O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA: O DIREITO DO POVO DAS SECAS

July 23, 2017 | Autor: C. Gurgel da Silva | Categoria: Direito Constitucional
Share Embed


Descrição do Produto

CARLOS SÉRGIO GURGEL FABIANO MENDONÇA LIZZIANE SOUZA QUEIROZ Prefácio por Paulo Lopo Saraiva

Fabiano André de Souza Mendonça

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

CARLOS SÉRGIO GURGEL FABIANO MENDONÇA LIZZIANE SOUZA QUEIROZ

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA o Direito do Povo das Secas

Natal Fabiano André de Souza Mendonça 2015

GURGEL, Carlos Sérgio, MENDONÇA, Fabiano, QUEIROZ, Lizziane Souza. O povo das secas e sua legitimação jurídica: o direito do povo das secas. Natal: Fabiano André de Souza Mendonça, 2015.

ISBN 978-85-917635-3-5 (e-book pdf)

CDD 340 – Direito

A presente obra tem seus direitos autorais protegidos nos termos das Leis nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, e 10.753, de 30 de outubro de 2003, que resguardam direitos morais e patrimoniais do autor e do editor, no que concerne principalmente à autoria, divulgação, modificação, acesso à publicação e sua comercialização, sem prejuízo dos demais direitos assegurados na ordem jurídica interna ou internacional. Pela Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, também estão protegidas as instruções em linguagem codificada ou não pertinentes à publicação eletrônica.

AUTORES Carlos Sérgio Gurgel da Silva Doutorando em Direito pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Professor do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus de Natal/RN, Geógrafo e Advogado. Fabiano André de Souza Mendonça Professor Associado da UFRN. Doutor em Direito pela UFPE. Pós-Doutorado pela Universidade de Coimbra. Estágio Sênior CAPES na Faculdade de Dierito da Universidade de Lisboa (2015). Procurador Federal. Membro do IPDEC e do IPDP. Lizziane Souza Queiroz Franco de Oliveira Professora Assistente da Universidade Federal Rural do Semiárido. Mestre em Direito pela UFRN.

AGRADECIMENTOS Aos alunos de Direito Constitucional I, UFRN, 2013.1: Aimê Fonseca Peixoto, Amanda Ferreira Bezerra Alves, Amanda Gehlen Rodrigues, Ana Carolina Bezerra Fernandes Revoredo, Arianne Sabina Varela Constantino de Medeiros, Bruna Agra de Medeiros, Caio Luiz Neves Maia, Carolina Oliveira Beghelli, Cecília Ethne Pessoa de Oliveira, Célio Torquato de Araújo Júnior, Clara Bilro Pereira de Araújo, Cláudio José Cavalcante de Souza Júnior, Daniel Augusto Moraes de Macedo, Eduardo Madruga e Souza, Érika Ramos Calife, Evelin Pereira de Lima e Silva, Fernanda Ribeiro de Oliveira Bezerra, Flávia Monique da Silva Veras, Gabriel Cordeiro de Oliveira Fernandes, Gabriela Mariel Moura de Azevedo, Helena Augusta de Queiroz Almeida, Igor Bruno de Souza Silva, Igor Matheus Gomes Ferreira, Isadora de Oliveira Muniz, Juliana Santos de Carvalho, Lílian Ferreira Borges, Lucas Dayan de Oliveira Mendonça, Lucas Leal Sampaio, Lucas Rafael Pessoa Dantas Cardoso, Lumena Maria Nogueira Lopes Costa, Magnus Henrique de Medeiros, Maria Emília Freitas Diógenes, Matheus Lameque Correia de Oliveira Horácio, Matheus Nobre de Paiva, Mônica Danielle Souza de Azevedo, Natália Garcia de Freitas Leite, Pâmela Raissa Pereira Machado, Pedro de Oliveira Alves, Rayane Rodrigues Oliveira, Rayr Gomes Fernandes, Renata Karen Gomes da Fonseca, Roberto Dantas dos Santos Filho, Rodrigo de Oliveira Gomes, Rogério de Souza Alves Sobrinho, Yasmin Tomaz Cabral, Yves Andrade Bezerra de Farias Por tornar o evento possível: Barbara Paula Resende Nobre, Fernanda Waleska Cavalcante Bernardo, Ingryd Falcão Motta, Camila Oliveira Santos, Laís Costa de Albuquerque Santana, Lucas Tinôco Silvestre, Maria Beatriz de Menezes Costa Oliveira, Maria Gabriela Seabra Santos de Araújo Aos alunos do Mestrado em Direito, Regulação Econômica e Proteção aos Direitos Humanos, 2013.1, pelo apoio na coordenação do Projeto: Andre Rodrigues Fabricio, Beatriz Figueiredo Campos da Nobrega, Ana Flavia Lins Souto, Cristiane de Figueiredo Pinheiro, Kathiana Isabelle Lima da Silva, Luciana Montenegro Matos, Rodolfo Fernandes Cabral e Rodrigo César Falcão Cunha Lima de Queiroz

“Munta vez, o pobre vê A muié morrer de parto, Gemendo dentro de um quarto, Sem ninguém lhe socorrê. ... Fica, o viúvo, coitado! De arma triste e dilurida, Para sempre separado Do mió de sua vida, Mas, porém, não percebeu Que a sua muié morreu, Só por fartá um dotô. E, como nada conhece, Diz, rezando a sua prece: Foi Deus que ditriminou!

Pensando assim desta forma, Resignado, padece; Paciente, se conforma Com as coisa que acontece. Coitado! Ignora tudo, Pois ele não tem estudo, Também não tem assistença. E por nada conhecê Em tudo o camponês vê O dedo da Providença … Pruquê magina e conhece Que os home de posição Só óia para o seu rosto Pra ele pagá imposto Ou votá nas inleição.”

(Patativa do Assaré, Vida sertaneja)

Sumário PREFÁCIO ............................................................................................................................. 1 APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 6 1 POR UM PLANEJAMENTO JURÍDICO PARA O POVO DAS SECAS ................... 8 2 DIREITO DOS POVOS DAS SECAS: o direito de ser livre ................................... 19 3 A TUTELA JURÍDICA DO POVO DAS SECAS ........................................................ 25 3.1 A Seca e o Direito ................................................................................................... 25 3.2 Explicando a Seca .................................................................................................. 26 3.3 Status constitucional e infraconstitucional de tutela do patrimônio ambiental na região do semiárido brasileiro .......................................................... 28 3.4 A perspectiva do desenvolvimento social e econômico do “Povo das Secas” ........................................................................................................................................... 33 4 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 34 APÊNDICE........................................................................................................................... 36 Comentários finais ........................................................................................................ 36 Publicações ..................................................................................................................... 37 Celso Furtado: citações ................................................................................................ 39

PREFÁCIO

O conhecimento da seca nordestina data do século XVI (1583): “O flagelo assim se distribuía cronologicamente, desde as suas incidências conhecidas: século XVI (1583), século XVII (1605, 1614, 1682), século XVIII (1711, 1721, 1723, 1736-37, 1744-46, 1754, 1760, 1772, 1776-77, 1784, 1790-94), século XIX (1804, 1809, 1810, 1816-17, 1824-25, 1827, 1830-33, 1845, 1877-79, 1888-89, 1891, 1898) e século XX (1900, 1902-3, 107, 1915, 1919, 1932, 1942, 1951, 1958 e 1970). Veja-se a esse respeito Marcial Dias Pequeno. O DNOCS e o Nordeste in Carta Mensal, órgão do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, Rio de Janeiro, 1970, nº 182, p. 28.” (Apud Paulo Bonavides, Política e Constituição – os caminhos da Democracia. Forense – RJ, 1985)

Mas, com certeza, já no Brasil pré-colonial este fenômeno acontecia e os índios sabiam com ele conviver. Tanto isto é verdade que não há registros de mortes ou tragédias, no Brasil pré-colonial. Os índios souberam de modo natural, estatuir uma convivência satisfatória com o fenômeno da estiagem. Entretanto, o problema persistiu – e persiste – até os nossos dias atuais. Inúmeras foram as tentativas institucionais para a solução do problema climático. Na versão de Wagner Bittencourt de Oliveira1, “Sequenciando essa tendência, movimentos oriundos de crises de

estiagem,

desempenho

conjuntural

da

economia,

perda

de

competitividade face a outras regiões etc. levaram a “soluções” radicadas no Estado ou a ele confiadas. Surge o DNOCS (em 1909), a CHESF (em 1945), a CODEVASF (em 1946) e o BNB (em 1952). Já a criação da SUDENE (em 1959) revelou a “compreensão de região como espaço figurado por uma vontade política, isto é, por uma

1

Bitencourt, Wagner. Celso Furtado, a Sudene e o Futuro do Nordeste – Seminário Internacional. Recife/PE – SUDENE. 2000. p. 20

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

2

organização de forças sociais em torno da afirmação de um projeto que a torna mais coesa, mais aguerrida, mais confiante e mais poderosa, numa determinada fração do território nacional”. Ela resultou de um longo e amplo processo.”

Celso Furtado2 “o economista do semi-árido nordestino”, afirmou: “O conceito de Nordeste surgiu com a SUDENE. A SUDENE delimitou o Nordeste. Incluiu, por exemplo, o Maranhão no Nordeste. A Bahia também se recusava a ser Nordeste... Há muitos Nordestes. Agora, uma ideia de Nordeste já existia, na verdade, porque não havia transporte entre o sul e o norte do Brasil. Se você ia para o sul, tinha que ir pelo mar... ou pelo [Rio] São Francisco. Existia uma consciência de similitude, porque era uma região separada, como a Amazonas ou o Rio Grande do Sul, e identificada por um certo quadro cultural.” “Isso”, continuou Celso Furtado, “se oficializou, depois, por uma lei (3.692, de 15.12.59) que criou uma região política... a lei da SUDENE. Foi se criou essa história de que o Nordeste tem reivindicações comuns, problemas comuns e é a região árida. Essa foi a razão de ser da SUDENE – criar um fato político, uma consciência de solidariedade na região, que juntasse governadores tão diferentes e tão vaidosos, cada um puxando a brasa para o seu lado. Foi o que conseguiu a SUDENE.”

As várias tentativas de solução do problema da seca não lograram resolver o “caos da estiagem”, numa demonstração inequívoca de que as soluções são mais “politiqueiras” que políticas, mais midiáticas que reais. A criação da SUDENE, em 1959 estabeleceu a fase embrionária do Federalismo Regional. Enquanto funcionou nos anos 60 até os anos 90, a SUDENE modificou a face do Nordeste, criando um novo “pensar” e um novo “saber” sobre os problemas regionais.

2

Furtado, Celso. Celso Furtado, a Sudene e o Futuro do Nordeste – Seminário Internacional. Recife/PE – SUDENE. 2000. p. 21

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

3

Infelizmente, no governo FHC (pasmem!) ela foi extinta por uma malsinada Medida Provisória em aberto confronto com o artigo 43 da CFB/88, verbis: “Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.” § 1º - Lei complementar disporá sobre: I - as condições para integração de regiões em desenvolvimento; II - a composição dos organismos regionais que executarão, na forma da lei, os planos regionais, integrantes dos planos nacionais de desenvolvimento econômico e social, aprovados juntamente com estes.

Esta evidente “inconstitucionalidade” foi denunciada por nós perante o STF, que nunca decidiu sobre o assunto 3. O

Mestre

Paulo

Bonavides4,

pioneiro

no

regionalismo,



proclamou: “Na Região estão potencializadas esplêndidas esperanças fáticas de uma renovação federativa segundo os rumos e as bases expostas no presente ensaio. Mas tudo isso se perderá ou não acontecerá, caso falta à cúpula do sistema uma orientação programada ou planejada para alcançar politicamente esse desfecho: o federalismo das Regiões, única fórmula, a nosso ver, de evitar de futuro a alternativa escura do Estado unitário, ou seja, o pesadelo de um monstruoso Leviatã continental, que se ergueria entre o Atlântico e a Cordilheira dos Andes.”

Da nossa parte, já defendíamos o Federalismo Regional desde muito tempo, pois esse tema foi objeto da nossa dissertação de Mestrado – “Federalismo Regional”, defendida e aprovada pela PUC-SP, em junho de 1981. Reafirmamos que o problema da estiagem nordestina é mais um problema de gestão do que de mera política assistencial e momentânea.

3

Na época, o autor exercia a Presidência da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, que ajuizou uma ADI contra a extinção da SUDENE. 4 Bonavides, Paulo. Política e Constituição: os caminhos da democracia – RJ: Ed. Forense, 1985. P. 41/42

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

4

A seca do Nordeste já mereceu o cântico da “Asa Branca” de Luiz Gonzaga, a quem homenageamos no seu centenário. Merece, agora, a nossa ação, mais do que reflexão, pois o que mais falta é “agir” e não apenas “discutir”. Afirma o Profº Manoel Correia de Andrade5: “Finalmente, convém lembrar que no Nordeste existem várias universidades públicas e privadas, nas quais a massa crítica do seu professorado e as necessidades de formação do alunato está disponível para a realização de estudos e pesquisas nos vários setores que se apresentam críticos na região semi-árido. Acreditamos que estas universidades poderiam ser estimuladas, para realizarem os estudos necessários para uma melhor compreensão e um aprofundamento da problemática do semi-árido brasileiro, nordestino, a fim de fornecer os subsídios à programação do desenvolvimento racional da região, dando ao desenvolvimento uma condição de totalidade que englobasse tanto o conhecimento das condições ambientais como da melhor forma de utilização dos recursos disponíveis visando formar uma sociedade socialmente justa, economicamente rica e ecologicamente equilibrada.”

Diante de todas estas considerações, a conclusão é simples: a defesa do Nordeste cabe aos nordestinos, homens e mulheres. Impõe-se uma consciência social, que possibilite à sociedade resolver os seus problemas. As ações políticas ou “politiqueiras” já não nos servem “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, já cantou o paraibano imortal “Geraldo Vandré”. Vamos formar as nossas falanges sociais, para exigir uma solução definitiva para o problema da seca nordestina. Medidas paliativas não resolveram nem resolverão. Luiz Gonzaga, grande vate nordestino, já cantou: “Seu Doutor, uma esmola a um homem a que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão.” As falsas políticas públicas que aí estão, envergonham e viciam o cidadão.

5

Nordeste: Cinco anos de seca; Emergência e soluções definitivas (ESG)- 1983

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

5

Vamos mudar com a nossa atitude coletiva. Criemos, hoje mesmo o grupo do Direito do semi-árido, para buscar soluções jurídicas nossas para os nossos problemas. O Nordeste só se salvará através da nossa nordestinidade, que é o sentimento da terra e da gente. Não nos esqueçamos da lição de Euclides da Cunha: “O sertanejo é antes de tudo um forte.” Sejamos fortes na palavra e na ação. É disto que o Nordeste precisa: ação, realidade, concreção e coragem.

Paulo Lopo Saraiva Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (aposentado) - Advogado

APRESENTAÇÃO o Direito do Povo das Secas

O presente livro é fruto do Projeto de Extensão “O Povo das Secas e sua legitimação jurídica” (PROEX/UFRN EV172-2013) desenvolvido com o apoio dos alunos de Direito Constitucional I da Universidade Federal do Rio Grande do Norte no semestre letivo 2013.1. Em 15 de maio de 2013 foi realizado, no Auditório da Pós-Graduação em Direito/Prática Jurídica da UFRN, um seminário aberto à comunidade que contou com a participação de Carlos Sérgio Gurgel da Silva, Fabiano André de Souza Mendonça, Joana D’Arc Freire de Medeiros (Coordenadoria de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Rio Grande do Norte), José Procópio de Lucena (representando a Articulação do Semiárido – ASA/RN), Lizziane Souza Queiroz Franco de Oliveira e Paulo Lopo Saraiva. Aqui são trazidas as reflexões jurídicas que aquele momento suscitou. O objetivo principal era conduzir a uma conscientização acerca da necessidade de uma visão específica para a interpretação jurídica dos fatos relacionados à seca e elucidar os diversos obstáculos a serem removidos nessa busca. O projeto teve seus ideais compartilhados pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (na pessoa do Prof. Ms. Carlos Sérgio) e pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Prof. Ms. Lizziane Queiroz). Nele procurou-se lançar as sementes para um trato jurídico isento e sério d'"O Povo das Secas", pois já se trata das políticas de inclusão de vários outros grupos, como adiante se mostra. Independentemente da polêmica que cada um possa despertar, o fato é que a convivência em situação de seca é tão ou mais excludente que as situações para as quais já existe política própria ou até quotas. Essa é uma realidade do Estado que tem de ser levada em conta. Mas que não é. Imagina-se que as conseqüências da seca serão resolvidas pelo trato dos outros problemas.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

7

Enfim, as reações positivas que o evento provocou no sentido de as palestras terem sido produtivas e instigantes justifica esta publicação para fomentar o debate acerca do tema. Afinal, quer-se o homem no campo como uma criatura em observação. Fixa-se ele no sertão para que não inche as cidades. Mas a verdade, mais do que uma questão de demografia, é que há uma riqueza que deve ser explorada. Biomas fantásticos que proíbem uma generalização inconseqüente do semi-árido. Quem está na cidade quer instalar sua indústria no interior. Quer ter uma propriedade. Quer ter uma casa lá. Mas o homem do sertão deve permanecer como alguém a depender de favores governamentais. Numa visão hermética, quer-se viver em capitais do Nordeste como se não faltasse água em outras áreas. As campanhas educativas são dirigidas apenas para o cidadão comum. Não há a adoção de políticas permanentes e abrangentes de controle do uso da água. Da mesma forma, tanto quanto a sazonalidade dos rios, é o empenho histórico dos Governos em resolver o problema. Depende da eleição, depende da falta d’água. Essas observações não são dirigidas sem desconhecer que muitos se empenham para mudar essa realidade, estejam no poder ou não. Mas é ao ver a realidade que não podemos deixar de chamar a atenção e convidar o leitor a debater o tema nas páginas seguintes. Boa leitura!

1 POR UM PLANEJAMENTO JURÍDICO PARA O POVO DAS SECAS

A realidade econômica e social do semi-árido é resultado histórico de um abandono político e, como se procura mostrar aqui, jurídico, que data de sua colonização pelos europeus. Esta foi marcadamente agrária e fundada na pecuária, com o objetivo de subsistência e de abastecimento dos centros regionais. O tipo humano que se estabeleceu no local antes da chegada dos portugueses pode ser encontrado nos textos dos cronistas holandeses e não distoa das descrições feitas três séculos depois por Euclides da Cunha em “Os Sertões”. Sobrepuja a descrição de um tipo forte, guerreiro e adaptado à rudeza climática, único capaz de sobreviver em tal ambiente6. Essa realidade não foi alterada pelas sucessivas tentativas de colonização ou de presença estrangeira, como, em ordem cronológica, espanhola, portuguesa, francesa, holandesa e, recentemente, europeus de diversas nacionalidades. A fixação da região semi-árida potiguar continua restrita àqueles que ali se adaptaram para reivindicar a sua cidadania. Porém, a multisecular “indústria da seca” estabeleceu um mecanismo autoreprodutivo de violência e exclusão sociais. Violência social pela manutenção de milhares de indivíduos entregues à ausência de solidariedade e exclusão pelos mecanismos próprios e decorrentes do afastamento gradativo das perspectivas de cidadania dessa população.

6

Cf. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Natal: Sebo Vermelho Edições, 2011. p. 49-50. [edição fac-similar de Brasília, 1984]; CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Editora Record, 1999. p. 114-7 (Mestres da Literatura Brasileira e Portuguesa); SPENCER, Walner Barros. Pré-História do Rio Grande do Norte: em busca dos grandes caçadores. Natal: Cooperativa Cultural: PROEX: Larq, 1996. [Cadernos Arqueológicos, n. 1] p. 19 e segs.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

9

Os mecanismos de desenvolvimento até hoje aventados, quando o foram – em séculos passados não há registro senão da chegada de levas de imigrantes no litoral -, limitam-se a manter a sobrevida, sem alvíssaras de mudança social, num movimento que resulta, de fato, na submissão política e econômica daquelas populações. Estas passam a servir de mão-de-obra disponível e barata para grandes investimentos – a relembrar o quadro social inglês descrito por São Thomas Morus em sua “Utopia”, escrita no século XVI – e de fator de legitimação eleitoral para sucessivos grupos aristocráticos, oligárquicos e familiares. Eis um fato. Pode-se até mesmo falar, acaso julgado que há uma ação deliberada por parte de detentores do poder para a produção desses efeitos, em uma construção da figura da seca. Evidencia-se, contudo, que a Ciência Jurídica, em que pese a existência de seculares estudos acerca da inclusão social, não auxiliou na construção de instrumentos legais pelo Estado para o enfrentamento real desses problemas. Uma prova disso está no Documento-Referência para a II Conferência Nacional de Educação, prevista para ocorrer no ano de 20147, e que será aqui utilizado como objeto de estudo capaz de demonstrar o entendimento existente sobre o tema. Nele está um reflexo dos debates inclusivos ora em curso, nos quais o semi-árido não aparece contemplado senão de modo indireto. Eis algumas passagens: Eixo II: educação e diversidade: Justiça social, inclusão e Direitos Humanos 122. Em uma perspectiva democrática e inclusiva, deve-se compreender que diversidade, justiça social e combate às desigualdades não são antagônicos. Principalmente em sociedades pluriétnicas, pluriculturais e multirraciais, marcadas por processos de desigualdade, elas deverão ser eixos da democracia e das políticas educacionais voltadas à garantia e efetivação dos direitos humanos. 123. Os coletivos políticos, tais como os movimentos negro, quilombola, indígena, de mulheres, LGBT, ambientalista, povos do campo, povos da floresta e povos das águas*. Das comunidades tradicionais, de inclusão das pessoas com deficiência, dentre outros, afirmam o direito à diferença, instigam a adoção de políticas públicas específicas, fazendo avançar, na sociedade, a luta politica pelo reconhecimento, pela luta contra o racismo e pela valorização da diversidade. Os movimentos sociais contribuem para a politização das diferenças, da identidade e as colocam no cerne das lutas pela afirmação e garantia dos direitos. Ao atuarem dessa forma, questionam o tratamento dados pelo Estado à diversidade, cobram políticas públicas e

7

Realizada nos dias 19 a 23 de novembro de 2014 e cujo documento final manteve os itens e propostas tais quais explicitados no documento-referência e aqui expostos.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

10

democráticas e a construção de ações afirmativas destinadas aos grupos historicamente discriminados. *Compreendem-se como povos do campo, das águas e das florestas todos os sujeitos coletivos que tem sua existência e identidade marcada pela relação com estes espaços diversos, organizados em instituições representativas formal ou informalmente instituídas.8

É necessário, portanto, amplificar a ressonância social da explicação segundo a qual a população secularmente fixada no semi-árido do nordeste brasileiro é um grupo cultural marcardo por processos de desigualdade e que deve também ser um eixo de democracia e de políticas (não apenas educacionais) voltadas à garantia e efetivação dos Direitos Humanos. Pois, compreendendo o ambiente multicultural e reivindicativo das minorias, nesse texto há o registro do movimento negro, quilombola, indígena, das mulheres, LGBT, ambiental e dos “povos” do campo, da floresta e das águas. Em todos é possível ver um espaço “emprestado” para abranger o povo da seca, mas muito mais rico e próprio é tratar d’”O Povo das Secas”. Não de apenas uma, mas “das Secas”. Um povo só, não “povos”, que atravessa o tempo no mesmo espaço. Pois, nenhuma das soluções propostas para aqueles grupos poderá alcançar o resultado da eliminação deste por intermédio de sua condução a um estágio mais avançado de desenvolvimento. Ainda que eliminar a seca não seja possível da realidade geográfica onde o mesmo se insere, esta não pode ser o caráter definidor de sua vida. Ele não pode “ser da seca”. Ele é um “ser da vida”, da abundância, porque é humano… Faltam-lhe os Direitos. O

Povo

das

Secas

não

é

historicamente

um

“sujeito

constitucional”, já que “sua existência e identidade marcada pela relação com estes espaços diversos” não está juridicamente organizada em instituições representativas formal ou informalmente no seio do Estado com caráter representativo popular. Todavia, há espaço para sua inclusão: Constituição Federal TÍTULO III - Da Organização do Estado CAPÍTULO VII - DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Seção IV - DAS REGIÕES

8

BRASIL. FORUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Documento Final da CONAE 2014. Brasília: 2014. Disponível na Internet em http://conae2014.mec.gov.br/images/doc/Sistematizacao/DocumentoFinal29012015.pdf. p. 30-1.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

11

Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. § 2º - Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: […] IV - prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas. § 3º - Nas áreas a que se refere o § 2º, IV, a União incentivará a recuperação de terras áridas e cooperará com os pequenos e médios proprietários rurais para o estabelecimento, em suas glebas, de fontes de água e de pequena irrigação.

Portanto, há espaço de legitimidade constitucional, secundado pela Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos):

TÍTULO I - DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS CAPÍTULO I - DOS FUNDAMENTOS

Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos: I - a água é um bem de domínio público; II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

De modo paliativo, surge ainda o Departamento Nacional de Obras Contas as Secas (que remonta a 1909), vinculado ao Ministério da Integração Regional, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE (1959) e o Banco do Nordeste do Brasil S.A. (1952). Estes dois com maior

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

12

objetivo de planejamento e incentivo econômico a políticas de desenvolvimento regional. Ainda no já referido Documento da Educação, consta como proposição estratégica resultante do tema aqui tratado, com a inclusão de outros grupos, mas sem reconhecer esta realidade: Incentivar e apoiar financeiramente pesquisas sobre gênero, orientação sexual e identidade de gênero, relações étnico-raciais, educação ambiental, educação quilombola, indígena, dos povos do campo, dos povos da floresta, dos povos das águas, ciganos, educação das pessoas com deficiência, pessoas jovens, adultas e idosos em situação de privação de liberdade e diversidade religiosa.(nº 10 – a ser desenvolvida em cooperação por todos os entes federados)9 Implementar políticas de ações afirmativas para a inclusão dos negros, indígenas, quilombolas, povos do campo, povos das águas, povos da floresta, comunidades tradicionais, pessoas com deficiência, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, nos cursos de graduação, pós-graduação lato e stricto sensu e nos concursos públicos. (nº 11 – a ser desenvolvida em cooperação por todos os entes federados)10 Garantir o acesso e condições para a permanência de pessoas com deficiência, negros, indígenas, quilombolas, povos do campo, povos das águas e povos das florestas, comunidades tradicionais, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais no ensino regular. (nº 13 – a ser desenvolvida em cooperação por todos os entes federados) Consolidar a educação escolar no campo, de populações tradicionais, de populações itinerantes, de povos indígenas, povos da floresta, povos das águas e comunidades quilombolas, respeitando a articulação entre os ambientes escolares e comunitários, e garantindo a sustentabilidade socioambiental e a preservação da identidade cultural; a participação da comunidade na definição do modelo de organização pedagógica e de gestão das instituições, consideradas as práticas socioculturais e as formas particulares de organização do

9

A redação da estratégia foi significativamente ampliada no documento final (p. 37), mas ainda sem abranger a realidade da seca (com destaque para as alterações), ainda que as situações tenham sido tratadas de maneira bem mais adequada: “Garantir financiamento público e pesquisas sobre gênero, orientação sexual e identidade de gênero, relações étnicoraciais, antirracistas, direitos humanos, educação ambiental, educação quilombola, indígena, povos do campo, povos da floresta, povos das águas, ciganos, circenses, povos itinerantes, educação de crianças, das pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, TDAH, transtornos mentais e dificuldades de aprendizagem, em educação bilíngue para os surdos e de pessoas jovens, adultas e idosos em situação de privação de liberdade e diversidade religiosa, vulneráveis sociais, através do financiamento pelas agências de fomento e demais instituições para a realização, divulgação e acesso dos profissionais de educação e áreas afins aos resultados e acompanhamento das pesquisas.” 10

Também sofreu melhoria redacional no documento final (p. 37), com incremento dos grupos e união dos anteriores objetivos 11 e 13: “Implementar, ampliar e garantir políticas de ações afirmativas para o ingresso, permanência e conclusão nos cursos de graduação, pós-graduação (lato e stricto sensu) e nos concursos públicos, valorizando a inclusão dos negros, indígenas, quilombolas, povos do campo, povos das águas, povos da floresta, comunidades tradicionais, pessoas de baixa renda, pessoas com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento, transtornos mentais, TDAH, altas habilidades/superdotação e dificuldades de aprendizagem, egressos da EJA, egressos do sistema prisional, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.”

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

13

tempo; a oferta bilíngue da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, em língua materna das comunidades indígenas e em língua portuguesa; a reestruturação e a aquisição de equipamentos; a oferta de programa para a formação inicial e continuada de profissionais da educação; e o atendimento educacional especializado complementar ou suplementar à escolarização. (nº 35 – a ser desenvolvida por Estados, Distrito Federal e Municípios)11

De todas, apenas a proposta 35 permite aplicação imediata à realidade em comento. Já com relação à QUALIDADE DA EDUCAÇÃO, tem-se as seguintes propostas: Democratizar o acesso e permanência na educação superior com qualidade Garantir financiamento específico às políticas de acesso e permanência, para inclusão nas instituições públicas de ensino superior dos negros, povos indígenas, quilombolas, povos da floresta, povos do campo, povos das águas e das comunidades tradicionais. (objetivo 3.2, apenas com exclusão dos Municípios em sua efetivação) 12 Promover o desenvolvimento, a aprendizagem e a avaliação da educação, em seus diferentes níveis, etapas e suas modalidades Desenvolver instrumentos específicos de avaliação da educação básica e suas modalidades, tendo em consideração as especificidades das propostas pedagógicas das escolas indígenas, das quilombolas, das dos povos da floresta, das dos povos do campo, das dos povos das águas e das comunidades tradicionais. (nº 5.20 - a ser desenvolvida em cooperação por todos os entes federados)13

Sobre a GESTÃO DEMOCRÁTICA, PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL: Articular políticas de acesso e permanência, de modo a garantir que as crianças, jovens e adultos e idosos ingressem nas instituições educativas e nos diferentes níveis, etapas e modalidades, além de alcançar sucesso acadêmico, reduzindo as desigualdades étnico-raciais e ampliando as taxas de permanência e conclusão de estudantes do campo, negros, indígenas, povos da floresta, povos das águas, quilombolas, das comunidades tradicionais, das pessoas com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. (nº 3 a ser desenvolvida em cooperação por todos os entes federados)14

Sobre a VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO:

11

Mantida no Documento Final (p. 42-43). Mantida no documento final (p. 74) com o legítimo e esclarecedor acréscimo “das pessoas com deficiência, TGD, altas habilidades/superdotação”. 13 Mantida no documento final (p. 78), com o acréscimo “das escolas bilíngues onde a libras e a língua portuguesa escrita sejam as línguas de instrução”. 14 Mantida no documento final (p. 83-84). 12

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

14

Fomentar a instituição de núcleos de pesquisa nas universidades públicas para o desenvolvimento de pesquisas e materiais didáticos da educação do campo, educação quilombola, educação escolar indígena, da educação dos povos da floresta, dos povos das águas e educação das relações étnico-raciais. (nº 1.16 - a ser desenvolvida em cooperação por todos os entes federados, exceto os Municípios)15 Implementar programas específicos para formação de profissionais da educação para as escolas do campo, dos povos indígenas, comunidades quilombolas, dos povos da floresta, dos povos das águas, ciganos, para a educação especial, populações tradicionais e demais segmentos. (nº 1.25 - a ser desenvolvida em cooperação por todos os entes federados)16

O “Norte/Nordeste do País” – delimitação geográfica por demais ampla para permitir uma atuação concreta - apenas surge nas proposições sobre o financiamento da educação e do Plano Nacional de Educação e o Sistema Nacional de Educação: Regulamentar os art. 23, parágrafo único17, e 21118 da CF/1988, até o segundo ano de vigência do PNE, por meio de lei complementar, de forma a estabelecer as normas de cooperação entre a União, estados, Distrito Federal e municípios, em matéria educacional, e a articulação do sistema nacional de educação em regime de colaboração, com equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos recursos e efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União no combate às desigualdades educacionais regionais, com especial atenção às regiões Norte e Nordeste do País (proposição 1.2, todos os entes federados)19 Estabelecer, em consonância com o art. 23 e art. 21420 da CF/1988, as normas de cooperação entre a União, estados, distrito federal e municípios, em matéria educacional, e a articulação do SNE em regime de colaboração, com equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos 15

Mantida no documento final (p. 94), com o acréscimo “das comunidades surdas”. Mantida no documento final (p. 94). 17 “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” 18 “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.” 19 Mantida no documento final (p. 105), com a interpolação - justa mas que termina por afastar a realidade da seca - da prioridade para os “entes federados com baixo índice de desenvolvimento socioeconômico educacional, adequando-os às necessidades de cada região, tendo como critérios os indicadores do IDH, altas taxas de pobreza e indicadores de fragilidade educacional, com especial atenção às regiões Norte e Nordeste do País, bem como aos estados e municípios que, aplicando os recursos constitucionais destinados à educação, não atingirem a garantia de padrão de qualidade estabelecido no art 206, inciso VII, da CF/88, [princípio de garantia do padrão de qualidade] regulados pelo CAQ e CAQi. [Custo Aluno Qualidade – inicial]” 20 “A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.” 16

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

15

recursos e efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União, no combate às desigualdades educacionais regionais, com especial atenção às regiões Norte e Nordeste do País. (proposição 23, União)21

Conclusão: nossa sociedade até hoje não foi capaz de produzir uma proposta estratégica, ao menos, para a inclusão educacional do semi-árido. No semi-árido, não há apenas questões ambientais, mas de logística, de acesso, de educação, de desemprego e de submissão política. No semi-árido, não há apenas campo – que não se refere apenas a sua especificidade social, geográfica e histórica -, mas também cidades com eventuais dificuldades de sustentar um crescimento econômico, o que dizer de um desenvolvimento sustentável. Então, é no mínimo estratégico debater, tendo por base a listagem apresentada e tudo com relação ao semi-árido: 

Incentivar e apoiar financeiramente pesquisas



Implementar políticas de ações afirmativas para a inclusão do povo das secas , nos cursos de graduação, pós-graduação lato e stricto sensu e nos concursos públicos.



Garantir o acesso e condições para a permanência do povo das secas no ensino regular e nas instituições públicas de ensino superior



Consolidar a educação escolar no campo para o povo das secas, respeitando a articulação entre os ambientes escolares e comunitários, e garantindo a sustentabilidade socioambiental e a preservação da identidade cultural, com a participação da comunidade na definição do modelo de organização pedagógica e de gestão das instituições, consideradas as práticas socioculturais e as formas particulares de organização do tempo; e o atendimento educacional especializado complementar ou suplementar à escolarização



Desenvolver instrumentos específicos de avaliação da educação básica

21

e

suas

modalidades,

tendo

em

consideração

as

Mantida no documento final (p. 23) sem referência ao artigo 214, no eixo sobre a relação entre o Plano e o Sistema Nacional de Educação.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

16

especificidades das propostas pedagógicas das escolas das regiões regularmente afetadas pelas secas 

Articular políticas de acesso e permanência, de modo a garantir que as crianças, jovens e adultos e idosos ingressem nas instituições

educativas

e

nos

diferentes

níveis,

etapas

e

modalidades, além de alcançar sucesso acadêmico, reduzindo as desigualdades e ampliando as taxas de permanência e conclusão de estudantes oriundas das regiões regularmente afetadas pelas secas 

Fomentar a instituição de núcleos de pesquisa nas universidades públicas para o desenvolvimento de pesquisas e materiais didáticos da educação para regiões regularmente atingidas por secas



Implementar programas específicos para formação de profissionais da educação para as escolas do povo das secas



Manter equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos recursos e efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União no combate às desigualdades educacionais regionais

Isso já alcança objetivos para além dos puramente educacionais, na

medida

em

que

concretiza

diversas

perspectivas

do

direito

ao

desenvolvimento. Sem pretender esgotar os diversos aspectos atinentes principalmente ao direito fundamental de acesso à água e às tecnologias, é que se vislumbra, ao menos no plano da organização do Estado e dos Poderes, bem como na Ordem Financeira, os seguintes aspectos também a serem debatidos: 1. Mecanismos de Controle Social e Orçamento Participativo a. Ampliação dos fóruns já existentes de democracia direta e participação popular b. Princípio da Publicidade c. Audiências Públicas d. Orçamento Participativo 2. Plano de Metas a. Obrigatoriedade de planos de metas sempre para municípios e Estados rotineiramente afetados

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

17

b. comitê especial federal para impor nas demais situações c. plano sujeito a órgão de acompanhamento d. caráter vinculante 3. Regime licitatório diferenciado a. Diferença da dispensa de licitação b. Qual seria o limite? Regras para existência? Benefícios? 4. Razão histórica legitimadora. Do mesmo modo que se fala numa "dívida social" para com a população descendente das vítimas do escravismo colonial, que dívida social há para com as pessoas da seca? a. são abandonados pelo Estado? b. foi uma situação criada pelas oligarquias? c. é uma questão de elevação social? 5. Inclusão educacional a. Qual o impacto de uma medida que determine reserva de vagas para pessoas provenientes de áreas afetadas pela estiagem? b. Seria uma garantia eventual diante do fato de existirem instituições de ensino superior na região semi-árida? 6. Fundo Social (exploração do petróleo na área de pré-sal) a. Como aperfeiçoar (com indicadores) o uso de recursos para o combate à seca? 7. Controle Interno a. necessidade da existência de um controle interno eficiente, que não remeta os debates ao Judiciário e que tenha garantias para poder controlar e impor medidas de rigor no uso das verbas (evitar uso para fins diversos ou inócuos) b. Um comitê gestor que possa impor a seriedade no uso de um planejamento.

Os assuntos elencados não se constituem em teoremas científicos, mas hipóteses de pesquisa que urgem para podermos respeitar o caráter inclusivo dos Direitos Humanos, sem preconceitos, demagogia ou olhos vendados.

Na verdade, o que se pretende não é a "descoberta" de uma minoria sem sequer contemporizar com as antecedentes numa desmedida inflação

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

18

legislativa. Mas sim observar sobretudo que há fatores regionais de exclusão bem

mais

impactantes

que

os



normatizados

ainda

não

tratados

suficientemente pelo Direito. Em si, a população que sofre direta ou indiretamente com os efeitos das secas abrange quase a totalidade dos habitantes dos Estados nordestinos. Não é um direito subjetivo em razão de estar inserto num grupo. Mas oriundo de uma situação objetiva da qual ele deve sair. É preciso fomentar o debate desses assuntos, com vistas a viabilizar, num contexto ampliado, a produção de proposta legislativa – constitucional e infraconstitucional – fundamentada acerca do seu objeto, bem como,

permitir

a

formação

de

estudiosos

interessados

em

produzir

cientificamente sobre o tema. No próximo capítulo são lançadas as bases para o trato do tema no ordenamento jurídico brasileiro, a partir da ordem constitucional e do papel do Estado.

2 DIREITO DOS POVOS DAS SECAS: o direito de ser livre

O homem, enquanto fruto de seu ambiente, tem passado por várias transformações na sociedade, ora sendo agente, ora objeto destas transformações. Com esta dinâmica, o homem percebe que os recursos a sua volta são limitados o que põe em risco sua própria existência. O meio ambiente vem se transformando e considerado não mais fonte de recursos para transformação e acúmulo de riquezas, mas, também, fonte de preocupação por toda a sociedade. Este homem é capaz de se adaptar aos mais diversos meios, dentre eles o sertão semiárido, localizado no nordeste brasileiro. No entendimento de Nilson Campos22, o semiárido brasileiro é caracterizado por um regime de chuvas concentrado nos meses de fevereiro a maio, com grande variação durante o ano, o que gera grandes períodos de estiagem os quais influenciaram o modo de viver das populações regionais bem como as políticas públicas voltadas para amenizar os efeitos deste fenômeno climático. Tal fenômeno é popularmente denominado como “seca”. A denominada “seca” é um fenômeno climático que ocorre em áreas com baixos índices pluviométricos. Tal fenômeno gera inúmeros transtornos sociais e econômicos para as regiões estão direta e/ou indiretamente relacionadas a escassez de chuvas, inclusive, desencadeia uma série de violações a direitos fundamentais de um cidadão.

22

CIRILO, José Almir.; MONTENEGRO, Suzana M.G.L., CAMPOS, José Nilson B. A questão da água no Semiárido brasileiro. Disponível em http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-811.pdf acesso em 03 de junho de 2013.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

20

A região do sertão e semiárido do nordeste brasileiro tem sido alvo de debates e discussões há anos. A Constituição de 1934, por exemplo, em seu artigo 177 estabelecia: Art 177 - A defesa contra os efeitos das secas nos Estados do Norte obedecerá a um plano sistemático e será permanente, ficando a cargo da União, que dependerá, com as obras e os serviços de assistência, quantia nunca inferior a quatro por cento da sua receita tributária sem aplicação especial. § 1º - Dessa percentagem, três quartas partes serão gastas em obras normais do plano estabelecido, e o restante será depositado em caixa especial, a fim de serem socorridos, nos termos do art. 7º, nº II, as populações atingidas pela calamidade. § 2º - O Poder Executivo mandará ao Poder Legislativo, no primeiro semestre de cada ano, a relação pormenorizada dos trabalhos terminados, e em andamento, das quantias despendidas com material e pessoal no exercício anterior, e das necessárias para a continuação das obras. § 3º - Os Estados e Municípios compreendidos na área assolada pelas secas empregarão quatro por cento da sua receita tributária, sem aplicação especial, na assistência econômica à população respectiva. 4º - Decorridos dez anos, será por lei ordinária revista a percentagem acima estipulada.

Dessa preocupação, foi editada a Lei º 175 de 1936, que estabeleceu as regiões que fariam parte do denominado Polígono das Secas, área que receberia atenção especial por parte do governo com a formulação de políticas públicas regionais. Esta área tem variado até os dias de hoje, acrescentando outras áreas que merecem atenção especial em virtude de suas condições climáticas e geográficas. Embora se perceba que a “seca” e os problemas dela decorrentes tenham sido levados em consideração pelo governo a ponto de legislar sobre isso, o que se percebe é que na realidade poucas são as ações que foram observadas. Até porque, mais que um fenômeno climático, a seca tem sido enfrentada como um problema econômico e político. Inúmeros são os exemplos “perversos” de como este fenômeno tem sido manipulado pelos maus políticos como barganha por votos em períodos de eleição. É comum se deparar com cenas “bucólicas” de crianças de pé no chão auxiliando seus pais a coletar pequenos baldes de água barrenta a fim de suprir as

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

necessidades diárias. Em períodos de estiagem, o que se observa

21

são animais

sedentos, sertanejo sem perspectiva e a tendência, cada vez maior, de deslocamento do homem do sertão para as grandes cidades a fim de garantir um mínimo de sobrevivência para si e para sua família. A falta de abastecimento para que um cidadão possa fazer sua higiene pessoal, a falta de investimentos em obras de convívio com a seca, dificuldades estruturais na prestação de serviços públicos básicos são alguns dos inúmeros casos diários de violação aos direitos do homem enquanto cidadão. Além da violação direta a esses direitos, tantos outros são indireta e sistematicamente renegados a uma população que já carrega em sua existência o peso do abandono politico, do esquecimento por parte do Estado. Acontece que todo cidadão possui direitos mínimos que devem lhe garantir a condição de ser humano: todo cidadão tem direito de ser desenvolvido. Mas o que é ser desenvolvido? A Organização das Nações Unidas - ONU, em sua Declaração sobre o Direito do Desenvolvimento, de 1988, prenuncia que o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados23. Já Amartya Sen, economista indiano ganhador do prêmio Nobel de economia, acredita que o desenvolvimento de um cidadão está ligado à liberdade que ele possui de fazer suas escolhas e exercer sua cidadania. Para tanto o E stado tem o dever de promover o acesso a direitos, não só os direitos sociais básicos como educação, saúde e moradia, mas também o direito a cultura, ao lazer, dentre outros. Considerar o direito ao desenvolvimento como o direito que todo cidadão possui de ter igualdade de oportunidades remete a ideia de justiça distributiva: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Daí, a partir de um padrão mínimo estabelecido para a sociedade, pode-se adotar políticas públicas que visem a minimizar as diferenças objetivas e subjetivas entre os cidadãos.

23

Art. 1º da Declaração sobre o Direito do Desenvolvimento.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

22

O problema é definir este padrão comum a todos em um país como o Brasil, com diferenças étnicas, econômicas e, sobretudo, geográficas. São exatamente essas diferenças que geram a desigualdade que o Estado tem o dever de evitar. Para lidar com os problemas decorrentes da seca faz-se necessário identificar quais as especificidades que permeiam este problema. Não há como impor um mesmo padrão para duas regiões distintas. As necessidades e direitos da população do sertão e semiárido são distintos daqueles que vivem na zona da mata e na região sul do país. A identificação destas necessidades não é fácil, mas possível. A colaboração da sociedade e entidades do terceiro setor é fundamental. As universidades tem papel relevante na identificação dos problemas e na busca de soluções. O investimento em pesquisa que busquem mecanismos alternativos de convivência com este fenômeno climático pode auxiliar a minimizar as dificuldades geradas pela escassez de água. Os projetos de extensão que levam estas alternativas às comunidades desempenham relevante papel na luta pela sobrevivência. A ideia de investir em políticas assistenciais provendo recursos financeiros mínimos para as populações que sofrem os problemas das secas não é suficiente. Deve-se investir em novas tecnologias, em programas de capacitação sobre o uso racional da água, de prevenção e estoque de insumos para enfrentar períodos de estiagem, dentre outros programas. Paralelamente

ao

investimento

de

tecnologias

e

técnicas

de

enfrentamento dos efeitos da seca, o Estado deve investir em políticas públicas que minimizem as desigualdades causadas pelas décadas de abandono e descaso com a população da região do sertão e semiárido. A reformulação das políticas públicas assistenciais é urgente e deve levar em consideração não somente fatores de renda ou etnia, mas também considerar o fato de ser ou não oriundo do campo, de regiões tomadas pelas secas. É necessário formular políticas públicas que fomentem o investimento em áreas rurais e que fixem as famílias no campo, que promovam tecnologias agroecológicas, que fomentem a utilização racional dos recursos naturais limitados. Se a ideia de desenvolvimento parece utopia24, esta realidade pode ser revertida, considerando este mesmo desenvolvimento como um processo de

24

Esta é a ideia de desenvolvimento objetivo para a autora Carla Abrantkoski Rister.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

23

concretização das políticas públicas traçadas pelo governo, que nada mais é do que o objeto próprio de uma ação planejada, considerando-se os mais diversos fatores. Se uma política pública pode ser considerada como uma atuação do Estado25, voltada à promoção do bem estar da sociedade26, tem-se que as políticas públicas são instrumentos eficazes para uma ação planejada voltada a minimizar os efeitos negativos que as secas podem causar. O planejamento, enquanto um conjunto de ações voltadas a promover a satisfação de um objetivo, pode ser concretizado mediante a implementação de políticas públicas voltadas à promoção do desenvolvimento sustentável. As políticas públicas necessitam de planejamento específico, de metas traçadas, de plano de ação para sua efetivação a fim de se alcançar os objetivos pretendidos. Entretanto, esse planejamento não é feito e a necessária preocupação com o futuro da população que há tanto tempo vem sendo oprimida se demonstra cada vez mais não só uma questão geográfica, mas muito mais uma questão política. É conveniente ao governo (e aqui entendido não em sua concepção de Estado, figura abstrata, mas àqueles que desempenham a função de gestão desse Estado durante um determinado período de tempo) ter a quem prometer assistencialismo. É interessante aos políticos saber que tem em suas mãos a chave para minimizar os problemas de toda uma população e saber que isso lhes dá “poder”. Havendo o instituto do planejamento à disposição da Administração, nada mais justo que dele se valha para organizar como as relações se darão em um determinado espaço a fim de se concretizar as finalidades definidas na Constituição, tal como o desenvolvimento. Sendo assim, o que se pretende com essas linhas é esclarecer que a seca é um fenômeno climático que gera repercussões das mais diversas, especialmente as sociais. É fato que não se pode combater a seca, mas tão somente minimizar seus impactos. Ações planejadas por parte do Estado, envolvendo investimentos em pesquisa, políticas públicas que considerem o homem do sertão e seu meio são alguns dos aspectos que devem ser levados em consideração.

25

GRAU, Eros. Direito posto e direito pressuposto, São Paulo: Editora Malheiros, 2000, p. 21. BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas e Direito Administrativo. In Revista de Informação Legislativa nº34, Brasília, 1997, p. 3-4. 26

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

24

Omissões não devem ser admitidas, especialmente com a intenção de se promover à custa de um povo oprimido, sedento de oportunidades, que nem sequer sabe a que tem direito. É necessário promover oportunidades, informar a todos que possuem direito ao desenvolvimento, a ser desenvolvido. É importante que saibam que possuem o direito de ser livre para fazer escolhas e exercer sua condição de cidadão, e não que qualquer outra pessoa – ou o governo – façam essas escolhas por eles, cerceando o direito a vida, a liberdade, a ser um homem.

3 A TUTELA JURÍDICA DO POVO DAS SECAS

3.1 A Seca e o Direito A maior riqueza ao se tratar da legitimação jurídica do Povo das Secas é abordar as falhas e omissões do Estado brasileiro em relação ao povo que habita a região semiárida brasileira, em especial desse “povo”, para retratar aquela parcela da população nordestina que não tem acesso ao mínimo de serviços e bens públicos indispensáveis ao desenvolvimento mais amplo de suas capacidades humanas. O tema pode ser abordado sob diversos aspectos, do econômico ao jurídico, sem olvidar o debate acerca da viabilidade de atribuição de direitos a minorias, mas também permite analisar o fenômeno climático da Seca enquanto um agravamento natural do quadro ecológico e enquadrá-lo dentro de um contexto social e econômico, próprios de uma análise geográfica. Na sequencia, parte-se para o enquadramento deste contexto geográfico na dimensão constitucional dos objetivos e dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigos 1º e 3º da CF/1988) e para uma breve análise da efetividade da legislação ambiental brasileira no combate aos efeitos da seca, em especial o combate aos efeitos do processo de desertificação no ambiente natural, com reflexos na qualidade de vida das populações afetadas. O principal intuito não é apenas chamar a atenção apenas para os impactos que as omissões estatais geram no ambiente natural, mas para os impactos que tais omissões ou ações insuficientes ou inadequadas geram nas vidas daquelas pessoas que vivem nesta região semiárida e que são desprovidas de um mínimo de condições para um desenvolvimento ampliado das potencialidades humanas.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

26

3.2 Explicando a Seca

Segundo a precisa lição do geógrafo e climatólogo Edmon Nimer, o Nordeste se situa no ponto de encontro de quatro sistemas de circulação atmosférica oriundos de áreas bem diversas: o do sistema de circulação perturbada do sul, ou frente polar, do sistema de circulação perturbada do norte, a CIT, ou frente intertropical, o sistema de circulação perturbada do oeste, ou WE, e do sistema de circulação perturbada de leste (IT)27, dentre os quais os que figuram como mais influentes são os sistemas de correntes perturbadas

de

norte,

representadas

pelo

deslocamento

da

Zona

de

Convergência Intertropical (ZCIT). Este fenômeno é oriundo da convergência dos alísios dos dois hemisférios. Na região Nordeste ela se faz sentir de modo importante a partir de meados do verão e atinge sua maior frequência no outono (março-abril), quando alcança sua posição mais meridional. Como recorda José Bueno Conti, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) propôs, em 1986, o seguinte critério para definir seca: “há seca em uma região quando a precipitação anual for inferior a 60% da normal, durante mais de dois anos consecutivos, em mais de 50% de sua superfície”. Pressupõe, portanto, que os ecossistemas e os sistemas econômicos podem resistir a uma diminuição da precipitação em 40%, durante um ano, mas serão afetados, seriamente, quando o fenômeno se repetir durante dois anos em sequência28. A parcela do território do Nordeste brasileiro onde se situa o domínio da caatinga constitui uma área com o predomínio do clima semiárido29. Este trecho apresenta, em média, um regime pluviométrico com baixas isoietas (precipitações).

Na

depressão

de

Patos-PB,

por

exemplo,

as

médias

pluviométricas atingem 300 milímetros anuais, enquanto que no Raso da Catarina (sertão baiano) tais médias não superam os 500 milímetros anuais. Em síntese: trata-se de um fenômeno climático cíclico, que ocorre em média a cada decênio. Ao se falar em seca não se trata de um desequilíbrio ambiental, já que este fenômeno ocorre devido a fatores de ordem climáticos em 27

NIMER, Edmon. Climatologia do Brasil. Rio de Janeiro: SUFREN, 1979, pág. 320. CONTI, José Bueno. Conceito de desertificação. Disponível em: http://www.cisa.ufpe.br/twiki/pub/Cisa/BiblioTeca/O_conceito_de_Desertificao___Conti.pdf, Acesso em 06 de junho de 2013. 29 Este não é o único tipo de clima presente na área, fazendo-se presente também o clima sub-úmido seco. 28

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

27

escala global. Independentemente do tratamento que se dê à gestão ambiental no semiárido o fenômeno da Seca voltará a acontecer. A questão que se coloca em evidência é que os gestores públicos desta área geográfica devem idealizar projetos e programas que visem à adoção de medidas de convívio com a seca e de minimização dos efeitos deste fenômeno climático sobre a vida de milhões de pessoas que vivem nesta parcela do território brasileiro. Não diria que se trata de uma tragédia anunciada, pois o fenômeno climático em si não é uma tragédia: trata-se, como já destacado, de um fato natural, imposto pela dinâmica atmosférica global. Tragédia acaba se tornando o descaso das autoridades diante da ausência de planos para garantir um mínimo de dignidade às pessoas que ali residem. Como recorda Manuel Correia de Andrade, nas regiões secas e com períodos curtos e incertos são comuns problemas como a perda da produção agrícola, a morte do rebanho, a falta d’água e a fuga da população atingida pelo dito “flagelo”30. Nosso intuito nestas linhas não é seguir a linha da estigmatização do fenômeno das secas, que tantos males têm trazido ao “Povo das Secas”, que não raras vezes é utilizado como “moeda de troca” nos discursos de políticos oportunistas de plantão que obtém vantagens com a anunciada “indústria das secas”. Sabemos que a região semiárida brasileira não é uniformemente desprovida de desenvolvimento ou de atributos que revelem potencialidades econômicas. Sabemos também que existem áreas inseridas nas regiões semiáridas

do

nordeste

brasileiro

e

que

experimentam

índices

de

desenvolvimento superiores a de outras regiões do Brasil, como serve de exemplo a cidade de Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte, as cidades de Crato e Juazeiro do Norte, ambas no Estado do Ceará, as cidades de Petrolina (Pernambuco) e Juazeiro (Bahia), entre muitas outras. No entanto, não se pode esquecer que existe uma grande massa de pessoas desprovidas de assistência material e de serviços públicos básicos e essenciais, que se encontram à margem do pujante desenvolvimento econômico brasileiro. Essas pessoas estiveram no centro dos debates ocorridos. Quem seriam estas pessoas? Aquelas que precisam caminhar quilômetros e 30

ANDRADE, Manuel Correia de. A problemática da seca. Recife: Liber Gráfica e Editora, 1999. p. 07.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

28

quilômetros para buscar uma água de qualidade duvidosa e trazê-la no lombo de um jumento ou nas costas para utilizá-la de diversas formas, tais como saciar a sede, cozinhar alimentos, entre outros usos; aquelas que só se sentem importantes no período de eleições, quando recebem visitas de “políticos ilustres” em suas residências; aquelas que assistem à morte de seus animais e que vêm sua plantação murchar; aquelas que perambulam nas casas dos políticos na esperança de conseguir um transporte (ambulância ou qualquer outro veículo) para enviar seu familiar para a “cidade grande” em busca de um tratamento que o hospital do município onde reside não oferece; aquelas que disputam cada lata d’água quando os caminhões pipas chegam em suas comunidades etc.

3.3 Status constitucional e infraconstitucional de tutela do patrimônio ambiental na região do semiárido brasileiro

O Brasil dispõe de um farto aparato normativo que pode ser utilizado em favor do combate aos efeitos da seca e da desertificação31 na região do semiárido brasileiro. Tal proteção que se inicia na Constituição de 1988, em especial em seu artigo 225, quando afirma que todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Apesar da ideia geral de defesa do meio ambiente, o constituinte brasileiro falhou ao não eleger a caatinga (domínio morfoclimático da região semiárida) como patrimônio nacional no §4º deste mesmo artigo 225. Nota-se que nem a caatinga e nem o cerrado, que estão entre os ecossistemas mais ameaçados do Brasil (a caatinga devido ao avanço do processo de desertificação

31

Desertificação é um processo de degradação das terras em ecossistemas com climas áridos, semi-áridos e sub-úmidos secos que conduz, em síntese, a redução do potencial produtivo dos solos, a redução da biodiversidade, agravamento do déficit hídrico na área, agravamento do quadro geral de erosão e assoreamento dos corpos d’água, enfim, que conduz a um quadro de desequilíbrio do quadro ecológico, sendo tal processo decorrente da conjunção de fatores, naturais e antrópicos, que podem tornar as áreas com características próprias das áreas desérticas, com a ressalva de que os desertos são áreas dotadas de equilíbrio ecológico enquanto que as áreas em processo de desertificação são áreas que vivenciam um contexto de desequilíbrio ambiental.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

29

e o cerrado pelo avanço das fronteiras agrícolas de grãos), receberam tal proteção do constituinte brasileiro. Os ecossistemas brasileiros considerados patrimônio nacional são: a) Floresta Amazônica; b) Mata Atlântica; c) Serra do Mar; d) Pantanal Matogrossense; e e) Zona Costeira. A condição de patrimônio nacional garante ao domínio morfoclimático considerado o direito de ter uma utilização que se fará na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais, segundo prescreve o referido §4º do art. 225 da Constituição Federal. Visando-se corrigir esta distorção tramitam no Congresso Nacional diversos Projetos de Emendas à Constituição que conferem à Caatinga e o Cerrado o status de patrimônio nacional. O mais recente deles é o Projeto de Emenda Constituição - PEC nº 504/2010. Em nível infraconstitucional, inúmeros são os textos normativos que asseguram uma gestão ambiental apropriada para a região semiárida. Eilos: Leis Federais nº

Conteúdo

5.197/1967

Dispõe sobre a proteção a fauna

6.225/1975

Dispõe sobre discriminação, pelo Ministério da Agricultura,

de

regiões

para

execução

obrigatória de planos de proteção ao solo e de combate à erosão e outras providências. 6.902/1981

Dispõe sobre a criação de Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental e dá outras providências.

6.938/1981

Institui a Política Nacional do Meio Ambiente e cria o Sistema Nacional do Meio Ambiente

7.754/1989

Institui medidas para proteção de florestas existentes nas nascentes dos rios

9.433/1997

Cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

9.605/1998

Institui sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

30

9.795/1999

Política Nacional de Educação Ambiental

9.985/2000

Cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação

10.638/2003

Institui o Programa Permanente de Combate à Seca - PROSECA

10.860/2004

Dispõe sobre a criação do Instituto Nacional do Semi-Árido - INSA, unidade de pesquisa integrante da estrutura básica do Ministério da Ciência e Tecnologia, e dá outras providências.

11.132/2005

Acrescenta artigo à Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.

11.284/2006

Dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável; institui, na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro - SFB; cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal - FNDF; altera as Leis nos 10.683, de 28 de maio de 2003, 5.868, de 12 de dezembro de 1972, 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, 4.771, de 15 de setembro de 1965, 6.938, de 31 de agosto de 1981, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e dá outras providências.

12.651/2012

Código Florestal brasileiro.

Referida proteção ao meio ambiente da região semiárida segue ao nível de decretos, abaixo listados: Decreto n°

Conteúdo

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

31

24.643/1934

Código de Águas

77.775/1976

Regulamenta a Lei nº 6.225/75, que dispõe sobre

discriminação,

Agricultura,

de

pelo

regiões

Ministério para

da

execução

obrigatória de planos de proteção ao solo e de combate à erosão e dá outras providências. 99.274/1990

Regulamenta as Leis 6.902/81 e 6.938/81

2.241/1997

Promulga o Acordo sobre cooperação em Matéria Ambiental, celebrado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da

República

oriental

do

Uruguai,

em

Montevidéu, em 28 de dezembro de 1992. 2.661/1998

Regulamenta o parágrafo único do artigo 27 da Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Código Florestal), mediante o estabelecimento de normas de precaução relativas ao emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais e da outras providências.

2.741/1998

Promulga

a

Convenção

Internacional

de

Combate à Desertificação nos Países afetados por

Seca

Grave

e/ou

Desertificação,

Particularmente na África.

3.179/1999

Especificação condutas

e

das

sanções

atividades

aplicadas

lesivas

ao

às

meio

ambiente. 3.420/2000

Dispõe sobre a criação do Programa Nacional de Florestas - PNF, e dá outras providências.

4.340/2002

Regulamenta artigos da Lei 9.985/2000

4.281/2002

Regulamenta a Lei 9.795/1999

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA 4.684/2003.

32

Promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República

Federal

da

Alemanha

sobre

Cooperação Financeira para a Execução de Projetos para a Preservação das Florestas Tropicais (1997-2000) 5.092/2004

Define regras para identificação de áreas prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade, no âmbito das atribuições do Ministério do Meio Ambiente.

5.523/2005

Altera e acresce dispositivos ao Decreto no 3.179, de 21 de setembro de 1999, que dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Como se não fosse suficiente, há ainda a defesa do meio ambiente semiárido com base em Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA: Resolução CONAMA nº 237/1997

Conteúdo Dispõe acerca dos procedimentos a serem adotados durante o Licenciamento Ambiental de

atividade

efetiva

ou

potencialmente

causadora de degradação ambiental 238/1997

Aprova a Política Nacional de Controle da Desertificação

302/2002

Dispõe sobre as Áreas de Proteção Permanente

Legislação é que não falta para a defesa do meio ambiente na região semiárida brasileiro. O que falta é estrutura para sua efetivação e cultura governamental para o seu cumprimento. Em outras palavras, não é apenas a legislação que mudará a realidade. Convém que haja interesse político (dos três

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA entes

federativos)

com

vistas

a

um

planejamento

integrado

33 para

o

desenvolvimento do Nordeste semiárido. Para este processo, a suficiência hídrica e energética se mostra fundamental.

3.4 A perspectiva do desenvolvimento social e econômico do “Povo das Secas” O “Povo das Secas” é aquele povo que enfrenta os efeitos mais grave do período de estiagem no Nordeste semiárido. Antes de ser assim identificado e classificado o “Povo das Secas” é o povo brasileiro. Não existe a condição de cidadão semiárido, mas de cidadão brasileiro e como cidadãos brasileiros estas pessoas precisam de um mínimo de dignidade vital. Os gestores públicos da região semiárida devem voltar sua atenção para o estabelecimento de políticas públicas permanentes de convívio com as secas, já que se trata de um fenômeno natural e cíclico. Desenvolver as potencialidades humanas destas pessoas deve ser o principal alvo do Estado brasileiro. Ações emergenciais como as que se observam nos dias de hoje como o pagamento de benefícios assistenciais (chamados de programas de transferência de renda) tais como: Bolsa Família, Fome Zero, entre outros são muito bem vindos, pois vem ao encontro destas pessoas que vivem em situação difícil, mas devem ter prazo para acabar, pois o ideal é que este povo não precise mais de tal ajuda, uma vez que dispõe de autonomia para manter suas vidas e de suas famílias. No entanto, o Poder Público (nas esferas de suas competências) deve agir, concomitantemente, através da promoção de ações emergenciais e da promoção de um planejamento a médio e longo prazo visando criar condições para o desenvolvimento ampliado das potencialidades humanas deste povo humilhado e sofrido, que tinha tudo para ser fraco, mas que se impõe como um povo forte e lutador. Os objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil precisam sair das linhas dos artigos 1º e 3º da Constituição da República para percorrer os mais distantes rincões dos sertões semiáridos, trazendo com sua política e ideologias o alento que este povo tanto precisa para o seu desenvolvimento pleno.

4 REFERÊNCIAS

ANDRADE, Manoel Correia de. Nordeste: Cinco anos de seca; Emergência e soluções definitivas (ESG), 1983 ANDRADE, Manuel Correia de. A problemática da seca. Recife: Liber Gráfica e Editora, 1999. BITENCOURT, Wagner. Celso Furtado, a Sudene e o Futuro do Nordeste – Seminário Internacional. Recife/PE – SUDENE. 2000. BONAVIDES, Paulo. Política e Constituição: os caminhos da democracia – RJ: Ed. Forense, 1985. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1934. In www.planalto.gov.br acesso em 04 de junho de 2013. BRASIL. FORUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Documento Final da CONAE 2014. Brasília: 2014. Disponível na Internet em http://conae2014.mec.gov.br/images/doc/Sistematizacao/DocumentoFinal29012015.pdf BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas e Direito Administrativo. In Revista de Informação Legislativa nº34, Brasília, 1997, p. 3-4 CIRILO, José Almir.; MONTENEGRO, Suzana M.G.L., CAMPOS, José Nilson B. A questão da água no Semiárido brasileiro. Disponível em http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-811.pdf acesso em 03 de junho de 2013. CONTI, José Bueno. Conceito de desertificação. Disponível em: http://www.cisa.ufpe.br/twiki/pub/Cisa/BiblioTeca/O_conceito_de_Desertificao___Conti.pdf, Acesso em 06 de junho de 2013. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Editora Record, 1999. (Mestres da Literatura Brasileira e Portuguesa) GRAU, Eros. Direito posto e direito pressuposto. São Paulo: Editora Malheiros, 2000. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Natal: Sebo Vermelho Edições, 2011. [edição fac-similar de Brasília, 1984] MENDONÇA, Fabiano André de Souza et al. A governança pública e o Estado regulador brasileiro na efetivação do direito fundamental ao desenvolvimento. Regulação Econômica e proteção dos Direitos Humanos: um enfoque sob a óptica do Direito Econômico. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2008. MENDONCA, Fabiano André de Souza. Responsabilidade do Estado por ato judicial violador da isonomia: a igualdade perante o Judiciário e a constitucionalidade da coisa julgada face à responsabilidade objetiva. Juarez de Oliveira, 2000. NIMER, Edmon. Climatologia do Brasil. Rio de Janeiro: SUFREN, 1979, pág. 320. RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento. Antecedentes, significados e conseqüências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA SARAIVA, Paulo Lopo. Federalismo regional. Edição Saraiva, 1982. SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucional dos direitos sociais no Brasil. Forense, 1983. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. SPENCER, Walner Barros. Pré-História do Rio Grande do Norte: em busca dos grandes caçadores. Natal: Cooperativa Cultural: PROEX: Larq, 1996. [Cadernos Arqueológicos, n. 1]

35

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

36

APÊNDICE

Comentários finais

A realização do evento na UFRN que motivou este livro nos deu muita alegria, inclusive pela qualidade dos debates e receptividade. Mas são apenas provocações iniciais para a pesquisa e o aprimoramento das questões relacionadas aos direitos das populações do semi-árido, a que chamamos "O Povo das Secas", em especial àqueles que não tem assistência nenhuma do Estado senão em troca de favores como o voto em período de eleição. Nós, cidadãos acima de tudo e juristas por profissão devemos romper a inércia e nossa rotina para partirmos em busca de proposições que possam alterar positivamente a realidade deste povo tão sofrido e resistente! Isso nos estimula e sensibiliza também a direcionarmos nossa atenção a esta realidade. Em face da importância do tema, foi criado no Curso de Direito da UERN o Projeto de Extensão: O Povo das Secas e a Perspectiva de seu Desenvolvimento Socioambiental e Econômico. Esse conjunto de atividades nos permite discutir um pouco mais sobre os problemas que assolam nossa região. Com certeza, foi apenas o primeiro passo de uma grande integração de todos os setores da sociedade para que possamos ajudar o nosso povo a conviver com esse fenômeno climático e produzir riquezas com o que temos de melhor: o elemento humano!

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

37

Publicações

Deustsche Welle Brasil mais quente e seco pode desencadear Crise (11/09/2013) “[…] A Caatinga, bioma do semiárido mais rico em fauna e flora do mundo, vai virar deserto. Em todo o território nacional, a temperatura média pode aumentar 6ºC. As projeções fazem parte do primeiro estudo que analisa os efeitos das mudanças climáticas no Brasil, e estão sendo apresentadas no Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), que segue até a próxima sexta-feira (13/09). Para a Caatinga, é esperada uma elevação de até 4,5°C na temperatura e uma redução de até 50% da precipitação. ‘Essas mudanças podem desencadear o processo de desertificação’, conclui o relatório.” (http://www.dw.de/brasil-mais-quente-e-seco-pode-desencadear-crise/a17077413)

Ministério do Meio Ambiente

Caatinga “O bioma Caatinga ocupa uma área de cerca de 844.453 km², o equivalente a 10% do território nacional e é o único bioma exclusivamente brasileiro. Sua vegetação é um mosaico de arbustos espinhosos e florestas sazonalmente secas, e, apesar de ocupar uma região semiárida, é extremamente heterogênea e sua biodiversidade ampara diversas atividades econômicas voltadas para fins agrosilvopastoris e industriais, especialmente nos ramos farmacêutico, de cosméticos, químico e de alimentos. Apesar da sua importância, o bioma tem sido desmatado de forma acelerada, devido principalmente ao consumo de lenha nativa, explorada de forma ilegal e insustentável, para fins domésticos e indústrias, ao sobrepastoreio e a conversão para pastagens e agricultura. A Caatinga tem um imenso potencial para a conservação de serviços ambientais, uso sustentável e bioprospecção que, se bem utilizado, pode contribuir para o desenvolvimento da região e do país.”

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

38

Florestas do Bioma Caatinga

(BRASIL. Serviço Florestal Brasileiro. Florestas do Brasil em Resumo – 2013: dados de 2007-2012. Brasília: SFB, 2013. p. 56-57)

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

39

Celso Furtado: citações “O que não se pode aceitar é a hipótese […] segundo a qual os atuais padrões de consumo dos países ricos tendem a generalizar-se em escala planetária. Esta hipótese está em contradição com a orientação geral do desenvolvimento que se realiza atualmente no conjunto do sistema, da qual resulta a exclusão das grandes massas que vivem nos países periféricos das benesses criadas por esse desenvolvimento. Ora, são exatamente esses excluídos que formam a massa demográfica em rápida expansão. […] Cabe, portanto, afirmar que a ideia de desenvolvimento econômico é um simples mito. Graças a ela, tem sido possível desviar as atenções da tarefa básica de identificação das necessidades fundamentais da coletividade e das possibilidades que abre ao homem o avanço da ciência, para concentrá-las em objetivos abstratos como são os investimentos, as exportações e o crescimento.” (O mito do desenvolvimento econômico. In: D’AGUIAR, Rosa Freire (org.). Essencial Celso Furtado. São Paulo: Penguin Classics: Companhia das Letras, 2013. p. 169, 175)

“As estruturas agrárias dos países que lideram o processo de desenvolvimento econômico e social não são o fruto de uma evolução necessária, ou seja, não são simples respostas ou adaptação ao avanço da acumulação e das técnicas incorporadas aos instrumentos de produção. Essas estruturas são o fruto de uma opção política orientada para a formação de uma classe de agricultores aptos a assumir um papel dinâmico no processo de desenvolvimento. […] Devemos reivindicar uma adaptação do quadro federativo à realidade atual do país. […] Se não dispomos de instrumentos adequados de ação política, continuaremos reduzidos ao papel de pequenos satélites numa federação que se rege cada vez mais em função de interesses econômicos que nos escapam.” (O Nordeste: reflexões sobre uma política alternativa de desenvolvimento. In: Ibidem, p. 368, 376)

“As agressões da indústria cultural tendem a esterilizar a capacidade criativa e, benefício da homogeneização dos mercados. No Brasil, a luta pelo federalismo está ligada às aspirações de desenvolvimento das distintas áreas do imenso território que o forma. Não se coloca entre nós o problema de choques de nacionalidade, de agressões culturais ligadas a disparidades étnicas ou religiosas. Mas sim o da dependência econômica de certas regiões com respeito a outras, de dissimetria nas relações entre regiões, de transferências unilaterais de recursos encobertas em políticas de preços administrados. […] Só é possível, em economia de mercado, deter as tendências estruturais ao centralismo econômico mediante ação política, o que requer uma visão ampla do processo social. Somente a vontade política pode evitar que a difusão da racionalidade econômica venha tansformar um tecido social diversificado num amálgama de consumidores passivos. E essa vontade política entre nós é inseparável do federalismo.

O POVO DAS SECAS E SUA LEGITIMAÇÃO JURÍDICA

40

[…] Só o planejamento permite corrigir a tendência das empresas privadas a ignorar os custos ecológicos e sociais da aglomeração espacial das atividades produtivas. Com efeito, somente o planejamento permite introduzir a dimensão espaço no cálculo econômico.” (Nova concepção do Federalismo. In: Ibidem, p. 378, 383, 385

ISBN 978-85-917635-3-5

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.