O PRAZER COMO IMPERATIVO EM REVISTAS FEMININAS PARA ADOLESCENTES

June 13, 2017 | Autor: Tom Rodrigues | Categoria: Psicanálise, Educação, gênero e diversidade sexual, Educação Sexual
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CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000.
As discussões aqui apresentadas são um recorte da dissertação de mestrado da primeira autora com a orientação da terceira: "Muito Prazer?! Discussões sobre sexualidade, gênero e educação sexual a partir de revistas femininas e masculinas", concluída em junho de 2014.

O PRAZER COMO IMPERATIVO EM REVISTAS FEMININAS PARA ADOLESCENTES

Marcela Pastana,
[email protected]
Mestre e doutoranda em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"- UNESP, campus de Araraquara. Psicóloga formada pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"- UNESP, campus de Bauru.
Gelberton Vieira Rodrigues,
[email protected]
Psicólogo formado pela Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"- UNESP, campus de Bauru e pós-graduando no Mestrado Profissional em Educação Sexual na Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"- UNESP, campus de Araraquara.
Ana Cláudia Bortolozzi Maia,
[email protected]
Doutora em Educação pela UNESP, Marília. Professora assistente-doutora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP- Bauru). Docente nos programas de Pós-Graduação: "Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem" (Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru), "Educação Escolar" e "Mestrado Profissional em Educação Sexual" (Faculdade Ciências e Letras, UNESP, Araraquara).

RESUMO:
A questão da busca por prazer recebeu grande atenção na construção da teoria psicanalítica. Sigmund Freud debruçou-se de forma crítica sobre as inúmeras restrições sociais e seus efeitos no contexto do início do século XX, momento de criação da psicanálise, em que eram cultivados na sociedade europeia valores como o sacrifício, a renúncia e o adiamento dos prazeres. Não seria possível prever como, sobretudo a partir da segunda metade do século, principalmente a partir da intensificação da incitação ao consumo, com a proliferação dos meios de comunicação e a expansão da publicidade, o prazer não seria mais visto como alvo de controle e adiamento, mas sim, tornaria-se fortemente idealizado e valorizado, convertendo-se em uma exigência, em um dever. Foi também a partir desse período que teve início a construção da adolescência como um ideal cultural, com a representação desse momento da vida como privilegiado para a diversão, o lazer, o entretenimento e o consumo, construção que acontece, assim, atravessada pelo imperativo de prazer. Autores como Maria Rita Kehl, Contardo Calligaris, Jurandir Freire Costa, Benilton Bezerra Júnior e Joel Birman articulam a teoria psicanalítica com reflexões sobre como o prazer é significado atualmente, com problematizações sobre seu caráter imperativo. Partindo dessas reflexões e, considerando o que afirma Calligaris (2000): "A adolescência não é só o conjunto das vidas dos adolescentes. É também uma imagem ou uma série de imagens que muito pesa sobre a vida dos adolescentes" tivemos como objetivo no presente trabalho investigar quais são as imagens sobre a adolescência e o prazer presentes nas revistas brasileiras voltadas ao público feminino adolescente Capricho, Atrevida e Todateen. Trata-se de uma pesquisa qualitativa-descritiva documental em que foi realizada a análise de conteúdo das edições dessas revistas publicadas em fevereiro de 2012. Os resultados foram organizados nas categorias: 1) A construção da adolescência como um período de prazer e diversão; 2) Padrões de gênero nas representações sobre a adolescência; 3) O imperativo de prazer e a visibilidade; 4) O imperativo de prazer e os ideais de corpo e beleza e 5) O imperativo de prazer e o consumo. A partir da análise dos resultados identificados, foi possível problematizar como o modelo ideal de adolescência transmitido nas revistas femininas para adolescentes é normativo e excludente, atravessado por padrões de gênero, sexualidade, raça/etnia, estética e classe social, assim como discutir a íntima relação entre o imperativo de prazer e a incitação ao consumo.
Palavras-chave: Prazer, Gênero, Adolescência, Revistas Femininas.

INTRODUÇÃO
"A adolescência não é só o conjunto das vidas dos adolescentes. É também uma imagem ou uma série de imagens que muito pesa sobre a vida dos adolescentes", afirma Contardo Calligaris (2000, p. 5), ao analisar sobre como a adolescência é uma das formações culturais mais poderosas de nossa época. Associada a sonhos de liberdade, prazer e diversão, e, ao mesmo tempo, a pesadelos de rebeldia, transgressões e desordem, a adolescência é muitas vezes representada de forma caricatural, seja como alvo de desconfiança e repressão preventiva, seja como objeto de admiração e inveja, com uma espécie de culto publicitário a esse tempo da vida. Maria Rita Kehl (2005) também ressalta como a construção do ideal de adolescência está relacionada à compreensão da juventude como um importante segmento de mercado, visado por seu potencial de consumo, em uma valorização bastante recente através da qual, ao invés de imaturos(as), irresponsáveis e desajeitados(as), os(as) jovens passam a ser colocados(as) como modelo de saúde, beleza, vitalidade e disposição.
A "adolescência" é comumente definida como uma faixa etária, um período do desenvolvimento, um grupo geracional. Entretanto, o modo como compreendemos (e idealizamos) hoje a adolescência é muito novo, tendo início com as transformações da modernidade, da urbanização e da industrialização, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Calligaris (2000) e Kehl (2008) relacionam a construção do ideal de adolescência ao fortalecimento de um mito, sustentado por uma espécie de "moratória social". Enquanto o(a) adolescente já tem a maturação necessária para ser capaz de produzir e se reproduzir, tendo assimilado e solidificado o valor social dado às relações amorosas e sexuais e ao campo produtivo, profissional, financeiro e social, ainda assim, aprende que por algum tempo, provavelmente por mais de dez anos, ficará sob a tutela dos(as) adultos(as), preparando-se para viver as condições para as quais já poderia se considerar pronto(a). A moratória que caracteriza a adolescência pode ser definida então como um tempo de suspensão entre a chegada à maturação do corpo e a autorização para realizar o que a sociedade valoriza. O período de dependência se torna cada vez mais prolongado com o aumento progressivo do período de formação escolar, a alta competitividade do mercado de trabalho e a crescente escassez de empregos. O contraste entre o ideal de adolescência transmitido e as condições vividas é discutido pelo Calligaris (2000, p. 33):
A contradição a moratória torna-se ainda mais enigmática para o adolescente na medida em que essa cultura parece idealizar a adolescência como se fosse um tempo particularmente feliz. Como é possível? Em nossa cultura, a passagem para a vida adulta é um verdadeiro enigma. A adolescência não é só uma moratória mal justificada, contradizendo valores cruciais como o ideal de autonomia. Para o adolescente, ela não é só uma sofrida privação de reconhecimento e independência, misteriosamente idealizada pelos adultos. É também um tempo de transição, cuja duração é misteriosa (CALLIGARIS, 2000, p. 33).
Assim, ao mesmo tempo em que a adolescência é descrita culturalmente como uma idade crítica e problemática, repleta de inseguranças, ansiedades e insatisfações (muitas vezes inclusive justificadas pelo "turbilhão hormonal"), são muitos os discursos que apelam para o ideal da adolescência como momento de viver intensamente, aproveitar o máximo possível cada momento, divertir-se sem pensar no amanhã, desfrutando sem limites todos os prazeres. Ou seja, aproveitar e ser feliz tornam-se expectativas, mais do que expectativas, exigências, com o movimento frequente de transmissão do prazer como um imperativo.
Embora o imperativo de prazer seja direcionado de forma mais incisiva aos(às) adolescentes, é possível destacar como está presente de muitas formas em nossa cultura.
"Nos tornamos a primeira sociedade da história em que as pessoas sentem-se infelizes por não serem suficientemente felizes", afirma Pascal Bruckner (2002, p. 47) no livro "A Euforia Perpétua- Ensaios sobre o dever da felicidade". Enquanto até o começo do século XX- período de surgimento e consolidação da Psicanálise- havia uma valorização cultural de elementos como a renúncia, o sacrifício e o adiamento dos prazeres para que os esforços fossem dirigidos exclusivamente ao trabalho, nas últimas décadas o consumo tem recebido uma centralidade cada vez maior, movimento que vem acompanhado pela crescente ênfase no prazer e na felicidade.
Com a tarefa de instaurar a felicidade, há uma incessante catalogação e contabilização em que são listadas as infelicidades a serem eliminadas. Luto, dor e doenças passaram a ser vistos praticamente como "tabus", destoantes do culto ao prazer e à diversão. Sobre a sensação de insuficiência continuamente alimentada, Bruckner (2002, p. 14) afirma:
Seja feliz! é um imperativo que, por trás da aparência de amabilidade, se revela uma terrível injunção paradoxal, um comando ao qual é difícil escapar. É como se a felicidade esperada fugisse à medida em que se corre atrás dela, de modo que a promessa de satisfação passa a ser vivida como um débito com uma divindade sem rosto, que nunca é possível saldar (BRUCKNER, 2002, p. 14).
Bruckner (2002) problematiza como é desconcertante que a busca por um ideal possa resultar justamente no seu contrário: o aprendizado sobre avaliar todas as experiências pelo ângulo do prazer culmina no esforço por evitar todo e qualquer conflito, o que pode gerar, justamente, mais conflitos, acompanhados de sensações como culpa e constrangimento por não corresponder aos modelos idealizados. Essa contradição também é abordada por Jurandir Freire Costa (2004, p. 64): "quanto mais falamos em minimizar o sofrimento e otimizar o prazer, mais nos privamos de prazer e mais nos atormentamos com os sofrimentos que não podemos evitar".
O prazer como dever é transmitido por meio de imagens sedutoras de sucesso, diversão, felicidade, realização, satisfação, o que dificulta o reconhecimento sobre como os modelos ideais se convertem em exigências e atuam de forma repressiva. Mas, para buscar corresponder a esses modelos ideais, são mobilizados muitos esforços e investimentos. Essa questão é abordada por Maria Rita Kehl (2009):
Os ideais parecem não exigir das pessoas mais do que a disposição de usufruir dos prazeres do presente, de cultivar o corpo e entregar-se às fantasias associadas aos apelos do consumo (...). É difícil, até mesmo para os críticos e descontentes, imaginar as condições de superação de uma ordem social sustentada bem menos por estratégias de interdição do que por estratégias de sedução (KEHL, 2009, p. 95; 101).
Dentre esses ideais, nos focaremos, neste trabalho, na construção do ideal de adolescência e sua vinculação com a transmissão do prazer como imperativo. As revistas femininas para adolescentes Capricho, Atrevida e Todateen serão nosso material de análise para a reflexão sobre esses fatores.

OBJETIVO
Identificar e discutir sobre o ideal de adolescência transmitido nas revistas femininas para adolescentes Capricho, Atrevida e Todateen e analisar como a transmissão do prazer como imperativo atravessa a construção desse ideal.


MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa qualitativa-descritiva documental em que foi realizada a análise de conteúdo (BARDIN, 1979) das revistas Capricho, Todateen e Atrevida, edições de fevereiro de 2012. Os resultados foram organizados nas categorias temáticas: 1) A construção da adolescência como um momento de prazer e diversão; 2) O imperativo de prazer e a visibilidade; 3) Padrões de gênero nas representações sobre a adolescência; 4) O imperativo de prazer e os ideais de corpo e beleza e 5) O imperativo de prazer e o consumo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com os resultados, buscaremos responder à questão norteadora deste trabalho: que imagens sobre a adolescência são transmitidas?
1. A construção da adolescência como um momento de prazer e diversão
Nos editoriais das edições das revistas femininas para adolescentes analisadas, é possível identificar como a adolescência é idealizada como um momento para se divertir, curtir, ser feliz, viver momentos alegres e intensos. O editorial da Capricho tem como título "Como se fosse o único" (p. 6) e aborda a expressão "Carpe Diem", ressaltando a importância de aproveitar o momento, o tempo presente, o hoje, sem se preocupar demais com o futuro. "Bloco da Alegria" (p. 4) é o título do editorial da Atrevida, que destaca a importância do bom-humor e afirma que ele é o principal ingrediente na produção da revista. A Todateen traz um editorial com o título "Acredite" (p. 3), conta sobre realizações de desejos de leitoras e de famosos, trazendo como mensagem a importância de acreditar nos sonhos e correr atrás das próprias vontades, já que há "100% de chances de realizá-los" (p. 3).
Viver intensamente os momentos, com muita alegria e bom humor e acreditando na força da própria vontade: podemos resumir assim as "lições" transmitidas pelas revistas em seus editoriais, o que ilustra a centralidade dada para a felicidade e o prazer.
Um tema abordado nas edições de fevereiro das revistas foi o Carnaval, bastante atrelado à valorização da diversão. Na revista Capricho ele é descrito como "a época mais animada do ano!" (p. 17). Na seção "Manual de Sobrevivência" da revista Atrevida, é trazida uma crônica com o título "Carnaval é muito eu!" (p. 114), em que a diversão é ressaltada:
"Tem festa mais animada que o carnaval? (...) Tudo o que eu quero é rachar de rir com as minhas amigas, até a barriga doer" (ATREVIDA, 02/2012, p. 114).
A diversão com as amigas vem acompanhada da intenção de registrar essa diversão em uma rede social. Além de divertido, o Carnaval é descrito pela matéria como: "a festa de quem não tem vergonha de ser feliz" (ATREVIDA, 02/2012, p. 114). Aqui é importante problematizar como "não ter vergonha de ser feliz" pode facilmente se deslocar para a vergonha de não corresponder à felicidade idealizada. No trecho a seguir é possível notar como a valorização da felicidade beira a obrigatoriedade, a partir do modo como a colunista deprecia as pessoas que não gostam de Carnaval:
"Afe, que gente mais mal-humorada! Quem não gosta de Carnaval é aquele tipo de pessoa que desistiu de ser feliz, mais ainda finge que tenta. (...) Eu fico revoltada com esse tipo de gente que nasceu mal-humorada e, de alguma forma, quer contaminar o mundo com esse astral pesado. Eu tenho mais ou menos uns 2.569 problemas na minha vida, mas ainda insisto em achar isso tudo muito engraçado. (...) Quero mais é folia! Quero deixar os outros pra lá... E ser eu mesma, só que ainda mais feliz!" (ATREVIDA, 02/2012, p. 114).
São dados outros exemplos sobre "esse tipo de gente que nasceu mal-humorada", com a afirmação contínua de que o melhor é estar sempre feliz, se divertindo, achando "tudo muito engraçado", mesmo com problemas. Como discute João Freire Filho (2010), o imperativo de felicidade se expressa nessa demanda para que as pessoas se esforcem continuamente para a eliminação de problemas, conflitos, estresse e ansiedades. Não conseguir erradicar, ou ao menos eliminar as dificuldades, é visto como uma falha individual, uma incompetência em gerir a própria vida. São consideradas "felizes" as pessoas bem-adaptadas, que irradiam confiança e entusiasmo e exibem uma personalidade descontraída, extrovertida e dinâmica.

2. O imperativo de prazer e a visibilidade
A valorização do prazer e da diversão ocorre em uma relação direta com a centralidade dada para a visibilidade, para a exposição. Mais do que aproveitar e se divertir, é preciso construir continuamente uma imagem de felicidade, prazer e divertimento. Esse movimento pode ser notado na descrição a seguir sobre como é prazeroso para as adolescentes tirarem fotos após se arrumarem:
"Picture Parties. O pré balada às vezes é mais divertido que a própria festa. Elas AMAM se reunir na casa de uma amiga da turma para se arrumar e tirar fotos – típico de uma geração poser, que valoriza a cultura da imagem explorada em blogs (...). Elas experimentam e trocam entre si roupas, acessórios e make. (Aliás, muitas vezes essa já é a própria balada)" (CADERNO CAPRICHO DA GAROTA BRASILEIRA, 2013, p. 9).
A centralidade da visibilidade e da exposição é alimentada pelo uso constante da internet, principalmente das redes sociais. Construir uma imagem de diversão é representado como mais interessante que divertir-se, ou melhor, a construção da imagem é representada como divertida em si. Esse movimento remete ao que discute Kehl (2009):
Celulares e máquinas fotográficas computadorizadas oferecem às pessoas a imagem instantânea de cada momento vivido, de modo a garantir que, pelo menos nas férias ou nas noites de sábado, algum acontecimento tenha merecido registro- se não no psiquismo, ao menos na telinha destinada, também ela, à rápida superação. (...) Os grupos que se reúnem na tentativa de compartilhar um momento inesquecível dedicam-se freneticamente a registrar as provas incontestáveis de sua felicidade. Se a foto não corresponder à imagem esperada, é fácil apaga-la e substitui-la por outra, até se obter uma edição perfeita da noitada ou do fim de semana. Que por sua vez terá sido todo ele ocupado pela própria atividade de perpetuar sua existência fugaz numa foto perfeita (KEHL, 2009, p. 189).
O reconhecimento passa a ser visto como dependente da exposição, da visibilidade. Além dos momentos de sociabilidade e diversão, a centralidade da visibilidade alcança também as questões pessoais e íntimas, sendo cada vez mais frequentes as práticas de contar sobre si mesma, sobre as próprias emoções e mesmo sobre os detalhes mais banais do cotidiano em espaços que podem ser acessados por muitas pessoas:
"O diário virou agenda, a agenda virou blog e o blog virou twitter. Toda a privacidade das agendas das adolescentes dos anos 90 foi trocada pela exposição dos blogs instantâneos- elas adoram atualizar, minuto a minuto, o status de sua vida" (CADERNO CAPRICHO DA GAROTA BRASILEIRA, 2013, p. 7).
3. Padrões de gênero nas representações sobre a adolescência
Para pensar o prazer nas revistas femininas é importante considerar o ideal de "viver bem", que envolve a valorização de aspectos como bem-estar, harmonia, equilíbrio, autoestima, autoconfiança, cuidado consigo mesma, com o próprio corpo e com os relacionamentos que estabelece, assim como a busca por evitar e eliminar os conflitos e contradições com o objetivo de realização plena nas mais diversas esferas da vida. Na busca por "construir a própria imagem", o consumo é situado como um elemento central. Consumir roupas, acessórios, sapatos, maquiagens, entre outros itens é representado como dedicar-se para si mesma, para a própria realização pessoal:
"Cada vez que uma adolescente escolhe uma roupa para ir à balada ou copia o make de uma celebridade, é porque está investindo na construção de sua própria imagem: a imagem que quer passar de si mesma para os outros" (CADERNO CAPRICHO DA GAROTA BRASILEIRA, 2013, p. 8).
A divisão das revistas em femininas e masculinas parte do pressuposto (e sustenta esse pressuposto) de que os gostos, interesses, preferências, desejos e prazeres de homens e mulheres são naturalmente diferentes, como se existisse uma separação, ou mesmo uma oposição entre um "universo feminino" e um "universo masculino". Assim, a valorização do prazer e da felicidade não incide sobre os mesmos aspectos, não se relaciona com o incentivo de formas similares de sentir e buscar prazer, mas sim, adquire diferentes significados conforme o direcionamento da publicação segundo o gênero.

4. O imperativo de prazer e os ideais de corpo e beleza
Nas diversas matérias destinadas ao tema cada detalhe do corpo se torna alvo de prescrições: barriga, cabelo, franja, sobrancelhas, cílios, sorriso, unhas, seios, perna, bumbum, pés. São muitas as receitas sobre como evitar olheiras, espinhas, rugas, manchas, odores, pêlos, estrias, celulites, gorduras localizadas. Para cada ocasião e para cada hora do dia há roupas, acessórios, sapatos, maquiagens, perfumes, cremes entre outros produtos classificados como adequados ou inadequados. Exemplos:

"Brilhe! Carnaval é o momento de abusar do glamour, por isso escolhemos produtos com muito brilho para você se jogar na folia com estilo!" (ATREVIDA, 02/2012, p. 58);

"Sempre linda! Mesmo na escola, é legal estar bem-arrumada, né? Se você não tem o hábito ainda, que tal montar um necessaire pequeno, mas precioso? Opte por miniaturas de produtos pra viagem como desodorante, protetor solar, absorvente e batom. Se sua escola exige uniforme, turbine os looks com acessórios. Tudo serve pra dar mais personalidade ao look!" (TODATEEN, 02/2012, p. 55);

A beleza é representada como um dos aspectos centrais na busca feminina pela felicidade e pelo prazer. Os cuidados com a aparência e com o corpo são representados tanto como prazerosos em si, quanto como facilitadores de que as meninas e mulheres possam ter prazer e realização em diversas áreas da vida, como pessoal, afetiva, sexual e mesmo social e profissional. Corresponder aos padrões estéticos é associado ao prazer de ser aceita, de ser reconhecida, de ser desejada, de ser amada e também de ser invejada.

5. O imperativo de prazer e o consumo
Espaços de consumo são frequentemente abordados e valorizados nas matérias como espaços de sociabilidade. No "Caderno Capricho da Garota Brasileira", é afirmado sobre as adolescentes:
"Elas elegeram o shopping center como ponto-de-encontro para as suas baladas. Não à toa, as adolescentes adoram consumir" (CADERNO CAPRICHO DA GAROTA BRASILEIRA, 2013, p. 25).

Podemos destacar como nos exemplos dados até aqui o ideal de adolescência se relaciona a diversão, animação, bom-humor, alto-astral, popularidade e descontração com o consumo, enfatizando a necessidade de despreocupação e disposição para aproveitar os mais diversos contextos de lazer, como viagens, baladas e Carnaval. Como comenta Kehl (2004):
Nas condições atuais em que os homens valem menos como força de trabalho do que como consumidores, os valores que condicionam a inclusão se inverteram. Não mais o esforço e o sacrifício, mas o "direito ao prazer". Não mais o adiamento da gratificação, mas o gozo imediato de tudo que se oferece para esse fim. Não mais a renuncia pulsional e a "castração", mas a fantasia narcisista de um eu que se prolonga nos seus objetos de satisfação (KEHL, 2004).



CONSIDERAÇÕES FINAIS
As revistas femininas para adolescentes trazem em suas páginas, nas capas, imagens, conteúdos, anúncios publicitários etc. modelos idealizados sobre como a adolescência deve ser. Predomina um tom normativo permeado por regras e prescrições, conselhos e instruções a partir da ênfase na importância das adolescentes serem aceitas, desejadas, admiradas e valorizadas, principalmente pelo olhar masculino. A construção dos ideais de feminilidade e adolescência implica na exclusão de muitas formas de ser que não correspondem à identidade tida como desejável.
Pesquisas realizadas sobre as revistas adolescentes que trazem exemplos sobre como essas se dirigem a um público específico, imaginado, idealizado de acordo com os padrões normativos vigentes, de forma a silenciar, omitir e excluir a diversidade e pluralidade de formas de viver a adolescência. Não há espaço para as adolescentes pobres, negras, homossexuais, gordas, entre tantos outros grupos que são silenciados e negados, de modo a encontrarem nas páginas das revistas a afirmação de que se distanciam da normalidade, que destoam do ideal, do desejável, e mesmo do aceitável, através de um discurso que legitima as desigualdades e incita a rejeição (FISCHER, 1996; FIGUEIRA, 2002; MIGUEL, 2005; OLIVEIRA, 2009).
A partir dos exemplos analisados é possível identificar como nas revistas se dá a construção de um ideal de adolescência como um momento voltado para o lazer, a diversão, o entretenimento e o consumo. A mensagem contínua de que é preciso aproveitar intensamente todos os momentos, sentindo o máximo de felicidade e demonstrando sempre uma imagem de animação, disposição e descontração ilustra como a força do imperativo de prazer se faz presente. As revistas para adolescentes, assim, são um espaço privilegiado para identificarmos como se dá a incitação ao prazer e à felicidade.
Ao contrário do que nos aponta a ética da Psicanálise, que leva o sujeito a separar-se das demandas do discurso dominante e descobrir aquilo que vale exclusivamente para si, que causa seu desejo e o move (PORCHAT, 2013), ocorre aqui um progressivo processo de normalização baseado em interesses econômicos. Sobre esse processo, Bezerra Jr. (1989) comenta:
O que mais nos interessa salientar é o quanto esse processo de normalização da vida social invadiu os indivíduos, "organizando" também seu espaço interno, "criando" uma subjetividade ordenada em novos moldes, internalizando uma nova ideia do mundo, do homem e das suas relações (BEZERRA JR, 1989, p 230).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEZERRA JR, Benilton. Subjetividade moderna e o campo da Psicanálise. In J. Birman (Org.), Freud: 50 Anos Depois (pp. 219-239). Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1989.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BRUCKNER, Pascal. A euforia perpétua: ensaios sobre o dever de felicidade. Tradução de Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Difel, 2002.
CALLIGARIS, Contardo. Felicidade nas telas. Em: Folha de São Paulo. São Paulo, Caderno Mais, 23 de setembro de 2010.
CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000.
COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
FIGUEIRA, Márcia Luiza Machado. Representações de corpo adolescente feminino na Revista Capricho: saúde, beleza e moda. 2002. 171f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano) - Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Adolescência em discurso: mídia e produção de subjetividade. 1996. 300f. Tese (Doutorado em Educação)- Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1996.
KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009.
KEHL, Maria Rita. A juventude como sintoma de cultura. Em: NOVAES, Regina Novaes, VANNUCHI, Paulo (Orgs.), Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação, Rio de Janeiro, Editora Fundação Perseu Abramo, 2008, pp. 44-62.
KEHL, Maria Rita; BUCCI, Eugenio. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004.
MIGUEL, Raquel Barros Pinto. De "moça prendada à "menina super poderosa": um estudo sobre as concepções de adolescência, sexualidade e gênero na revista Capricho (1952-2003). 2005. 169 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
OLIVEIRA, Carolina dos Santos de. Adolescentes negras no discurso da revista Atrevida. 2009. 154 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2009.
PORCHAT, Patricia. Tópicos e desafios para uma psicanálise queer. Em: TEIXEIRA FILHO, Fernando et al. (orgs) Queering, problematizações e insurgências na psicologia contemporânea. Cuiabá: EDUFMT, 2013.



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