O Poder Legislativo no Brasil Contemporâneo

July 21, 2017 | Autor: C. Merlin Clève | Categoria: Direito Constitucional
Share Embed


Descrição do Produto

O PODER LEGISLATIVO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

O PODER LEGISLATIVO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 18 | p. 22 | Jan / 1997 Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional | vol. 4 | p. 167 | Mai / 2011 DTR\1997\495 Clémerson Merlin Cléve Área do Direito: Geral Sumário:

Eu gostaria, inicialmente, de citar dois autores. Em primeiro lugar, Alex Ditoqueville, que sendo francês, escreveu uma obra notável a respeito do antigo regime e da revolução, fazendo uma análise do modelo novecentista norte-americano, dizendo que aquele país estava condenado a ter governos pífios, sob o ponto de vista intelectual, por conta de se tratar exatamente de um país livre.* Eu tenho a impressão que o Brasil, depois que alcançou a República, passa pelo mesmo caminho. Nós estamos condenados, em função da constante alteração da nossa elite, - do processo de ascensão social que, apesar da recessão, ainda acontece neste país -, sob o ponto de vista intelectual, a ter governos pífios. Eu não estou me referindo ao Presidente da República, mas à elite dirigente. Em segundo lugar, eu gostaria de chamar a atenção também para um escrito notável do Gilberto Amado, "Eleição e Representação". Lembrava ele que o nosso país, em determinado momento, possuía eleições falseadas e uma representação verdadeira. Talvez fosse o caso de dizermos hoje que temos eleições verdadeiras e representação falseada. Durante a minha exposição, procurei oferecer fragmentos sobre a representatividade, credibilidade, transparência e funcionalidade e eficiência. Com relação à representatividade, há propostas de alteração desta matéria tanto sob a ótica constitucional quanto legislativa. Em primeiro lugar - e isso é senso comum - a representatividade é comprometida pela composição do Congresso Nacional, nomeadamente da Câmara dos Deputados. A proporcionalidade prevista no art. 45, § 1.º, da CF/1988, sem dúvida, fere o princípio do voto com o valor igual, previsto no caput do art. 14 da CF/1988. Não há como, com a fixação de um máximo de setenta deputados e um mínimo de oito deputados, alcançar uma proporção que concilie com o princípio "um homem um voto". É por isso que um eleitor de Roraima ou do Acre hoje vale mais de 35 vezes do que um eleitor do Estado de São Paulo. Isso desvirtua, sem dúvida, a representação porque os interesses da sociedade urbana e complexa, - que é a maioria da sociedade brasileira, mais vinculada às imposições do processo de globalização da economia, - fica sem possibilidade de assumir no Congresso o mesmo peso que possui evidentemente na formação social. O ideal é não fixar um número máximo de representantes por Estado, todavia, deve-se diminuir o número mínimo para, por exemplo, dois. É preciso também aqui acabar com certo preconceito em relação a alguns Estados do Norte. Ao contrário do que muita gente pensa, o Nordeste não está hiper representado, nem o Sul está sub-representado. O problema ocorre nomeadamente com os Estados do Sudeste, salvo Espírito Santo, e com os Estados da região Norte do Brasil. Ainda é de se pensar a respeito da composição do Senado. Talvez fosse o caso de se adotar o sistema alemão, cujos Estados dispõem de um número de Senadores variável mas não proporcional de acordo com a população: o mínimo de três e o máximo de cinco senadores. A Câmara, como se sabe, é o lugar da representação plena, enquanto o Senado não representa a população e sim os Estados. O Senado deve ser o lugar do temperamento, permitindo o crescimento da representatividade dos Estados menores. Mas note-se que não há necessariamente a imposição da igualdade. O problema dos suplentes do Senado é muito grave, pois, ninguém vota nos suplentes. E no caso de impedimento dos deputados, os suplentes acabam por assumir o exercício de funções parlamentares. Eu tenho a impressão que isso deveria ser eventualmente alterado para o efeito de se convocar, não os suplentes que não são eleitos, mas sim, aqueles que tiveram uma votação Página 1

O PODER LEGISLATIVO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

menor e que não alcançaram a eleição, mas ficaram bem posicionados, em segundo ou terceiro lugar, na eleição majoritária. E, finalmente, penso que o problema da representatividade tem algo a ver também com o acesso de alguns setores importantes da sociedade ao Congresso Nacional. Por isso, ao contrário de muita gente, eu sou plenamente favorável a polêmica ação afirmativa, ou seja, ao processo de discriminação positiva, inclusive com reservas de algum percentual das candidaturas dos partidos para as mulheres, porque é necessário o crescimento, afinal, dos interesses dessa parcela importante da sociedade brasileira no Congresso. Eu quero lembrar que normalmente a pulsação da mulher é a vida, e a pulsação homem é a morte, do conflito, da guerra, das discussões abstratas. Em relação ao tópico da credibilidade, neste particular, eu quero endossar absolutamente tudo o que foi dito pela Prof. Fernanda Dias Menezes, de modo que eu simplesmente me eximo de abordar tal questão. Eu só quero lembrar que efetivamente as vocações para a vida parlamentar que acontecem em momentos críticos, são exatamente para aqueles que buscam a imunidade parlamentar. Há um desvio de finalidade da imunidade. Portanto, isto precisa ser revisto em face de uma proposta de alteração da Constituição brasileira. Ainda o que certamente macula, de certo modo, a credibilidade do Congresso Nacional é o problema da aposentadoria dos parlamentares. Não é crível que, num país como o nosso que pauta toda a sua organização no princípio da isonomia, possamos ainda admitir regra como a constante no art. 38, IV e V, da CF/1988 que permite que o tempo do mandato do parlamentar possa ser contado simultaneamente para duas aposentadorias: a aposentadoria do parlamentar no serviço público do qual ele se afastou e a aposentadoria enquanto parlamentar. Realmente é difícil de se acreditar que possa ser contada para o efeito de duas aposentadorias, ao mesmo tempo. Esse é um privilégio descabido e desnecessário que precisa de urgente revisão. Por outro lado, também atinge a sua credibilidade, a previsão constitucional que permite que os serviços auxiliares do Senado e da Câmara possam ser regulados por simples resoluções. Certamente que a criação de cargos e a majoração de vencimentos por simples resolução -, portanto, insuscetível de sanção ou veto presidencial, - implica a criação da quebra da isonomia entre os servidores públicos brasileiros. Ainda a respeito deste tópico, penso que é necessário o aprimoramento das formas de controle sobre o Executivo. A Constituição prevê inúmeros mecanismos que são muito importantes mas que precisam ser certamente aprimorados: a convocação de Ministros e titulares nos órgãos diretamente subordinados à Presidência; a solicitação de pedidos de informação com o prazo de 30 dias, sendo que a omissão ou a informação falsa pode implicar crime de responsabilidade. E certamente que as Comissões Parlamentares de Inquérito devem ser também utilizadas. E, finalmente, é necessário também a quebra da omissão inconstitucional. E com isso eu tenho apoiado o meu pensamento no de Canotilho, bem como no da Prof. Ana Cândida da Cunha Ferraz, ou seja, na necessidade da somatória de mecanismos jurídicos com mecanismos políticos. Não é defensável que o Judiciário possa, eventualmente, se substituir a tarefa legisladora do Poder Legislativo. O Judiciário deve prestar, sim, função jurisdicional. Mas é certo que talvez possamos atribuir algumas conseqüências de natureza política à decisão do Supremo Tribunal Federal em matéria de omissão inconstitucional. Declarada a omissão inconstitucional, haveria certamente um prazo para o suprimento da omissão sob pena de algumas conseqüência políticas serem desencadeadas: o deslocamento de iniciativa, de privativa para o comum; o deslocamento de competências, de privativa da União para o âmbito da competência concorrente; apreciação em regime de urgência e, porque não se pensar, em última análise, na dissolução do Congresso. E já conhecemos esse mecanismo na ação direta interventiva, cuja decisão do Supremo não nulifica o ato impugnado, ao contrário do que muita gente possa pensar, mas simplesmente autoriza o Presidente da República a desencadear o processo de intervenção federal. Eu teria que trazer, ainda, tópicos relativos à transparência. Em relação a ela, precisamos fazer as seguintes considerações. É urgente o fim do voto de liderança. Esta previsão é regimental. Mas precisamos acabar com isso por que isso quebra o princípio representativo em nosso país. Há inclusive um parecer notável do Dr. José Paulo Sepúlveda Pertence, na qualidade de Procurador-Geral Eleitoral, que demonstrou a inconstitucionalidade do voto de liderança. Há necessidade também da filtragem das proposições que deve ser feita pelas comissões. Não é possível que as questões mais elementares cheguem ao Plenário sem um estudo consistente a respeito destas matérias. É por isso que o Plenário está sempre sobrecarregado, sem poder dar uma resposta às demandas. Há necessidade também de uma maior utilização das audiências públicas, Página 2

O PODER LEGISLATIVO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

previstas no art. 58, II, da CF/1988, com o chamamento da população, não apenas as empresas ou corporações eventualmente interessadas. E por conta disso, eu também acho necessário a urgente regulamentação do lobby a fim de torná-lo transparente. O cadastramento das entidades civis, como previstos regimentalmente, não parece ser suficiente. Aliás, em nosso país, temos hoje essa inversão: como o lobby não é transparente, temos deputados que são antes "lobistas" do que propriamente deputados. Certamente que a nossa Constituição tratou com muito cuidado do direito de oposição. Isto certamente deve permanecer. Eu me refiro ao direito de antena dos partidos políticos; a representação proporcional tanto quanto possível dos partidos e blocos parlamentares na composição das Mesas e Comissões; a participação dos líderes da minoria do conselho da República; a possibilidade do aforamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade dentro do Supremo Tribunal Federal por partidos com representação no Congresso; a possibilidade de impetração de mandado de segurança coletivo também por partidos políticos com representação no Congresso. De modo que a oposição, com esse regime jurídico, pode simplesmente, participando da dialética parlamentar, permitir a transparência. Nisso não há necessidade de maiores alterações. Mas o que é urgente no nosso país, para favorecer a transparência, é a regulamentação dos mecanismos de democracia direta. A nossa Constituição aposta na construção de uma democracia representativa, mas com algumas indicações de uma democracia semi-direta. Portanto, é necessário a regulamentação tanto do plebiscito quando do referendo. Eu acho que, talvez fosse o caso, de admitirmos a possibilidade de convocação de plebiscito e de referendo pelo Presidente da República em algumas circunstâncias quando haja o impasse entre o Poder Executivo e o Legislativo. A solução surge exatamente desse conflito, permitindo a proposta de referendo popular, bem como a iniciativa popular de lei. Neste caso é necessário dificultar, também dentro de certos limites, para não criarmos uma democracia plebiscitária, ou seja, de iniciativa legislativa popular prevista no art. 61, § 2.º da CF/1988. É necessário refletir sobre a possibilidade da instauração de referendo suspensivo, ab rogatio, consultivo, e referendo de ratificação. E, finalmente, pensamos também na possibilidade de criação de referendo constitucional para determinadas hipóteses. É preciso lembrar que a solução, com relação ao abuso da utilização das Medidas Provisórias e da legislação em causa própria dos parlamentares, talvez, só decorra efetivamente da utilização de referendo e da iniciativa popular, após a regulamentação. Aliás, a Suíça, por exemplo, conseguiu resolver o abuso na utilização dos decretos de urgência exatamente em razão do referendo popular. E, finalmente, já concluindo a minha exposição, é necessário falar de alguns tópicos a respeito da funcionalidade e da eficiência. Nesse caso, temos que pensar na racionalização da atividade legislativa. Por isso, talvez fosse o caso de utilizarmos mais as comissões para a aprovação de leis, conforme o previsto pelo art. 58, § 2.º, I, da CF/1988, que seria a antiga delegação interna corporis. É necessário a especialização das Câmaras. Poderíamos adotar no Brasil o modelo alemão no qual o Senado talvez possa votar matérias apenas de interesse federal, que envolva interesse dos Estados-membros na Federação. Aqui ganharíamos em economia processual, celeridade e maior funcionalidade. Podemos pensar a respeito de regulamentação das medidas provisórias. E há urgência para que isto seja feito exatamente porque o abuso dessas medidas está destruindo o Estado de Direito e a consciência a respeito do senso de justiça e da segurança jurídica do nosso país. Temos que imaginar a possibilidade de restrição do uso das medidas provisórias a determinadas circunstâncias, disciplinando apenas algumas matérias previstas taxativamente na Constituição inclusive com a definição das conseqüências pelo uso abusivo. Penso também a respeito da possibilidade de aumentar o prazo para 60 dias, como previsto na Constituição italiana e espanhola, vedada certamente à reedição. Enquanto as reformas não vêm, o papel de Judiciário é fundamental. E eu penso que o Judiciário começa a se inteirar disto. É necessário prestigiar as assessorias técnicas, reduzir o número de parlamentares e alterar o modelo eleitoral e partidário. E aqui, concluindo, quero dizer que precisamos evitar a fragmentação partidária para alcançar a governabilidade. Para isto, devemos pensar na alteração do sistema partidário com a criação de cláusula de barreira. Isto já foi previsto em Constituições anteriores, mas nunca foi efetivamente aplicado. Isto é previsto, por exemplo, na Constituição alemã. Já tivemos lei dispondo sobre a matéria, após a Constituição de 1988. E houve a declaração da inconstitucionalidade desta previsão, decisão esta, ao meu ver, correta da Corte Suprema. É preciso, portanto, alterar a Constituição instituindo uma cláusula de barreira de tal modo que os partidos poderiam alcançar o funcionamento, pelo menos, num número de 5% dos votos em nível nacional. Com isto estabeleceríamos a distinção entre a criação livre e o funcionamento dos Página 3

O PODER LEGISLATIVO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

partidos. E ainda seria o caso de adoção do modelo distrital misto para quebrar, digamos assim, o sistema proporcional, trazendo as vantagens do sistema proporcional e as vantagens também dos sistema majoritário para composição de Câmara dos Deputados. Há que falar no problema de fidelidade partidária que é fundamental para assegurar a governabilidade e impedir que o Presidente da República se veja compelido a fazer negociação, caso a caso, com bancada ruralista, com bancada do setor de saúde, com bancada das escolas particulares etc. Estes são, portanto, os aprimoramentos que eu penso ser necessários. É interessante notar que o Presidente da República do Brasil, do ponto de vista estritamente jurídico, pode mais do que o Presidente dos EUA por sua iniciativa legislativa privativa, etc. Mas, se sob o ponto de vista jurídico ele dispõe dessa vantagem, sob o político, na verdade, ele é cativo de um parlamento fragmentado em função da própria fragmentação do sistema eleitoral partidário. Isto precisa ser urgentemente alterado para se alcançar a governabilidade. Isto é possível? Não sei, talvez sim. E aqui eu gostaria de lembrar uma poeta paranaense que seria mais conhecida se não fosse do Paraná. Diz ela que "é sempre madrugada para quem caminha em direção ao sol". Vamos pensar nesta mudanças

Página 4

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.