O pormenor do Vulgar na Arte Holandesa do século XVII

June 1, 2017 | Autor: B. Marinho da Mata | Categoria: 17th Century Dutch Republic, 16th and 17th century Dutch and Flemish Art
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O pormenor do vulgar na Arte Holandesa: A representação da palavra na pintura holandesa do século XVII

Recensão Crítica sobre a obra “The art of describing: Dutch art in the Seventeenh century” de Svetlana Alpers em proposta da Unidade Curricular de História de Arte do Barroco.

Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

Maio de 2016

Curso de Ciência Política e Relações Internacionais

Docente: Prof. Doutor Carlos Alberto de Moura Discente: Bernardo Marinho da Mata

ÍNDICE  Introdução – p. 3  Capítulo I – Descrição do texto – p. 5  Capítulo II – Reflexão Crítica – p. 8  Conclusão – p. 10  Bibliografia – p. 11  Anexos - p. 12

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INTRODUÇÃO “A concórdia faz crescer as coisas pequenas”1, mote escolhido para a introdução deste trabalho que visa a compreensão do fenómeno cultural e do seu reflexo na produção artística, nomeadamente da sua concretização imagética, que é a valorização do simples banal enquanto afirmação visceral dos contornos específicos da concepção filosófica, política e religiosa que individualizariam a sociedade holandesa no contexto temporal dos finais do século XVI e século XVII. O lema assenta precisamente no facto de a União das pequenas províncias que precede à instituição da Repúblicas das Províncias Unidas como reacção independentista face ao jugo espanhol sobre a região (entendido como contrários aos valores e interesses materiais da mesma numa época em que este espaço se assume como religiosamente tolerante e plural em contraste óbvio com a direcção política de Madrid que compreendia uma mundividência austera e rigorosamente submissa ao ideário da Contra-Reforma em curso) simbolizar a capitalização do exercício de poder soberano condicionado à data de um conjunto de territórios exíguos em virtude de uma participação diferenciada e até portadora de um contributo espiritual próprio em sede do Concerto das Nações que só a reconheceria com a Paz de Vestefália do ano de 1648. Daqui, emerge indubitavelmente a carga simbólica da exaltação cultural da “pequenez”, salvo a expressão, que encontra um curioso paralelo político-filosófico através da crescente consideração da centralidade do papel do indivíduo na construção de uma sociedade republicana que lhe atribui força e grandeza, nunca antes detida pelos então átomos fracos diluídos no sentido de grupo social, mediante o desenvolvimento paulatino de um imperativo ético, futuramente maturado no civismo de participação e intervenção nas decisões concernentes à “coisa pública”. É este dever de intervenção na praça pública, a par das crescentes exigências do alvor do sistema capitalista, que exigia a todos os seus envolvidos e interessados um grau de instrução elementar e de formação intelectual complementar para fazer face não só às responsabilidades do processo decisório como à própria elaboração seja de propostas de âmbito político seja das mais 1

“Concordia res parvae crescunt (...)” é o lema reconhecido da então designada República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos, inicialmente proclamada em 1579, mediante a assinatura acto da União de Utreque, e corroborada com o Acto da Abjuração de 1581, em que é negado a tutela da Casa dos Habsburgos, então encabeçada por Filipe II de Espanha, sobre esses mesmos territórios.

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básicas estratégias de gestão que as empresas e sociedades comerciais começavam cada vez mais a requerer. Por isso mesmo, o gosto pela cultivação do intelecto quer através do prestigiante coleccionismo de peças de arte por parte desde as camadas médias às mais altas da sociedade quer através do consumo de literatura variada, crescentemente especializada e técnica, transformou o livro num objecto de culto nos Países Baixos do século XVII. Isto deve-se essencialmente a três factores: 1) a Reforma Protestante e a tradução da Bíblia para as línguas vernáculas conduziram a uma maior procura pela educação, que passaria a ser frequentemente ministrada pelos sacerdotes para que os próprios fiéis fossem capazes de interpretar as escrituras; 2) a vulgarização do acesso ao mais diverso tipo de literatura que foi impulsionado especialmente pelo aperfeiçoamento das técnicas de impressão e uma cada vez maior capacidade de divulgação e distribuição por uma fatia de público cada vez mais larga e socialmente abrangente; 3) o livro funcionava como um portal para diferentes mundividências e demais exotismos pelos quais o período da expansão ultramarina holandesa tinha despertado um crescente fascínio junto do público, para o qual tinha contribuído definitivamente a ampla divulgação de gravuras a par do jornalismo de gazeta que conhecia o seu início no espaço da Confederação Germânica em 1609 por iniciativa de Johann Carolus2. Nestes traços gerais sobre a sociedade holandesa do século XVII, conseguimos desde já identificar as duas razões pelas quais o tratamento feito por Svetlana Alpers sobre a integração da palavra na componente gráfica das composições imagéticas da pintura holandesa se revela tão pertinente para a compreensão do fenómeno do retrato do vulgar como temática artística recorrente do período referido. Contudo, urge indagar aquilo que tomarei como minha pergunta de partida: Qual o significado pretendido pelo retrato da palavra mediante a sua integração plena na estrutura visual das obras e constituiu um marco identitário da pintura barroco holandesa? Para responder à questão orientadora, obedece-se a uma estrutura bipartida do corpo do trabalho, em que prefigurará numa primeira parte a descrição do capítulo V da obra de referência desta recensão que é “The art of describing: Dutch Art in the Seveteenth Century” 3 da autoria 2

“The oldest surviving European printed newspapers were both published weekly in German in 1609 -one in Strasbourg, Relations: Aller Furnemmen, printed by Johann Carolus; the other, Aviso Relations over Zeitung, printed by Lucas Schulte, probably in Wolfenbuttel.”In Mitchell Stephens, History of Newspapers, Collier’s Encyclopedia, 1997 3

Sugerida na Bibliografia Complementar do Programa da Unidade Curricular de História de Arte do Barroco. A edição utilizada é a primeira tradução espanhola de 1987, editada pela Hermann Blume e traduzido por Consuelo Luca de Tena.

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de Svetlana Alpers, intitulado “Palabras para la vista: a representacion de textos en el arte holandes”, seguindo-se uma segunda parte que analisará e reflectirá criticamente sobre a proposta apresentada pela autora. Cumpre-se para este fim com uma metodologia assente na exploração das produções historiográficas referenciadas no programa para o efeito e no cruzamento das diferentes perspectivas. CAPÍTULO I – DESCRIÇÃO DO TEXTO Alpers enceta o seu quinto capítulo, anteriormente mencionado, com uma breve alusão a manifestações pictóricas que tenham também integrado a palavra escrita na sua composição. A primeira manifestação que destacando é o que identifica da expressão pictórica da pintura de tradição oriental (sínica4 e nipónica) em que a palavra surge na tela como um complemento descritivo à imagem tratada, adquirindo mesmo um propósito “mnemónico”5 contido na intenção pedagógica dessas mesmas representações sem qualquer valor estético próprio. A segunda manifestação é já atribuída às vanguardas artísticas do início da primeira metade do século XX, enquanto herdeiras deste aspecto revolucionário em que a Pintura Holandesa se destacaria, aludindo a Jasper Johns e à a sua obra “O Alfabeto” 6 e a René Magritte e à tela “Ceci n’est pas une pipe”7, em que a palavra ganha uma expressão e dimensão gráfica equiparável à da própria imagem. Se quisermos estabelecer estas duas manifestações como pólos distintos, encontraremos a produção artística holandesa numa posição intermédia no que a esta matéria diz respeito, uma vez que nem a integração da palavra na pintura holandesa visa a “atitude irónica e iconoclasta”8 de provocação e afirmação da segunda do que seria uma inevitabilidade patente na submissão da palavra como expressão da racionalidade abstracta dos conceitos e das premissas científicas face à reacção da cor sem interpretação possível que não a do seu próprio valor cromático e à “ausência do que só

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Vide Anexo 1. “ (…) Entre representación visual y signo verbal se hace una clara distinción. No es que el arte renacentista no dé importancia a los textos, sino que estos existen antes y fuera de los confines de la imagen misma. La imagen sirve como una especie de recurso mnemónico. Una pintura así concebida recuerda a un texto significativo y le presta cuerpo – pero no superficie – ante los ojos. (…)” in ALPERS, 1987, p. 239. 6 Vide Anexo 2. 7 Vide Anexo 3 8 “(…) Es una actitud pictórica irónica e iconoclasta. (…)” in ALPERS, 1987, p. 240. 5

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se pode manifestar por símbolos”9 nem, muito menos, o propósito meramente descritivo da primeira. Neste sentido, a autora considera que o motivo subjacente ao fenómeno holandês é tão-somente a representação ipsis verbis da realidade tal qual ela se apresenta, assentando o seu valor gráfico na preocupação, por vezes radical, pela transmissão do detalhe de cada pormenor retratado ao observador em que o elemento gráfico texto se insere com ou sem uma segunda intenção simbólica. A priori e após identificada a problemática, Alpers estabelece três formas através das quais essa mesma incorporação ocorre, por comodidade metodológica com vista à resposta à sua pergunta de partida10, apropriando-me destas para, ainda neste primeiro capítulo do presente trabalho, sintetizar os principais argumentos da autoras com recurso à exemplificação mediante as pinturas sugeridas e analisadas pela própria e posteriormente proceder à minha reflexão crítica com vista à resposta da minha pergunta de partida: 1) as Inscrições; 2) as Cartas; 3) a pintura barroca holandesa como argumento narrativo. No que à primeira forma concerne, a autora começa por destacar o contributo determinante do pintor Pieter Saenredam em que os textos inscritos nas diferentes superfícies que retratou, maioritariamente interiores de Igrejas, compreendem o cumprimento rigoroso da tendência e gosto do tratamento pictórico da banalidade como temática através da incorporação textual como pormenor que adquire, dado o contexto trivial da própria representação, uma preponderância e significado próprio. Consciente disto, Saenredam numa leitura “wölflliana” de Alpers procede à incorporação intencional de texto nas suas composições como veículo de uma mensagem de afirmação do que é o espírito do tempo holandês da época. Exemplo cimeiro disto é a obra “Interior da Igreja de São Bavão em Harleem” 11, datada de 1636, em que o interior é revelado por um magistral arco gótico em primeiro plano que nos ajuda a foca num indivíduo masculino que contempla, em segundo plano, o elemento pictórico que faz um outro plano mais recuado e que é um órgão. Ora, este órgão foi propositadamente adicionado pelo autor à composição como alusão à máxima bíblica “ensinai-vos e admoestai-vos uns aos outros em salmos e hinos e cantos espirituais” 12 que se encontra 9

“ (…), la incorporación de palabras a las imágenes tiene la función de proclamar que el quadro es una realidad nueva e inédita y (…) reconecer la ausência ineluctable de lo que solo puede manifestarse mediante signos. (…)”in ALPERS, 1987, p. 240. 10 “(…) La cuestión que quiero abordar en este capítulo lo que ocurre con las palabras y textos dada la noción de representación pictórica en Holanda. (…)”in ALPERS, 1987, p. 240. 11 Vide Anexos 4.1 e 4.2. 12 “ (…) Sus ojos guián a los nos nuestros hasta la imagen del Cristo resurrecto en la portezuela y las palavras inscritas en oro debajo (…) que invocan la música de los himnos (…) que dice: «enseñaros y amonestaros los unos a los otros en salmos y himnos y cantos espirituales».” in ALPERS, 1987, p. 245

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também ela intencionalmente inscrita na língua vernácula a ouro nos frisos de madeira do instrumento representado aparatosamente e que se acompanha na sua porta uma representação da ressurreição de Cristo. O propósito do autor foi não só exaltar o papel da música no culto do Divino como vincar a ruptura que o protestantismo calvinista marca para com a matriz católica apostólica romana em que o contacto sensorial com o transcendente corresponde ele mesma a um ritual muito mais eficaz e envolvente de interacção “desmaterializada” 13 com Deus. Alpers compara esta obra de Saenredam com outra coeva de Rubens, “Santa Cecília”14, em que o mesmo motivo de exaltação da música como meio de adoração é exposto numa linguagem pictoricamente muito mais elaborada em que as tonalidades fortes contrastantemente quentes e frias das vestes entram num diálogo quase gritante com a luminosidade da carnação cândida da Santa pelo segundo, contrariamente à serenidade de um silêncio melodioso da ambiência retratada e, de certo modo, recriada pelo primeiro. Em breve menção e ainda nesta subcategoria, Alpers refere o surgimento do género temático derivado deste gosto gradual pelo incorporação do texto nas composições pictóricas que é o “penschildrij ou pintura a pena”15, cujo expoente se encontra em Dirck Van Rijswick e na sua “Homenagem a Nicholas Verburch” 16 em que a forma florida que a caligrafia adquire e faz entrelaçar os próprios caracteres derruba integralmente os limites até então óbvios entre o que era caligrafia e o que era desenho. No que à segunda forma concerne, Alpers informa sobre o também ele crescente gosto pelo retrato do hábito de leitura, aqui especificamente da correspondência privada, em que a burguesia desempenha papel central, por dois motivos: 1) enquanto classe com acesso privilegiado à instrução e, por consequência, aos círculos intelectuais europeus e aos grandes debates da época feitos em grande medida por via da carta; 2) enquanto grupo social que se pautava por um forte código ético familiar e uma ampla demonstração de afectos em oposição àquilo que seria o paradigma aristocrático do estabelecimento de ligações matrimoniais e familiares por conveniência. Destaca-se a obra de Gerard Ter Borch, em que se afirmam como paradigmas do retrato do quotidiano e do seu pormenor, que é a comunicação escrita, as seguintes obras: “Dama

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“(…) El culto divino mediante la música recibe aqui un tratamiento formal singularmente no narrativo e impersonal, casí podríamos decir desmaterializado. (…)”in ALPERS, 1987, p. 245 14 Vide Anexo 5. 15 ALPERS, 1987, p. 253 16 Vide Anexo 6

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escrevendo uma carta”17 (1655) e “Dama lendo uma carta” 18 (1662). Estes últimos são temas recorrentes da pintura que segue este registo, contando com o contributo igualmente notável de Vermeer 19 em que o retrato destes se faz mediante uma carga dramática única conseguida através da combinação sombras, tonalidades frias e a parca incidência de luz natural nos poucos brancos que aplica em linha com a misantropia expressa nos rostos, ao contrário de Ter Borch em que a luminosidade é calorosa pelos tons quentes que aplica e o reflexo luminoso que os rostos cândidos mostram a par de um sorriso simples. Por fim e no que à terceira forma de incorporação do texto concerne, Svetlana Alpers releva o argumentário narrativo como este tendo tido um papel único na arte europeia, na medida em que a pintura barroca holandesa foi desenvolvendo uma linguagem singular de exprimir na tela, mais do que os sentimentos e sensações das figuras representadas, a interacção animada entre as mesmas em que se lêem tacitamente diálogos com conotações e até ilações que, por seu turno, são robustecidos na sua abordagem pelo acréscimo recorrente de legendas. Isto faz com que a pintura barroco holandesa rompa com a linguagem do barroco romano em que as figuras tensas luxuriosamente retratadas se limitam a expressar sentimentos interiores mediante o gesto estático e encenado, pois na primeira assiste-se à prodigiosa dinâmica dos movimentos e, curiosamente, à abertura das próprias bocas 20. Mestre desta linguagem corporal única, Pieter Lastman concretiza-a em pleno na sua obra “Susana e os anciãos”21, de 1614, em que toda a agitação cénica se parece articular com uma legendagem aqui implícita não só do sucedido como do hipoteticamente discursado pelas personagens. CAPÍTULO II - REFLEXÃO CRÍTICA Há, portanto, duas dimensões em que a palavra intervém no campo visual da pintura holandesa do século XVII, segundo a leitura que podemos fazer da proposta de Svetlana Alpers: 1) escrita; 2) tácita. No plano escrito da palavra, devo expressar a minha concordância para com a autora na medida em que, de facto, a palavra escrita assume uma certa centralidade no 17

Vide Anexo 7 Vide Anexo 8 19 Vide Anexo 9 20 ALPERS, 1987, p. 285 21 Vide Anexo 10 18

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que é o retrato do quotidiano, todavia, discordo que esta surja da intenção dos autores em questão, senão no estímulo involuntário de transmitir o ambiente político e cultural da época em que viveram. Entenda-se o impacto do contexto político internacional no dia-a-dia da própria sociedade holandesa, em que até à data de 1648, isto é, ao Paz de Vestefália, as principais atenções se focavam na resistência ao domínio espanhol e na concentração de esforços para a obtenção de um resultado minimamente favorável no saldo de guerra que duraria cerca de oitenta anos. Isto a propósito das declarações de cariz político, cultural, político e até económico que faziam crer numa nação próspera, unida, cujo projecto de independência era sólido e ainda mais corroborado com a coesão moral que assentava na tolerância religiosa sem ignorar a transformação que a própria impregnação do calvinismo na sociedade holandesa teve. Declarações, essas que se fazem naturalmente através da arte e da palavra. Talvez, por essa mesma razão, a arte e a palavra apareçam fundidas, quase como que atendendo a uma necessidade propagandística de legitimação da longa campanha independentista das Província Unidas dos Países Baixos. Neste seguimento, há um aspecto fulcral no meu entender que a autora não explora, embora o mencione muito brevemente, que é a palavra como sinónimo de esclarecimento. Encontramo-lo na crescente importância da legendagem no contexto da gravura em ampla circulação nesta época, enquanto informação cabal que se presta ao seu observador numa altura em que por força da até então reduzida circulação de pessoas urgia a uma descrição mais pormenorizada de fenómenos exógenos à ambiência local que a imagem só por si não conseguia cumprir. E o género da chamada pintura a pena enquadra-se nesta necessidade de tornar a própria palavra não apenas legível mas também observável. Todavia, o esclarecimento que a palavra não só tem contornos nitidamente religiosos, achando em Saenredam o seu mais eloquente tradutor através de um discurso virtuosista que seria transversal à sua obra como bem Alpers aborda 22 a propósito do “Interior da Igreja de São Bavão em Harleem”, mediante a inscrição de passagens bíblicas que recusam literalmente a materialização católica romana do culto, como também apresenta uma característica amplamente inovadora e notoriamente pragmática: inscreve na composição pictórica um elemento descritivo e catalogador 23 seja da própria obra seja do próprio espaço que trata que visa tornar essa mesma obra 22

ALPERS, 1987, p. 245 “(…) El propósito de Saenredam al quitar importancia a su función creadora es dar prioridad a la documentación de la iglesia vista y de esa forma presentar el cuadro en sí como un documento de una particular espécie.” in ALPERS, 1987, p. 250 23

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num documento informativo ela mesma, uma vez mais alcançado através do pormenor escrito e que é possível ser observado na tela “Interior de Mariakerk de Utrecht”24. No plano da palavra tácita, convirjo com a leitura de Alpers de que a linguagem animada que a pintura barroca holandesa atribui à disposição cénica das composições pictóricas constitui uma inovação na representação até então. Todavia, entendo que a análise pela sua não fundamentação. Não se consegue compreender os motivos subjacentes ao desenvolvimento desta linguagem tão característica na leitura de Alpers e atrevo-me, aliás, a declarar neste campo que seria academicamente profícuo tentar estabelecer uma ligação causal entre o que foi o dinamismo intelectual desta região no século XVII e a estruturação da mentalidade holandesa com base no princípio do diálogo inter-religioso e inter-étnico (num panorama intra-europeu de matriz judaicocristã, claro está) e na fomentação permanente e sempre presente do debate e aquilo que constitui a singularidade da linguagem artística em questão como seja a interactividade com o observador, que leva ela própria à reflexão e à formulação, no mínimo, de uma opinião sobre o que trate o tema, sobre o que conste no discurso de cada um dos personagens. CONCLUSÃO Em suma, infere-se que o significado da incorporação da palavra nas composições pictóricas da pintura holandesa do século XVII, largamente considerando a produção artística no campo do género da “Bambocciata” ou do gosto pelo retrato do vulgar, é iminentemente político, filosófico, cultural e religioso enquanto expressão identitária de um novo país no quadro europeu e de uma próprio poder em ascensão e em competição directa com os velhos poderes continentais mediante um processo de expansão ultramarina. Evidentemente, o legado desta linguagem artística tão característica perdurou, muito em parte na importância que este facto tem no contributo para a construção da memória histórica de um povo, revelando-se desde as vanguardas artísticas do início do século XX como foi inicialmente mencionado até à própria consagração do poder da palavra aliado à imagem naquilo que será a arte da propaganda. A novidade do espírito holandês permanece conservada no pormenor escrito da sua pintura, servindo esta de uma verdadeira fonte de documentação sobre o que o primeiro representou numa Europa flagelada pelo conflito religioso sem precedentes e

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Vide Anexo 11

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pelo desmoronar de uma velha ordem internacional. Uma palavra, aliás, que não cessa na actualidade da sua descrição.

BIBLIOGRAFIA  ALPERS, S., El arte de describir: el arte holandês en el siglo XVII, 1ª Edição, Hermann Blume, Madrid, 1987, pp. 239-302;  PADGEN, A. (coord.), The Idea of Europe: from Antiquity to European Union, Woodrow Wilson Center Series – Cambridge University Press, Cambridge, 2002, pp. 91-115;

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ANEXOS

Anexo 1 - “As reminiscências de Quin-Huai” da autoria de Shih T’ao, final do século XVII, colecção do Cleveland Museum of Art.

Anexo 2 –Johns, J. (1959). O Alfabeto. [Óleo sobre tela e colagem de papel] Nova Iorque: Galeria Leo Castelli.

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Anexo 3 - Magritte, R. (1929). La trahison des images – Ceci n’est pas une pipe. [Óleo sobre tela] Los Angeles: Los Angeles County Museum of Art.

Anexo 4.1. - Saenredam, P. (1636). Interior da Igreja de São Bavão em Harleem (detalhe). [Óleo sobre tela] Amesterdão: Rijksmuseum-Stichting.

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Anexo 4.2. – Saenredam, P. (1636). Interior da Igreja de São Bavão em Harleem (detalhe). [Óleo sobre tela] Amesterdão: Rijksmuseum-Stichting.

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Anexo 5 - Rubens, P. (1639-1640). Santa Cecília. [Óleo sobre tela] Berlim: Staatliche Museen Preussischer Kulturbesitz.

Anexo 6 – Rijswick, D. (1671). Homenagem a Nicolas Verburch. [Mármore e Pérola] Amesterdão: Rijksmuseum-Stichting.

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Anexo 7 – Ter Borch, G. (1655). Dama escrevendo uma carta. [Óleo sobre tela] Haia: Mauritshuis.

Anexo 8 – Ter Borch, G. (1662). Dama lendo uma carta. [Óleo sobre tela] Londres: Wallace Collection. 16

Anexo 9 – Vermeer, J. (1663-1664). Dama lendo uma carta. [Óleo sobre tela] Amesterdão: Rijksmuseum-Stichting.

Anexo 10 – Lastman, P. (1639-1640). Susana e os Velhos. [Óleo sobre tela] Berlim: Staatliche Museen Preussischer Kulturbesitz. 17

Anexo 11 - Saenredam, P. (1641). Interior da Mariakerk de Utrecht. [Óleo sobre tela] Amesterdão: Rijksmuseum-Stichting.

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