O Pós-­Golpe: O Que Temer

Share Embed


Descrição do Produto

[Escuta Especial Conjuntura] O Pós­Golpe: O Que Temer

Guilherme Simões Reis* Colocado pelo governo Dilma Rousseff como seu articulador político em meados de 2015, o vice­presidente Michel Temer esteve em posição privilegiada para articular a conspiração que resultou no golpe de Estado de 12 de maio de 2016, quando o Senado aceitou a abertura do processo de impeachment da presidente, apesar de não haver real crime comum ou de responsabilidade, levando a seu afastamento. Já não se trata mais de se defender a sobrevivência da democracia e sim a sua restauração, pois ela já foi derrubada no momento em que a presidente eleita foi retirada do governo ignorando­se a necessidade legal de haver determinadas condições para o impedimento, com o deliberado intuito de mudar a agenda política. No lançamento do programa “Ponte para o Futuro”, pela Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, em outubro de 2015 já estava declarada sua plataforma fortemente conservadora. Os sinais de que não se tratava de mera pressão programática sobre o PT, parceiro da coalizão governamental, e sim de traição vêm de longe, com o vazamento (obviamente intencional) da carta de Temer para Dilma criticando que não era ouvido, sendo tratado como mero “vice decorativo”, e jogando contra ela o PMDB, partido que segundo ele a presidente tentaria dividir e no qual ela não confiaria (o que os eventos seguintes de covardia provariam ser a postura sensata). No sinistro programa televisivo do PMDB de fevereiro deste ano, lideranças partidárias, com destaque para o vice­presidente da República, pregavam, à frente de um fundo negro, a necessidade de um governo que unisse o país, contrariamente ao de Dilma Rousseff, que era duramente criticado e implicitamente acusado de dividi­lo. Chegavam a usar o termo “Plano Temer” para o país sair da crise, como se ele fosse efetivamente um candidato à Presidência. O governo ilegítimo em exercício no Brasil, empossado após o golpe de Estado parlamentar que afastou da presidência Dilma Rousseff, surpreende os incautos por seu apetite. Sem o pudor de manter as aparências de um processo constitucional – o impeachment – ainda em trâmite, no qual, até segunda ordem (a aprovação por dois terços do Senado, daqui a alguns meses), o vice­presidente Michel Temer ocuparia o cargo político mais relevante do país apenas interinamente, este prontamente anunciou mudanças radicais nas políticas e ampla reforma ministerial. Além disso, evidenciando se tratar de um Estado de exceção, decidiu restringir os deslocamentos aéreos de Dilma nos aviões da Força Aérea Brasileira (que, enquanto não sofrer em definitivo o impeachment é, mesmo afastada de suas funções, a presidente) e, ainda mais esdrúxulo, cortar as despesas do Palácio do Alvorada com alimentação e controlar as visitas recebidas por ela em sua residência oficial. Parece não bastar ser ilegal, afinal: há que ser mesquinho também. Não há motivo para a surpresa, uma vez que o próprio processo de impeachment não se motivou por crime comum ou de responsabilidade, mas sim se desenvolveu de forma análoga ao voto de desconfiança no

parlamentarismo: a chefa de governo perdeu o apoio da maioria no Legislativo e esta decidiu destituí­la do cargo. Não é causa a questão das chamadas “pedaladas fiscais”, que foram praticadas pelos dois presidentes anteriores, pelo próprio vice­presidente nos períodos em que substituiu Dilma Rousseff em sua ausência, e pela maioria dos governadores estaduais, vários deles dos partidos que defenderam o golpe, inclusive pelo relator do processo de admissibilidade no Senado, Antonio Anastasia, quando este governou Minas Gerais. O que houve foi a busca de alguma justificativa para retirar a presidente, uma vez que, ao contrário do que indicaria o discurso da quase totalidade dos parlamentares golpistas que usaram algum argumento mais profundo do que citar Deus ou sua própria família, impeachment não é análogo a voto de desconfiança existente no parlamentarismo. Precisavam encontrar o crime e o jeito foi transformarem em crime de responsabilidade o que jamais foi – e provavelmente não voltará a ser – considerado como tal. Caberia ao Supremo Tribunal Federal anular o processo, dada a sua inconstitucionalidade, mas tudo indica que não o fará. A cumplicidade da Suprema Corte é fundamental para legitimar um pseudoimpeachment – ou “golpeachment”, como chamou com muita felicidade o jornalista do Valor e politólogo Cristian Klein –, e o mesmo ocorreu no Paraguai quando Fernando Lugo foi a “dilma da vez”. Aliás, a atuação partidarizada, sensacionalista e muito flexível do Judiciário, juntamente com sua parceria com uma imprensa que segue os mesmos parâmetros, é central para a criminalização do grupo político que estava no poder e para a blindagem daqueles que promoveram o golpe. A apatia do STF, que, com a desculpa de não querer interferir na relação entre os outros dois Poderes, não cumpriu sua atribuição de apontar a inconstitucionalidade de um impeachment sem crime, parece ser por algo mais do que “acovardamento”, tal como acusara o ex­presidente Lula. O empenho do então presidente da Câmara Eduardo Cunha para aprovar o pedido de urgência do projeto que reajustava o salário dos servidores do Poder Judiciário (depois de Dilma Rousseff ter vetado o reajuste por contrariar o interesse público), a reunião do presidente do STF Ricardo Lewandowski com deputados aliados de Cunha para tratar do tema, o vazamento de conversa de Sérgio Machado com o líder parlamentar Romero Jucá (a gravação do diálogo foi fornecida como parte de delação premiada) em que este dizia haver um amplo acordo incluindo o Supremo para derrubar Dilma e dar fim às investigações de corrupção, e a efetiva aprovação de um aumento de R$ 5 mil para o elevado salário dos ministros do STF sugerem outra história: Pôncio Pilatos pode ter deixado que o crucificado fosse o nazareno em vez de Barrabás em troca de 30 moedas de Judas Iscariotes. Reviravolta mais recente, no entanto, bagunçou o esquema: uma semana após o próprio Temer defender a aprovação imediata do projeto de reajuste no Congresso, ele mesmo o vetou em função da repercussão negativa que gerou para sua ilegítima administração. A série de gravações de conversas vazadas por Sérgio Machado, ex­presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras, em delação premiada, indicam que a proteção de corruptos pode ter sido justamente uma das razões centrais para o golpeachment contra a presidente, sobre a qual não recai qualquer suspeita de corrupção. Trata­se de conversas de Machado com figuras centrais no governo “interino” e no Congresso, cujo teor evidencia o desejo de interrupção das investigações de corrupção na Operação Lava­Jato e a concepção de que apenas tirando Dilma Rousseff do cargo isso seria possível. Entre os interlocutores destacam­se o senador e ex­presidente José Sarney, o presidente do Senado Renan Calheiros e, provavelmente na peça mais comprometedora, o mencionado Romero Jucá, um dos expoentes do golpe e escolhido para ser ministro do Planejamento, que acabou perdendo o cargo em função do escândalo de ter deixado a conspiração nua. O escândalo motivou o procurador­geral Rodrigo Janot a requerer a prisão dos três, mas tudo indica que se trata apenas de cortina de fumaça e que o STF negará o pedido. Entretanto, não se trata simplesmente de uma questão de honestidade ou corrupção. O golpe é também profundamente programático e classista. O projeto do ditador civil Michel Temer é radical tanto no recuo das conquistas da última década e meia como na restrição a direitos há muito assegurados e no desmonte do patrimônio público e ataque à soberania nacional. Não há por que manter o pudor de chamar o regime atual de “ditadura”, dado que se empossou por meio de golpe com a intenção de “restabelecer a normalidade” (tal como evidencia a ressurreição, como logotipo do Governo Federal, do infeliz e conservador lema positivista que enfeia nossa bandeira, “Ordem e Progresso”). A situação evidentemente ainda está mais para, como gosta de chamar a Folha de S. Paulo, uma “ditabranda”, com ampla liberdade de expressão e ativa oposição parlamentar. Uma vez rasgada a Constituição, no entanto, não se sabe o limite das conseqüências, quão longe se pode descer. Um aumento da violência, da repressão e da restrição de direitos não está, absolutamente, no

campo do improvável. Uma característica dos regimes autoritários é justamente o fato de não se submeterem nem ao crivo da população, visto que não precisam de votos, nem aos rigores da lei e do respeito aos direitos, posto que sua própria ascensão violou ambos. Temer pretende avançar no ultraneoliberalismo tanto quanto apenas governos autoritários são capazes, de modo que, comparativamente, as gestões neoliberais dos dois fernandos – o Collor de Mello e o Henrique Cardoso – quase pareçam progressistas. Não por acaso o maior experimento neoliberal já feito tenha sido, possivelmente, o Chile sob a carnificina de Augusto Pinochet, e a própria Margaret Thatcher não tenha sido capaz de completar seu programa no Reino Unido, não conseguindo mexer no sistema público Serviço Nacional de Saúde (NHS). A manobra, portanto, visa a mudar os rumos do país, após quatro derrotas eleitorais seguidas do projeto conservador. Não por acaso o PMDB, partido cujo nome (Movimento Democrático Brasileiro) soa mais sarcástico do que nunca, chamou como principal parceiro no governo ditatorial justamente o PSDB, derrotado no segundo turno em todos os últimos quatro pleitos, duas vezes com José Serra, um dos primeiros nomes escolhidos para o ministério ilegítimo. A radical mudança ministerial do ditador civil, com cortes e fusões de pastas e nomeações polêmicas, deixa claro: 1) que se trata de uma substituição de governo não proveniente de eleição, e não mera administração interina decorrente do afastamento de chefe de governo em meio a um processo não concluído de impedimento, 2) que não há qualquer intenção de combater a corrupção, visto que boa parte do gabinete é composta por suspeitos investigados, 3) e que o projeto político é radicalmente neoliberal e também ultraconservador quanto aos costumes e aos direitos civis. É o típico neoliberalismo latino­ americano: Estado mínimo para o bem­estar social, mas Estado robusto para assegurar privilégios. Em plena crise econômica, usada como argumento para a desvinculação de recursos para a Saúde e a Educação, a Câmara aprovou reajuste salarial para o funcionalismo do Judiciário e do Legislativo, que terá impacto de R$ 50 bilhões no orçamento em três anos de acordo com o jornal espanhol El País. Como dito, Temer, que apoiara a medida, recuou após as repercussões negativas e vetou o projeto. Michel Temer, que foi informante dos Estados Unidos, conforme a WikiLeaks revelou, pretende mudar nossa política externa, retomando a antiga subserviência aos países do Norte e enfraquecendo as relações latino­ americanas e Sul­Sul. Para isso, escolheu para ministro das Relações Exteriores o mencionado José Serra, que foi autor, no Senado, de projeto de lei para tirar da Petrobras a centralidade na exploração do Pré­Sal, com claro objetivo de favorecer as petrolíferas estrangeiras. A atuação em Brasília de Liliana Ayale, a mesma embaixadora estadunidense que servia no Paraguai meses antes de Fernando Lugo sofrer o golpe, reforça a interpretação de que a destituição irregular de Dilma serve a interesses da potência hemisférica. Para a presidência da Petrobras, por sua vez, nomeou Pedro Parente, que foi ministro da Casa Civil e Planejamento do governo Fernando Henrique Cardoso durante o apagão energético e que causou graves prejuízos à empresa ao usá­la para custear investimentos privados em usinas termoelétricas, assegurando o lucro dos empresários. Em sua posse na presidência da empresa, defendeu a revisão da lei do pré­sal, que justamente favorece a estatal assegurando­lhe no mínimo 30% de participação na exploração de todos os campos de petróleo da área. A Controladoria Geral da União, responsável por realizar o controle interno e auditoria pública para prevenir e combater a corrupção, foi extinta, sendo absorvida pelo novo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Para a pasta nomearam inicialmente Fabiano Silveira, que veio a ser o segundo ministro escolhido por Temer a ser exonerado (depois de Jucá), também por aparecer em gravação de conversa de Sérgio Machado – criticando a operação Lava Jato, em diálogo com a participação de Renan Calheiros. Entretanto, a ideia de “transparência” em vigor se evidencia por dois outros exemplos: o novo ministro dos Transportes, Maurício Quintella foi condenado por desvio de dinheiro da merenda escolar em Alagoas; já o ministro dos Esportes Leonardo Picciani nomeou para secretário nacional do Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor Gustavo Perrella, filho do senador Zezé Perrella, ex­presidente do Cruzeiro e dono de um helicóptero onde a Polícia Federal apreendeu 450 quilos de cocaína. O próprio Temer, aliás, é “ficha­suja” e está inelegível por oito anos por ter realizado doações irregulares para a campanha de candidatos peemedebistas a deputado federal. O Ministério da Cultura (MinC) havia perdido o status de ministério e sido incorporado ao Ministério da

Educação (MEC), mas foi recriado após muita repercussão negativa junto à classe artística. O MEC, por sua vez, foi brindado com a nomeação de Mendonça Filho como ministro. Quando governador de Pernambuco, em 2005, ele fortaleceu a privatização das escolas estaduais. O escárnio chegou ao ponto de Mendonça Filho ter recebido integrantes do grupo golpista e ultrarreacionário Revoltados On Line, entre eles o “ator” Alexandre Frota, com propostas como o projeto “Escola sem partido”, que visa a impedir qualquer debate e reflexão política nos colégios, como se fosse possível apenas apresentar conteúdo objetivo e de forma neutra. Paralelamente, houve demissões em massa de assessores técnicos do Ministério, notadamente daqueles envolvidos no Fórum Nacional de Educação. Além disso, a pesquisa não tem melhor prognóstico do que a educação: o novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o bispo licenciado da Igreja Universal Marcos Pereira, um criacionista, quase foi nomeado para a pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação, a qual foi inclusive fundida com o Ministério das Comunicações, deixando claro quão importante o setor é para o governo “interino”. A educação pública tenderá a ser sucateada, com dramática perda de orçamento, especialmente dada a pretendida desvinculação dos recursos orçamentários para ela e também para a saúde. Por sua vez, o nome escolhido para ministro da Saúde foi Ricardo Barros, que teve como maior doador individual de sua campanha para deputado federal – com R$ 100 mil – um dos proprietários e presidente do Grupo Aliança, grande administradora de planos de saúde privados. Não surpreende que o novo ministro, comprometido com os planos de saúde e não com a saúde pública, tenha declarado que o tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS) precise ser repensado e que o Brasil não terá como sustentar para sempre o acesso universal à saúde. Fábio Mesquita, que era diretor do Departamento de ST/AIDS e Hepatites Virais, pediu demissão do cargo devido ao despreparo técnico e à sabotagem operacional sobre as políticas públicas de saúde promovida por Ricardo Barros e por seu secretário­executivo Antônio Nardi. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) foram fundidos e esvaziados, com Osmar Terra como ministro. O programa Bolsa Família, chamado “coleira política” por Terra, permanece no novo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA). O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e as secretarias de agricultura familiar, no entanto, passam para a Casa Civil, cujo nono ministro, Eliseu Padilha, disse que só conversará com o MST se Michel Temer pedir expressamente, pois não se pode “passar a mão na cabeça deles como o PT sempre fez”. Já para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento o escolhido foi o bilionário megafazendeiro de soja Blairo Maggi. O programa de Assistência Técnica e Extensão Rural, o Mais Gestão, para preparar associações e cooperativas de agricultura familiar para a participação nos mercados, foi paralisado. Outro ministério extinto foi, não surpreendentemente, o das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, absorvido como secretarias pelo rebatizado Ministério da Justiça e Cidadania. A secretaria de Mulheres foi justamente o primeiro órgão de alto escalão em que uma mulher foi nomeada para chefiar (o que parece óbvio, mas tudo é possível quando existe um Partido da Mulher Brasileira que tem como único parlamentar um homem, Weliton Prado, que apoiou o golpe) – Temer foi muito criticado, inclusive no exterior, por formar um ministério todo formado por homens. Trata­se, no entanto, de Fátima Pelaes, ex­vice­presidente da Frente Parlamentar Evangélica e opositora da permissão do aborto até mesmo nas situações hoje previstas na lei, como em caso de estupro. Como deputada, votou contra projeto que proibia as empresas de pagar salários diferenciados para homens e mulheres pelo mesmo trabalho. Já manifestou se opor a todas “as bandeiras contrárias aos valores bíblicos”, o que significa que não se pautará pela defesa do Estado laico e que lésbicas e trans também não deverão ter grande acolhimento em sua gestão. Não bastasse seu posicionamento acerca das políticas para as mulheres, Pelaes é investigada por suspeita de desvio de R$ 4 milhões de suas emendas parlamentares. A pasta da Justiça, por sua vez, tem como ministro alguém sob medida para inibir as manifestações contra o golpe de Estado e o governo ilegítimo: Alexandre de Moraes. Como secretário de Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin em São Paulo, foi responsável por repressão às ocupações estudantis nas escolas, autorizando a invasão policial sem mandado judicial. Também tornou sigilosos por 50 anos todos os boletins de ocorrência registrados pela Polícia Militar, bem como seus manuais e procedimentos. Pouco antes de tomar posse no ministério, que é onde está alocada a Polícia Federal, Moraes declarou que os bloqueios de estradas e rodovias e formação de barricadas com pneus queimados em maio pela Frente Brasil Popular (formada por MST, CUT e outros movimentos) não eram uma manifestação, pois não haveria nada a pleitear, e sim atitude

criminosa para atrapalhar a cidade, como “atos de guerrilha”. Claramente, sua atuação se pautará pela criminalização dos movimentos sociais. Disse também que no momento em que o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, integrante da outra frente de resistência ao golpe, a Frente Povo Sem Medo) fizer o mesmo também será combatido como criminoso. O temor de repressão não se limita à atuação do Ministério da Justiça e Cidadania. Foi recriado o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ao qual fica vinculada a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O nomeado para chefiá­lo foi o general Sérgio Etchegoyen. Este é sobrinho do coronel Cyro Etchegoyen, chefe de Contrainformações do Centro de Informações do Exército (CIE) no governo Médici e, conforme depoimento colhido pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), coordenador das equipes de tortura da Casa da Morte, em Petrópolis­RJ. O pai de Sérgio Etchegoyen, o general Leo Guedes Etchegoyen, por sua vez, foi chefe da Política Civil do Rio Grande do Sul e, de acordo com a CNV, supervisor das atividades do DOI­CODI. Não surpreende que o novo ministro Sérgio Etchegoyen seja crítico à investigação dos crimes da ditadura pela CNV, cujo trabalho classifica como “patético”. Para sustentar um regime, repressão não costuma bastar, é preciso também ideologia. A maioria da mídia apoiou o golpe, mas justamente a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) se apresentou como bastão de resistência do jornalismo. Para assegurar a parcialidade jornalística, Temer substituiu antes do fim do mandato seu diretor­presidente, Ricardo Melo, colocando em seu lugar Laerte Rimoli, o coordenador de comunicação da campanha presidencial de Aécio Neves, diretor da TV Câmara a serviço de Eduardo Cunha, e confesso simpatizante da Globo. Este caso, no entanto, foi um dos raros em que o STF interveio: o ministro Dias Toffoli decidiu que Ricardo Melo deveria ser reconduzido ao cargo. Colunista de O Globo afirmou que Temer estuda fechar a empresa. Se não pode usá­la para propaganda da ditadura, que ela não exista! Temer já deixou claro que sua prioridade é a economia, e o diagnóstico é o da necessidade de realizar nova reforma da previdência – aumentando ainda mais a idade de aposentadoria – e adotar políticas de austeridade, isto é, agradar ao mercado financeiro (provavelmente aumentando os juros), reduzir o poder de compra dos trabalhadores e aposentados e cortar gastos sociais. Nomeou para a pasta da Fazenda o ex­ presidente do Banco Central Henrique Meirelles e para a presidência do BC o economista­chefe do Itaú, Ilan Goldfajn. Os objetivos são aumentar o ajuste fiscal, desvalorizar as pensões e o salário mínimo, flexibilizar o trabalho, privatizar o que ainda é público. Várias figuras do primeiro escalão do governo interino têm manifestado que os direitos não podem ser tomados em absoluto, podendo ser revistos. O governo ditatorial tem ampla maioria nas duas casas legislativas e o Senado tem tentado agilizar o processo de impeachment de Dilma Rousseff e cercear seu direito de defesa. Incrivelmente, proibiu a inclusão nas provas das gravações de Sérgio Machado, que evidenciam o golpe. Há pouca esperança na solução institucional, visto que todas as instituições estão comprometidas com o golpe, inclusive, como já dito, o Judiciário. A pressão internacional ajuda – como a Organização dos Estados Americanos apelando à Corte Interamericana contra o golpe de Estado, jornais estrangeiros dos mais variados posicionamentos políticos manifestando em uníssono que se trata de golpe de Estado empreendido por corruptos, partidos de esquerda latino­americanos e europeus denunciando, diplomatas de outros países não reconhecendo sua legitimidade. Por mais que a maioria da população esteja apática e que o gabinete ilegítimo tenha sinalizado que a resposta será via criminalização e repressão, a única alternativa é os setores populares organizados resistirem nas ruas e na rede, lutando pela redemocratização e para inviabilizar a ditadura civil: ocupações, bloqueios de estrada, greve geral, escrachos, passeatas, repercussão de mídia alternativa. A situação econômica da maioria esmagadora da população vai piorar e isso pode aumentar as adesões. Se Temer cair ainda este ano (e Dilma tiver sofrido o golpeachment), haverá eleições diretas para presidente. Se deixar o cargo em 2017, o Congresso corrupto e golpista elegerá indiretamente novo presidente, obrigando à continuação da pressão nas ruas. Cresce entre ex­governistas um movimento para, como o leite já está derramado, antecipar as eleições. Seja em eventual eleição direta agora, seja nos pleitos previstos para 2018, Lula aparece, para o bem e para o mal, como a única candidatura competitiva (e favorita) da esquerda – Ciro Gomes, de credenciais de esquerda mais controversas, corre por fora. Por isso, o Judiciário partidarizado vai aumentar a carga para tentar incriminar Lula e cassar seus direitos políticos. E assim segue, por águas turbulentas e imprevisíveis, o barco

de nossa ex­democracia. * Guilherme Simões Reis é Doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP­UERJ, 2013), Professor da Escola de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), além de colaborador da Escuta.

Compartilhe isso:

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.