o pode político dos bacharéis

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Opinião

O poder político dos bacharéis Publicado em 29 de maio de 2015

Crédito @fotolia/jotajornalismo

Por Fabiano Engelmann Professor da pós-graduação em Ciência Política da UFRGS e Coordenador do Núcleo de Estudos em Justiça e Poder Político da UFRGS

Parte significativa dos estudos sociológicos que buscam explicações para o recrutamento das elites judiciais enfocam a construção da autonomia das categorias de profissionais do direito que detém postos no Estado. Tentam explicar os fatores que contribuem para a consolidação de hierarquias entre os juristas e como as elites profissionais do direito se relacionam com outros segmentos detentores de parte do poder de Estado, tais como: parlamentares, gestores públicos e governantes eleitos. Em diferentes contextos a construção de um poder judiciário autônomo representou o investimento em um ethos de separação deste campo em relação ao espaço político. O predomínio do ideal de neutralidade das decisões judiciais, cientificidade das obras jurídicas e denegação do caráter político e arbitrário do poder judicial, podem ser observados como manifestações mais evidentes desse processo no mundo ocidental. No Brasil, a longa trajetória que une os políticos-bacharéis construtores do Império às diferentes categorias de profissionais do direito, tais como conhecemos hoje, tem no modelo corporativo da década de 30 um marco importante. Ao longo das décadas de 30, 40 e 50 proliferam associações de magistrados, promotores, advogados, e ocorre a consolidação de mecanismos burocráticos de recrutamento da base das carreiras jurídicas. Nessas décadas foram dados passos importantes para a construção da crença na neutralidade política das decisões judiciais e para um lento, porém contínuo,

enfraquecimento das solidariedades entre profissionais do direito de Estado e políticos profissionais. A emergência de outras espécies de expertises e burocratas especializados na condução dos poderes de Estado, ao longo do regime militar, contribuiu para a diminuição da presença dos juristas na esfera decisória governamental. A perda de espaço dos bacharéis no âmbito do Executivo, assim como a redução do poder de decisão política dos tribunais civis contribuíram para que as elites judiciais apostassem fortemente na construção de um modelo de poder autônomo ao longo do processo de redemocratização. Nesse investimento, obviamente contaram com o apoio de grupos políticos alijados do poder durante a ditadura militar e se beneficiaram da onda de mobilização em torno da (re)construção do Estado de Direito democrático . O “retorno” do direito e dos juristas ao espaço público após a redemocratização fortaleceu as condições de exercício da magistratura e potencializou o ativismo de novas categorias, como os promotores públicos, e mais recentemente; delegados de polícia e defensores públicos. Ao mesmo tempo induziu ao uso desses espaços institucionais com a judicialização de diferentes modalidades de causas coletivas e demandas oriundas de minorias políticas com espaço restrito nas esferas legislativa e executiva. O fortalecimento institucional e simbólico da independência do poder judicial pode ser relacionado também à mobilização da expertise jurídica como guardiã de um modelo de Estado formatado no processo constituinte. Ao longo das décadas de 90 e 2000 são nítidos os embates entre as diferentes categorias jurídicas e seu discurso de defesa do Estado, em relação a outros grupos que disputam o monopólio do sentido das instituições estatais. Destaca-se como exemplo os debates públicos com os economistas e outros porta-vozes da boa nova da internacionalização da economia e de processos de desregulamentação que tendem a enfraquecer a importância do Estado de Bem-Estar social como centralizador e distribuidor de recursos. No caso das cúpulas judiciais, entretanto, as pesquisas sobre os perfis dos ministros do STJ e STF atuando no Brasil na década de 2000 indicam padrões de carreira profissional onde o domínio da expertise jurídica e as relações de solidariedade com as elites políticas aparecem imbricados. Os mecanismos de recrutamento por indicações fortemente agendadas pelo espaço político tradicional evidenciam a importância de considerar os mecanismos que agem sutilmente na hierarquização do poder judicial. A comparação dos trajetos profissionais e políticos dos bacharéis posicionados na cúpula do Judiciário denotam a importância da inserção em redes políticas regionais e nacionais, assim como, em redes associativas, combinadas com longas carreiras jurídicas. Nos trajetos profissionais pode-se destacar como representativos, a presença em conselhos de instituições públicas, em diversos estados, conselhos da OAB, diretorias do Instituto dos Advogados Brasileiros, além da ocupação de cargos diretivos em associações estaduais e nacional de magistrados. Em um segundo conjunto exemplificativo da construção de relações com o espaço político, pode-se agrupar a ocupação de postos de chefia de departamentos jurídicos e assessorias em organismos do poder Executivo, e o exercício do cargo de procurador-geral municipal, estadual ou federal, todos dependentes de indicações políticas. Evidencia-se, portanto, a importância de duas formas de capital político. A primeira relacionada ao associativismo e à presença em conselhos e, a segunda, à ocupação de cargos de confiança privativos de bacharéis em direito no âmbito de esferas de governo. As lealdades com os governantes fortalecidas a partir dessas posições ocupadas parecem

fundamentais na ascensão à posição de elite judicial. Diferenciam-se do capital político relacionado à ocupação de postos no governo e mandatos parlamentares que são inexpressivos entre os ministros do STJ e mesmo entre os ministros do STF com atuação nas últimas décadas. A importância das relações políticas para a ascensão à condição de elite judicial mostra a complexidade do espaço jurídico. Em um sentido, necessita garantir sua autonomia em relação aos poderes políticos, parlamentares e governamentais, em outro sentido, as condições de acesso à cúpula do Judiciário dependem da proximidade com o poder político governante. Os níveis de solidariedade entre as elites judiciais e as elites políticas são uma dimensão de análise fundamental para a compreensão do exercício do poder judicial transpassando sua retórica institucional e todo o esforço de denegação da natureza política do direito que marcam a profunda e secular ambivalência do poder político dos bacharéis. TÓPICOS: COLUNA JUDICIÁRIO E SOCIEDADE, STF, STJ, TRIBUNAIS SUPERIORES

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