O PLEITO JUDICIAL E O MOVIMENTO SOS DUNAS DO PERÓ: um caso de participação popular envolvendo conselhos de Unidades de Conservação.

June 4, 2017 | Autor: Dalila Mello | Categoria: Socioenvironmental Conflicts
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O PLEITO JUDICIAL E O MOVIMENTO SOS DUNAS DO PERÓ: um caso de participação
popular envolvendo conselhos de Unidades de Conservação.


MACHADO, Louisie Dazzi
Mestranda em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação em
Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (PPGDC/UFF) E-
mail: [email protected]

MELLO, Dalila Silva
Professora do Instituto Federal Fluminense – Campus Cabo Frio, Doutoranda
do Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (PPGMA/UERJ).
[email protected]



Resumo

O PRESENTE TRABALHO OBJETIVOU ANALISAR O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A
ATUAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL E DA COMUNIDADE ACADÊMICA NA GESTÃO
PARTICIPATIVA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA DA CIDADE DE CABO
FRIO/RJ A PARTIR DO CONFLITO AMBIENTAL ESTABELECIDO PELA PROPOSTA DE
CONSTRUÇÃO DO MEGAEMPREENDIMENTO COSTA DO PERÓ, NO INTERIOR DA ÁREA DE
PROTEÇÃO AMBIENTAL DO PAU BRASIL . A UNIÃO DE INTERESSES E O ESPAÇO PARA
DIÁLOGO ENTRE TODOS ESSES ENTES VÊM SENDO REALIZADO NO COTIDIANO DAS
CIDADES E NAS REDES SOCIAIS, ENQUANTO QUE AS REUNIÕES DO CONSELHO DO
PARQUE ESTADUAL DA COSTA DO SOL SE CARACTERIZARAM COMO FERRAMENTA ESSENCIAL
PARA A EXPLICITAÇÃO PÚBLICA E O PEDIDO DE RECONHECIMENTO DESTAS DEMANDAS
SOCIAIS. A FERRAMENTA UTILIZADA COMO REAÇÃO E ENFRENTAMENTO POPULAR À AÇÃO
ESTATAL QUE VIOLENTA O DIREITO DIFUSO AO MEIO AMBIENTE É, PORTANTO, A
PROVOCAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO ATRAVÉS DO PLEITO JUDICIAL JUNTO AO
MINISTÉRIO PÚBLICO.


Palavras-chave: conflito ambiental, participação, unidades de conservação
da natureza.


ABSTRACT

THIS STUDY AIMED TO ANALYZE THE ROLE OF SOCIAL MOVEMENTS, CIVIL SOCIETY AND
THE ACADEMIC COMMUNITY IN PARTICIPATORY MANAGEMENT OF NATURE CONSERVATION
UNITS IN CABO FRIO / RJ FROM ENVIRONMENTAL CONFLICT ESTABLISHED BY THE
PROPOSED CONSTRUCTION OF THE MEGA PROJECT COSTA DO PERÓ, INSIDE THE
ENVIRONMENTAL PROTECTION AREA OF PAU BRAZIL. THE UNION OF INTERESTS AND THE
SPACE FOR DIALOGUE BETWEEN ALL OF THESE ENTITIES ARE BEING CARRIED OUT IN
EVERYDAY LIFE OF CITIES AND SOCIAL NETWORKS, WHILE MEETING THE COUNCIL OF
THE COSTA DO SOL STATE PARK WERE CHARACTERIZED AS AN ESSENTIAL TOOL FOR
PUBLIC EXPLANATION AND APPLICATION RECOGNITION OF THESE SOCIAL DEMANDS. THE
TOOL USED AS REACTION AND POPULAR FACE ON STATE ACTION THAT VIOLENT DIFFUSE
RIGHT TO THE ENVIRONMENT IS THEREFORE A PROVOCATION OF THE JUDICIARY
THROUGH THE JUDICIAL PROCEEDING BEFORE THE PUBLIC MINISTRY.

Key-words: environmental conflict, participation, diffuse rights, nature
conservation areas.



INTRODUÇÃO

A cidade de Cabo Frio, além de apresentar grande beleza natural,
possui diversas áreas de regiões de grande interesse ecológico e abriga
Unidades de Conservação da natureza, de diferentes categorias de manejo.
Dentre elas, trataremos especificamente nesse trabalho sobre a Área de
Proteção Ambiental do Pau Brasil e o Parque Estadual da Costa do Sol.
A partir da década de 1970, houve uma ampliação da atividade turística
na Região dos Lagos, viabilizada pela construção da ponte Rio-Niterói e da
rodovia BR-106. A consequência da dinamização do turismo litorâneo foi a
ampliação da demanda por residências e terrenos para veraneio e uma rápida
expansão dos loteamentos, hotéis e outros imóveis. Uma das principais obras
que tem o projeto de ser instalada na cidade é um resort, o
Megaempreendimento Costa do Peró. O projeto de construção desse
empreendimento está localizado em uma região específica da Área de Proteção
Ambiental do Pau Brasil, onde se encontram dunas móveis e restingas.
Todavia, a concordância acerca da construção desse empreendimento não
é unânime. Moradores locais, pescadores, surfistas, velejadores e
pesquisadores da comunidade acadêmica têm protagonizado uma distinta luta
jurídica e social contrária à instalação do resort, que se constituiu num
conflito ambiental gerado pelo embate entre as forças pró-desenvolvimento
econômico e imobiliário e forças ambientalistas em prol da conservação.
Assim, o presente trabalho objetivou analisar o papel dos movimentos
sociais e a atuação da sociedade civil e da comunidade acadêmica na gestão
participativa das Unidades de Conservação da cidade de Cabo Frio/RJ a
partir do conflito ambiental estabelecido entre duas vertentes: a primeira,
que demanda a área para a construção do Club Med e outros equipamentos
hoteleiros e habitacionais pertencentes ao Megaempreendimento Costa do
Peró, no interior da Área de Proteção Ambiental do Pau Brasil e a segunda,
os pleitos populares para a inclusão dessa área nos limites do Parque
Estadual da Costa do Sol, que tem seu Plano de Manejo em fase de revisão.
Como problema da pesquisa, tentamos questionar e entender a maneira
através da qual a população participa das questões ambientais na cidade de
Cabo Frio. Como categorias de analise, utilizamos os conceitos de Gestão
Participativa em Unidades de Conservação (LOUREIRO, 2003) como um impulso
de experiências de fomento à participação popular vinculada a processos de
desenvolvimento local, além da análise da concepção do direito à cidade
aqui entendido como um direito coletivo que inclui o direito de reinventar
a cidade, renovando a vida urbana (HARVEY, 2012; LEFEBVRE, 1961).
Desse modo, afirma-se, com fins de hipótese para o trabalho, que a
união dos interesses locais e o espaço para diálogo entre os entes que
tutelam os interesses difusos é realizada no cotidiano das cidades e nas
redes sociais. Igualmente, Conselho do Parque Estadual da Costa do Sol se
apresenta como ferramenta essencial para a explicitação pública de demandas
sociais, além de se mostrar como um fórum que permite um espaço de diálogo
e de debate coletivo.
Entendemos, então, que esses pleitos dos movimentos sociais, surgidos
no espaço público, organizados e sistematizados pelas ONGs e pela
comunidade acadêmica, são levados a juízo através da intermediação do
Ministério Público. Conclui-se, portanto, uma prática incipiente de
atuação, de luta e, principalmente, de formas de fazer valer o seu direito
e a sua voz realizada por indivíduos educados politicamente em uma
sociedade recém redemocratizada. Nesse ponto, constatamos que o Ministério
Público é, por certo, o órgão procurado pelos movimentos sociais de Cabo
Frio para tutelar a defesa dos direitos transindividuais.


1. HISTÓRICO DA ÁREA E APRESENTAÇÃO DO CONFLITO


Localizada entre os municípios de Armação dos Búzios e Cabo Frio, a
Área de Proteção Ambiental do Pau Brasil ( APAPBR) estende-se entre a praia
de Tucuns e o Canal do Itajuru, numa área total de 10,5 mil hectares.
Estende a sua proteção a uma parte marinha, incluindo o fundo do mar, a
lâmina d'água e a superfície, compreendendo as Ilhas Comprida, Redonda, do
Papagaio, Dois Irmãos, Capões e Emerências. Além das ilhas, fazem parte da
área delimitada pela APAPBR as praias do Peró, de José Gonçalves, das
Caravelas, das Conchas, Brava e de Tucuns.
A APABR foi criada pelo Decreto Estadual nº 31.346 de 6 de maio de
2002, e teve o seu Plano de Manejo aprovado pelo Decreto Estadual n° 32.517
de 23 de dezembro de 2002. O conselho da Unidade, criado pela Portaria
Inea/Dibap nº 01, de 30/11/ 2009 conta com 29 instituições participantes.
Sua criação se deve ao fato de a região originalmente possuir grande
patrimônio arbóreo, com área formada por floresta típica coluvial, de
substrato aluvionar, restinga de arbustos característicos e de vegetação
intermediária assemelhada à estepe do nordeste brasileiro (COE, 2010) A
região conta com dunas e formações de lagoas salinas. Nessas áreas, é comum
a vegetação de restinga numa faixa larga de terreno arenoso.


Figura 1 – Zoneamento da Área de Proteção Ambiental do Pau Brasil

Fonte: Site INEA, 2015


Devido a sua beleza natural e clima ameno, a área é um grande foco de
atenção turística, de exploração imobiliária e de atividades de urbanização
que passam a alterar cada vez mais significativamente o meio natural. A
criação da APABR teve como principal objetivo o controle e fiscalização
dessa urbanização e modificação do meio, uma vez que, atualmente, mais de
30% da área já foi loteada e ocupada, reduzindo o aspecto original das
matas típicas a bairros que variam do luxo ao básico absoluto (COE, 2010).
De acordo com seu plano de manejo, aprovado pelo Decreto Estadual n°
32.517 de 23 de dezembro de 2002, a APABRl é dividida nas seguintes zonas:
Zona de Preservação da Vida Silvestre –ZPVS; Zona de Preservação da Vida
Silvestre 1 – ZPVS1; Zona de Conservação da Vida Silvestre – ZCVS; Zona
de Influência Ecológica – ZIE; Zona de Uso de Aqüiculturas – ZUAQ; Zona de
Ocupação Controlada – ZOC.
A Zona de Preservação da Vida Silvestre (ZPVS) é a única em que nenhum
tipo de ocupação antrópica é permitida e tem um regime semelhante ao dos
parques. É destinada à salvaguarda da biota nativa. Localizada em uma
espécie de meio-termo, a Zona de Conservação da Vida Silvestre (ZCVS)
admite o uso moderado e auto-sustentado da biota, apresentando potencial
para recuperação ou regeneração futura. Não é permitido, todavia, o o
parcelamento do solo. Há, nas ZCVS a possibilidade de admissão do o uso do
solo para fins turísticos e hoteleiros, residenciais uni familiares em
casos especiais, além de limitações para os projetos de todas as referidas
construções.
Além da APA do Pau Brasil, a região também possui uma Unidade de
Conservação do grupo de proteção integral representada pelo Parque Estadual
da Costa do Sol (PECS). O Parque, criado pelo decreto estadual nº 42929, de
18 abril de 2011, abrange os municípios de Araruama, Armação de Búzios,
Arraial do Cabo, Cabo Frio, Saquarema, São Pedro da Aldeia. Possui o
Conselho criado por Portaria nº 21, de 15 de fevereiro 2012, e tem seu
plano de manejo em fase de elaboração. Observa-se que em algumas áreas
ocorre uma sobreposição das duas Unidades de Conservação, A APA BR e o
PECS.
O Parque Estadual da Costa do Sol tem seus objetivos delimitados no
artigo 2° de seu decreto de criação. São eles: Assegurar a preservação dos
remanescentes de Mata Atlântica e ecossistemas associados da região das
baixadas litorâneas, bem como recuperar as áreas degradadas ali existentes;
manter populações de animais e plantas nativas e oferecer refúgio para
espécies migratórias, raras, vulneráveis, endêmicas e ameaçadas de extinção
da fauna e flora nativas; preservar restingas, mangues, floresta atlântica,
vegetação xerofítica, cordões arenosos, costões rochosos, brejos, lagoas,
lagunas, formações geológicas notáveis e sítios arqueológicos contidos em
seus limites; oferecer oportunidades de visitação, recreação,
interpretação, educação e pesquisa científica; assegurar a continuidade dos
serviços ambientais prestados pela natureza; e possibilitar o
desenvolvimento do turismo no interior do parque, conforme disposto em seu
plano de manejo, e atividades econômicas sustentáveis em seu entorno.
O foco do presente estudo envolve a reivindicação da inclusão da
região do Megaempreendimento Costa do Peró, bem como de outras áreas de
relevante importância ambiental nos limites do parque, por parte da
comunidade acadêmica, de representantes da sociedade local, inclusive dos
representantes das prefeituras municipais que compõem o PECS.
Esse pleito do Conselho do PECS acirra o conflito que será esmiuçado no
tópico a seguir.


Figura 3 – O Parque Estadual da Costa do Sol com seus quatro núcleos
compostos por diversos fragmentos de Mata Atlântica e ecossistemas
associados..

Fonte: site INEA, 2015


1.1 - Empreendimento Costa do Peró


A partir da década de 1970, houve uma ampliação da atividade turística
na Região dos Lagos, viabilizada pela construção da ponte Rio-Niterói e da
rodovia BR-106. A consequência da dinamização do turismo litorâneo foi a
ampliação da demanda por residências e terrenos para veraneio e uma rápida
expansão dos loteamentos, hotéis e outros imóveis.
O projeto do "complexo turistico-hoteleiro-imobiliario", que
inicialmente foi designado como "Resort Peró", em seguida como "Reserva do
Peró", e atualmente, Costa do Peró consiste em um empreendimento
imobiliário comportando as seguintes atividades e características:
estabelecimento hoteleiro denominado Club Med; mais quatro empreendimentos
hoteleiros, incluídos, um Hotel Butique e um Hotel junto ao Campo de Golf;
rua central com uso residencial e comercial e edificações com três
pavimentos, contando com um núcleo central de movimentação de pessoas, de
turismo, comércio e lazer; e implantação de 12 núcleos residenciais,
divididos em 1040 lotes, com previsão de adensamento de mais nove mil
pessoas, incluindo-se veranistas, residentes, hóspedes e empregados.
Durante o projeto de construção do empreendimento foram realizadas
audiências públicas em que foram ouvidos órgãos e entidades interessadas,
do poder público e de alguns órgãos de representação social, com pareceres
técnicos da INEA. O Resort tem o projeto para ser implantado numa área de
4.500.000m², ao longo de 3,5 Km da praia do Peró. Todavia, é visível que a
exata área de construção do resort é aquela determinada como ZPVS1 pelo
plano de manejo da APA do Pau-Brasil. Essa Zona é aquela criada
especialmente nessa região para permitir a construção da área em caso de
invasões.

Ocorre que nessa região da Praia do Peró encontra-se um dos três
campos de dunas escalonares existentes no Brasil:


A área possui dunas revestidas por vegetação típica de
restinga, que atuam como várzeas naturais para a área
adjacente, "onde ocorre o acúmulo de água em uma depressão
do terreno, dando origem a um brejo herbáceo" (COE, 2010).

É de se estranhar, portanto, o fato de que em uma área de dunas móveis
e restingas, obrigatoriamente definida pelo Código Florestal como Área de
Preservação Permanente e supostamente protegida pela Lei de Proteção do
Bioma da Mata Atlântica seja instituído um zoneamento em que a construção
urbana e a ocupação antrópica são permitidas. É inevitável concluir que a
ZPVS1 foi criada com a intencionalidade de criar condições para que o
empreendimento pudesse ser licenciado sobre uma Área de Preservação
Permanente.
Diante dessa situação, o Ministério Público ingressou com Ações Civis
Públicas a pedido das ONGs ambientalistas e ativistas na região, conforme
será analisado no decorrer do trabalho. Essa discussão continua em trâmite
na justiça, todavia, há uma grande luta por parte do Ministério Público e
da população para questionar uma situação controversa: por um lado, o
empreendimento está localizado em uma área em que a construção foi
autorizada pelo licenciamento ambiental estadual, por outro, em desacordo
com o Código Florestal. Além disso, a legislação municipal (LO1.968/2006)
que estabelecia critérios para o parcelamento do solo foi revogada
recentemente.
Todavia, desde o processo de criação do parque em 2011, a maioria das
entidades do conselho da APABR já vinham reivindicando a inclusão dessa
área no Parque Estadual da Costa do Sol. Essa reivindicação que não foi
atendida pelo governo do estado sob o argumento de que não poderia haver
inclusão de áreas previamente licenciadas, vem sendo intensificada, no
momento em que a elaboração do Plano de Manejo do Parque, que está
ocorrendo no biênio 2014/2015, possibilita a proposição de inclusão e/ou
exclusão de áreas em seus limites. Esse momento de participação e atuação
das entidades do Conselho do Parque reforça a solicitação de inclusão das
Dunas do Peró, uma vez que as licenças do empreendimento foram suspensas.


1.2 – Metodologia utilizada


Fundamentado nos pressupostos teóricos que compreendem as questões
ambientais como fenômenos complexos que demandam uma abordagem
interdisciplinar, analisamos o objeto nas suas interações com a economia e
a sociedade e adotamos a etnografia dos conflitos ambientais como
referencial neste artigo ( LITLLE, 2001).
A modalidade de pesquisa utilizada foi o Estudo de Caso, definido como
"investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo em
profundidade e em seu contexto de vida real, especialmente quando os
limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes" (YIN,
2010, p. 39) e que possibilita a compreensão de fenômenos complexos em um
curto espaço de tempo (LOUREIRO, 2007)
O tipo de pesquisa realizada é a pesquisa participante, que busca a
identificação entre sujeito e objeto - uma vez que ao estudar a sociedade,
estudamos nós mesmos - e a pesquisa-ação participante, que apresenta
estreita associação do pesquisador com uma ação ou resolução de um problema
coletivo (LOUREIRO, 2007). Ademais, a pesquisa participante visa levar a
população a participar ativamente da pesquisa, produzindo conhecimentos e
intervindo na realidade própria. (DEMO, 2008. p11) Nesse sentido, durante a
pesquisa, "os pesquisadores e participantes representativos da situação
estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo" desenvolvendo uma
amplitude de objetivos (LOUREIRO, 2007 p12 apud THIOLLENT, 2004 p14).
A pesquisa em desenvolvimento está sendo realizada através do
acompanhamento às reuniões do Conselho Consultivo do Parque Estadual da
Costa do Sol, conjugado com outras pesquisas e atuações profissionais das
autoras na área, que culminaram na coleta de dados e de informações de
maneira contínua, atuante, e em tempo pretérito.


2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA


2.1. Análise da Legislação Pertinente ao tema

A Constituição Federal de 1988 incumbe à coletividade a tutela do meio
ambiente trazendo como alicerces do direito ambiental a participação
popular, o direito à informação e o direito à participação nos processos de
tomadas de decisões de políticas ambientais (CACHE, 2014). Nesse sentido, a
legislação reconhece o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. (CRFB Art 225, caput).
Até meados dos anos 2000, a gestão política das unidades de
conservação era acompanhada pelo pleito das ONGs no sentido de
reconhecimento da necessidade de abertura democrática e participativa às
necessidades da sociedade civil. Posteriormente, houve o aumento
significativo das legislações "pró-gestão participativa", sendo possível
traçar uma linha de alterações após a implementação da legislação ambiental
que garantiu de forma institucionalizada a participação da população na
gestão das Unidades de Conservação (Lei n° 9.985/2000), na gestão
descentralizada dos Recursos Hídricos (Lei n° 9.433/1997) e na gestão
democrática na formulação e acompanhamento de projetos de desenvolvimento
urbano (Lei n° 10.257/2001)
No que tange a gestão das Unidades de Conservação, exercício do
direito difuso ao meio ambiente e o direito à participação popular na sua
gestão, foram regulamentados pela Lei 9985/2000, que determina as
diretrizes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Destacamos como
principais metas legais a participação efetiva das populações locais na
criação, implantação e gestão das unidades de conservação e o incentivo às
populações locais e as organizações privadas a estabelecerem e
administrarem unidades de conservação (Lei 9985/2000 Art 5°, III e V)
Institucionalmente, essa atuação é feita no âmbito dos conselhos
consultivos (Lei 9985/2000 art 19) ou deliberativos (DL 4340/2002 Art 17)
das unidades de conservação, que têm como principais atribuições:
compatibilizar os interesses dos diversos segmentos sociais relacionados
com a unidade, manifestar-se sobre obra ou atividade potencialmente
causadora de impacto na unidade de conservação e propor diretrizes para
compatibilizar, integrar e otimizar a relação com a população do entorno ou
do interior da unidade, conforme o caso (DL 4340/2002 Art 20, IV, VIII e
IX)
Os conselhos devem ter representação dos órgãos públicos, da
sociedade civil e do setor privado atuantes na região. A legislação
contempla como órgãos públicos os órgãos ambientais dos três níveis da
Federação e órgãos de áreas afins, tais como pesquisa cientí ca, educação,
defesa nacional, cultura, turismo, arquitetura, povos indígenas e
assentamentos de reforma agrária. (DL 4340/2002 Art 17 § 1°) e como
organizações da sociedade civil a comunidade cientí ca, as organizações não-
governamentais ambientalistas com atuação comprovada na região da UC, a
população residente e do entorno, população tradicional, proprietários de
imóveis no interior da unidade de conservação, trabalhadores e setor
privado atuantes na região e representantes dos Comitês de Bacia
Hidrográ ca. (DL 4340/2002 Art 17 § 2°).
Percebemos que a legislação inclui a iniciativa privada como sociedade
civil para ns de paridade, uma vez que os conselhos devem incluir os
atores sociais que estão diretamente envolvidos na gestão das unidades.
Esses atores operam através de instituições que representam um setor,
aplicando-se, então, o princípio do interesse público e da impessoalidade
da administração ao tutelar o bem comum e o interesse social em detrimento
dos interesses particulares.

2.2 - Gestão Participativa em Unidades de Conservação

Utilizou-se o conceito de Gestão Participativa em Unidades de
Conservação (LOUREIRO, 2003) como um impulso de experiências de fomento à
participação popular vinculada a processos de desenvolvimento local. Tais
experimentos significam um avanço na compreensão dos diferentes ambientes
onde tais experiências acontecem, uma vez que, segundo o autor, as
diferenças são indicadoras da própria diversidade de métodos a serem
utilizados. Esses métodos e caminhos devem, portanto, ser escolhidos
visando como melhor escolha aquela que pode propiciar o diálogo e a
integração entre os atores daquele contexto através de uma articulação
política que impulsona a transformação dos territórios.
Todavia, na medida em que a participação local é comunitária, há
sempre a possibilidade de orientações para revindicações específicas que
não são vistas como parte orgânica da "grande política", correndo o risco
de surgir uma participação integrada ao sistema político e seus vícios.
Dessa forma, o autor afirma que "a busca por novas formas de
governabilidade democrática passa pelo poder local e pela ampliação da
esfera pública, pois é a ação na territorialidade local, articulada às
questões políticas do Estado-nação, que os conflitos e tensões são mais
visíveis e os atores sociais se relacionam mais intensamente, tornando o
processo de reconfiguração das formas políticas e culturais e a concertação
entre os(as) envolvidos(as) uma tarefa árdua, mas qualitativamente
indispensável para a mudança de padrões societários" (LOUREIRO, 2007)

2.2. O exercício do direito à cidade como exercício de participação

Nesse sentido, por se tratar de uma Unidade de Conservação
eminentemente urbana, utilizou-se o conceito de Direito à Cidade (LEFEBVRE,
2001) como fundamentação teórica que vê a cidade através de dois pontos de
vista opostos: o valor de uso, como a cidade, a vida urbana e a utilização
desse espaço por parte da população; e o valor de troca, como os espaços
comprados e vendidos, o consumo dos produtos, dos bens e dos lugares.
Tal concepção busca "saber que tipo de cidade queremos" (HARVEY,
2012), como uma questão que não pode ser dissociada de saber que tipo de
vínculos sociais, relacionamentos com a natureza, estilos de vida,
tecnologias e valores estéticos nós desejamos. Nesse sentido, Harvey (2012)
vê o direito à cidade com uma perspectiva muito maior do que a própria
liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos e sim como um
direito de mudar o indivíduo, mudando e vivendo a cidade.
O direito à cidade se caracteriza, portanto, como um direito coletivo,
e não individual, já que essa transformação depende do exercício de um
poder coletivo para remodelar os processos de urbanização. Dessa forma, "a
liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós mesmos, é, a meu
ver, um dos nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais
negligenciados" (HARVEY, 2012)



3. RESULTADOS PRELIMINARES

3.1. O renascimento do Movimento pela preservação das Dunas: uma história
de sujeitos e instituições

De acordo com entrevistas e conversas informais realizadas com
integrantes do Movimento SOS Dunas do Péro, foi confirmado que o movimento
pela preservação das Dunas se iniciou na cidade de Cabo Frio em 2002 por
indivíduos integrantes de diversas áreas de atuação contrários à construção
do empreendimento. Na época, as ONGs AMA CF, Ateia e Viva Búzios,
provocaram o Ministério Público pleiteando pelo acionamento da justiça para
fiscalização das licenças cedidas pelo INEA para obra do empreendimento.
Essa Ação Civil Pública continua correndo na Justiça Federal. Todavia,
devido à morosidade judicial e ao desgaste dos indivíduos atuantes, o
movimento se esvaziou e perdeu a sua força no decorrer dos anos.
Posteriormente, em 2012, uma moradora local viu a construção sobre as
dunas, fotografou e expôs em sua página do facebook. Essa postagem teve
ampla divulgação entre ambientalistas, moradores e comunidade acadêmica. A
partir da indignação mostrada pelas pessoas na rede, novas ONGs e novos
sujeitos integraram o movimento, fazendo ele "renascer das cinzas" através
da página no facebook chamada "Vamos salvar o Peró da Especulação
Imobiliária".
Nesse contexto, representantes de ONGs locais e moradores de Búzios e
de Cabo Frio passaram a se juntar e a realizar eventos e reuniões que
pautavam a discussão sobre as artimanhas que envolviam a construção do
empreendimento. No mesmo ano, dois participantes do grupo fizeram um vídeo
disponibilizado no youtube sobre as Dunas do Peró e criaram a petição
pública do avazz, que reuniu, até o momento, mais de 7 mil assinaturas.
Dessa forma, o movimento, que reunia moradores locais, surfistas,
pescadores e pesquisadores acadêmicos geógrafos, biólogos e ambientalistas
teve como principal papel realizar a comunicação entre a sociedade e a
academia. Em 2014 foi criada a comunidade do Facebook "SOS Dunas do Peró",
momento em que surge o nome do movimento.
A partir daí, ocorreram encontros entre sujeitos de diversas entidades
que concordavam com a resistência contra a construção do empreendimento.
Foi nesse momento que a discussão entrou na pauta das reuniões do conselho
do parque, que serviu como espaço para a explicitação pública das demandas
sociais.
Utilizando as argumentações e solicitação expostas no espaço do
Conselho da APA do Pau Brasil, três pesquisadores e representantes de
instituições federais do Rio de Janeiro foram procurados pelo Ministério
Público Estadual para que a partir dali, uma nova demanda fosse
reconhecida.
Enquanto isso, o processo em curso na Justiça Federal se encontrava
parado processualmente. O motivo era o aguardo de parecer sobre o interesse
do IBAMA na questão. A possibilidade desse interesse surgia através da
constatação de que o licenciamento tinha sido fragmentado propositalmente
para que o órgão que aprovasse a construção fosse o INEA, e não o IBAMA,
como requer a lei.
Já que as ONGs autoras da ACP em 2002 não estavam mais em atividade,
os atuantes do Movimento SOS Dunas do Peró não podiam dispor de autonomia
para atuar na ação, uma vez que não tinham o arranjo formal de pessoa
jurídica e "organização social". Com o auxílio da ONG ECOAR, integrantes do
movimento redigiram um documento a partir dos trabalhos acadêmicos feitos
pela comunidade interessada. A partir daí, levaram essa demanda
pessoalmente ao IBAMA, solicitando, através desse ofício informal, a
manifestação do órgão no processo que se encontrava parado há mais de um
ano.
Através dessa ferramenta, o IBAMA se manifestou no processo alegando
ter interesse na causa, exigindo seu parecer sobre o assunto. Com isso, a
obra foi embargada por exigência do juízo. A ação continua em curso em
segundo grau. Percebemos, portanto, que através de caminhos extra-
institucionais, contando com o envolvimento pessoal de pessoas sensíveis e
comprometidas com a causa ambiental, o movimento conseguiu se articular e
se organizar judicialmente para se envolver nas questões de seu interesse.
Essas articulações ocorrem principalmente através espaço criado pelo
Conselho Consultivo do Parque Estadual da Costa do Sol. Esse conselho, por
sua vez, é composto de 24 membros, sendo eles os atores estatais: INEA
-Órgão Gestor/Executor, Prefeitura Municipal de Araruama, Prefeitura
Municipal de Armação dos Búzios, Prefeitura Municipal de Arraial do Cabo,
Prefeitura Municipal de Cabo Frio, Prefeitura Municipal de São Pedro da
Aldeia e Prefeitura Municipal de Saquarema. Como representantes das
organizações "da sociedade civil", temos as instituições: ASAERLA
(Associação de Arquitetos e Engenheiros da Região dos Lagos), CREA-RJ, IFF,
OAB, AMACONCHAS (Associação dos Comerciantes e Amigos da Praia das
Conchas), ASSEMP (Associação dos Empresários da Área de Proteção Ambiental
do Pau Brasil), AVECSOL (Associação de Vela da Costa do Sol), CILSJ
(Consórcio Intermunicipal Lagos São João), GEMA (ONG Grupo Educação para o
Meio Ambiente), IBEMA (ONG Instituto Ecológico Buzios Mata Atlântica),
IPEDS (ONG Instituto de Pesquisas e Educação para o Desenvolvimento
Sustentável), ONG Movimento Ressurgência, ONG Nucleo Ecológico José
Gonçalves, OADS (ONG Organização Ambiental para o Desenvolvimento
Sustentável) , ONG VIVA LAGOA, União das Associações dos Moradores e Amigos
de Cabo Frio, Universidade Estácio de Sá, Universidade Veiga de Almeida.
Em relação às ONGs, percebemos que após o reconhecimento da
importância da participação popular nos conselhos e na gestão ambiental,
consolidada peloa Lei do SNUC, houve uma modificação do perfil geral
dessas organizações. Anteriormente, as ONGs representavam a única
modalidade de instituição capaz de recepcionar e ouvir as demandas
populares. Após o surgimento da legislação que prevê, mesmo que
institucionalmente, a maior participação da "sociedade civil" na gestão
ambiental, percebemos que houve uma certa migração de indivíduos que
atuavam em ONGs para os fóruns de gestão reconhecidos por lei, Conselhos de
UC, Comitês de Bacia e Conselhos Municipais.
Percebemos, ainda, que os objetos tutelados pelas ONGs passaram focar
em maior escala o meio ambiente e a sua conservação. No século XXI, as ONGs
passaram a ter como papel, dente outros, denunciar os problemas e incomodar
os tomadores de decisão, tanto nos governos quanto nas empresas. A maior
liberdade, jovialidade e inquietude das ONGs torna-as mais capazes de
apontar a corrupção, o abuso aos direitos humanos, as injustiças sociais e
as tragédias ambientais (VIANA, 2015). O papel estratégico dessas
organizações tem se mostrado essencial para catalisar a energia necessária
para desenvolver soluções inovadoras para os complexos problemas ambientais
e desafios do século XXI e, como visto em campo, para auxiliar
institucionalmente o movimento social em suas demandas.

3.2. A solução para as demandas populares: a ativação do poder judiciário
através do Ministério Público
Percebemos, no caso estudado, que essas demandas construídas em
conjunto entre movimentos sociais e comunidade acadêmica dentro do espaço
do conselho são, a valer, pleitos pela efetivação dos direitos de natureza
difusa e/ou coletiva: em especial o direito ao meio ambiente equilibrado e
à gestão de suas unidades de conservação. A positivação dos direitos dessa
natureza e sua normatização legal a partir da década de 80 representam a
construção de uma nova categoria de direitos em uma sociedade em processo
de redemocratização dentro de um ordenamento de matriz liberal construído
sob pilares essencialmente individualistas. (ARANTES, 1999)
Nesse sentido, a Lei que institui a Política Nacional do Meio
Ambiente de 1981 pode ser considerada o marco jurídico inicial da
normatização de interesses difusos e coletivos no Brasil. Todavia, a tutela
desse novo tipo de interesse difuso não encontrava meios adequados à sua
defesa no processo judicial ordinário. (ARANTES, 1999) Utiliza-se, então,
um novo instrumento para sua defesa, a Ação Civil Pública.
A Ação Civil Pública, por sua vez, regulamentada em 1985 pela lei
7.347, destaca-se por ser um instrumento capaz de ensejar a defesa judicial
dos direitos ao meio-ambiente; ao consumidor; a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; a qualquer outro
interesse difuso ou coletivo; por infração da ordem econômica; à ordem
urbanística; à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou
religiosos e ao patrimônio público e social.
A promoção da ação civil pública incumbe, concorrentemente, ao
Ministério Público; a Defensoria Pública; a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios; a autarquia, empresa pública, fundação ou
sociedade de economia mista; a associação que, concomitantemente esteja
constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil e inclua,
entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e
social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre
concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Tal legitimação, com alterações realizadas pelas leis 11.448 e 13.004
promulgadas respectivamente nos anos de 2007 e 2014, tem o objetivo de
democratizar o uso do instrumento da Ação Civil Pública, permitindo a
defesa dos interesses coletivos por agentes públicos estatais e da
sociedade civil. Todavia, o que se percebe na prática é que as associações
civis têm apresentado uma performance bastante tímida, talvez por
desconhecimento ou mesmo por falta de condições adequadas à utilização
eficaz desse tipo de instrumento judicial (ARANTES, 1999).
De fato, a conclusão observada em micro escala no estudo do caso dos
conflitos levados à tona na gestão ambiental de Cabo Frio é que o
Ministério Público tem sido o agente mais importante da defesa de direitos
coletivos pela via judicial. Percebemos, in loco, que os pleitos
relacionados à tutela ambiental têm sido reconhecidos através de demandas
judiciais impetradas pelo Ministério Público a partir de exigências feitas
pela população reunida nos fóruns do Conselho Gestor da unidade.
É nesse ponto que discordamos do posicionamento apresentado por
Arantes (1999) de que:

"Entretanto, com a legitimação concorrente instituída
pela Lei no 7347/ 85, era de se esperar um vigoroso
crescimento do número de associações civis de defesa dos
interesses difusos e coletivos, promovendo ações judiciais
nas mais diversas direções; afinal, a lei só exige um ano
de existência e objetivos estatutários condizentes com a
defesa desses interesses. Ao contrário, não ocorreu nenhum
crescimento significativo nesse sentido e hoje o MP é o
responsável pela maior parte das ações civis públicas em
tramitação na Justiça. (...) Se antes, na esteira da
tradição liberal-democrática, normas programáticas tinham
de ser invocadas pela sociedade no terreno da luta
política, hoje, de acordo com a Constituição, elas podem e
têm sido levadas aos tribunais por obra principalmente do
Ministério Público." (ARANTES, 1999 p.90)



Compreendemos, conquanto, que não há o que se falar em "fragilidade da
sociedade brasileira e sua incapacidade crônica de manter sob controle o
Estado", muito menos em uma "sociedade civil fraca, desorganizada e incapaz
de defender seus direitos fundamentais", "hipossuficiente no jargão
jurídico". Percebemos que há, de fato, uma performance tímida da população
como autora das Ações Civis Públicas impetradas judicialmente. Todavia, no
caso estudado, observa-se a inquestionável e decisiva atuação dos
movimentos sociais na gestão ambiental de maneira influente, conforme
discorrido até então.
Percebemos, então, a prática incipiente de atuação, de luta e,
principalmente, de formas de fazer valer o seu direito e a sua voz
realizada por indivíduos educados politicamente em uma sociedade recém
redemocratizada. Nesse ponto, constatamos que o Ministério Público é, por
certo, o órgão procurado pelos movimentos sociais de Cabo Frio para tutelar
a defesa dos direitos transindividuais.
CONSIDERAÇÔES FINAIS

A análise dinâmica do conflito que ocorre na cidade de Cabo Frio nos
permite perceber que a articulação entre sociedade civil, comunidade
acadêmica e redes sociais favoreceu o renascimento do movimento social
local. A união desses entes se dá através da combinação de interesses em
comum, que tem o espaço para diálogo realizada no cotidiano das cidades.
As reuniões do Conselho do Parque Estadual da Costa do Sol
caracterizaram-se como ferramenta essencial para a explicitação pública de
demandas sociais. Observamos que o funcionamento do Conselho como uma peça
chave que oferece um espaço aberto para socialização e diálogo entre poder
público, entidades civis, população e comunidade acadêmica. Percebe-se, no
Conselho, a "construção da pactuação": a reunião de forças da comunidade
local e da comunidade acadêmica com o intuito de acordar de que maneira os
pleitos sociais podem ser levados a diante.
Esses pleitos, por sua vez, têm sido reconhecidos e garantidos através
das demandas judiciais. Constatou-se, enfim, que o Ministério Público e o
Poder Judiciário têm se apresentado com peças chaves no respaldo pelo
reconhecimento dos direitos individuais e coletivos contra arbitrariedades
realizadas na esfera administrativa da gestão ambiental. Objetivamente, a
obra em questão teve as licenças cedidas pelo INEA embargadas pelo poder
judiciário através da Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Publico
a partir de demandas feitas pela população reunida nos fóruns do Conselho
Gestor da unidade. Atualmente, a obra se encontra embargada judicialmente
em razão do pleito e da luta popular.
Esses pleitos, organizados e sistematizados pelas ONGs e pela
comunidade acadêmica, são levados a juízo através da intermediação do
Ministério Público. Findamos com a observação de que a participação popular
direta tem previsão legal, mas não apresenta, na prática, meios que
permitam a atuação da sociedade na gestão institucionalizada. A ferramenta
utilizada como reação e enfrentamento popular à ação estatal que violenta o
direito difuso ao meio ambiente é, portanto, a provocação do poder
judiciário através do Ministério Público.
Percebeu-se, então, a atuação cada vez mais significativa dos
moradores e da população local nas questões ambientais regionais. Constatou-
se que apesar da não-garantia de igualdade de oportunidades deliberativas à
população nos processos decisórios, a sociedade passou a utilizar o espaço
do Conselho como fórum no qual os diversos interesses sociais se articulam.
Conlui-se, portanto, que a participação popular tem sido a maneira mais
efetiva de impulsionar os membros do Judiciário para que a tutela pelo
direito difuso ao meio ambiente seja cumprida. Nesse sentido, constatou-se
que a população, mesmo que destituída de instrumentos políticos e
institucionais positivamente atuantes, buscou a sua própria maneira de
efetivar uma participação mais direta e eficaz.

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