O poder em rede: a utilização das Hashtags no Twitter

July 6, 2017 | Autor: Michelli Possmozer | Categoria: Twitter, Poder, Hashtags, Internet
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O poder em rede: a utilização das Hashtags no Twitter1 Michelli POSSMOZER2 Fábio MALINI3 Universidade Federal do Espírito Resumo Este artigo visa a discutir o poder de utilização das hashtags no twitter, de modo a analisar de que maneira se estabele a relação entre os tuiteiros e essas ferramentas, bem como as motivações para tal uso. Para tanto, parte-se dos conceitos de Lévy, Castells, Manovich e outros autores para fundamentar a pesquisa empírica, que analisou tweets de 11 hashtags que foram distribuídas em quatro categorias: satíricas ou humorísticas; indignativas; ideológicas ou políticas; e opinativas. Palavras-chave Hashtags; Twitter; Cibercultura; Poder; Redes. Introdução Quanto mais o ciberespaço se amplia, mais ele se torna “universal”, e menos o mundo informacional se torna totalizável. O universo da cibercultura não possui nem linha, nem centro, nem diretriz. É vazio, sem conteúdo particular. Pierre Lévy

O surgimento das novas mídias trouxe à sociedade uma nova perspectiva sobre a forma de se relacionar e de se perceber a informação e até mesmo o próprio sujeito. Como afirma Lévy (1999), as tecnologias de comunicação e de informação inauguram um espaço inédito de vivência e interação entre as pessoas: o ciberespaço. Segundo o autor, esse novo espaço transforma o próprio conceito de cultura na rede, de maneira a mudar a forma de as pessoas se comportarem no meio virtual, na medida em que cada uma passa a ser um nó, que é dotado de uma essência particular. Ou seja, a heterogeneidade é onde reside o lugar da cibercultura. Ao mesmo tempo em que é a internet é universal, pois os nós encontram-se interconectados – independentes da sua localização geográfica física – é também sem totalidade, pois comporta a diversidade de sentidos.

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Artigo científico apresentado ao eixo temático “Redes Sociais, Comunidades Virtuais e Sociabilidade”, do IV Simpósio Nacional da ABCiber. 2 Estudante de Graduação 7º semestre do Curso de Jornalismo do DCS – Ufes; email: [email protected]. 3 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo do DCS - UFES, email: [email protected]. 1 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

Segundo Lévy (1999) a internet – assim como o ciberespaço – é resultado de uma inteligência coletiva. Isso porque as pessoas encontram-se interconectadas, o que favorece a emergência de relações sociais, potencializando as suas capacidades criativas e comunicativas, seja em comunidades virtuais, sites de relacionamento ou em listas de discussão. Desse modo, como o indivíduo passa de receptor a colaborador e essa relação se estabelece a partir de um relacionamento em rede, o produto dessa interconexão é “a formação de cooperação entre os cérebros, que resulta na mobilização de novas competências sociais” (Malini, 2007, p. 176). Diante desses aspectos, este artigo visa analisar de que maneira se dá a relação entre os usuários do twitter com a criação espontânea das hashtags 4 nesse dispositivo midiático, na medida em que os agregadores de conteúdo tomam uma proporção de poder tal que é capaz de burlar os mecanismos de controle existentes na própria rede.

Procedimentos metodológicos Este artigo está dividido em duas partes: teórica e empírica. Para compreender, teoricamente, o universo da internet, bem como a linguagem que passou a ser empregada com a informatização, a mudança no modo de organização da sociedade e também as relações de poder existentes na rede foi feita a leitura de teóricos especialistas nesses assuntos, tais como: Levy, Castells, Negri, Amaral, Foucault e Pelbart. Além disso, para complementação teórica, foram consultados artigos e teses de estudiosos da Comunicação. A realização da parte empírica deu-se em três etapas. Em um primeiro momento, realizaramse pesquisas no twitter e no site Google, bem como em sites de notícias, tais como UOL, Estadão, além de blogs pessoais, como o Meme de Carbono, a fim de identificar quais as hashtags que tinha tomado uma repercussão significativa na rede, em especial, aquelas que resultaram de um fato ou notícia. Após essa identificação, por meio do sistema de busca da Google, foi feita a coleta mínima de 50 tweets de cada hashtag em análise, a fim de obter uma mostra significativa para estudo. Ao analisar os agregadores de conteúdo selecionados, observei a necessidade de categorizá-las, tenho em vista que cada um denota uma característica que se difere na rede mediante a sua motivação, de modo que foram divididas em: satíricas ou humorísticas (as quais motivam os tuiteiros a criarem tweets de sátira ou até piadas); indignativas (aquelas que incentivam os tuiteiros a partir do sentimento mútuo de 4

Hashtags são ferramentas utilizadas para reunir assuntos com o mesmo conteúdo, que representadas pelo sinal # (hash) agregam todos tweets tenham a mesma palavra-chave. As hashtags mais usadas no Twitter ficam agrupadas no Trending Topics, localizado na barra lateral do microblog. 2 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

repudio, rejeição ou indignação); ideológicas ou políticas (que são motivadas a partir da consciência política das pessoas de um princípio ético); e opinativas (que permeiam o universo pessoal). É importante ressaltar que essa é uma análise inicial e que parte da observação de um universo limitado, restrito a 11 hashtags estudadas: #soniaabraofacts; #soninhafacts; #neymarfacts; #calaabocagalvao; #calaabocagilmarmendes; #foradilma; #foraserra; #fichalimpa; #forasarney; #prontofalei e #comofas. A fim de verificar o número de retuites que determinado tweet recebeu, foi utilizado o site Topsy.com.

Considerações iniciais: um breve histórico da internet Castells (2004) reforça a ideia de Levy (2009) ao trazer o conceito de que uma rede é um conjunto de nós interconectados. Segundo o autor, o ato de se relacionar em rede já faz parte da atividade humana há tempos, mas que essas redes ganharam uma característica especial ao se transformarem em redes de informação. Assim, a internet é o meio que inaugurou a comunicação de muitos para muitos numa escala global, de modo que passou a ser descentralizada e denominou a internet como um espaço onde as pessoas podem interagir sob a ótica da horizontalidade. De acordo com Castells (2004), no final do século XX, três processos independentes se uniram de maneira a dar início a uma nova estrutura social baseada em redes: a exigência de uma economia flexível e globalizada; demanda da sociedade por liberdade individual e uma comunicação aberta; e avanços na informática e nas telecomunicações impulsionados pela revolução microeletrônica. Ainda segundo o autor, os primórdios da internet fundamentam-se na Arpanet – uma rede de computadores estabelecida pela agência americana Arpa (Advanced Research Agency) – no final de 1969, com o objetivo de proteger o país da ameaça comunista no contexto da Guerra Fria. Malini explica que a Arpanet Era uma rede que tinha como desafio integrar diferentes tipos de redes existentes, assim como tecnologias futuras, a uma arquitetura de redes comum, permitindo a todo “nó” ter o mesmo papel. A rede tinha que operar através da quebra de documentos confidenciais em pequenas partes e espalhando-as por vários computadores ao longo do território dos EUA, de modo que os comunistas poderiam até achar algumas árvores, mas jamais conseguiriam visualizar a floresta. (2007, p. 162)

Essa rede interativa de computadores permitia que os usuários participassem do aperfeiçoamento de softwares para a internet. E em 1990 o programador inglês Tim BernersLee desenvolveu a world wide web (www), o que possibilitou à internet uma abrangência mundial. Dessa maneira, esse projeto de orientação militar impulsionou a arquitetura de 3 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

comunicação da internet, baseada em três princípios: estrutura de rede descentralizada; poder informacional distribuído por meio dos nós na rede; e redundância de funções para reduzir os riscos de desconexão. 5 O desenvolvimento da web acabou por trazer à tona toda potencialidade do hipertexto, principal marca da web (além da dimensão gráfica das páginas). A capacidade de trocas incessantes de links fez surgir uma nova maneira de se atribuir valor à informação. Antes estruturada na audiência quantitativa, na web, a partir da relevância das direções dos links. Manovich (apud SANTOS, 2007) define novas mídias como tudo aquilo que pode ser computadorizado. Para ele, esse dispositivo tecnológico tem o poder de modificar as linguagens culturais existentes, de maneira a inaugurar uma nova linguagem: a linguagem digital, que implica uma nova forma de o usuário se relacionar com o conteúdo midiático, por meio da interatividade. A partir disso, o autor observa que estaríamos vivenciando uma revolução das novas mídias, de modo que “... a revolução da mídia do computador afeta todos os estágios da comunicação, incluindo a aquisição, manipulação, armazenamento e distribuição; ela também afeta todos os tipos de mídia – textos, imagens estáticas, imagens em movimento, som e construção de espaços” (MANOVICH apud SANTOS, 2007, p. 3).

O autor sugere cinco princípios que para ele são responsáveis pela definição das novas mídias, que são: a representação numérica – uma vez que todos os objetos midiáticos podem ser descritos matematicamente –; a modularidade – já que eles são compostos de partes independentes entre si –; a automação – pois o usuário pode criar objetos de mídia e modificálos; a variabilidade – na medida em que a mídia pode ser convertida em diversos formatos –; e a transcodificação – tendo em vista que a informatização transforma os conteúdos midiáticos em digitais, de modo a trazer uma nova perspectiva cultural. O poder a partir de uma sociedade em rede Da década de 1980 até os dias de hoje ocorreram mudanças no que tange às tecnologias da informação, que redefiniram as relações econômicas, sociais, e também de poder. A busca por novas tecnologias insurgiu a chamada por Castells (2000) de revolução tecnológica, que tem como premissa a tecnologia da informação, de modo que os valores estabelecidos para o capital não são mais iguais aos da era da revolução industrial. Hoje, o conhecimento é o

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Sobre isso, ver Castells (2004). 4 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

capital. Assim, com insurgência de uma nova era, a da informatização, as pessoas, empresas e organizações encontraram um novo modo de organização, que é baseado no modelo de redes. Castells (2000) define a rede como uma estrutura sem centro, aberta, de maneira que pode expandir-se desde que os novos nós integrados compartilhem códigos de comunicação em comum. E a partir de uma relação do indivíduo com a rede, alteraram-se também as relações de poder. O poder em rede não se estabelece de maneira semelhante ao da sociedade disciplinar, em que sua geometria é semelhante ao panóptico, no qual a vigilância é exercida a partir de um centro que controla a todos, sem que estes possam manter qualquer tipo de comunicação. Castells (2009) explica que a sociedade se define a partir de valores e instituições, que se fundamentam a partir das relações de poder. E que este pode ser exercido mediante duas maneiras: coerção e produção de significados. Segundo o autor, o poder geralmente não é exercido pela força, por meio da violência, mas sim pela produção de significados na mente humana. Hoje, temos ainda alguns exemplos de exercício do poder, o qual utiliza a violência, como a invasão dos Estados Unidos ao Iraque6. Contudo, Castells afirma que, mesmo quando a coerção é empregada, antes disso, é preciso fazer uso da construção de significados na mente das pessoas, para que essas possam se submeter a esse tipo de dominação, pressuposto que, neste caso foi “A guerra contra o terror”. Foucault utiliza o termo biopolítica para determinar uma das modalidades de poder, existentes desde o século XVIII: o poder sobre a vida. Dessa maneira, a biopolítica foucaultiana tem como objeto a população e faz do conhecimento um agente transformador da vida humana. Entretanto, outros teóricos, sobretudo italianos (apud Pelbart), propõem uma inversão não apenas semântica do termo biopolítica, mas também conceitual. Isso porque o autor traz a visão de que a vida não deve ser definida apenas a partir dos seus processos biológicos, na medida em que vida significa inteligência, afeto, cooperação e desejo. Assim, a biopolítica não é vista “mais como o poder sobre a vida, mas como a potência da vida”. (PELBART, online, p. 40) Nesse contexto, cabe destacar o sujeito que é definido por Negri como sujeito político, pois para ele este 6

Para Castells, o poder é um dispositivo que inicia no Estado, mas que termina na mente dos cidadãos. A fim de exemplificar seu pensamento, o de que ocorre uma manipulação política das massas, ele utiliza vários exemplos contemporâneos, entre eles, a mobilização dos Estados Unidos em invadir o Iraque e destruir as armas de destruição em massa. Para o autor, dois marcos enquadram essa estratégia: 1) A guerra contra o terror; 2) O patriotismo, de modo que os meios de comunicação foram o cenário em que as grandes histórias foram expressas, atingindo a todos os lares dos EUA. 5 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

“... é transformado e implicado por uma nova forma de conhecimento e pelo fato de estar inserido dentro de um processo de trabalho que é cada vez mais cooperativo, o que converte este sujeito em um trabalhador intelectual e cooperativo.” (2005, online)

Além disso, Negri também afirma que essa nova caracterização do sujeito se dá também porque ele é posto em uma nova temporalidade, ou seja, saímos de um tempo baseado na rotina de trabalho, para um tempo unificado e disperso que não tem como premissa a jornada laboral. O autor acrescenta, ainda, que o sujeito também é modificado pela noção de espaço, pois, segundo ele, “o espaço de trabalho se converteu em um espaço de interrelações contínuas”. É claro que Negri toma como base para tais afirmações o homem no contexto das relações trabalhistas. Contudo, é possível fazer uma analogia do seu conceito à dinâmica da internet e das interações em rede e levantar proposições que se complementam às do autor. Em primeiro lugar, a insurgência da internet inaugura um novo sujeito, aquele que, não apenas é modificado pelo processo de interação em rede, mas também o transforma, pois, como afirma Castells (2004, p. 19), as pessoas “transformam a tecnologia, apropriando-a, modificando-a, experimentando-a”. Quanto à nova temporalidade citada por Negri, Amaral traz a noção de que o tempo contemporâneo é o da atualidade. O autor diz que O tempo contemporâneo é o das novas tecnologias que mudam os corpos, que aceleram os ritmos, que criam os mundos na ordem do virtual, que embaralham real e virtual, que desrealizam o real, tiram-lhe a consistência que antes era o tapete sob os nossos pés, e com isso puxam o tapete e nos derrubam, a nós, que nos considerávamos bons sujeitos. (2003, p.16)

E, ainda, os relacionamentos não dependem mais de uma geometria espacial, ou seja, as relações sociais no ambiente digital não partem da lógica da territorialidade, uma vez que indivíduos não precisam necessariamente se conhecer para interagirem: basta partilharem um assunto em comum. Castells (2009) faz a releitura de alguns estudiosos que definem o poder e, uma dessas conceituações, é muito relevante para o que nos propomos a discutir neste artigo. Max Weber diz que o poder é “a probabilidade de que um ator dentro de uma relação social tem condições de fazer prevalecer a sua vontade”. Além disso, cabe também em debate o exercício legítimo do poder, que é quando ele é tido como representação dos valores e interesses da sociedade expressados por meio da troca de ideias em esfera pública. Ao trazer esse conceito para o ambiente virtual, vemos que a inovação está no fato de que a internet é produzida por meio de uma inteligência coletiva – termo trazido por Lévy – que se concretiza na colaboração participativa dos usuários. Dessa maneira, vemos que nessa esfera midiática há uma mudança de comportamento do sujeito, que deixa de ser passivo e ganha uma nova conotação. Segundo 6 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

Negri, a massa, que era homogênea e amorfa, torna-se multidão: “A multidão pode ser definida como um conjunto de singularidades cooperantes que se apresentam como uma rede, uma network, um conjunto que define as singularidades em suas relações umas com as outras.” (2005, online)7. A partir desses aspectos, os conceitos de Negri sobre multidão e o de Castells sobre sociedade em rede, bem como o de Lévy sobre inteligência coletiva encontram-se imbricados e se complementam, uma vez que o conhecimento que emerge espontaneamente – e não só – na rede é consequência da interação e colaboração entre os diversos e distintos atores sociais, que juntos representam a multidão, empenhados na produção de um saber compartilhado. Sobre a internet como produto de uma inteligência coletiva, Malini diz Essa é a característica única da internet. O fato de as pessoas estarem em interconexão de forma generalizada favorece a emergência de relações entre as pessoas – portanto entre suas capacidades inventivas e comunicativas – independente do lugar em que se encontram. (2007, p. 176)

Nesse contexto, cada usuário possui a sua singularidade e utiliza a sua criatividade na produção de novos conteúdos. Como diz Jenkins (2008) “quando as pessoas assumem o controle das mídias, os resultados podem ser maravilhosamente criativos” (p. 43).

A criação das hashtags: um fenômeno espontâneo da rede O Twitter, definido por Recuero (2009) como um micromensageiro8, possui uma característica peculiar: a capacidade de disseminar movimentos pró ou contra determinado tema ou pessoa. E esse atributo é potencializado pela utilização das hashtags, que criam uma espécie de mural conversacional, em que os tuiteiros podem expressar a sua opinião de diversas formas: seja por sentimento de repúdio, seja por desejo de participação. As hashtags organizam os tweets de acordo com o tema, o que facilita a interação entre as pessoas, na medida em que, para participar e se atualizar sobre o assunto, basta acessar a hashtag e fazer parte daquele espaço social. A disposição de assuntos relacionados em um mesmo espaço possibilita a apropriação daquela tag com o objetivo de entretenimento, a partir de um intuito de engajamento social ou político, pelo desejo de satirizar ou até mesmo por motivações pessoais. 7

O texto de Negri, resultado da Conferência Inaugural do II Seminário Internacional Capitalismo Cognitivo – Economia do Conhecimento e a Constituição do Comum – nos dias 24 e 25 de outubro de 2005, no Rio de Janeiro, está disponível no link: api.ning.com/files/.../aconstituicaodocomumtraducao.doc. 8 Embora a ferramenta seja comumente referida como “microblog”, Recuero optou por se referir a ela como um “micromensageiro”, por considerar que as apropriações conferidas ao Twitter fizeram com que ele se afastasse da ideia de um blog. 7 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

No que diz respeito às hashtags satíricas ou humorísticas, temos como exemplo #soniaabraofacts, que surgiu a partir do desejo de satirizar Sônia Abrão, atual apresentadora do programa “A tarde é sua”, da Rede TV, conhecida e criticada pelas pessoas pelo seu sensacionalismo e gosto por assuntos de tragédia. Maurício Meirelles, comediante que, segundo a sua Bio, é “criador de tags engraçadinhas e só. Buscando 6ª TT’s pro currículo”, em janeiro deste ano, tuitou: “Hoje estou mais feliz que Sônia Abrão num enterro”. Essa frase deu início a uma campanha de ironização para com a Sônia Abrão, o que gerou diversas frases engraçadas:

@MauMeirelles, que possui cerca de 40 mil seguidores no twitter e que já emplacou cinco hashtags nos Trending Topics mundiais, diz que a sua motivação “é mais pela piada mesmo. É quase a mesma sensação de emplacar um bordão, só que em proporção e duração muito menores”. O empenho em colocar a #soniaabraofacts nos TT’s é coletivo e as pessoas usam a sua imaginação para criar piadas em torno da apresentadora:

O comediante, ao ser questionado sobre a liberdade na rede em uma entrevista concedida por email, disse: “Na piada não há limites. Há bom senso. Tem sempre que ter uma vítima, ora. Que seja pessoa, empresa, fato ou comportamento. No caso de uma hashtag, se ela pegar significa que não sou só eu que possuo aquela opinião. Logo, qual o problema de brincar com isso?” Outro exemplo de hashtag que impulsiona a criação de tweets com teor piadístico é #neymarfacts. A brincadeira começou no twitter porque o técnico do Santos, Dorival Junior, suspendeu o jogador Neymar por tê-lo xingado durante a vitória contra o Atlético Mineiro. Com isso, Neymar ficou sem jogar contra o Corintians, o que custou a demissão do técnico, no dia 21 de setembro de 2010. O fato impulsionou os tuiteiros a criarem frases em torno do fato, o que levou #neymarfacts aos TT’s mundiais.

Os tweets ao redor do jogador motivaram os tuiteiros de forma tal, que um simples fato do cotidiano virava piada. Até mesmo acontecimentos de abrangência política tomaram 8 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

aderência do humor em volta de Neymar, como a votação do projeto Ficha Limpa, que se encontrava num impasse.

Ainda com relação às hashtags de caráter humorístico, há #soninhafacts, que também esteve nos TT’s. O caso se alastrou pelo twitter porque a coordenadora da campanha digital do José Serra, Soninha Francine, responsabilizou o PT pelo caos ocorrido no Metrô de São Paulo, na manhã do dia 22 de setembro, quando uma blusa teria sido a responsável por parar a condução. Segundo o portal Eleições na Rede, o tuiteiro e sociólogo, Sérgio Amadeu espalhou comentários que debochavam de Soninha.

E os comentários a partir de #soninhafacts também impulsionaram a criação de #sabotagem, com a qual os tuiteiros criavam tweets criativos que faziam menção a notícias dadas pela mídia ou até mesmo a acontecimentos do próprio cotidiano.

Assim como já foi falado inicialmente, o meio digital influencia o comportamento das pessoas, de modo que elas são influenciadas pela ferramenta e também a modificam, criando uma nova cultura, já observada por Malini (2007, p.182) como a cultura do espalhe. O comportamento repetitivo dos tuiteiros a cada hashtag que surge espontaneamente gera o costume e o esforço dos que partilham daquele “ambiente” em colocar o assunto entre os mais comentados no twitter, visto que o tema é posto em certo patamar de status na rede. É o esforço pela visibilidade. Ao contrário das comunidades virtuais, que funcionam como um lugar cognitivo e social (MALINI, 2007, p. 172) em vez de geográfico, as hashtags criam certa geografia social, na medida em que estreitam a relação espacial entre os tuiteiros, visto que utilizam a mesma linguagem, o mesmo código, que acaba por ser definido e colocado num mesmo espaço. 9 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

Quanto às hashtags indignativas, temos o exemplo de #calabocagalvao, que foi motivada pelo sentimento mútuo de repúdio ao narrador Galvão Bueno, conhecido por suas “gafes” em corridas de fórmula 1 ou em jogos da seleção brasileira. O assunto, já aprofundado em outro artigo9, tomou proporções tais, que chegou a ser tuitado 130 mil vezes no dia dos jogos de abertura da Copa deste ano, recebendo o título de mensagem mais tuitada do mundo. (DESTEFFANI, POSSMOZER, MALINI, 2010, p. 6) Também a #calaabocagilmarmendes é um exemplo de fenômeno motivado pelo sentimento mútuo de indignação dos tuiteiros. O fato deu-se na rede porque, de acordo com o portal Estadão, o ministro do Superior Tribunal Federal (STF) concedeu ao senador Heráclito Fortes (DEM-PI) o direito de disputar a reeleição ao Senado, apesar de ele ter condenação de órgão colegiado por condutas lesivas ao patrimônio público. Foi a primeira liminar concedida contra a Lei da Ficha Limpa, o que gerou revolta entre os tuiteiros:

Esse tipo de tweet denota o poder de voz e de mobilização que é dado às pessoas no twitter. Segundo Amaral (2010, online) “o poder de organização e de mobilização das pessoas nos sites de relacionamento reside em algo que é anterior à rede: os atos de conversação cotidiana e as manifestações de compartilhamento de gosto ou de repúdio.” Antes de o twitter se tornar popular como um espaço de liberdade de expressão, as pessoas já discutiam entre o seu círculo social e manifestavam o seu sentimento de revolta contra determinado fato. Hoje, com a insurgência do twitter, esse tipo de comportamento foi transportado para a rede, só que com a diferença de que o contato se dá entre pessoas que não se conhecem pessoalmente, mas que se relacionam motivadas pelo mesmo desejo: expressar-se. Outras hashtags de cunho de indignação – que numa primeira impressão poderiam representar uma ideologia - são #foradilma e #foraserra. Essas tags, além de representarem um marketing político contra ou a favor de determinado candidato, também possuem um poder de informação ampliado, na medida em que grande parte das informações a respeito daquele tema é fornecida pelos próprios usuários. Contudo, o grande motivador para a participação desse tipo de hashtag vai além de informar, na medida em que os usuários são levados pelo

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Sobre isso, ver “O fenômeno Cala a Boca Galvão: o poder de mobilização das Hashtags na rede”, apresentado na Jornada de Iniciação Científica da Comunicação, do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 10 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

sentimento mútuo de antipatia ou empatia pelo candidato. Ou seja, é a manifestação da opinião coletiva que se torna visível na atmosfera virtual.

Com respeito às hashtags ideológicas ou políticas, pode-se citar a #fichalimpa, que partiu do desejo de mobilização das pessoas em aprovar a lei que dá direito de candidatura apenas aos candidatos sem nenhum processo de condenação. O projeto, que foi votado e aprovado na câmara dos deputados no dia 04 de maio, foi acompanhado pelos internautas que tuitavam a cada momento e mostravam a sua indignação perante os deputados que foram contrários ao projeto.

A partir desse tipo de mobilização, as pessoas que participam da rede começam a perceber o poder que elas têm a um clique: o poder da informação. O poder, que antes estava restrito a um meio de comunicação que informava enquanto os receptores aguardavam, a partir das redes passam a ser de todos. É importante frisar que esse poder não vem do dispositivo midiático em si, mas dos nós que fazem parte dele, de modo que Amaral (2010, online) afirma: “A mobilização vem das pessoas e não da tecnologia em si mesma. As redes apenas facilitam a visualização desse poder”. As pessoas que participam dessas campanhas de mobilização no twitter sabem do poder que possuem e se sentem responsabilizados por cumprir o seu papel de cidadãos:

Com relação a essas campanhas, @MauMeirelles acredita que “existem milhões de hashtags que podem, sim, fazer uma diferença: clicando na hashtag você entra em contato com todas as informações a respeito do tema.” Além disso, numa campanha de cunho ideológico, os internautas sentem-se na função de espalhar a informação para o máximo de pessoas, de modo que adotam o retuite, aumentando ainda a velocidade da informação na rede. É claro que, em termos qualitativos, a qualidade da informação vai depender do status que determinado usuário apresenta na rede. De acordo com o site Topsy.com, Marcelo Tas, jornalista e 11 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

apresentador do programa CQC, da Band, chegou a ter uma mensagem retuitada por mais de mil seguidores, o que implica um grau de ampliação da mensagem muito maior do que se outro usuário com menos “prestígio” tivesse tuitado.

Desse modo, pode-se empreender que as hashtags estimulam o retuite. É a cultura do espalhe, como diz Malini (2007, p. 182): “Ao se espalhar, a mensagem pode tanto se perder, quanto ampliar os seus significados a cada interferência do usuário. Daí que, nas redes, não haveria mais comunicação, somente comutação.” A #forasarney também representa um valor ideológico, na medida em que, com o uso da hashtag, as pessoas reforçam a sua opinião contrária a um sistema político que impera no Maranhão há anos. Conforme Roney Belhassof, dono do blog Meme de Carbono, o primeiro movimento Fora Sarney ocorreu em 2006, quando tal político utilizou a justiça para tirar do ar o blog da jornalista Alcineia, devido às críticas que ela fazia ao seu governo. Com o surgimento do twitter em 2008, essa campanha foi também para esse dispositivo, de modo que #forasarney é bastante utilizada até os dias de hoje.

Contudo, no ano de 2009 essa mobilização ganhou ainda mais força, quando tuiteiros de todo o Brasil se uniram contra a permanência de Sarney na presidência do Senado. No dia 26 de junho de 2009, o site UOL noticiou a seguinte manchete: “Campanha no Twitter pede #forasarney com mais de 10 mil mensagens em uma hora”. Segundo o portal, em um único minuto chegou-se a contabilizar 110 tweets. Essa notícia foi tuitada por @marcelotas e recebeu 416 retuites.

No dia 30 de junho de 2009, o blogueiro Roney Belhassof publicou um post no site Twitcast, em que explicitava o seu sentimento de indignação tendo em vista que, segundo ele, um grupo de seis artistas (Marcos Mion, Junior Lima, Bruno Gagliasso, Marco Luque, Rodrigo Vesgo, Pedro Tourinho e Felipe Solari) espalharam a hashtag na rede no esforço de colocá-la nos TT’s, como se eles fossem os responsáveis pelo movimento. E num lampejo de revolta, ele escreveu: “Nós representamos! Nossas vozes individuais que se somam seja para brincar com 12 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

um ator estrangeiro, seja para um grito tímido por um #governolimpo.” Desse modo, o blogueiro deixou registrado o seu protesto contra aqueles que, na procura da visibilidade e status, tentam dar autoria aquilo que não possui, na medida em que nasce da multidão, do conhecimento coletivo dos nós da rede. No que tange às hashtags opinativas, temos o exemplo da #prontofalei. Essas têm uma característica que lhes é peculiar: elas não dependem do acontecimento de um fato e não são sazonais como as outras, pois em todo momento os usuários se utilizam delas. Isso porque as mensagens permeiam o universo pessoal do internauta e podem expressar tanto uma opinião a respeito de variados temas, como política, cinema, economia, quanto ações do seu cotidiano.

Ao utilizar #prontofalei, é como se a pessoa estivesse fazendo um desabafo, uma forma de expressar sua opinião. De acordo com uma matéria do portal Gazeta do Povo, as redes sociais suprem uma das necessidades do homem contemporâneo: “a de se tornar evidente”. Sobre isso, o jornalista e professor da UniBrasil Felipe Harmata, que também é pesquisador de redes sociais, diz que as relações entre público e privado se misturam muito na internet. “Em um momento, a pessoa posta determinado conteúdo pessoal. Em outro, replica uma notícia interessante e em outro, pede uma vaga de emprego.” (GAZETA DO POVO, online)

Outra hashtag que também possui características semelhantes a #prontofalei é #comofas. Esta é utilizada a todo momento pelos tuiteiros, também para indicar a sua pessoalidade ou muitas vezes, para lançar uma pergunta à rede ou a um perfil em especial, na esperança de ser ajudado.

A partir dessa tag, também é possível observar o espírito de colaboração presente na rede. Em vez de pesquisar em sites de busca as respostas para as perguntas, os tuiteiros recorrem a sua rede de seguidores. Com relação aos retuites, neste caso, eles são mais frequentes quando um perfil divulga uma notícia que geraria certo tipo de insatisfação em grande parte das pessoas, 13 IV Simpósio Nacional ABCiber - Dias 01, 02 e 03 de Novembro de 2010 - ECO/UFRJ

como a que foi divulgada por @denisearcoverde, no dia 13 de setembro de 2009, que recebeu 457 retuites.

Conclusão A partir da discussão teórica sobre cibercultura e o poder da sociedade em rede, observa-se que os dispositivos de comunicação da internet acabam se revelando como meios de propagação do poder da multidão em rede. O poder não está na tecnologia, mas sim na maneira como os internautas fazem uso da ferramenta. E revela-se como uma disputa ampla entre diferentes poderes, que redundam numa luta ainda mais ampla pelas verdades que esses poderes expressam. A produção comum dessas verdades encorajam aqueles que aderem á rede a um domínio expressivo que traz em sua imanência a contradição entre a docilização e liberação dos discursos de verdades que compartilhamos sobre o cotidiano e sobre a história.

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