldo suficiente em conta para saldá-lo.

Uma semana após esta medida, os prazos de compensação de valores desta câmara seriam alterados para 48h e, no caso de documentos emitidos contra contas correntes em dólares, o prazo seria de 72h (Comunicação “A” 2323).

Ao final de março foi criado o Fundo Fiduciário de Capitalização Bancária cuja finalidade era dar assistência às instituições com problemas de liquidez. Poderia subscrever e integrar aportes de capital, comprar e vender ativos ou adquirir parte deles, e também outorgar empréstimos às entidades com problemas. Este fundo foi financiado com empréstimos do Banco Mundial e com a colocação de um título denominado “bônus argentino”96 subscrito por entidades financeiras locais e bancos estrangeiros.

Em abril foi sancionada a Lei 24.485 que modificou a Lei das Entidades Financeiras e criou o Sistema de Seguro de Garantia de Depósitos Bancários, de caráter obrigatório e oneroso para as entidades financeiras. A garantia cobriria até $10.000 pesos para os depósitos com vencimento menor do que 90 dias e até $20.000 pesos para os depósitos com prazos de vencimento maiores.

96

Os autores Calomiris e Powell (2000, p. 9), Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 18) denominam este título de Bônus Patriótico. Cavallo (1999, p. 17) e Martinez (1995, p. 11) o denominam de Bônus Argentino.

110 De

acordo

com

Machinea

(1996,

p. 13) estas

alterações

restabeleceram definitivamente as funções de emprestador de última instância ao BCRA.

Enquanto o BCRA divulgou que, em abril, se iniciava um período de desaceleração na retirada de depósitos, com um especial aumento dos depósitos em pesos, Sotelsek (1999, p. 225) afirma que neste mês “...a crise alcança a sua plenitude com a suspensão de 5 bancos [...] a partir daí o sistema se depura com um constante processo de fusões e absorções que afetou de uma maneira direta a mais de 100 entidades do sistema”.

Calomiris e Powell (2000, p. 9) afirmam que nas duas primeiras semanas de maio, metade dos $8 bilhões97 que deixaram o sistema financeiro, vôou para fora do país.

Damill, Salvatore e Simpson (2003) concluem que a assistência oferecida pelos organismos financeiros multilaterais, a criação dos fundos, somado à instituição do seguro de depósitos resultaram na desaceleração da retirada dos depósitos verificada na metade de abril. Contribuiu também, a reeleição do Presidente Menem confirmando a continuidade do Plano de Conversibilidade.

Inicia-se a quarta fase, os depósitos em pesos e em dólares retornam ao sistema. Os bancos mais beneficiados foram os estrangeiros, os privados de capital aberto (SA), os cooperativos grandes e os maiores bancos públicos locais, Nación, Província, Ciudad e Hipotecário.

A partir de julho, segundo Rozenwurcel e Bleger (1997, p. 182) as taxas de juros internacionais se reduziram fazendo com que os capitais retornassem à Argentina e os depósitos bancários se elevassem.

97

Os autores não identificam se a moeda referente a estes valores era pesos ou dólares.

111 Além do comportamento dos depósitos em pesos e em dólares, cumpre analisarmos agora outras variáveis importantes como as taxas de juros e o crédito.

A elevação das taxas de juros para este tipo de depósito explica o retorno destes recursos ao sistema. Os bancos subiram as suas taxas de juros passivas98 no intuito de reter os depósitos e parar a corrida. As taxas de juros ativas também se elevaram provocando uma situação de inadimplência entre os devedores dos empréstimos deteriorando ainda mais a carteira de crédito dos bancos. Podemos verificar no gráfico 3.5 a diferença existente entre as taxas de juros em pesos e em dólares, tanto para operações ativas quanto para as passivas.

Ao final de julho, as taxas de juros, tanto em pesos quanto em dólares também haviam se reduzido, assim como para operações ativas e passivas. As taxas prime que atingiram aproximadamente 45% em pesos e 30% em dólares em março, caíram para 14% e 12%, respectivamente, ao final de julho. Considerando o mesmo período, as taxas de depósitos a prazo fixo em pesos e em dólares atingiram 20% e 11%, caíram para 10% e 8% respectivamente. (BCRA, 1995a, p. 4-7)

98

De acordo com Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 12): “as taxas passivas em dólares são determinadas adicionando-se à taxa de juros internacional, o prêmio de risco-país demandado pelos investidores, enquanto que as taxas em pesos têm também um componente que representa o risco de desvalorização da moeda nacional.”

112 Gráfico 3.5 – Evolução das Taxas de Juros Nominais, médias semanais (Em % ao ano), dezembro/1994 a julho/1995

45,00 40,00 35,00

Em %

30,00 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 -

Período Prime em pesos

Prime em US$

Prazo fixo em pesos

Prazo fixo em US$

Fonte: BCRA, Boletín Monetario y Financiero, Apéndice, p. 15, junio-julio, 1995; elaborado pela autora; Obs: a taxa prime é a taxa de juros utilizada em empréstimos para empresas de primeira linha.

Em relação ao crédito verificamos que, apesar das elevadas taxas de juros passivas praticadas, a sua contração foi bem inferior aos dos depósitos. Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 20) ressaltam que este se reduziu apenas 4,5%. De acordo com estes autores, o comportamento do crédito reflete o prazo médio maior em que estão aplicados os ativos bancários e a “sua baixa liquidez em situações de stress”.

O gráfico 3.6 abaixo demonstra que, antes mesmo da eclosão da crise Tequila, as carteiras de crédito dos bancos já haviam iniciado um movimento em direção à dolarização. Como já mencionado este movimento se iniciou em 1993 e pode ser verificado tanto para os depósitos quanto para os empréstimos.

113 Gráfico 3.6 – Composição do crédito ao setor privado quanto ao tipo de moeda (Em % sobre o total), janeiro/1994 a dezembro/1995 60,00

Em % sobre o total

50,00

40,00

30,00

20,00

10,00

dez/95

nov/95

out/95

set/95

jul/95

ago/95

jun/95

mai/95

abr/95

mar/95

fev/95

jan/95

dez/94

nov/94

out/94

set/94

jul/94

ago/94

jun/94

mai/94

abr/94

mar/94

fev/94

jan/94

-

Período

Moeda Nacional

Moeda Estrangeira

Fonte: BCRA, Estadísticas Monetarias y Financieras, Balances consolidados del sistema financiero (serie mensual). Disponível em . Acesso em 16/11/04; elaborado pela autora

Os resultados da crise Tequila sobre o sistema bancário argentino foram o aprofundamento da dolarização, a redução no número de instituições, a concentração tanto geográfica da atividade bancária quanto por tipo e tamanho da entidade.

A crise Mexicana mostrou que a limitação da função de emprestador de última instância do BCRA potencializou os riscos de liquidez e de solvência do sistema bancário. Calcagno (1996) destaca em sua análise que os depósitos que se converteram em dólares foi o agregado M2, que representa aplicações em longo prazo e que não estavam respaldadas pela lei de Conversibilidade, pois não estavam inclusos na base monetária.

Em dezembro de 1995, o sistema financeiro argentino já havia recuperado quase todos os depósitos perdidos na corrida bancária, ao contrário do BCRA que, neste mesmo período, não havia recuperado totalmente suas reservas.

114 Segundo Cavallo, (op. cit, p. 17), os custos da crise para o sistema financeiro foram baixos (o total de depósitos afetados nas entidades suspensas alcançou apenas 2,5% do total dos depósitos registrados no sistema financeiro em dezembro de 1994), todavia em termos de recessão econômica, os custos foram altíssimos. Este autor também ressalta a capacidade do BCRA em gerar crédito com o repasse de títulos públicos aos bancos.

Conforme o BCRA, a saída de depósitos foi financiada pelos bancos mediante uma elevação das linhas de financiamento do exterior e do crédito outorgado pelo próprio BCRA. Os bancos também apresentaram uma redução das suas disponibilidades e do estoque de empréstimos concedidos ao setor privado (p. 7). Porém, Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 17) comentam que o BCRA financiou quase 70% da queda dos depósitos, 40% foi coberto mediante a redução de encaixes e os 30% restantes operando como emprestador de última instância.

Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 16) ressaltam que a falta de um seguro de garantia de depósitos, as limitações impostas ao BCRA de agir como um emprestador de última instância, somaram-se à falta de ação das autoridades monetárias e a história argentina de crises financeiras criaram um ambiente para transformar a crise em sistêmica.

Um dos principais resultados da crise Tequila foi a concentração e a desnacionalização do sistema bancário. Muitas instituições fecharam, outras apresentaram sérios problemas de solvência e liquidez.

Os bancos

cooperativos praticamente desapareceram. A crise também aprofundou a dolarização tanto de depósitos quanto de empréstimos: “...a partir de 1997 a trajetória das captações em dólares seria sempre superior à daquelas efetuadas em pesos até a crise final em dezembro de 2001.” (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 20)

Estes autores afirmam que esta concentração prejudicou tanto as regiões menos desenvolvidas do país quanto às pequenas e médias empresas (pymes). No primeiro caso, os bancos estrangeiros e os privados de maior porte

115 direcionaram suas operações para a Capital Federal e para a província de Buenos Aires. No segundo caso, as pequenas e médias empresas eram atendidas pelos bancos comerciais menores regionais e locais, pelos bancos cooperativos e pelos bancos provinciais públicos. Nas palavras dos autores: (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 25)

“Este processo de privatizações provavelmente contribuiu a agravar a segmentação do mercado de crédito e as instituições resultantes que surgiram não se converteram em um fator de desenvolvimento em suas províncias.” (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 22)

Os autores ao comentarem a desnacionalização da indústria bancária argumentam que a exposição dos bancos estrangeiros em ativos internos não diferia da dos bancos nacionais, inclusive apresentavam uma maior exposição ao setor público. Além disso, no transcorrer da crise Tequila, ficou provado que estas instituições não estavam dispostas a socorrer os bancos controlados nem as suas sucursais na Argentina. (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 24).

Além das alterações na Carta Orgânica que restituiu as funções de emprestador de última instância ao BCRA e recriou o seguro de depósitos, as autoridades monetárias adotaram outros sistemas: o CAMEL, o BASIC e substituiu-se os coeficientes de requisitos mínimos por requerimentos de liquidez99. O sistema CAMEL100 foi adotado originalmente nos Estados Unidos e serviria para classificar as instituições de acordo com o seu nível de capital, a qualidade de seus ativos, a capacidade de gerenciamento, a estabilidade e a qualidade de suas receitas e o nível de liquidez. Posteriormente foi acrescentada uma medida de classificação à sensibilidade aos riscos de

99

Estes sistemas de regulação são analisados com detalhes nos seguintes trabalhos: Banco Mundial (1998, p. 39-60), Damill, Salvatore e Simpson (2003, p.26-37), Calomiris e Powell (2000) e Fanelli e Pradelli (2002, p. 11-16). 100 A sigla CAMEL significa capital, assets, management, liquidity.

116 mercado. Esta avaliação e classificação das instituições financeiras seriam efetuadas pela Superintendência de Entidades Financeiras.

Os requerimentos de capital se definiram em função dos riscos implícitos dos diferentes tipos de ativos que possuíam os bancos. Os requisitos de capital mínimo equivaliam a 11,5%, muito acima do definido pelo Acordo da Basiléia (8%). As normas adotadas no sistema CAMEL objetivavam limitar os riscos de crédito (default), de liquidez, e de mercado. O sistema BASIC101 procura combinar a tarefa de supervisão entre o mercado, o controle externo através das auditorias e agências qualificadoras de risco e a Superintendência de Entidades Financeiras, órgão subordinado ao BCRA. Este sistema obrigava as entidades a emitirem dívida subordinada por um montante equivalente a 2% de seus depósitos, com um prazo mínimo de 2 anos.

Acreditava-se que os investidores em dívida soberana monitorariam as instituições emissoras com mais rigor do que os próprios donos. Os bancos deveriam se submeter a auditorias externas efetuadas por contadores autorizados pelo BCRA e também, às avaliações das agências qualificadoras de risco. Ademais os resultados deveriam ser públicos. (Fanelli e Pradelli, 2002)

De acordo com Damill, Salvatore e Simpson, (2003, p. 30) a substituição dos coeficientes de requisitos mínimos (encaixes ou efetivos mínimos) por requerimentos de liquidez foi efetuada com o objetivo de proteger a liquidez sistêmica. Os autores acrescentam que havia também a intenção de reduzir os custos de intermediação pois os altos coeficientes encareciam o crédito. Segundo os autores:

“... uma das lições da crise de 1995 foi a necessidade de que o sistema contasse com um nível muito alto de ativos líquidos 101

A sigla BASIC, em espanhol, significa bonos, auditoria, supervisión, información e calificación de riesgo.

117 que lhe possibilitasse resistir à diminuições abruptas de liquidez e a falta de acesso ao crédito internacional [...] o elevado nível de encaixes existentes no começo da crise sem dúvida contribuiu a evitar um desenlace pior” (p. 30)

A partir de agosto de 1995 os requisitos se estabeleceram sobre os passivos financeiros com porcentagens que diminuíam conforme o prazo da operação ia aumentando. Os requisitos de liquidez poderiam ser integralizados da seguinte forma: passes passivos para o BCRA; depósitos no Deutsche Bank, em Nova York; títulos valores emitidos por organismos internacionais, por governos, bancos e empresas da OCDE102 com alta qualificação creditícia; títulos públicos e privados argentinos; empréstimos com garantia hipotecária; certificados de depósitos a prazo fixo emitidos por bancos do exterior com alta qualificação. Em 1998, permitiu-se que até 80% dos requisitos de liquidez pudessem ser integrados com fundos depositados em bancos estrangeiros e também se autorizou o uso de cartas de crédito stand-by de bancos do exterior. (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 32)

Acreditava-se que o depósito de reservas no exterior reforçaria a credibilidade no sistema, ademais, seria remunerado a taxa de juros internacional de curto prazo em dólares, amenizando o efeito do imposto implícito sobre o sistema financeiro representado pelos coeficientes de requisitos mínimos. (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 32)

Para fortalecer ainda mais as defesas do sistema o governo argentino, no início de 1997, realizou um acordo com bancos internacionais de primeira linha (programa de repos contingentes) pelo qual o BCRA teria a opção de vender títulos públicos nacionais e provinciais que estivessem garantidos por receitas de co-participação federal de impostos com uma cláusula de recompra. O programa daria acesso a fundos por um montante equivalente a 10% da base de depósitos do sistema bancário. (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 33)

102

A sigla OCDE significa Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.

118 Em suma, o sistema financeiro argentino se expandiu na década de 1990 como resultado da remonetização induzida pela entrada de capitais estrangeiros, pela estabilização inflacionária e acompanhando o reaquecimento da economia. O ressurgimento do crédito ocorreu principalmente devido ao crescimento de depósitos em moeda estrangeira. A abertura financeira e a entrada de bancos estrangeiros não significaram o fim da repressão financeira, pois estes seguiram o comportamento dos bancos domésticos existentes, nem aconteceu a convergência das taxas de juros aos níveis das taxas de juros internacionais, como defendida na literatura, estas apresentaram um diferencial de risco tanto de crédito quanto cambial. O sistema bimonetário argentino aumentou ainda mais a combinação deste risco, tendo em vista a dolarização das dívidas dos agentes que foi se intensificando. A corrida bancária que aconteceu como resultado da crise Tequila combinou a incerteza em relação à capacidade do governo em manter o regime cambial adotado, com a desconfiança em relação à saúde do sistema bancário. Devemos lembrar que a Argentina possui um histórico de crises bancárias sistêmicas e alterações abruptas nos regimes cambiais e nas políticas econômicas adotadas. Era imprescindível às autoridades monetárias resgatarem a confiança da população a todo custo. A privatização dos bancos provinciais e a desnacionalização

do

sistema

bancário

intensificaram

a

concentração

geográfica e de recursos em grandes empresas. Nesse aspecto também a abertura financeira não atendeu ao defendido na literatura do mainstream, qual seja, crédito de longo prazo e recursos para o desenvolvimento. Os bancos acompanharam o “boom” de consumo trazido pela estabilização, consumo que estava reprimido por anos de elevada inflação. Entretanto, os bancos também sentiram os efeitos da desaceleração da economia, o aumento na deterioração de sua carteira de crédito. A experiência argentina nos demonstra o perigo de retirar do banco central as suas funções de emprestador de última instância em um ambiente de globalização financeira, com livre movimento de capitais, como o existente na década de 1990. O mercado não gerencia de forma tão perfeita os conflitos que se colocam neste ambiente competitivo.

119

4 – A CRISE NO FINAL DA DÉCADA DE 1990 E INÍCIO DO SÉCULO XXI O objetivo deste capítulo é analisar o desempenho da economia argentina frente às crises financeiras internacionais ocorridas na segunda metade da década de 1990 que contribuíram direta ou indiretamente para a sua derrocada em 2001.

Novamente a economia argentina teve que enfrentar um meio ambiente desfavorável sem possuir ferramentas de política econômica adequadas para gerenciar e amenizar os efeitos das crises.

Ela experimentou uma contração na demanda internacional que causou uma queda nos preços dos produtos agrícolas exportados e um ambiente de aversão ao risco crescente que reduziu os fluxos de capitais aos países emergentes.

Sendo a economia agentina dependente destes fluxos de capitais, a sua contração aliada a políticas fiscais equivocadas reduziu ainda mais a liquidez agravando o quadro recessivo existente. O ano de 2001 representou o pico da crise política, econômica e social vivida pelo país. No final do ano, decretou-se, definitivamente o fim da conversibilidade. Em 2002, ocorreu a pesificação, entre outras medidas adotadas para gerenciar a crise.

Este capítulo se divide em quatro subitens. O primeiro apresenta os efeitos das crises asiática, russa e brasileira sobre a economia. O segundo apresenta o contexto em que surgiram as quase-moedas. O terceiro se encarregará das medidas adotadas antes e depois do corralito, do fim da conversibilidade e da pesificação. E por fim, o quarto subitem analisa os problemas do sistema bancário sob a conversibilidade.

120

4.1 – As crises financeiras internacionais e a economia argentina A crise asiática teve início em 02 de julho de 1997103 quando a Tailândia desvalorizou a sua moeda, o bath. De acordo com Stiglitz (2002, p. 125) a taxa de câmbio de $1 dólar = $25 baths havia se mantido por dez anos antes de se desvalorizar em 25%.

A crise asiática não afetou diretamente a economia argentina, na verdade, seu efeito foi indireto ao reduzir a demanda agregada mundial e conseqüentemente o preço de produtos agrícolas exportados por ela. Seus efeitos se propagaram afetando o Japão e, posteriormente a Rússia. Os investidores internacionais manifestaram sua aversão ao risco, deslocando a sua demanda por títulos de países desenvolvidos em detrimento ao de países emergentes.

O

Japão

experimentaram

uma

e

os

países

profunda

asiáticos104

recessão.

envolvidos

Observou-se

na

crise

também

uma

desaceleração na economia dos Estados Unidos e de países europeus.

Segundo o BCRA (1998), entre setembro de 1997 e setembro de 1998, a economia argentina apresentou um desempenho favorável a despeito do quadro de desaceleração mundial. Na verdade, os dados divulgados por esta instituição, não nos permitiria fazer tal afirmação, tendo em vista que eles demonstram que a partir do terceiro semestre, os componentes da demanda agregada se reduziram quase pela metade.

A diminuição do investimento interno bruto foi de grande dimensão. Ele apresentou uma média de crescimento de 26,5% em 1997, e foi se reduzindo até atingir um crescimento de apenas 1,8% no terceiro trimestre de 1998. 103

Kiguel (2001, p. 13) considera como sendo o estopim da crise, a desvalorização da moeda da Coréia do Sul em 22 de Outubro de 1997. 104 A crise se iniciou na Tailândia e afetou, não necessariamente nesta ordem, Hong Kong, Taiwan, Singapura, Malásia e Coréia.

121 A tabela 4.1, que expõe os dados divulgados pelo BCRA, nos apresenta o comportamento da demanda agregada e dos seus principais componentes no período em referência.

Tabela 4.1 – Componentes da demanda agregada, 1996-1998, variações percentuais

Produto Interno Bruto Importações Consumo Investimento Interno Bruto Exportações Oferta e Demanda Globais

1997

Média anual 1996

1º trim.

4,30 16,80 5,30 8,30 6,50 6,00

8,00 29,00 7,20 25,70 14,90 11,20

2º trim.

8,30 30,00 7,90 25,60 11,90 11,50

3º trim.

1998 4º trim.

9,90 25,10 8,70 30,20 8,20 12,50

8,20 25,20 8,80 24,50 2,40 11,00

Média anual

8,60 27,60 7,80 26,50 12,10 11,60

1º trim.

7,20 17,10 5,00 23,10 9,60 8,90

2º trim.

7,40 14,40 6,30 12,60 14,70 8,60

3º trim.

3,20 7,60 4,30 1,80 5,80 4,00

4º trim.

-0,50 -4,10 0,00 -4,40 -2,10 -1,20

a/ Variações percentuais interanuais das variáveis a preços de 1986. Fonte: Ministério da Fazenda, apud BCRA, Informes al Congreso, vários números .

Pelos dados exibidos pela tabela 4.1 podemos concluir que ocorreu uma rápida recuperação da economia argentina após a crise Tequila, e a Crise Asiática não a afetou, com exceção das exportações que cresceram apenas 2,4% no último trimestre de 1997, como resultado da contração da demanda externa pelos produtos argentinos. No entanto, não podemos afirmar o mesmo em relação a crise russa; na verdade, após esta crise, a demanda agregada se contraiu bruscamente.

A crise asiática não afetou o sistema financeiro e bancário argentino. De acordo com Meyer (1998, p. 4) não houve fugas de capitais ou corridas contra os depósitos, não afetando também o ingresso de recursos externos. Os impactos financeiros atingiram sobretudo as bolsas de valores e o mercado de capitais, principalmente, o de dívida pública. (Meyer, 1998, p. 17)

Meyer (1998, p. 17) ressalta também que a crise asiática provocou a elevação das taxas de juros domésticas e o aumento da diferença entre as taxas praticadas em operações em pesos e em moeda estrangeira.

Média anual

4,20 8,20 3,90 7,30 7,00 4,90

122 Tabela 4.2 – Taxas de juros domésticas nominais, Médias trimestrais ponderadas pelo montante, em porcentagem ao ano, 1996-1998 1996

1997

1998

1º trim

2º trim

3º trim

4º trim

1º trim

2º trim

3º trim

4º trim

1º trim

2º trim

3º trim

4º trim

Taxas Passivas Prazo fixo Em pesos 30 a 59 dias + 60 dias

7,80 8,70

6,80 7,50

7,30 7,90

7,50 8,10

7,00 7,50

6,50 7,20

6,40 7,00

7,90 8,30

7,10 7,70

6,70 7,20

8,10 8,20

8,40 8,70

Em dólares 30 a 59 dias + 60 dias

6,60 7,10

5,90 6,50

5,90 6,40

5,90 6,40

5,80 6,30

5,70 6,20

5,70 6,10

6,30 6,50

6,10 6,40

5,90 6,30

6,60 6,60

6,90 6,80

33,50

31,40

29,50

29,10

27,50

26,70

25,90

27,90

27,90

25,90

27,20

29,20

35,50 14,80

33,40 13,00

31,30 12,40

30,70 13,00

29,00 13,20

28,20 12,30

26,80 14,10

28,90 14,30

28,90 15,00

26,90 13,50

28,40 12,20

30,90 11,50

Taxas Ativas Empréstimos Adelantos en Cuenta Corriente Em pesos Em dólares Documentos a sola firma até 89 dias Em pesos Em dólares

13,20

11,50

11,10

11,60

10,70

10,00

9,60

11,70

9,80

9,60

12,10

12,50

13,60 12,80

11,60 11,40

12,20 10,00

13,00 10,30

10,70 10,60

9,90 10,10

9,50 9,80

12,70 10,50

9,80 9,80

9,50 9,80

12,60 11,40

13,20 11,80

Personales até 180 dias Em pesos Em dólares

37,60

37,10

36,90

37,20

37,10

36,80

35,70

33,90

34,00

32,50

30,50

31,70

42,80 24,00

42,40 23,50

42,30 23,90

42,60 24,00

42,60 23,90

42,30 24,00

40,70 23,80

38,40 22,90

38,80 22,90

36,80 22,50

34,40 21,30

35,40 22,50

15,90

14,90

14,40

13,70

13,20

13,10

12,40

12,30

12,20

11,90

11,70

12,20

16,90 15,80

15,60 14,80

14,50 14,40

15,90 13,60

14,00 13,20

14,40 12,90

14,70 12,20

14,30 12,10

13,80 12,10

13,40 11,80

13,60 11,50

13,80 12,00

18,50

17,30

16,90

16,70

16,80

16,50

16,70

16,80

16,90

15,70

14,50

14,20

Em pesos Em dólares

21,20 18,30

17,60 17,30

18,10 16,80

19,70 16,60

17,40 16,80

17,10 16,40

17,60 16,60

17,60 16,70

19,00 16,60

19,60 15,50

19,60 14,10

19,50 14,00

Prime a 30 dias Em pesos Em dólares

10,80 9,70

9,80 8,80

10,90 9,00

10,50 8,90

9,50 8,20

7,90 7,30

7,80 7,30

11,80 8,60

10,10 8,10

8,40 7,60

11,50 9,70

10,80 9,30

Hipotecarios de 5 a 10 anos Em pesos Em dólares Prendarios acima de um ano

Fonte: Reproduzido de BCRA, Informes al Congreso 1999 , p. 37; elaborado pela autora

A tabela 4.2 apresentada pelo BCRA confirma as afirmações de Meyer (1998). Observamos que as taxas ativas e passivas em pesos apresentaram valores sempre superiores às taxas em dólares na maior parte do período. A trajetória das mesmas refletiu o impacto das crises asiática e russa.

123 As taxas de juros passivas apresentaram um comportamento descendente até aproximadamente o terceiro trimestre de 1997, elevando-se como resultado da crise asiática. Logo depois verificamos novamente a sua redução até antes da crise russa, quando então, passaram a apresentar uma trajetória ascendente.

Quanto às taxas de juros ativas, o comportamento foi similar. No entanto, verificamos algumas diferenças dependendo da operação sob análise. Os empréstimos denominados de adelantos en cuenta corriente, em pesos mostraram taxas crescentes enquanto que, em dólares se reduziram.

As operações denominadas documentos a sola firma em pesos exibiram um salto de aproximadamente 3 pontos durante as crises, sendo que após a crise russa, as operações em ambas as moedas se elevaram. As operações hipotecárias em ambas as moedas oscilaram muito pouco, menos do 0,5 pontos.

Os empréstimos pessoais e os adelantos en cuenta corriente, foram os que apresentaram o maior diferencial entre as taxas para operações em pesos e em dólares, acima de 10 pontos. Os empréstimos prendários, em pesos, se elevaram após a crise asiática de 17,6% para 19% e se mantiveram neste patamar por todo o ano de 1998, oscilando por volta de 0,5 pontos. Considerando esta modalidade em dólares, as taxas se reduziram por todo o ano de 1998. Por fim, as taxas prime, em ambas as moedas, apresentaram um pico nos trimestres onde ocorreram as crises reduzindo-se logo em seguida.

Meyer (1998) observa também que houve uma redução nos depósitos em pesos que foi compensada por uma ampliação dos depósitos em dólares. De acordo com dados do BCRA, entre setembro de 1997 e setembro de 1998, os recursos monetários privados cresceram 15%. Enquanto o circulante em poder do público praticamente não se alterou, os depósitos totais cresceram 18%.

124 Os depósitos a prazo fixo e investimentos a prazo foram os que mais cresceram, 21% e 110%, respectivamente. Os depósitos em moeda estrangeira também cresceram 29% no período, parte deste crescimento ocorreu às custas de uma redução nos depósitos a prazo fixo em pesos. (BCRA, 1998, p. 32)

Considerando-se este mesmo período, os empréstimos concedidos ao setor privado cresceram 16%, sendo que no último trimestre de 1997, verificou-se um maior crescimento dos créditos em dólares. Destaca-se também o crescimento do crédito às famílias. (BCRA, 1998, p. 23-26)

Damill, Salvatore e Simpson (2003) ao analisarem o período anterior à crise russa também concordam que a taxa de crescimento dos agregados monetários se manteve alta, assim como o crédito. Os autores destacam que neste período, ocorreu a entrada de importantes instituições financeiras, como os bancos espanhóis Santander e Bilbao-Viscaya e o inglês HSBC. Nas palavras dos autores:

“Esta foi uma etapa de consolidação da estrutura do sistema financeiro e de seu regime de funcionamento. O marco regulatório foi completado [...] o mapa bancário local permaneceria praticamente sem mudanças significativas até os últimos meses da conversibilidade.” (p. 38)

Damill, Salvatore e Simpson (2003) inclusive salientam que havia se instalado um clima de euforia no setor bancário, uma vez que a crise Tequila havia sido superada de forma bastante bem sucedida e a crise Asiática não os havia afetado. A entrada de bancos estrangeiros105 significou o acirramento da concorrência e uma predisposição maior à tomada de riscos. As instituições adotaram estratégias agressivas expandindo o crédito ao consumo e às pequenas empresas. Este comportamento também foi estimulado pela rápida recuperação da economia argentina pós-crise Tequila.

105

Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 38) acrescentam que mais de 70% dos pedidos de abertura de sucursais provêem de instituições estrangeiras. No entanto, a concentração geográfica se manteve, a maioria delas foi aberta na Capital e na Grande Buenos Aires.

125 Neste período, a expansão do crédito foi financiada pelo crescimento dos depósitos a prazo fixo em dólares e por linhas de crédito de bancos estrangeiros. O custo de colocação de títulos nos mercados de capitais internacionais ou da obtenção de linhas de crédito de bancos correspondentes ou das matrizes era inferior ao do mercado doméstico106.

4.1.1 - Efeitos da crise russa e a desvalorização da moeda brasileira Conforme já citado, a crise asiática provocou uma retração na demanda agregada mundial e também nos preços dos produtos agrícolas e do petróleo, além da elevação das taxas de juros.

Os preços do petróleo caíram mais de 40% nos seis primeiros meses de 1998 em comparação com a média de 1997. A Rússia que estava bastante endividada sofreu um duro golpe, pois este produto era uma fonte de geração de receitas tributárias e de receitas de exportação (Stiglitz, 2002, p. 186). Assim em agosto de 1998, a Rússia desvalorizou a sua moeda, o rublo, declarou a moratória de sua dívida e a reestruturação unilateral de seus passivos externos.

Gerou-se uma crise de confiança que afetou negativamente a liquidez dos mercados financeiros internacionais e a fuga dos investidores institucionais dos mercados emergentes.

A partir do terceiro trimestre de 1998, os spreads dos títulos da dívida externa argentina foram afetados pela crise, os preços das ações cotadas em bolsa se reduziram e as taxas de juros domésticas se elevaram. A economia argentina também começou a apresentar sinais de desaceleração neste período.

106

Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 39) comentam que o financiamento de longo prazo suprido pelo mercado internacional permitia lucrativas operações de curto prazo com a “arbitragem de taxas”.

126 Segundo Meyer (1998, p. 3) a Argentina foi prejudicada tanto pela redução do quantum quanto pela queda nos preços dos produtos exportados. De acordo com o BCRA (2000, p. 9) o preço médio dos bens agrícolas durante 1999, foi quase 21% inferior ao do ano anterior.

Ao contrário do que ocorreu com a crise asiática, o agravamento da crise financeira nos mercados emergentes depois da moratória russa teve um impacto mais forte sobre o sistema bancário argentino (Meyer, 1998, p. 17). “Com a moratória russa, todavia, a percepção de risco argentino aumentou consideravelmente e o mercado financeiro internacional praticamente se fechou para o país.” (Meyer, 1998, p. 3) Em 1999, a situação não foi melhor, os fluxos de capitais para as economias latino-americanas continuaram apresentando uma tendência decrescente.

Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 39) afirmam que a crise que se desenvolveu após a crise russa não foi uma crise bancária, tendo em vista que as mudanças efetuadas após a crise tequila já haviam amadurecido:

“...o sistema mostrava indicadores de liquidez e solvência satisfatórios e melhores que na maioria dos demais países emergentes [...] e havia registrado uma mudança qualitativa e quantitativa enorme com respeito ao início do regime de conversibilidade.” (p. 40)

O Brasil, principal parceiro comercial da Argentina no Mercosul, foi um dos países mais afetados com as crises asiática e russa. Depois da crise russa, o Brasil sofreu sucessivos ataques especulativos com a perda de reservas internacionais, o que lhe obrigou a adotar a flutuação do real em janeiro de 1999107.

De acordo com Rozenwurcel (1999, p. 35) apesar do panorama internacional ter afetado a taxa de juros dos empréstimos que deveriam ter sido

107

De acordo com o BCRA (2000, p. 7), o Brasil cresceu apenas 0,5% em 1999.

127 pagos pela Argentina, esta não experimentou um efeito contágio mais intenso que outros países emergentes.

Diferentemente do que ocorreu na crise tequila, o sistema financeiro não foi o epicentro nem o principal fator de propagação da crise. A crise ocorrida após a desvalorização do real se propagaria fundamentalmente através da economia real. (Rozenwurcel, 1999, p. 35)

O autor afirma que a desvalorização do real provocou uma alteração nos preços relativos bilaterais causando um grande impacto nos fluxos comerciais entre a Argentina e o Brasil108. A crise brasileira ampliaria as tendências recessivas já observadas nos níveis de atividade e emprego da economia argentina desde meados de 1998. Esta recessão, ao contrário do verificado na história argentina, não trouxe nenhuma melhora nas contas externas do país.

A desvalorização do real agravou o baixo nível de competitividade da economia argentina. A redução da atividade teve origem numa brutal retração da demanda externa e na deterioração dos termos de intercâmbio argentinos. (Rozenwurcel, 1999, p. 37-38)

Ademais a desvalorização do real frente ao dólar, moeda ao qual o peso estava atrelado piorou ainda mais o problema da sua sobrevalorização. A taxa de câmbio do peso em relação ao real vinha se valorizando gradativamente também devido à queda da inflação no Brasil. Em 1999, o dólar apreciou-se também em relação ao euro, moeda de outro importante parceiro comercial.

A tabela 4.3 abaixo nos apresenta a profunda contração sofrida pela economia após a desvalorização do real. A relativa melhora da demanda agregada em 2000, observada na tabela 4.3 pode ser explicada pela tímida recuperação dos preços dos produtos exportados. Porém, as exportações 108

Rozenwurcel (1999, p. 35) nos informa que um terço das exportações argentinas se dirigiam para o Brasil, enquanto um quarto das importações argentinas procedia deste país.

128 exibiram uma participação de apenas 11% no PIB, desse modo, a sua recuperação não foi suficiente para dinamizar a economia. (BCRA, 2001, p. 12)

Tabela 4.3 – Componentes da demanda agregada, 1999-2001, variações percentuais 1999 1º trim.

Produto Interno Bruto -3,00 Importações -11,20 Consumo -2,50 Investimento Interno Bruto -11,40 Exportações -0,30 Oferta e Demanda Globais -4,00

2º trim.

3º trim.

-4,90 -4,10 -17,90 -11,10 -5,90 -4,90 -10,60 -4,80 -2,00 -6,10 -6,40 -5,00

2000 4º trim.

Média anual

1º trim.

0,10 -3,00 0,50 -4,00 -11,20 0,30 -0,10 -3,40 0,70 -3,90 -7,60 -2,50 4,70 -1,10 3,50 -0,40 -4,00 0,50

2º trim.

3º trim.

2001 4º trim.

0,20 -0,50 -2,00 2,50 -2,00 0,50 1,90 1,70 0,10 -7,40 -11,40 -10,80 2,00 0,80 1,10 0,40 -0,70 -1,70

Média anual

-0,50 0,20 1,10 -8,30 1,80 -0,40

1º trim.

-2,00 0,80 -0,40 -9,50 0,70 -1,70

2º trim.

3º trim.

4º trim.

Média anual

-0,20 -4,90 -10,50 -4,40 -4,20 -17,90 -33,70 -13,90 -0,20 -5,70 -11,30 -4,40 -6,20 -17,20 -28,60 -15,70 4,60 5,70 -0,40 2,70 -0,60 -6,40 -13,10 -5,50

a/ Variações percentuais interanuais das variáveis a preços de1993. Fonte: Ministério daFazenda, apud BCRA, Informes al Congreso, vários números;

O PIB, em 1999 se reduziu 3,0%. No primeiro semestre de 2000, ele demonstra uma tímida melhora, apresentando novamente valores negativos no segundo semestre, fechando o ano com uma queda de 0,5%. Em 2001, a redução foi ainda mais pronunciada, principalmente no segundo semestre, finalizando o ano com uma queda média anual de – 4,4%.

Outras variáveis merecem destaque como as importações e o investimento interno bruto. A primeira se reduziu 11,2% em 1999, apresentando também uma melhora irrelevante em 2000, no valor de 0,2%, contraindo-se depois de forma bastante brusca, principalmente no segundo semestre de 2001, finalizando o ano em – 13,9%. O investimento interno bruto apresentou reduções significativas após 1999, sendo que neste ano foi igual a 7,6%, diminuindo para 8,3% em 2000 e, 15,7% em 2001.

4.2 - O aperto de liquidez e as moedas substitutas Em 2000, a desaceleração da economia argentina perdurou e as expectativas de reversão desta situação eram negativas, tendo em vista o

129 cenário internacional por ela enfrentado, além do ambiente político e econômico doméstico que gerou dúvidas quanto à sua recuperação.

O temor de uma desaceleração da economia dos Estados Unidos, que se confirmou ao final do ano, somado à queda do Índice Nasdaq109 estimulou novamente a aversão ao risco dos investidores internacionais, impactando sobre os spreads dos títulos das dívidas das economias emergentes.

O gráfico 4.1 abaixo nos apresenta o comportamento do índice EMBI+110 e do risco-soberano argentino entre dezembro de 1997 e dezembro de 2001.

Gráfico 4.1 – Spread de países emergentes, em pontos básicos, dezembro/1997 a dezembro/2001

Em pontos básicos

6000 5000 4000 3000 2000 1000

Período EMBI+

Argentina

Fonte: Indicadores J.P. Morgan

109

O Índice Nasdaq mede o desempenho das empresas de tecnologia em informática. De acordo com Canuto e Santos (2003, p. 17), o EMBI+, Emerging Markets Bond Index Plus, é um índice calculado pelo J. P. Morgan. É o indicador de mercado mais conhecido no que concerne a prêmios de risco em títulos de economias emergentes. É composto por uma cesta de títulos denominados em moeda estrangeira emitidos pelos governos centrais de diversos países emergentes e são negociados em mercados secundários. Estes títulos constituem-se principalmente os da dívida externa (Bradies e Eurobônus), mas também, empréstimos negociados (traded loans) e títulos domésticos denominados em moeda estrangeira. 110

31/12/2001

31/10/2001

31/8/2001

30/6/2001

30/4/2001

28/2/2001

31/12/2000

31/10/2000

31/8/2000

30/6/2000

30/4/2000

29/2/2000

31/12/1999

31/10/1999

31/8/1999

30/6/1999

30/4/1999

28/2/1999

31/12/1998

31/10/1998

31/8/1998

30/6/1998

30/4/1998

28/2/1998

31/12/1997

0

130 Logo após a crise russa, em setembro de 1998, o índice EMBI+ atingiu níveis superiores a 1600 pontos, reduzindo-se para valores abaixo de 1000 no final de 1999, ao final de julho de 2000, apresentou valores inferiores a 700, e no final de dezembro atingiu 756 pontos. Evidenciando-se, assim, a volatilidade do mercado financeiro internacional no período 1998-2001.

O BCRA em documento apresentado ao Congresso argentino afirmou que os países emergentes tinham tido acesso aos mercados financeiros internacionais até o quarto trimestre de 2000, o valor total das emissões nesse período foi 14,3% superior em comparação ao mesmo período de 1999. A Ásia foi a região mais beneficiada, onde os fluxos financeiros a ela direcionados aumentaram 53,6%, enquanto que para a América Latina, aumentaram apenas 14,7% em relação a 1999.

Os Estados Unidos e a União Européia praticaram políticas monetárias restritivas temendo os efeitos inflacionários da elevação no preço do petróleo.

Outro fator desfavorável para a economia Argentina foi a apreciação de 13,3% do dólar frente ao euro (BCRA, 2001, p. 9). Estando o peso atrelado à moeda americana, isto prejudicou o comércio internacional com a União Européia.

Enquanto, a América Latina cresceu 4,1% em 2000, a Argentina experimentou uma queda no seu PIB de 0,5%. Comparando-se os preços dos principais produtos agrícolas exportados pela Argentina com os seus preços médios da década de 1990, verifica-se que o preço do trigo se reduziu 20,9%, do milho, 21,6%, da soja, 18,8%, do óleo de soja, 24,2% e da farinha de soja, 10,4%. (BCRA, 2001, p. 10).

Ao final do ano, o país enfrentou crescentes restrições ao financiamento. Internamente, a recessão deteriorou as contas públicas, mesmo após a implementação da reforma tributária que elevou as alíquotas de alguns impostos.

131 Em dezembro, o governo assinou um acordo com o FMI que ficou conhecido como blindaje financiero111.. Este acordo concedia créditos no valor de US$ 39.700 milhões a sua composição é apresentada na tabela 4.4 abaixo.

Tabela 4.4 – Composição da blindaje financeira, em milhões de dólares

Instituições envolvidas FMI Banco Interamericano de Desenvolvimento Banco Mundial Governo da Espanha Bancos Criadores de Mercado Operações de canje de dívida Investidores institucionais locais (AFJP)

Em milhões de dólares 13.700 2.500 2.500 1.000 10.000 7.000 3.000

Fonte: Schvarzer e Finkelstein, 2004, p. 6

Esta operação ajudou a dissipar os boatos surgidos desde outubro de 2000, sobre a possibilidade do governo adotar a interrupção dos pagamentos da dívida. De acordo com Damill, Salvatore e Simpson (2003), os depósitos do sistema bancário estavam crescendo de forma bastante lenta, acumulando até setembro de 2000, 6,4% (p. 40). Os autores destacam o nível de dolarização dos depósitos que atingiram, nesta data, a cifra de 60,4%, porém considerando o segmento de prazo fixo, era de 77%.

Este lento crescimento deveu-se aos depósitos a prazo, pois os depósitos a vista apresentaram uma tendência decrescente por todo o ano. A partir de outubro, o sistema começou a demonstrar uma crescente situação de iliquidez. O BCRA decidiu, então, flexibilizar as normas sobre os requisitos mínimos de liquidez. As medidas adotadas foram: a redução da exigência sobre os depósitos a vista dos Fundos Comuns de Investimento e o tratamento dos meses de novembro, dezembro e janeiro como uma posição única. (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 41)

111

Para uma compreensão mais detalhada destas operações de blindaje, megacanje, efetuadas pelo governo argentino, ver. Schvarzer e Finkelstein, La débâcle de la deuda publica y el fin de la convertibilidad, CESPA, Documento de Trabajo, n.6, 2004.

132 A tabela 4.5 abaixo apresenta o comportamento das reservas, dos depósitos e do crédito nos anos finais da crise. De acordo com os dados desta tabela, comparando-se o último trimestre de 2001 com o mesmo período do ano anterior, observa-se uma diminuição na maior parte das variáveis, com exceção

das

contas

correntes

e

de

poupança,

que

se

elevaram

respectivamente, 34,6% e 39,7%. Como os depósitos a prazo fixo se reduziram em 46,6%, podemos deduzir que uma parte foi transferida para os depósitos a vista, refletindo “um comportamento mais cauteloso dos depositantes em um contexto de maior incerteza política e econômica, em plena crise de confiança em relação ao sistema financeiro.” (BCRA, 2002, p. 29). A redução dos depósitos privados em pesos foi superior ao dos depósitos em dólares, 41,2% e 11,1% respectivamente.

Considerando o mesmo período, as reservas internacionais se reduziram 35%, sendo que as reservas no sistema financeiro se reduziram mais do que aquelas no BCRA, 41,6% contra 26,7%. Esta contração pode ser explicada pela utilização das reservas pelos bancos para atender ao saque de depósitos. E finalmente, quanto aos créditos, estes diminuíram 18,1%.

Tabela 4.5 – Recursos monetários e suas fontes de criação, 2000-2001, em milhões de pesos (dados de final de trimestre)

R e s e rv a s In te rn a c io n a is S is te m a fin a n c e iro N o B C R A (a )

2001

1 º trim

2000 2 º trim 3 º trim

4 º trim

1 º trim

2 º trim

3 º trim

4 º trim

3 2 .2 4 6 2 6 .1 8 6

3 3 .7 4 4 2 7 .3 7 4

3 3 .7 0 7 2 6 .2 8 4

3 3 .8 0 8 2 6 .4 9 1

3 0 .1 4 3 2 3 .3 7 1

2 8 .4 6 3 2 2 .7 5 4

2 4 .4 8 5 2 1 .1 5 6

1 9 .7 4 4 1 9 .4 2 6

1 1 .4 2 2 8 1 .4 0 7 7 4 .1 0 6

1 1 .3 9 5 8 4 .3 3 8 7 6 .2 5 8

1 1 .3 5 8 8 5 .5 1 0 7 7 .3 0 9

1 2 .5 5 3 8 3 .9 5 0 7 6 .7 4 2

1 1 .3 3 4 8 0 .2 1 1 7 4 .8 0 0

1 0 .9 0 3 8 1 .4 4 7 7 5 .5 7 3

9 .1 2 4 7 4 .1 5 9 6 8 .2 6 5

9 .0 4 8 6 5 .6 7 8 6 0 .4 1 6

B ilh e te s e M o e d a s D e p ó s ito s to ta is D e p ó s ito s p riv a d o s P o r tip o C o n ta s c o rre n te s Poupança P ra z o fixo O u tro s Por moeda Em pesos E m m o e d a e stra n g e ira D e p ó s ito s d o s e to r p ú b lic o

6 .4 0 8 1 3 .0 0 6 5 2 .1 7 8 2 .5 1 4

6 .4 4 4 1 3 .3 0 6 5 4 .0 2 1 2 .4 8 8

6 .1 6 4 1 2 .8 2 0 5 5 .8 8 9 2 .4 3 6

6 .4 5 3 1 2 .9 1 7 5 4 .7 3 8 2 .6 3 3

5 .6 4 6 1 2 .8 5 9 5 3 .8 2 6 2 .4 6 8

6 .4 9 4 1 2 .6 5 7 5 4 .0 2 0 2 .4 0 3

5 .2 0 4 1 1 .6 9 2 4 9 .1 3 6 2 .2 3 3

8 .6 8 3 1 8 .0 5 0 2 9 .2 3 4 4 .4 4 8

2 7 .2 2 6 4 6 .8 8 1 7 .3 0 1

2 7 .2 0 5 4 9 .0 5 3 8 .0 7 9

2 6 .6 6 8 5 0 .6 4 1 8 .2 0 1

2 5 .9 3 1 5 0 .8 1 1 7 .2 0 8

2 4 .6 4 9 5 0 .1 5 1 5 .4 1 1

2 4 .0 4 1 5 1 .5 3 2 5 .8 7 4

1 9 .3 4 4 4 8 .9 2 1 5 .8 9 4

1 5 .2 5 4 4 5 .1 6 2 5 .2 6 2

R e c u rs o s m o n e tá rio s to ta is R e c u rs o s m o n e tá rio s p riv a d o s C ré d ito a o s e to r p riv a d o b )

9 2 .8 2 9 8 5 .5 2 9 6 9 .3 9 7

9 5 .7 3 3 8 7 .6 5 4 6 8 .3 6 3

9 6 .8 6 8 8 8 .6 6 7 6 7 .8 3 2

9 6 .5 0 2 8 9 .2 9 4 6 8 .7 5 2

9 1 .5 4 5 8 6 .1 3 4 6 4 .3 0 6

9 2 .3 4 9 8 6 .4 7 5 6 3 .4 4 0

8 3 .2 8 3 7 7 .3 8 9 5 9 .9 1 3

7 4 .7 2 6 6 9 .4 6 4 5 6 .3 1 1

N o ta : a ) in c lu i c o m sin a l p o sitiv o o e sto q u e d e títu lo s p ú b lic o s d e n o m in a d o s e m d ó la re s e n v o lv id o s e m o p e ra ç õ e s d e p a sse s p a ssiv o s. b ) a p a rtir d o in f o rm e d e 2 0 0 0 , in c lu i c e rtific a d o s d e p a rtic ip a ç ã o e m fid e ic o m iso s q u e fo rm a m p a rte d o a tiv o d a s e n tid a d e s fin a n c e ira s. F o n te : B C R A , In fo rm e s a l C o n g re s o , v á rio s n ú m e ro s

133 O contexto recessivo restringiu tanto a oferta quanto a demanda por crédito. A contração na demanda poderia ser explicada pela recessão, enquanto que a da oferta, pelo aumento da prudência dos bancos em relação à tomada de riscos.

Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 42) acrescentam que os bancos públicos continuaram o processo de expansão do crédito durante o biênio 1999-2000, reduzindo somente a partir do terceiro trimestre de 2001. Os autores ressaltam o papel contra-cíclico dos bancos públicos devido a alta concentração de sua carteira de crédito aos setores agropecuário e às pequenas e médias empresas (pymes).

No caso das pequenas e médias empresas, os autores destacam que ocorreu um efeito deslocamento, ou seja, as grandes empresas que enfrentavam o racionamento de crédito no exterior se direcionaram para os bancos domésticos maiores.

Neste ambiente de restrição do crédito, destaca-se o crescimento dos empréstimos hipotecários que, no período entre agosto de 1998 e fevereiro de 2001, acumularam uma alta de 8,7%, sendo que as taxas de juros para estas operações em dólares diminuíram e as operações em pesos praticamente desapareceram. (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 42)

4.2.1 – As moedas substitutas ou quase-moedas Em dezembro de 1999, assumiu o governo de Fernando de la Rua. Segundo Damill, Frenkel e Rapetti (2005, p. 23) a nova administração acreditava que a causa principal da recessão era o desequilíbrio fiscal e não a apreciação cambial e a vulnerabilidade financeira a choques externos.

O governo, então, adotou uma política fiscal contracionista. Acreditava que assim, atrairia novamente a confiança dos investidores e

134 restabeleceria o acesso aos mercados financeiros internacionais. Ao final de 1999, aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal112, que impunha a redução até zero dos déficits do setor público em poucos anos. Implementou-se também cortes nos gastos e elevação nos impostos.

No entanto, a lei de “déficit cero” foi aprovada na metade de 2001, quando os mercados financeiros internacional e local se fecharam ao governo argentino. Esta lei obrigava a administração nacional a equilibrar as suas contas imediatamente, mas garantia a cobertura de algumas rubricas como o pagamento de juros, as transferências às províncias e o pagamento de salários e aposentadorias inferiores a $500 pesos. Desta forma, inicialmente, efetou-se um corte de 13% sobre todas as rubricas não protegidas113.

Devemos lembrar que estas medidas fiscais contracionistas foram adotadas em um ambiente que estava sofrendo uma recessão desde 1998. Como já mencionado, os bancos também estavam restringindo o crédito para atender à fuga de depósitos que estavam sofrendo desde outubro de 2000 e que intensificou a partir de julho de 2001. Cumpre lembrar que o BCRA também estava perdendo reservas neste período.

É neste contexto marcado pela recessão, contração fiscal e de liquidez que surge as quase-moedas. As quase-moedas eram títulos ou bônus emitidos pelas províncias que foram utilizados para pagar os salários dos funcionários públicos e também para efetuar transações. Schvarzer e Finkelstein (2003a)114 definem quase-moedas como sendo títulos provinciais e nacionais que estiveram desempenhando a função de moeda, principalmente em transações mercantis. A tabela 4.5 abaixo reproduzida do trabalho destes autores, apresenta a denominação, o emissor e o volume emitido destes papéis. Schvarzer e Finkelstein (2003a, p. 3) afirmam

112

Lei 25152 sancionada em 25/08/99 e promulgada em 15/09/99. Damill, Frenkel e Rapetti (2005, p. 24) explicam que os gastos não protegidos eram fundamentalmente os salários e aposentadorias superiores a $500 pesos. 114 Este trabalho é o mais completo sobre o assunto. 113

135 que o conjunto das quase-moedas emitidas representou uma proporção próxima de 40% da circulação monetária em pesos.

Tabela 4.6 – Estoque de quase-moedas emitidas até dezembro de 2002, em milhões de pesos 115

Título Lecop Patacón Lecor Federal Cecacor Bocade Quebracho Boncafor Petrom Bono Publico La Rioja Patacón I

Emissor Nación Buenos Aires Córdoba Entre Ríos Corrientes Tucumán Chaco Formosa Mendoza Catamarca La Rioja Jujuy Total

Montante 3.225 2.705 800 237 206 173 100 73 70 32 17 6 7.645

Fonte: Reproduzido de Schvarzer and Finkelstein, (2003, p. 2) Obs: considera-se como emissor a província, no caso do Lecop é o Banco de la Nación.

Verificamos na tabela 4.6 que estes dois títulos sozinhos correspondiam a aproximadamente 78% do valor nominal do estoque total emitido. Devido à sua representatividade faremos um breve comentário apresentando suas características principais.

De acordo com os autores as quase-moedas surgiram em meados da década de 1980 quando as províncias estiveram sujeitas a uma situação de restrição de fundos por parte da nação. Porém, foi em meados do ano de 2001 com a emissão dos patacones e das LECOP’s (Letras de Cancelación de Obligaciones Provinciales) que o processo atingiu a dimensão conhecida.

A LECOP era um título emitido pelo Banco de la Nación por conta e ordem das províncias, com vencimento máximo de 5 anos mas que poderia ser resgatado antecipadamente. Não rendia juros podendo funcionar como uma moeda paralela. Schvarzer e Finkelstein (2003a, p. 3) acrescentam que estes

115

Na literatura consultada não há dados anteriores a dezembro de 2002 sobre as quase-moedas.

136 títulos foram “emitidos para resolver problemas fiscais frente às restrições impostas pelas regras da conversibilidade”.

Nenhuma jurisdição poderia receber estes títulos num montante superior à sua folha salarial mensal. A LECOP começou a funcionar como moeda quando também foi permitida a sua utilização para o pagamento de impostos nacionais e na compra de bens e serviços pelos empresários.

O patacón possuía as mesmas características da LECOP, mas pagando juros de 7% ao ano até o seu resgate. Foram emitidos em frações de até uma unidade, ou menos. Conforme Schvarzer e Finkelstein (2003a, p. 4), o ministro da economia da província de Buenos Aires explicou que a necessidade de pagar salários foi o fator determinante para a sua emissão. Segundo os mesmos autores:

“... os patacones nasceram com o mesmo critério que os LECOP e tinham um objetivo de ordem monetária, mais que financeiro em momentos de forte restrição do circulante pelas regras da conversibilidade.” (Schvarzer e Finkelstein, 2003a, p. 5)

De acordo com estes autores, a circulação monetária afetada pela redução das reservas internacionais caiu durante 2001, de $15.056 milhões de pesos a $10.960 milhões. A emissão das quase-moedas permitiu cobrir quase a metade da baixa do circulante em pesos sem afetar as regras da conversibilidade.

Em dezembro de 2001, as quase-moedas representavam quase 18,1% da base monetária ampla, atingindo 34,2% em junho de 2002, reduzindo-se posteriormente para 12,3% ao final deste mês. As quase-moedas constituíram um meio de pagamento final para a maior parte dos bens e serviços. (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 69)

137

4.3 - O corralito e a pesificação

No plano internacional, o ano de 2001 foi marcado pela desaceleração da economia mundial e pelos atentados terroristas em 11 de setembro em Nova York. O Federal Reserve e o Banco Central Europeu reduziram suas taxas de juros para amenizar os efeitos que os atentados teriam sobre a percepção de risco dos investidores internacionais.

Estes atentados provocaram uma fuga dos ativos considerados de risco deteriorando ainda mais as condições financeiras dos países emergentes. O gráfico 4.1 mostra que entre o final de setembro e começo de dezembro, o EMBI+ atingiu valores superiores a 1000 pontos, reduzindo-se ao final do ano e no começo de 2002, entretanto, considerando-se os valores para a Argentina, o risco país aumentava à medida que se ampliava a percepção de default pelos investidores internacionais.

Somando-se a isso ao final de 2001, o dólar dos Estados Unidos havia se valorizado cerca de 7% em relação ao euro. A economia brasileira também experimentava dificuldades: crise energética e demanda interna em deterioração, fazendo com que as autoridades brasileiras adotassem uma política monetária restritiva contribuindo para a desvalorização do real.

De acordo com Gastaldi, Buchieri e Ortiz (2004, p. 284-287), durante as disputas para a eleição presidencial de 1999, Eduardo Duhalde, governador da província de Buenos Aires, já propunha abandonar a conversibilidade

Em 10 de dezembro de 1999, Carlos Menem transferiu o poder a Fernando de la Rua. Em outubro de 2000, o vice-presidente Carlos Alvarez renunciou acelerando a crise política existente. Em março de 2001, Domingo Cavallo retornou ao governo novamente como Ministro da Economia substituindo a Ricardo López Murphy.

138 Domingo Cavallo tomou medidas que objetivavam a redinamização da economia, como a inclusão do euro na Conversibilidade, os planos de competitividade, o megacanje116 Estas medidas não foram bem aceitas ampliando a falta de apoio dos investidores internacionais que limitaram o financiamento ao setor público argentino. Diante desta situação o governo começou a incentivar ‘compulsivamente’ o financiamento do déficit público através dos bancos locais e do sistema de fundos de pensões. (Gastaldi, Buchieri e Ortiz, 2004, p. 286)

Os agentes econômicos desconfiaram da insolvência do Estado acelerando a corrida bancária devido à alta exposição dos bancos em títulos públicos.

Desta forma, o sistema financeiro argentino enfrentou, no último trimestre de 2001, uma séria fuga de depósitos que estava afetando a estabilidade do sistema. Em 30 de novembro de 2001, o governo, pelo Decreto 1570 fechou o mercado cambial e impôs restrições à retirada de efetivo (moeda em espécie). Esta proibição à retirada de depósitos ficou conhecida como corralito e foi aplicada, principalmente, sobre as contas correntes, os depósitos de poupança, os depósitos a vista, tanto em pesos quanto em dólares. Era permitido sacar apenas $250 pesos ou dólares.

Damill, Frenkel e Rapetti (2005, p. 25) afirmam que estas medidas tentaram evitar tanto a quebra do sistema financeiro nacional como um todo quanto a desobediência da regra da conversibilidade, desta forma, “nenhum banco, doméstico ou estrangeiro, queixou-se pela intervenção”. Os principais objetivos foram então: limitar a demanda de divisas, preservar o estoque de reservas e evitar a desvalorização da moeda.

Estas medidas provocaram protestos populares que resultaram na renúncia do Presidente Fernando de la Rua, que foi posteriormente substituído por Adolfo Rodríguez Saá que decretou a cessação de pagamentos da dívida, 116

Ver Schvarzer e Finkelstein (2004).

139 mas que também renunciou sob fortes protestos populares. Assumiu, então, Eduardo Duhalde que decretou o fim da conversibilidade.

O ano de 2002 marcou o fim oficial e definitivo do Plano de Conversibilidade e do sistema bimonetário argentino. O Anexo 1 apresenta uma síntese das principais normas legais adotadas em 2001 e 2002 para gerenciar este processo.

O corralito não conseguiu parar a fuga de depósitos do sistema financeiro argentino. De acordo com Schvarzer e Finkelstein (2003b, p. 3) conforme as aplicações a prazo fixo iam vencendo, os depositantes as transferiam para contas mais líquidas como as contas correntes e as contas de poupança, para efetuarem a retirada de seus valores. Dessa forma, em 09 de janeiro de 2002, o governo impôs o corralón, que tornou indisponíveis os depósitos a prazo fixo.

Bello (2002, p. 265) afirma que, para obter dinheiro de forma rápida, os argentinos estavam vendendo suas aplicações a prazo fixo presas no corralito. Além disso, a autora ainda destaca dois riscos que esta atitude procurava evitar: os “riscos de receber títulos de um Estado falido, valendo entre 20% a 30% de seu valor de face” e, “a possibilidade de falência de alguns bancos, impossibilitados de devolver aos seus clientes os valores depositados.”

O primeiro trimestre de 2002 foi caracterizado por um contexto de forte incerteza que impulsionou os agentes econômicos a substituírem seus ativos financeiros domésticos por estrangeiros pressionando o mercado de câmbio. A taxa de câmbio nominal sofreu uma expressiva desvalorização, atingindo no final de março o valor de $2,90 pesos por dólar. (BCRA, 2003, p. 15)

No dia 06 de janeiro de 2002, o Congresso argentino sancionou a Lei de Emergência Pública e Reforma do Mercado Cambial117, através desta 117

Lei 25.561, sancionada em 06/01/02 e promulgada em 06/01/02.

140 lei, o regime de conversibilidade foi definitivamente abandonado. O BCRA foi autorizado a intervir no mercado cambial utilizando os seus próprios recursos ou emitindo moeda para isso.

Estabeleceu-se um mercado de câmbio oficial e outro livre cuja atividade seria regulamentada pelo BCRA. No mercado oficial, definiu-se uma paridade fixa de $1,40 por dólar. As transações efetuadas neste mercado deveriam ser autorizadas pelo BCRA. O restante das outras transações deveria ser efetuado no mercado livre, onde o BCRA estava autorizado a intervir quando fosse necessário.

Através do Decreto 260/02 de 08 de fevereiro de 2002 o mercado cambial foi unificado. A Resolução 6/02 do Ministério da Economia apresentou uma primeira versão do cronograma de vencimentos reprogramados dos depósitos bloqueados pelo corralito. Esta resolução permitiu aos possuidores de contas a vista em dólares118 a possibilidade de converterem a pesos os seus saldos pela taxa de $1,40. Esta resolução também autorizou que se sacasse até US$ 500 por mês das contas em moeda estrangeira. Estas medidas aumentaram a desconfiança dos agentes sobre uma possível e futura desvalorização. A Lei 25.562119 modificou a Carta Orgânica do BCRA consentindo que este outorgasse adiantamentos e redescontos para dar assistência às entidades financeiras com problemas de liquidez.

No princípio de fevereiro, o Decreto 214/02 estabeleceu a conversão a pesos de todas as obrigações de dar somas de dinheiro expressas em moeda estrangeira. Entretanto, ocorreu o que se passou a denominar de “pesificação assimétrica”, uma vez que todos os depósitos em moeda estrangeira deveriam ser convertidos à taxa de $1,40, enquanto que as dívidas em moeda estrangeira deveriam ser convertidas à taxa de $1,00. 118

Era possível converter até US$ 10.000 no caso das contas correntes e, até, US$ 3.000 no caso das cadernetas de poupança. 119 Esta lei foi sancionada em 23/01/02 e promulgada em 06/02/02.

141 Uma vez convertidas a pesos, tanto os empréstimos quanto os depósitos teriam os seus valores corrigidos pelo Coeficiente de Estabilização de Referência (CER), que refletia a evolução do Índice de Preços ao Consumidor (IPC). Na metade do ano, os empréstimos em dólares concedidos as pessoas físicas passaram a ser corrigidos pela evolução do Coeficiente de Variação Salarial (CVS).

Schvarzer e Finkelstein (2002, p. 2) afirmam que os depósitos em dólares não se converteram automaticamente em pesos como determinado pelas normas. Os autores sustentam que no período compreendido por 10 de janeiro de 2002 até 08 de março de 2002, a retirada de depósitos do sistema financeiro foi sustentada pelo BCRA mediante emissão monetária. De acordo com os autores, o BCRA emitiu 4 bilhões de pesos fazendo com que a circulação monetária se elevasse para 40%. A totalidade desta emissão dirigiuse às instituições financeiras, não se registrando emissões adicionais para atender ao setor público. (Schvarzer e Finkelstein, 2002, p. 4-6)

A partir de 08 de março de 2002, o BCRA suspendeu a emissão monetária e começou a intervir ativamente no mercado de câmbio. O BCRA vendia as divisas no mercado para obter os pesos que eram repassados às instituições financeiras, que entregavam ao público que corria ao mercado cambial para comprar os dólares que o BCRA estava vendendo. Schvarzer e Finkelstein (2002, p. 6) observam que o BCRA se beneficiava com a alta da cotação do dólar pois, desta forma, ele obtinha mais pesos por cada dólar vendido de suas reservas.

Pelo Decreto 471/02 a pesificação foi estendida ao endividamento em dólares do setor público, tanto a nível municipal, provincial quanto nacional. Os montantes também foram corrigidos pelo CER.

Através do Decreto 905 de 31 de maio de 2002 o governo argentino estabeleceu o canje, a troca de depósitos reprogramados por títulos públicos, os

142 BODEN

120

. O governo emitiu três séries, 2007 (em pesos), 2005 e 2012 (em

dólares). A característica comum destes títulos era o fato de pagarem juros semestrais e um programa de amortização que começaria vários anos antes de seu vencimento nominal. Os emitidos em dólares pagariam a taxa dos depósitos em eurodólares a 6 meses de prazo no mercado interbancário de Londres correspondente a definição da taxa ativa LIBOR

121

, enquanto que o

título em pesos pagaria um juros de 2% ao ano e se amortizaria ajustado pelo CER.

Os bancos deveriam entregar garantias para adquirir os BODEN constituídas basicamente por títulos do setor público. Para dar continuidade a esse canje, o BCRA outorgou adiantamentos em pesos às instituições em troca das garantias mencionadas.

O Decreto 905/02 também estabeleceu que estes títulos poderiam ser utilizados para o pagamento de impostos devidos até 30 de junho de 2001, assim como para a compra de imóveis públicos ou para a construção de outros e, para a aquisição de veículos novos.

De acordo com o BCRA (2004, p. 13), desde o terceiro trimestre de 1998 até dezembro de 2002, PIB argentino teve uma queda acumulada de 15,6%. Considerando apenas o ano de 2002, a queda foi de 10,9%.

Durante 2002, verificou-se uma expansão da base monetária ampla122 de quase $14.200 milhões de pesos. Quase a metade deste incremento se verificou no quarto trimestre do ano, particularmente no mês de dezembro. O papel-moeda em poder do público aumentou aproximadamente $7.400 milhões de pesos. No primeiro semestre, a emissão de quase-moedas alcançou um crescimento próximo a $5.000 milhões de pesos e a acumulação de reservas bancárias ficou próximo de $1.800 milhões de pesos.

120

A sigla BODEN significa bonos del gobierno nacional en dolares estadounidenses. LIBOR significa London Interbank Offered Rate, é a taxa interbancária praticada no mercado londrino. 122 A base monetária ampla está definida como a somatória do papel-moeda em poder do público, com as reservas bancárias e com as quase-moedas. 121

143 A liquidação de divisas por exportação no BCRA se consolidou como o principal fator de expansão da base monetária ampla. Cumpre lembrar que foram restabelecidos o controle de capitais e a obrigatoriedade de liquidar no BCRA os saldos gerados pelas exportações, a partir de junho.

Outro evento observado que merece destaque foi a mudança de portfólio dos agentes. Na primeira metade do ano verificou-se a preferência por ativos denominados em moeda estrangeira em detrimento dos ativos em moeda doméstica, tendência que se reverteu na segunda metade.

O nível de intermediação do sistema financeiro reduziu-se dramaticamente como conseqüência do aprofundamento da crise e o impacto conjunto das medidas adotadas para o reordenamento do sistema. O corralito provocou

também

uma

severa

redução

no

consumo

interno,

e

conseqüentemente, nas importações.

Os empréstimos ao setor privado não-financeiro se reduziram 66% em moeda constante em relação com o final de 2001, enquanto os depósitos totais do setor privado, incluindo o saldo ajustado pela CEDRO123, caíram 55% em termos reais.

Quanto à estrutura patrimonial, observamos um avanço no crédito ao setor público124, que aumentou a sua participação em 26% ao longo do ano. Esta exposição ao risco de crédito do setor público se deveu às medidas envolvidas na pesificação, na conversão propriamente dita e da incorporação de títulos do governo nacional outorgados em compensação pela pesificação.

Devemos notar que grande parte dos títulos adquiridos, BODEN, estava denominada em moeda estrangeira, contribuindo para que o sistema mantivesse uma posição ativa líquida nesta moeda.

123

CEDRO significa certificados de pagamentos reprogramados. Este crédito ao setor público é composto por títulos públicos em carteira e compensações a receber do governo nacional e empréstimos propriamente ditos. 124

144 A participação dos empréstimos ao setor privado reduziu a sua participação dentro do ativo do sistema, passando a representar apenas 21% do total.

No que tange à qualidade das carteiras de crédito, estas apresentaram uma grave deterioração, sendo que os financiamentos em situação irregular cresceram quase 17% em comparação com dezembro de 2001. A carteira comercial associada ao consumo, até $200.000 pesos, foi o subgrupo mais afetado pela crise. Sua irregularidade passou de 17,3% em dezembro de 2001 para 46,7% em dezembro de 2002.

4.4 - O sistema bancário argentino sob a conversibilidade De acordo com Damill, Salvatore e Simpson (2003)125, o sistema bancário argentino ao final da conversibilidade enfrentou um contexto macroeconômico bastante desfavorável caracterizado por “...14 trimestres consecutivos de queda do produto e, em particular, pelo aumento extraordinário do prêmio de risco país e o racionamento do crédito que enfrentou o país, que estimularam a corrida bancária e a fuga de capitais.” (p. 60)

Ademais, os autores destacam também o papel das políticas econômicas adotadas que, ao mesmo tempo que, subestimaram o risco sistêmico valorizaram excessivamente o papel do mercado como regulador e orientador na tomada de decisões dos agentes.

O risco sistêmico estaria associado à impossibilidade do BCRA agir como emprestador de última instância na maior parte do período, em um

125

O trabalho deste autores é o mais completo sobre a evolução do sistema financeiro sob a conversibilidade.

145 sistema altamente dolarizado e a forte subestimação do descasamento de moedas associado a este sistema financeiro dolarizado126.

Cumpre lembrar que o sistema bancário argentino, devido ao recebimento de depósitos e a concessão de empréstimos em dólares, expandiu a oferta de moeda em dólares por meio do multiplicador monetário. Conesa (2002, p. 5) ao comentar este fato afirma que:

“... um dos maiores erros técnicos dos economistas da Conversibilidade foi estabelecer encaixes fraccionários para os depósitos bancários em dólares. Ele permitiu multiplicar os depósitos em dólares por cinco, sem que existam as verdadeiras notas de dólares nem um Banco Central capaz de criá-los.”

Outro aspecto que Damill, Salvatore e Simpson (2003) destacam é a política de crédito direcionado às famílias127, com operações de curto prazo, em detrimento ao investimento produtivo, caracterizado pelo longo prazo. Os autores destacam que, a despeito do avanço que representou o novo marco regulatório do sistema, este necessitava de normas que amenizassem os efeitos de uma crescente inadimplência do setor produtor de bens e serviços nontradables.

Perry e Serven (2002) também identificam como sendo um das vulnerabilidades das regulamentações prudenciais adotadas, “a falta de reconhecimento do risco especial dos empréstimos a devedores no setor nontradable - um risco creditício que se materializaria no caso de choques adversos significativos que levassem a um ajuste deflacionário”. (p. 365)

A política adotada pelas autoridades monetárias de elevar os requisitos mínimos de liquidez e os requisitos de capital próprio acima dos

126

Além de Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 60) outros autores apontam estes aspectos como sendo as vulnerabilidades fundamentais do regime de conversibilidade argentino. Ver Yeyati (2002). 127 Dentre estas operações destaca-se o crédito ao consumo, ao investimento residencial, ao investimento no comércio e ao fornecimento de capital de giro.

146 definidos pelos Acordos da Basiléia gerou um custo regulatório elevado que se refletiu nas margens de intermediação.

“estes custos, por outro lado, são função positiva do prêmio de risco país, seja através do aumento do custo de capital ou do diferencial entre o custo do fundo dos bancos e o rendimento médio dos requisitos mínimos de capital” (Damill, Salvatore e Simpson, 2003, p. 63)

Além dos fatores já mencionados no decorrer deste trabalho que impactaram sobre a magnitude das taxas de juros e sobre o seu diferencial entre as operações em pesos e em dólares, Damill, Salvatore e Simpson (2003) ressaltam que os bancos mantinham, em geral, 75% das suas reservas em pesos e apenas 25% em dólares. Isto ocorria porque a maior parte dos depósitos à vista estavam em moeda doméstica, dado o seu caráter transacional originando a escassez de pesos no mercado para a integração dos encaixes técnicos e a conseqüente elevação das taxas nesta moeda.

Outra vulnerabilidade do sistema financeiro que deve ser destacada é a exposição ao risco de insolvência do governo. De acordo com Perry e Serven (2002, p. 365) até 2000, esta exposição dos bancos era inferior a 20% dos ativos totais. Porém, em 2001, devido às crescentes restrições do mercado financeiro internacional em fornecer fundos, o governo, então se volta ao mercado local.

Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 66) acreditam que esta mudança de portfólio foi uma decisão administrativa das instituições decorrente da forte redução da combinação risco-retorno dos ativos privados. O marco regulatório não impunha um limite adequado à exposição dos bancos ao setor público. Em novembro de 2001, esta exposição equivalia a 27% do patrimônio líquido das instituições128.

128

Perry e Serven (2002, p. 365) comentam que a exposição dos fundos de pensão privados era superior ao dos bancos, mas não informam o montante.

147 Cumpre destacar também que as matrizes dos bancos estrangeiros com filiais na Argentina não cumpriram o papel de emprestadoras de última instância como era defendido pelos simpatizantes da conversibilidade. Conforme Damill, Salvatore e Simpson (2003, p. 68) estas instituições apresentaram um comportamento mais pró-cíclico em sua política de crédito, reduziram mais rapidamente sua exposição a linhas de crédito internacional e não representaram um aumento na concessão de crédito às pequenas e médias empresas (pymes).

No que se refere ao mito da independência do banco central, as crises sofridas pela Argentina confirmam que em ocasiões de instabilidades vigorosas, a independência é impossível e inconveniente.

Perry e Serven (2002, p. 366) advertem para o perigo da falta de um emprestador de última instância para o sistema de pagamentos. Este pode ruir frente a uma corrida mesmo tendo uma ampla liquidez, uma vez que ela se constitui apenas de uma pequena fração dos depósitos do sistema como um todo.

Damill, Salvatore e Simpson (2003) atentam para uma característica do crédito na Argentina que não pode ser captado pelos indicadores de liquidez, uma vez que estes subestimam o descasamento real de prazos. “A prática de financiar com dívida de curto prazo empreendimentos de longo prazo está incorporada na cultura do tomador de crédito na Argentina, particularmente entre as pymes...” (p. 69). Os bancos também preferem o crédito de curto prazo por facilitar a monitoração da situação da empresa devedora e permitiria a redução do descasamento de prazos. Então, o prazo médio dos depósitos nunca superou 47 dias, enquanto, o prazo médio de 80% dos créditos nunca excedeu 3 meses em momento algum da crise.

148

CONSIDERAÇÕES FINAIS A concepção do Plano de Conversibilidade tinha como objetivo restaurar a estabilidade monetária, assim como corrigir e eliminar aspectos presentes nas políticas econômicas passadas que geraram descontrole fiscal e monetário, que culminaram com a hiperinflação em 1989-1991.

Uma das questões fundamentais que se colocava era a recuperação da credibilidade na moeda nacional para que esta voltasse a exercer suas funções clássicas de meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. Faziase necessário também readquirir a confiança da população sobre as autoridades governamentais.

Assim, a Lei de Conversibilidade além de atar a moeda doméstica ao dólar dos Estados Unidos, restringiu os poderes do BCRA em sua faculdade de emitir moeda e financiar os gastos do governo, tendo em vista que esta emissão

descontrolada

foi

identificada

como

principal

causador

da

hiperinflação.

O dólar não apenas serviu de âncora cambial, mas também podia ser utilizado livremente ao lado da moeda doméstica e no sistema financeiro argentino em depósitos, empréstimos e contratos financeiros diversos, caracterizando assim o sistema bimonetário estudado neste trabalho.

O governo argentino foi adotando medidas que transformaram a dolarização informal (de facto) que existia na economia argentina na ocasião da adoção do plano, em uma dolarização oficial (de jure), acreditando que isto conferiria credibilidade à moeda nacional, o que não aconteceu.

O sucesso do plano no controle da inflação provocou um efeito riqueza que liberou um consumo reprimido prontamente atendido pelos bancos, que desfrutaram os benefícios da remonetização ocorrida com a entrada de capital estrangeiro. Os empréstimos às famílias e ao consumo se expandiram

149 muito mais que os empréstimos ao setor produtivo. Este efeito riqueza também foi responsável pela expansão da produção no setor de bens e serviços nontradables. Assim, as divisas entravam no país e geravam crédito para uma produção que não criaria as divisas correspondentes ao serviço da dívida.

A entrada de capital externo, seja através de investimento estrangeiro direto ou de privatizações, também gerava a necessidade de mais divisas que assegurassem o envio futuro de remessas de lucros e pagamento de juros. Deste modo, o passivo externo aos poucos foi se acumulando.

A Crise Tequila foi o primeiro choque sofrido pelo plano. Características em comum entre a economia mexicana e argentina produziu um efeito contágio. Temia-se que ocorresse o abandono da conversibilidade. Esta crise vivida pela Argentina, em geral, é identificada na literatura como uma crise cambial, visto que o temor à desvalorização condicionou os saques bancários. Destaca-se que, inicialmente, foram os depósitos a prazo em pesos que foram convertidos em dólares, posteriormente verificou-se a fuga também de depósitos em dólares. A corrida só se estancou após a confirmação da reeleição do presidente Carlos Menem e após o estabelecimento de um empréstimo com o FMI.

A economia se recuperou rapidamente como resposta à entrada de capital estrangeiro. A conversibilidade demonstrou ser um regime altamente dependente de divisas estrangeiras. Estas também eram necessárias ao bom funcionamento do sistema financeiro bimonetário existente na Argentina. Como regra imposta pela Lei de Conversibilidade o BCRA só poderia emitir moeda mediante a entrada de divisas estrangeiras.

No entanto, a lição que nos deixa este episódio é que os depósitos que foram convertidos em dólares e posteriormente sacados do sistema, foram os

depósitos

a

prazo

que

não

estavam

respaldados

pela

Lei

de

Conversibilidade. Além disso, as reservas internacionais do BCRA também não eram suficientes para cobrir a expansão monetária gerada pelo sistema bancário.

150 A concentração e a internacionalização do sistema financeiro se intensificaram com a privatização da maioria dos bancos provinciais públicos e com o fechamento da maioria dos bancos domésticos menores e dos cooperativos. Este processo estimulado pelo governo no intuito de aumentar a eficiência do sistema, na verdade, correspondeu a uma concentração geográfica do crédito nos grandes centros, em detrimento das regiões menos desenvolvidas do país. As pequenas e médias empresas também foram prejudicadas tendo em vista que eram os pequenos bancos cooperativos ou regionais que lhes conferiam crédito.

Com as crises russa e brasileira, e o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos, a percepção de risco dos investidores internacionais em relação aos ativos de maior risco se elevou. A contração na entrada de recursos estrangeiros, da demanda mundial e dos preços das commodities lançou a economia Argentina à beira do abismo.

A valorização do dólar apenas agravou a sobrevalorização real do peso impactando negativamente sobre a competitividade da economia argentina. A desaceleração da economia real repercutiu sobre o sistema bancário, que testemunhou a deterioração de sua carteira de crédito.

O alto nível de endividamento em dólares da população argentina comprometia a saúde financeira do sistema, tornando elevado os custos de saída e de abandono da conversibilidade.

As taxas de juros oscilaram, muito mais de acordo com a percepção de risco dos investidores internacionais do que em relação a condições domésticas. O diferencial entre as taxas de juros locais e as internacionais, compreendia o prêmio de risco país e a expectativa de desvalorização.

Concluímos que o sistema bimonetário não foi um fator determinante para a crise de 2001, uma vez que esta teve seu epicentro na economia real. Entretanto, a dolarização das dívidas, nele gerado, elevou os custos de saída e, o descasamento de moedas e de prazos nos balanços dos bancos

151 comprometeram a sua liquidez e solvência. Não é possível afirmar que, caso não tivesse ocorrido as crises internacionais na segunda metade da década de 1990, o regime de conversibilidade teria se mantido. Como já afirmado neste trabalho, o modelo de estabilização adotado baseado em um câmbio fixo possui uma contradição interna, a geração de déficits na balança de pagamentos, que amplia a vulnerabilidade externa da economia.

Além disso, o uso da dupla moeda não gerou a credibilidade e a confiabilidade desejada pelas autoridades argentinas entre a população e entre os investidores internacionais, nem em relação à capacidade do governo em gerenciar a economia nem sobre a solidez do sistema bancário.

A adoção do plano de conversibilidade, a liberalização comercial e financeira, a internacionalização do sistema bancário e o sistema bimonetário não ofereceram os benefícios esperados, o principal foi não ter conferido credibilidade à moeda nacional.

A fuga da moeda nacional para um ativo estrangeiro ficou evidente nos momentos de crise experimentados pela Argentina na década de 1990. Os efeitos das corridas bancárias sobre o sistema foram exacerbados devido à falta de um emprestador de última instância capaz de dar liquidez ao sistema, principalmente, em moeda estrangeira.

As regulamentações prudenciais, apesar da sua rigidez, não conferiram ao sistema financeiro uma imagem de solidez perante o público. Ademais, os altos níveis dos requisitos mínimos de liquidez elevaram as margens de intermediação encarecendo ainda mais o crédito. Não podemos esquecer que a lembrança de crises bancárias passadas e o confisco ocorrido por ocasião do Plano Bonex ainda estavam presentes na memória da população.

Outros aspectos devem ser destacados: a entrada de bancos estrangeiros não proporcionou os benefícios esperados, ou seja, uma

152 cobertura mais ampla na concessão de crédito, ou redução nas taxas de juros. Nem as matrizes operaram como emprestadoras de última instância em momentos de crise substituindo o BCRA, como se esperava.

A crise financeira argentina ainda é muito recente. Faz-se necessário analisar as medidas adotadas após o corralito e a pesificação e o seu impacto sobre o seu sistema financeiro. A falta de documentos com dados específicos das instituições financeiras com a composição detalhada de seu ativo e passivo prejudicou a elaboração do trabalho, uma vez que não foi possível mensurar o efeito do descasamento de moedas e identificar o comportamento dos prazos das operações em ambas as moedas. Também não está claro, pela literatura consultada, se após a liberalização do corralito, continuaria sendo permitida a manutenção de contas bancárias em moeda estrangeira.

O Plano Bonex representou o início da dolarização oficial uma vez que converteu os passivos bancários e a dívida do governo em títulos denominados em dólares. Em 2002, o governo argentino ofereceu também títulos dolarizados às instituições em operações de resgate das instituições. Uma questão que se coloca, que poderá ser objeto de futuras pesquisas, é se a dolarização na economia argentina ainda persiste e se ela retomou a sua característica informal observada antes da adoção do plano.

153

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171 SILVA, M. L. F. Plano Real e âncora cambial. Revista de Economia Política, v. 11, n. 3 (87), julho-setembro, 2002. Disponível em http://www.rep.org.br/pdf/871.pdf. Acesso em: 03/02/05;

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STIGLITZ, J. E. Rumo ao pós-Consenso de Washington, Política Externa, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 3-40. Setembro, 1998;

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172

ANEXOS

173 ANEXO 1 - RESUMO DAS PRINCIPAIS NORMAS LEGAIS OCORRIDAS AO FINAL DA CONVERSIBILIDADE Norma

Data

Descrição

Introdução de restrições à retirada de efetivos (Corralito) Restrições a extrações em efetivos e às transferências ao exterior, proibição de remessas de Decreto 1.570 01/12/2001 moeda estrangeira. Decreto 1.606

05/12/2001 Exceções ao Decreto 1.570

Emergência pública e modificação do esquema monetário e financeiro Emergência pública. Modificação da Lei de Convertibilidade. Conversão a pesos e reestruturação Lei 25.561 06/01/2002 de determinadas obrigações. Lei 25.562

08/01/2002 Modificação da Carta Orgânica do BCRA. Modificação da lei de Entidades Financeiras.

Decreto 71

10/01/2002

Decreto 71

10/01/2002 Mercado de câmbio oficial e mercado de câmbio livre (Comunicado "A" 3425).

Decreto 260

08/02/2002 Mercado único e livre de tipo de câmbio.

Regulamentação da Lei 25.561. Câmbio mercado oficial ($1,40). Condições para a conversão a pesos e reprogramação de determinadas dívidas.

Pesificação Pesificação (assimétrica) de todas as obrigações de dar somas de dinheiro em moeda estrangeira.

Decreto 214

04/02/2002

Decreto 320

15/02/2002 Alcances da Pesificação.

Decreto 410

08/03/2002 Exceções à Pesificação.

Comunicado "A" 3.507

13/03/2002

Decreto 471

13/03/2002 Pesificação da dívida pública regida pela lei argentina. Taxas de juros aplicáveis.

Regulamentação do alcance da Pesificação. Ajuste CER. Taxas máximas para obrigações de pagamento periódico.

Reprogramação de Depósitos Cronograma de vencimento da reprogramação dos depósitos (primeira versão). Novas imposições em dólares exclusivamente em forma de prazo fixo.

Resolução 6 M.E.

10/01/2002

Comunicado "A" 3.426

10/01/2002 Reprogramação de depósitos (primeira versão)

Resolução 9 M.E.

11/01/2002 Modificação do Cronograma de Vencimentos da Reprogramação.

Resolução 10 M.E.

11/01/2002 Exceções à Reprogramação s ser ditada pelo BCRA.

Resolução 18 M.E.

18/01/2002 Modificação do Cronograma de Vencimentos Reprogramado.

Resolução 23 M.E.

22/01/2002

Comunicado "A" 3.443

22/01/2002 Alterações de depósitos reprogramados, transferência de $7.000 a depósitos a vista.

Comunicado "A" 3.446

24/01/2002 Exceções à Reprogramação. Casos especiais.

Resolução 46 M.E.

07/02/2002 Novo Cronograma de Vencimentos Reprogramados. Cronograma Definitivo.

Resolução 10 M.E.

13/03/2002 Alterações para pagamento de obrigações com o Estado.

Comunicado "A" 3.644

25/06/2002 Sugestões de melhorias na reprogramação de depósitos.

Modificação do Cronograma de Vencimentos Reprogramado. Alterações para pagamentos de salários, impostos, financiamentos, etc.

CANJE I Decreto 905

01/06/2002 CANJE I - reprogramados por BODEN

Resolução 81 M.E.

13/06/2002 CANJE I. Procedimentos. Deduções. Licitação BODEN US$ 2005

Comunicado "A" 3.637

15/06/2002 Instrumentação CANJE I.

174

ANEXO 1 - RESUMO DAS PRINCIPAIS NORMAS LEGAIS OCORRIDAS AO FINAL DA CONVERSIBILIDADE (Continuação) Norma

Data

Descrição

CER e CVS Decreto 214

04/02/2002 Pesificação (assimétrica) de todas as obrigações em dinheiro em moeda estranjeira

Comunicado "A" 3507

13/03/2002

Decreto 762

07/05/2002 Exceções ao CER. Coeficiente CVS.

Decreto 1.242

15/07/2002

Lei 25.642

19/09/2002 Prórroga do ajuste por CER, para dívidas inferiores a $ 400.000

Comunicado "A" 3.762

07/10/2002 Regulamentação das exceções ao CER.

Regulamentação do alcance da Pesificação. Ajuste CER. Taxas máximas para obrigações de pagamentos periódicos.

Exceções ao CER. Normas regulamentares. Taxa de juros aplicável. Metodologia de cálculo do CVS.

Concursos e Quebras Emergência produtiva e creditícia até 10/12/2003. Suspensão durante 180 dias das execuções judiciais e extrajudiciais.

Lei 25.563

15/02/2002

Lei 25.589

16/05/2002 Altera a Lei 25.563

Lei 25.640

11/09/2002 Prorroga por 90 dias a suspensão das execuções.

Amparos Decreto 214

04/02/2002 Suspende por 180 dias o cumprimento de medidas cautelares

Decreto 320

15/02/2002 Altera redação do Decreto 214

Lei 25.587

20/04/2002 Restrição de medidas cautelares (lei "Antigoteo")

Decreto 1.316

24/07/2002

Suspensão por 120 dias do cumprimento e execução de medidas cautelares e sentenças definitivas, exceto casos de exceção.

Adiantamentos e redescontos para atender situações de iliquidez Alteração da carta orgânica do BCRA. Assistência por liquidez ao patrimônio de entidade em Lei 25.562 08/01/2002 casos de exceção. Comunicado "A" 3.524

22/03/2002 Redescontos e adiantamentos. Juros aplicáveis. Proibição de participar em licitações do LEBAC.

Comunicado "A" 3.607

13/05/2002 Assistência por liquidez. Capitalização de 100% dos juros.

Comunicado "A" 3.623

04/07/2002 Assistência prorrogada ou renovada. Juros aplicáveis

Comunicado "A" 3.748

27/09/2002

Prórroga do vencimento de assistência até 01/2003, taxa de juros aplicável. Limites ao crescimento de ativos.

Compensação a Entidades Decreto 905

01/06/2002 "bono" de compensação e de cobertura

Comunicado "A" 3.650

28/06/2002 Cálculo da compensação.

Decreto 2.167

29/10/2002 Subscrição de "bono" de cobertura

Comunicado "A" 3.805

15/11/2002 Alteração no Decreto 2.167/2002. Alteração no cálculo da compensação.

Novas colocações Comunicado "A" 3.485

22/02/2002 Prazos fixos a 7 dias.

Comunicado "A" 3.527

25/03/2002 Prazos fixos a 7 dias. Depósitos em dólares constituídos e liquidados em pesos

Resolução 52 M.E.

16/04/2002 Depositos a vista em moeda estranjeira para casos de exceção.

Fonte: Reproduzido de BCRA, Boletín Monetario y Financiero Edición Anual 2002, Noviembre 2003, p. 89-90; Nota: As leis e decretos citados estão disponíveis no site:. Enquanto que as Comunicações do BCRA estão no site:

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