O POVO XAVANTE: TERRITÓRIO, CULTURA E REPRESENTAÇÃO

July 5, 2017 | Autor: A. Silva | Categoria: Indigenous Studies
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O POVO XAVANTE: TERRITÓRIO, CULTURA E REPRESENTAÇÃO THE XAVANTE PEOPLE: TERRITORY, CULTURE AND REPRESENTATION

SARDE NETO, Emílio – UFPR

[email protected] PTARIWARI XAVANTE, Sidnei T. T. – UFScar

[email protected] ALMEIDA SILVA, Adnilson de – UNIR [email protected]

RESUMO

O presente trabalho objetiva refletir sobre o papel do território, da cultura e da representação do povo indígena Xavante, uma das etnias mais populosas do Brasil, que segue sua trajetória lutando pelo respeito e pela sua integridade física. Os contatos interétnicos produziram novas necessidades acarretando em mudanças nos seus modos de vida e consequentemente levando doenças ainda não conhecidas por eles que causaram a depopulação da etnia, além de outras consequências socioculturais. Os indígenas produzem seu espaço baseados na riqueza cultural em suas representações simbólicas da sua religião e dos seus mitos ancestrais, ao tempo em que buscam estratégias de sobrevivência. A metodologia utilizada consistiu na revisão bibliográfica e diálogos participantes construídos com um dos membros da etnia Xavante e coautor deste artigo. PALAVRAS-CHAVES: Xavante. Território. Cultura. Representação.

ABSTRACT

This work aims reflect on the role of territory, culture and the representation of the Xavante indigenous people, one of the most populous ethnic groups in Brazil, following its fighting trajectory for respect and for their physical integrity. Interethnic contacts produced new needs resulting in changes in their lifestyles and consequently leading diseases not yet known to them that caused the depopulation of ethnic group, and other socio-cultural consequences. Indigenous produce their space based on cultural wealth into their symbolic representations of religion and its ancestral myths, the time they seek survival strategies. The methodology consisted of a literature review and participants dialogues constructed one of the members of the Xavante ethnicity and coauthor of this articles. KEYWORDS: Xavante. Territory. Culture. Representation.

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Considerações iniciais Os Xavante possuem uma população aproximada de 14 mil indígenas, divididos em clãs por aldeias. As maiores aldeias são as de Sangradouro e São Marcos com milhares de habitantes. Pertencem ao tronco linguístico Macro-Jê da família linguística Jê, autodenominados a´uwê (gente) ou a’uwê uptabi (gente verdadeira), a língua falada é o a´uwê xavante, mas entre os Xerente e Xacriabá da mesma família linguística é falada o akwén. Os Xavante encontram-se espalhados em 12 Terras Indígenas (TIs), no Estado do Mato Grosso. Tendo o território como reflexo das construções histórico-sociais dos grupos étnicos e a cultura sua manifestação simbólica representada nas várias cosmogonias geradoras de razões materializantes dos anseios, buscamos utilizar no presente artigo como principais aportes teórico-conceituais o Território em (ALMEIDA SILVA, 2010; GOMIDE, 2011;), a Cultura em (GEERTZ, 1989; CLAVAL, 2001; DURAND, 2002; LARAIA, 2008 [1986]) e a Representação em (CASSIRER, 1994 [1944]).

Os Xavante e sua organização no território A descrição do espaço de habitação e suas características físicas denotam não só a relação com seu território, mas também com o coletivo indígena e a sociedade envolvente. Em Antônio Carlos Robert de Moraes (2002, p.15) “as formas espaciais são produtos históricos. O espaço produzido é um resultado da ação humana sobre a superfície terrestre que expressa, a cada momento, as relações sociais que lhe deram origem”. O território, as aldeias e as narrativas dos mais velhos são carregados de histórias e representações simbólicas que refletem a riqueza cultural dos indígenas e sua luta pelo território. Corrobora Adnilson de Almeida e Silva (2010, p.99) que: A representação simbólica dos indígenas descritas por meio da oralidade revela os seus anseios, devaneios, medos, experiências socioespaciais, trajetórias e perspectivas indispensáveis ao entendimento da cultura, da cosmogonia e dos valores concebidos na ancestralidade, a partir de suas experiências socioespaciais.

As

aldeias

mais

importantes

são

Marãiwatsédé

(floresta

perigosa),

Sangradouro, Marechal Rondon, São Marcos, Areões, Parabubure (fruta da

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palmeira/buriti), Pimentel Barbosa, Ubawawe (ponte grande), Wedezé (fruta doce), Owawên (rio grande) aldeia conhecida como Dom Bosco e aldeia Chão Preto. A Marãiwatsédé (floresta perigosa) é uma aldeia que possui 165.241 hectares e está localizada nos municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia, próxima a cidade de Canarana fronteira com o Amazonas. A Aldeia tem importância histórica, pois foram nela realizados os primeiros contatos com os missionários italianos e alemães. Os Xavante contam que a caça era abundante (anta, paca, tatu, cutia, queixada, tamanduá), mas com o tempo devido ao avanço dos madeireiros e agropecuaristas os animais tornaram-se escassos. Em algumas ocasiões a comunidade sem opção passou a criar gado, por ser facilitada pela vegetação do serrado. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) possui uma grande fazenda de gado na área das aldeias, que é trabalhada por indígenas Bororó. O CIMI que era responsável pela educação escolar, entregou a escola indígena da aldeia Sangradouro para a comunidade que foi assumida pelo Governo Estadual do Mato Grosso, passando a chamar-se Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental e Médio São José do Sangradouro. A aldeia possui duas escolas estaduais de ensino fundamental e médio. As aldeias possuem roçados coletivos de mandioca, milho, abobora, melancia, batata, feijão, amendoim e banana. O excedente é vendido e outros artefatos produzidos na comunidade (cabos de madeira para ferramentas) são trocados na cidade de Primavera do Leste. Desde 1997, vários indígenas tornaramse funcionários da FUNAI, professores e agentes de saúde. Os artesanatos são importante fonte de renda, sendo produzidos pela comunidade para complementar o orçamento de muitas famílias. Entre os produtos produzidos temos cestas de buriti, arco e flecha, bordunas, brincos, colares, prendedores de cabelos etc. Existe somente um posto de saúde na aldeia Sangradouro com médico para atender toda a comunidade Xavante, mas cada aldeia possui um agente de saúde indígena. Os remédios estão sempre em falta. O dentista atende a população uma vez por mês no posto de saúde. A BR 070, passa na beirada da aldeia Sangradouro vitimando por atropelamentos vários jovens e crianças. Os habitantes da Aldeia Sangradouro estão acometidos de doenças e pestes ocasionadas pelo acumulo de lixo e outras mazelas transportadas pelos novos

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modos de vida. As casas são feitas de ´retsú (palha do cerrado) e wedetede (tipo de madeira). Em 1995, as casas passaram a ser construídas em alvenaria. Localização das Terras Indígenas Xavante, Mato Grosso

Org. Maria Lucia C. Gomide & Marcelo Silva, 2007.

Os Xavante e sua trajetória histórica Antigas crônicas mencionam os Xavante em contatos com os não indígenas ainda no século XVIII, devido aos conflitos e as consequências das relações, parte do grupo não quiseram manter o convívio afastando-se mais para o interior do Brasil. A partir da década de 30 do século XX, ocorreram novas interações com a sociedade envolvente, os missionários católicos fizeram os contatos onde hoje se localiza a aldeia de Marâiwatséde (floresta perigosa). Em Maria Lucia C. Gomide (2011) na década de 1940 alguns missionários e uma equipe do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) chegaram à aldeia em avião e outros de barco pelo rio Araguaia. Na ocasião os Xavante foram presenteados com artefatos industrializados (faca, espelho, facão, roupas, enxadas, machados entre outros). 4

Dona Rita Xavante anciã que participou dos primeiros contatos, conta que os não indígenas chegaram de avião, pernoitaram e no outro dia levaram alguns indígenas para a aldeia vizinha, na ocasião ainda não contatada (Aldeia São Marcos). Foi nessa época que houve a contaminação da etnia pelo sarampo e outras enfermidades levando a óbito milhares de indígenas. Os problemas aumentaram com a Marcha para o Oeste1, e mais tarde em especial o Programa de Integração Nacional (PIN) 2. Segundo Darcy Ribeiro (1986) em seu relatório estatístico, dos anos de 1900 a 1957, mais de oitenta grupos indígenas entraram em contato com a sociedade nacional brasileira e foram descaracterizados ou destruídos pela doença e a contaminação. Pelos dados, houve naquele período, uma depopulação nas nações indígenas do Brasil, de cerca de um milhão para menos de 200 mil. Os Xavante à época dos contatos com o Serviço de Proteção ao Índio

Foto: José Medeiros 1949. Indígenas Xavante empurrando o avião utilizado nos contatos.

As sociedades que sobreviviam as depredações iniciais nas frentes pioneiras do Brasil estavam fortemente despovoadas e vivendo nas condições mais 1

Criada pelo governo de Getúlio Vargas para incentivar a ocupação e o progresso do Centro-Oeste do Brasil onde haveria muitas terras desocupadas. 2 Programa de cunho geopolítico criado pelo governo militar brasileiro para integrar as regiões consideradas por eles “vazios demográficos.”

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miseráveis. A discriminação e a exploração eram os grandes empecilhos para a integração3 dessas populações à vida nacional brasileira. Para Ribeiro (1986), o destino das tribos isoladas estaria nas mãos da futura expansão econômica e na capacidade política do SPI em criar uma barreira protecionista entre os indígenas e as frentes pioneiras da sociedade nacional, assegurando assim o direito de viver segundo seus costumes. A julgar pelos casos conhecidos, os efeitos devastadores de epidemias de gripe, sarampo e outros agentes mórbidos levados por não indígenas teriam reduzido a população a mais da metade do que era quando estavam isolados. Houve transformações completas em seu modo de vida, as quais podem ser atribuídas a fatores ecológicos e bióticos, mais do que ao processo de aculturação 4. Os dados históricos demonstram que os fatores bióticos (doenças) ocasionados pelos contatos interétnicos foram os principais responsáveis pelo desaparecimento das populações indígenas. Alguns Xavante permaneceram nas aldeias contaminadas, e outros migraram devido às contaminações e encontraram outros Xavante em uma aldeia antiga hoje denominada Aldeia Sangradouro5 próxima ao rio Owawê Dado (rio das mortes). Ali religiosos estabeleceram uma fazenda que ocasionava problemas para o grupo indígena

residente,

que

estavam

sendo

explorados

compulsivamente

por

catequizadores sofrendo todo tipo de violência física e simbólica. [...] quando nós do Povo Xavante fazíamos o ritual os missionários diziam que era coisa do diabo, e mesmo assim o Xavante continua o seu ritual. (Tsere Xavante) Mais tarde os missionários renunciaram as perseguições e passaram inclusive a participar dos rituais sem interferirem nas práticas culturais. Um missionário alemão se destacou, os caciques da aldeia o denominaram de Tsaamri, aprendeu a falar a língua xavante, filmava e tirava fotos em todas as ocasiões, acompanhava as caçadas, ensinou a língua portuguesa para muitas pessoas e instruiu alguns jovens na prática da fotografia e da filmagem. Hoje, Divino Tserewahu e Caimi Waiassé, se destacam como importantes cineastas e produtores indígenas de curtas metragens. Suas obras falam sobre a 3

Para os políticos da época os povos indígenas aos poucos deveriam se integrar a nação. Processo de modificação cultural de indivíduo, grupo ou povo 5 Era uma fazenda com matadouro chamada de Sangradouro, mas o nome foi usado pelos indígenas para denominar aquela área. 4

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cultura e a luta Xavante pela terra. Os indígenas sempre mencionam a famosa banda de música Sepultura, que gravou o clip da música Roots entre os Xavante habitantes da aldeia Pimenta Barbosa. Em 1966, o Governo Militar expulsou as comunidades indígenas dos seus territórios. Em 1992, a área estava ocupada pela Agip6, empresa de petróleo Italiana que estava com a posse da terra e comprometeu-se em devolvê-la. Após a devolução das terras pela empresa, funcionários da empresa, fazendeiros, políticos entre outros se aproveitaram da situação e invadiram os territórios. Mesmo com a lista oficial publicada pelo governo em 2012 para retirada de invasores das terras Xavante, os ocupantes ilegais recusaram-se na desintrusão da terra. Parte do Território está ocupada por latifundiários, vereadores, prefeitos e até mesmo um desembargador. Ainda em 2012, a FUNAI reafirmou a legalidade do processo da Terra Indígena homologada por decreto presidencial em 1998, como de posse permanente e uso fruto exclusivo da etnia. Todo o processo foi tramitado em julgado e dado causa de ganho para o Povo Xavante. Em 2013, houve confrontos com posseiros, madeireiros, fazendeiros e seus jagunços que continuavam avançando dentro dos territórios. A Força Nacional foi acionada e os invasores foram retirados à força. Logo após a desocupação, na cidade de Bom Jesus do Araguaia o cacique Damião Paridzané foi ameaçado de morte no dia 08 de março de 2013, quando adquiria vivendas para sua comunidade, foi abordado por um pistoleiro de nome Jairo, genro do conhecido pistoleiro Aroeira que vivia na localidade de Moonipá (planta medicinal), dizendo que iria se vingar por terem sidos expulsos dos territórios invadidos. Em 2014, o território continua sendo assediado, e no mês de janeiro grupos de posseiros organizados chegaram ao ponto de expulsar da área os funcionários da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Os indígenas sofrem ameaças constantes e não podem se espalhar pela sua terra porque existe a possibilidade de serem atacados por jagunços, posseiros e grileiros. A comunidade Xavante queixa-se das notícias deturpadas e manipuladas por políticos e grandes latifundiários que são os mais interessados em ocupar as áreas demarcadas. Várias reivindicações são realizadas constantemente para a melhoria da saúde convencional que é precária dentro das comunidades e vem vitimando 6

Agip ou Azienda Generale Italiana Petroli é uma empresa italiana que atua no comércio varejista de combustíveis de propriedade do grupo Ente Nacionale Idrocarburi (ENI).

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suas crianças. As TIs Xavante são consideradas as mais desmatadas do Brasil, consequência das invasões e desmatamentos para a agropecuária.

Cultura e representação Os Xavante surgiram dos raios, não existiam outros animais e dos raios desceu um homem que iniciou a criar os animais. A cultura constitui-se um somatório de experiências de vida, nas palavras de Clifford Geertz (1989) o homem é um animal amarrado em uma teia de significados que ele mesmo criou. Na cultura Xavante a importância dos mitos está diretamente ligada a sua religião, em sua gênese a origem dos homens se dá pela chuva e pela queda dos raios. As cerimônias e suas ritualísticas ligadas à religião com seus segredos eram permitidas somente aos homens adultos, sendo proibida a participação das mulheres e das crianças. Na prática das suas liturgias os homens ficam todo o dia sem se alimentar e devem passar do por do sol ao nascer do sol pronunciando suas ladainhas para verem os espíritos e receberem o poder de manipulação das substâncias espirituais para curar as doenças. O ritual é realizado em um espaço sagrado sem camisa, tocando o maracá7 e segurando a borduna8. Existe o costume de tirar as sobrancelhas entre os habitantes das aldeias Pimentel, Areões, Areões I e II. Todos os Xavante cortam o cabelo de forma parecida, sendo um corte reto até o meio da testa e deixam o cabelo comprido atrás. O calção vermelho é usado junto com a pintura vermelha e o preto com a pintura preta. As combinações e as formas da pintura definem as festas e a guerra. O conceito de cultura que abordamos se expressa na opinião de White (1970 [1955] apud LARAIA, 2008, p.55 [1986]) que: [...] todas as civilizações se espalharam e perpetuaram somente pelo uso de símbolos [...] Toda cultura depende de símbolos. É o exercício da faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso de símbolos que torna possível a sua perpetuação. Sem o símbolo não haveria cultura, e o homem seria apenas animal, não um ser humano [...]. O comportamento humano é o comportamento simbólico [...]

A identidade de cada povo está fundada nos valores espirituais e culturais, na sua organização social, no território e na língua, sendo que todos apresentam suas 7

Chocalho indígena usado em festas, cerimônias religiosas e guerreiras, que consiste em uma cabaça seca, desprovida de miolo, na qual se metem pedras ou caroços. 8 Arma indígena de ataque, defesa ou caça, geralmente cilíndrica e alongada, feita de madeira dura; tacape; clava.

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próprias estratégias de ensino e aprendizagem, alicerçadas tanto na tradição oral dos saberes individuais quanto do saber coletivo. A forma de como se assimila essas determinações resulta não somente na organização sociocultural de um povo, mas, principalmente, nas relações que permitem a visão e a experiência de mundo. Em Emílio Sarde Neto (2013, p. 25) lê-se que: [...] os vínculos da cultura com o território raramente podem ser rompidos. Os indígenas constantemente relembram suas origens através da tradição oral, em que as histórias dos mais velhos são contadas e recontadas. Há uma institucionalização dos lugares com denominações próprias e que estão diretamente ligadas com seu processo histórico e suas cosmogonias.

Todos os povos possuem delimitadores que marcam suas territorialidades, sejam elas culturais ou simplesmente baseadas na posse da terra. Em Almeida Silva (2010) estes “marcadores territoriais” são linguagens que expressam as identidades dos coletivos, suas individualidades e pertencimentos. A abordagem cultural não consiste em apreender o fato cultural nele mesmo, mas em definir territórios reveladores de etnias e culturas e neste sentido a linguagem seria: [...] condição sine qua non que o divíduo carrega, se apresenta e se representa, ou seja, ela é um “marcador territorial” de internalidade e exterioridade pessoal e territorial, porque onde quer que esse divíduo caminhe estará conduzindo esse “marcador” como algo inerente, como pertencimento [...] (ALMEIDA SILVA, 2010).

Segundo Ernest Cassirer (1994, p.50 [1944]) “em vez de definir o homem como animal rationale, deveríamos defini-lo como animal symbolicum, pois é através do simbolismo que o homem se comunica e tem acesso à civilização”. A cultura representa o modo de vida por meio não apenas da produção material, mas também, e principalmente, da produção imaterial como os valores morais, éticos, espirituais, culturais, representações, símbolos e significados que se manifestam social, espacial e culturalmente, cujas dimensionalidades são atribuídas de determinada etnia ou sociedade, o que a torna distinta das demais, em razão de sua relação e apreensão de mundo. Os Xavante são tradicionalmente poligâmicos e os casamentos são estabelecidos pelos pais dos noivos que definem as melhores condições para as famílias. Segundo a tradição, após o noivado, a moça leva comida para o noivo (bolo, mandioca assada, farinha, carne de caça etc.), e o rapaz também retribui com comidas tradicionais para a sogra. Os mais velhos da comunidade fazem um cesto e

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colocam vários tipos de caças, para ajudar na festa de casamento, que depois serão encaminhadas para a casa do itsu´redzu´wa (padrinho). Para cerimônia de casamento as mulheres são pintadas com urucum pelo itsu´redzu´wa, responsável pela colocação de um colar (tipo gravata) feito de algodão com pena de papagaio e uma pulseira feita de palha de buriti simbolizando o ato do casamento. O noivo também se pinta de preto e vermelho, significando a consumação do casamento e demonstrando que sua esposa agora já não é mais virgem. No outro dia o noivo vai caçar e a noiva fica de joelhos em uma esteira na frente da casa dos pais, esperando uma mulher da família tirar o colar. Após a retirada do colar a noiva entra na casa dos pais para tomar banho e tirar a pintura. Depois de todo o ritual os casados encaminham-se para sua nova casa. Homens Xavante tradicionalmente paramentados

Foto: Divulgação do Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Xavante de Marãiwatsédé, 2012.

Alguns animais possuem grande importância para os Xavante como o passarinho vermelho, que avisa dos perigos da floresta (cobra, onça, não indígenas e etc.).

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Para os Xavante na escuridão da noite espíritos viajam e emitem sons como dos pássaros agourentos que ao assobiarem nas proximidades das aldeias está avisando da morte de algum parente. A noite com sua escuridão e seu aspecto sombrio, está associada ao medo e ao terror. Nas palavras de Gilbert Durand (2002, p. 91): “No folclore, a hora do fim do dia, ou a meia-noite sinistra, deixa numerosas marcas terrificantes: é a hora em que os animais maléficos e os monstros infernais se apoderam dos corpos e das almas”. Existe outra parte dos Xavante que são gigantes de dois metros de altura e aparecem à noite, seus nomes não devem ser pronunciados, são como anjos da guarda, são pessoas invisíveis que possuem poderes, vivem dentro do mato nas cavernas. As pessoas da comunidade são proibidas de irem aos locais onde habitam, pois existe um combate entre os Xavante gigantes, parte deles são maus e matam as pessoas que se aproximam. Antigamente todos viviam juntos e muitas mulheres engravidaram dos gigantes, eles são muito velozes e correm mais que uma ema9. Muitos Xavante não gostaram porque os filhos dos gigantes estavam se tornando muito grandes e fortes. As feiticeiras então se reuniram e iniciaram uma guerra contra os gigantes matando os filhos com feitiços e afugentando-os para o mato. Assim, as sociedades são um conjunto de representações que estamos inseridos que resulta da apreensão dos símbolos e suas representações que possibilitam o acesso permanente de construção, onde o ser humano e suas coletividades se encontram com o sentido de pertencimento, conforme afirma Almeida Silva (2010 p. 96-97): [...] a produção dos elementos que compõem a cultura ocorre na sociedade, como forma, representação e presentificação, têm origens nas relações que se estabelecem coletivamente, sendo a cultura, portanto, um fenômeno indissociavelmente coletivo. A cultura só pode ser construída pelas diversas experiências com a presença de diferentes elementos culturais, que marcam sua diversidade e pode ser constatada pela multipluralidade linguística existente na história das sociedades e que traduzem a espacialidade dos seres humanos. Os componentes culturais identificam determinadas sociedades com seus sistemas educativos, incluindose a oralidade como um processo que detém importantes artefatos multiplicadores de conhecimento para as futuras gerações.

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Ave que vive em regiões campestres e cerrados, com até 1,70 cm de altura é a maior e mais pesada ave brasileira.

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O homem vive em um “universo simbólico”, e que a partir dele cria, recria e eterniza seu modo de vida cultural e coletivo, o que é apresentado sinteticamente por Paul Claval (2001, p.12-15), como: [...] mediação entre os homens e a natureza [...] é herança e resulta do jogo da comunicação [...] é construção e permite aos indivíduos e aos grupos se projetarem no futuro e nos aléns variados [...] é em grande medida feita de palavras [...] articula-se no discurso e realizase na representação [...] é um fator essencial de diferenciação social [...] a paisagem carrega a marca da cultura e serve-lhe de matriz [...].

Considerações Finais Muitos anos passaram dos primeiros contatos do Povo Xavante com a sociedade envolvente e da demarcação dos seus territórios, porém as invasões as ameaças e o descaso do governo continuam gerando muitos problemas para a etnia. As abruptas mudanças nos seus costumes produziram formas de vivências que refletem as novas situações ocasionadas pelos contatos que se prolongam e reformulam entre os indígenas das várias aldeias. Os coletivos humanos organizam seu espaço de ação, ocasionados por interesses de sobrevivência e as representações são criadas para manter a ordem e apreender a visão de mundo. A organização e sobrevivência ocorrem por meio das relações que são realizadas qualitativamente no espaço, onde o indivíduo e o coletivo conferem sentido à vida por meio das representações.

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Referências ALMEIDA SILVA, Adnilson de. Territorialidades e identidade dos coletivos Kawahib da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia: “Orevaki Are” (reencontro) dos “marcadores territoriais”. Tese de Doutorado em Geografia. Curitiba: SCT/DG/PPMDG/UFPR, 2010. CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994 [1944]. CLAVAL, Paul. A geografia cultural. 2.ed. Florianopolis: EdUFSC, 2001. DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: GuanabaraCoogan, 1989. GOMIDE, Maria Lucia C. Território no mundo A’uwe Xavante.In: Confins – Revista Franco Brasiliense de Geografia: n. 11. 2011. LARAIA, Roque B. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008 [1986]. MORAES, Antônio Carlos Robert. Ideologias Geográficas. São Paulo: Ed. Hucitec, 2002. RIBEIRO, Darcy. Os índios e a Civilização: a integração das populações indígenas no Brasil Moderno. Estudos da Antropologia da Civilização. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 1986. SARDE NETO, Emílio. Cosmografia Karitiana: território, educação e identidade étnica em Rondônia. Dissertação de Mestrado. Porto Velho: PPGG/NCET/DG/UNIR, 2013.

Mapa GOMIDE, Maria Lucia C. & SILVA, Marcelo Silva. Localização das Terras Indígenas Xavante, Mato Grosso. In: GOMIDE, Maria Lucia C. Território no mundo A’uwe Xavante. Confins – Revista Franco Brasiliense de Geografia: n. 11. 2011.

Fotos José Medeiros 1949. Índios Iaualapiti. Serra do Roncador, MT. Acervo Instituto Moreira Salles. FMMAD. Homens Xavante tradicionalmente paramentados. Divulgação do Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Xavante de Marãiwatsédé, 2012. Disponível em http://www.formad.org.br/?p=2044

Sites Pesquisados Maraiwatsedé Terra dos Xavantes Disponível em: Acesso em 10.06.2014. Sócio Ambiental. Xavantes. Disponível . Acessado em 10.06. 2014.

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