O PRECARIADO. OS ESTAGIÁRIOS E AS ESTAGIÁRIAS NOS TRIBUNAIS DE

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O PRECARIADO. OS ESTAGIÁRIOS E AS ESTAGIÁRIAS NOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA BRASILEIROS.

Nícolas Braga Fröhlich1 José Rodrigo Rodriguez2 Resumo: O presente artigo traz parte dos resultados de uma pesquisa sobre a precarização do trabalho dos Tribunais de Justiça brasileiros a partir do conceito de precariado de Guy Standing e discutido na literatura brasileira por Giovanni Alves e Ruy Braga. Diante das mais variadas percepções acerca do que é o precariado, busca-se através do diálogo entre os autores definir quem está inserido nesta “nova classe”. Conforme aduzido por Standing, os estágios fazem parte deste grupo despojado de políticas estatais, sem representatividade associativa/sindical que os represente jurídica e politicamente, além de estarem à margem das legislações trabalhistas. Portanto, buscou-se pesquisar a situação dos estagiários e estagiários dos Tribunais de Justiça Brasileiros a partir dos Relatórios Justiça em Números do CNJ e dos sítios eletrônicos dos próprios tribunais para verificar se existe a possibilidade de correlação entre estágio e precariado. Palavras-chave: Direito; Precariado; Estágio; CNJ; Tribunais;

1. INTRODUÇÃO A experiência de estágio é comum a praticamente todos os profissionais da área jurídica, especialmente durante o curso de graduação em Direito. A atividade é regulamentada pela lei especial 11.788/08, popularmente conhecida como Lei do Estágio que discrimina as situações em que é possível empregar estagiários e estagiárias e garante a eles e a elas uma série de direitos. No entanto, mesmo diante desta garantia legal, parece haver indícios de que este tipo de mão de obra esteja sendo utilizado para precarizar o trabalho no setor público, que tende a empregar estagiários e estagiárias para evitar contratar servidores e servidoras públicas efetivas. É justamente esse o objetivo deste artigo: apresentar indícios de precarização da mão de obra no setor público, mais especificamente, nos Tribunais de Justiça dos estados da federação, a partir do exame dos dados sobre o trabalho de estagiários e estagiárias organizados e divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça e pelos diversos Tribunais de Justiça do país. Trata-se de uma investigação inédita, que pretende abrir um campo de indagação ainda

Graduando do Curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Bolsista de Iniciação Científica – PPG Direito Unisinos, orientado pelo Professor José Rodrigo Rodriguez. 2 Professor da Unisinos (Graduação e Pós-Graduação) e Pesquisador do CEBRAP. 1

inexplorado no Brasil a partir de uma investigação e crítica das informações oficiais sobre o trabalho de estágio disponíveis publicamente. Guy Standing (2014), em sua obra O Precariado. A nova classe perigosa classifica os estagiários e estagiárias como parte do precariado em razão da extensão do estágio para além de seu prazo normal e da utilização desta forma de contratação para substituir trabalhadores e trabalhadoras convencionais. Com fundamento neste segundo argumento é que este artigo irá situar o trabalho de estágio no contexto do precariado. Este neologismo, como define Standing, é resultado da combinação entre “o adjetivo ‘precário’ e o substantivo relacionado ‘proletariado’”3. Esta “nova classe” em ascensão, nas palavras do autor, normalmente é constituída por trabalhadores e trabalhadoras com nível razoavelmente alto de educação formal, mas que se sentem frustradas pelo alto grau de subordinação, baixas condições de trabalho e insegurança quanto aos seus direitos (principalmente trabalhistas) já que não tem quem os represente enquanto classe (nem se sentem representados). Em contrapartida, autores como Ruy Braga e Giovanni Alves, ambos intelectuais brasileiros, partem de outra matriz teórica para definir o conceito de precariado. Na visão de ambos os autores, o “precariado” deve ser entendido enquanto grupo pertencente ao proletariado, muito embora não se assemelhe com outras camadas sociais do proletariado, como por exemplo os trabalhadores assalariados estáveis4 (ALVES, 2013). Como veremos a seguir, 15,3% (aproximadamente 41.490 estudantes) em média do corpo funcional dos Tribunais de Justiça Brasileiros é composto de estagiários e estagiárias, uma parcela significativa dos trabalhadores empregados por estas instituições. Este artigo procurou levantar, com base nos documentos oficiais disponíveis, o número de trabalhadores e trabalhadoras estagiários, as despesas dos tribunais estaduais com seus servidores e auxiliares da justiça, suas remunerações, carga horária entre outras informações. Como mencionado acima, foram utilizados os relatórios anuais do CNJ – em especial o material Justiça em Números de 2015 e 20145 – e dos dados (in)disponíveis dos Portais de Transparência ou afins dos próprios tribunais.

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STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. 1. edição. 1. reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. p. 23 4 ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do Trabalho. Ensaios de Sociologia Jurídica. Baurú: Canal 6, 2013. p. 199 5 Ressalta-se que os dados do CNJ Justiça em Números 2015 corresponde a dados apurados durante o ano de 2014; e os do CNJ Justiça em Números 2014, ao ano de 2013, e assim por diante.

Este artigo científico é fruto da pesquisa acadêmica “Luta por direitos: a paralisação dos estagiários e estagiárias do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de 2014” que está sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, sob orientação do Prof. Dr. José Rodrigo Rodriguez que procura compreender uma paralização de estagiários e estagiárias ocorrida no Rio Grande do Sul no segundo semestre de 2014. Este texto faz parte do esforço de compreensão do contexto em que a paralização teve lugar.

2. O PRECARIADO Definir o que é precariado requer bastante cautela. Guy Standing (2014) compreende em síntese o precariado como uma nova classe em ascensão sem proteção/garantias normativas, com rendimentos incertos e sem representatividade coletiva. Normalmente são jovens estudantes que estão buscando a oportunidade de um emprego formal, mas que muitas vezes acabam desenvolvendo atividades informais, de baixa remuneração, transitórias e que naturalmente frustram suas expectativas. Standing entende o precariado como uma nova classe social, fruto do desenvolvimento da globalização e da política neoliberal, resultando em uma “fragmentação das estruturas de classe nacionais”6. Para Standing a nova estrutura de classe é definitivamente fragmentada, rompendo com o conceito que define a classe trabalhadora. Sua justificativa para o surgimento desta nova classe “perigosa” é resultado da flexibilização das relações de trabalho, termo que o autor utiliza ao longo de sua obra (STANDING, 2014). Características do precariado, como instabilidade empregatícia, baixos salários, dificuldade de se organizarem coletivamente (por não terem quem os represente), forte sujeição aos empregadores, desempenho de atividades que transcendam as suas competências são algumas das marcas que definem a problemática desta “nova classe”. Este coletivo de trabalhadores e trabalhadoras, por esta razão, encontra-se na precariedade, tendo uma vida de completas frustrações diante das suas altas expectativas, como sugerido por Standing, Braga e Alves (autores que trabalharemos nesta pesquisa). Diante dessas razões, Standing ao vislumbrar o precariado enquanto nova classe em formação (conforme o próprio título convida-nos a entender), distancia-se do conceito clássico 6

STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. 1. edição. 1. reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. p. 23-24

de proletário, conforme aponta Ruy Braga em uma breve análise sobre a obra O precariado. A nova classe perigosa, aonde chama atenção para a necessária diferenciação entre o conceito de “salariado” e “proletariado”. Em nossa opinião, esta definição aproxima-se mais do conceito de “salariado” – criado pelos economistas da Escola Francesa da Regulação e enriquecido por sociólogos críticos, como o saudoso Robert Castel, por exemplo, para apreender o tipo de norma social de consumo própria ao modelo de desenvolvimento fordista – do que do clássico conceito de “proletariado” ou mesmo de “classe trabalhadora”. Nunca é demais lembrar que, para Marx, em decorrência da mercantilização do trabalho, do caráter capitalista da divisão do trabalho e da anarquia da reprodução do capital, a precariedade é parte constitutiva da relação salarial7.

Significa dizer em outras palavras, segundo o autor, que o precariado por si só já está incluso no conceito de proletariado, porém notoriamente sendo a parte precarizada (proletário precarizado) desta classe social, isto é, sem as garantias e estabilidade no trabalho que parte do proletário tem. Como é possível vislumbrar, Braga parte do conceito marxista de superpopulação relativa para conceituar a ideia de precariado (sinônimo de proletário precarizado). Aos nossos olhos, o precariado, isto é, o proletariado precarizado, é formado por aquilo que, excluídos tanto o lumpemproletariado quanto a população quanto a população pauperizada, Marx chamou de “superpopulação relativa”8.

De acordo com o autor, existem três razões para esta definição de precariado, que se diferencia da de Standing: a) permite localizar o precariado “no coração do próprio modo de produção capitalista” e não apenas como uma parte secundaria da crise do fordismo; b) compreender esse grupo como parte da classe trabalhadora e não como nova classe, e por último; c) a insegurança da relação salarial possibilita “tratar a precariedade como uma dimensão intrínseca ao processo de mercantilização do trabalho”. Em linha de raciocínio bastante próxima a Braga, porém com peculiaridades precisas, é oportuno recorrer as lições de Giovanni Alves, que define o precariado como não uma nova classe social, mas sim uma nova camada da classe social do proletariado com demarcações categoricas bastante precisas no plano 7

BRAGA, Ruy. Nova classe perigosa? Blog da Boitempo. Disponível em: Acesso em: 19 fev. 2016 8 BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 18

sociológico: precariado é a camada média do proletariado urbano precarizado, constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com inserção precária nas relações de trabalho e vida social9.

Ou seja, o conceito de precariado, neste caso, é taxativo para quem faz parte dessa nova camada da classe social do proletariado. Neste sentido, precariado consiste em um grupo munido de conhecimento formal, normalmente jovens pertencentes a classe média, porém que enfrentam a precarização nas relações de trabalho – sem qualquer entidade que os represente – e consequentemente vivem uma vida de frustrações e incertezas10 (ALVES, 2013). Estas frustrações são fruto da grande expectativa criada por esta juventude em aspirar a carreiras bemsucedidas, o que muitas vezes não ocorre, mesmo com o alto grau de conhecimento formal adquirido em cursos, formações acadêmicas e estágios profissionais. Para Alves: Deste modo, num plano sociológico, o precariado como camada social média do proletariado urbano precarizado seria constituído, por exemplo, por um conjunto de categoriais sociais imersas na condição de proletariedade como, por exemplo, jovens empregados do novo (e precário) mundo do trabalho no Brasil, jovens empregados ou operários altamente escolarizados, principalmente no setor de serviços e comércio, precarizados nas suas condições de vida e trabalho, frustrados em suas expectativas profissionais; ou ainda os jovens-adultos recém-graduados desempregados ou inseridos em relações de emprego precário; ou mesmo estudantes de nível superior (estudantes universitários são trabalhadores assalariados em formação e muitos deles, estudam e trabalham em condições de precariedade salarial)11.

Significa dizer que essa “camada média” do proletário, constituída por jovens, predominantemente, vem enfrentando dificuldades grandes na sua inserção no mercado de trabalho, aonde a grande concorrência e baixa oferta de emprego – que correspondam as suas expectativas – principalmente em tempos de crise, faz com que eles optem por empregos instáveis, precarizados e de baixa remuneração. Para melhor definir este conceito é muito importante verificar o local de fala dos autores. Standing traz inúmeros exemplos do que consiste o precariado a partir das experiências europeias, aonde, nas palavras de Ruy Braga, o capitalismo é avançado.

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ALVES, Giovanni. O que é o precariado? Blog da Boitempo. Disponível em: Acesso em 19 fev. 2016 10 ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do Trabalho. Ensaio de Sociologia do Trabalho. Bauru: Canal 6, 2013. p. 199. 11 ALVES, Giovanni. O que é o precariado? Blog da Boitempo. Disponível em: Acesso em 19 fev. 2016

(...) Standing concentra-se excessivamente na ampliação do precariado em países de capitalismo avançado, sobrando pouco espaço para a maior parte da força de trabalho mundial que se encontra submetida a condições severamente piores de precariedade laboral do que aquelas encontradas na Europa ocidental12.

Por este motivo, Braga define as lições trazidas por Standing como de suma importância, principalmente no aspecto relacionado as frustrações ocasionadas pelas incertezas do emprego. Porém, para o autor, é necessário olharmos com ressalvas para a realidade destes países ditos “desenvolvidos” e a realidade que assola os países periféricos, como o Brasil, por exemplo, aonde as condições de trabalho são significativamente piores (BRAGA, 2012). Como aduzido por Standing, esta ampliação do precariado vem se alastrando mundialmente, com características inerentes a cada país/continente (muito embora bastante semelhantes),

evidenciando

um

possível

retrocesso

nas

relações

de

trabalho

e

consequentemente afetando a vida deste grupo que se vê desamparado pelo Estado e por suas políticas sociais. Tendo o “status” de classe ou não13, é possível verificar o crescimento do precariado a partir da flexibilização das relações de trabalho, gerando insegurança não só no trabalho como na vida. Isto porque as incertezas que permeiam o precariado transcendem a relação salarial, pois notoriamente este grupo, segundo Standing, tem menos direitos e proteção social dos Estados do que os demais trabalhadores e trabalhadoras14.

3. O PRECARIADO NO BRASIL Como dito anteriormente, o precariado assume formas bastante variadas nos diversos países de economia capitalista, tanto é que Standing traz consigo inúmeros exemplos que remetem a este grupo. Em tempos de crise, porém, a fórmula é a mesma: flexibilização do mercado do trabalho, substituição dos trabalhadores assalariados por trabalhadores/as temporários, diminuição dos salários, gerando “ajustes” para manter a reprodução do capital e a ordem imposta por ele.

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BRAGA. Ruy. Nova classe perigosa? Blog da Boitempo. Disponível em: Acesso em: 19.02.2016 13 Discussão que não será feita neste artigo. 14 STANDING. Guy. O precariado e a luta de classes, Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 103 | 2014, Disponível < http://rccs.revues.org/5521> ; DOI : 10.4000/rccs.5521 Acesso em: 19 fev. 2016

A crise capitalista, portanto, longe de beneficiar a sua classe antagônica, precariza, inibe e submete ainda mais o trabalhador e suas lutas aos ditames do sistema do capital, contribuindo até para criar as melhores condições para os ajustes e as (contra) reformas estruturais necessárias para assegurar a reprodução ampliada do capital e o processo de acumulação (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2011, p. 21215).

Diante disso, é possível constatar que os momentos de crise do capitalismo são acompanhados de inúmeros retrocessos sociais, mesmo que estes não sejam necessariamente explícito, ou seja, mesmo que não haja a percepção do quão perverso e prejudiciais essas transformações podem ser aos trabalhadores e às trabalhadoras. De toda forma, a realidade dos países de capitalismo avançado ainda é bem diferente dos países periféricos, oportunamente salientado por Ruy Braga. Se a precariedade parece estar se transformando em um “registro ‘regular’ da organização do trabalho” (Castel), ameaçando décadas de institucionalização de direitos sociais nos países capitalistas avançados, a verdade é que ela nunca deixou de ser a regra na periferia do sistema16.

Por esta razão, é importante contextualizamos e vislumbrarmos o precariado brasileiro para a realidade latino-americana, onde o neoliberalismo provocou profundas feridas aos direitos sociais e coletivos, inclusive com ditaduras sangrentas que assolaram a América Latina ao longo do século XX. Muito embora a fórmula nos tempos de crise (explicitada no primeiro parágrafo) seja a mesma, seus efeitos aos países periféricos, são ainda mais vorazes e tenebrosos, conforme sugere o autor. Braga ainda salienta que com a assunção do Partido dos Trabalhadores ao governo brasileiro, surgiu uma “reformalização do mercado de trabalho durante a década passada que, somada a um crescimento econômico (...) de 4,1% ao ano, redundou em uma incorporação anual de aproximadamente 2,1 milhões de novos trabalhadores ao mercado formal” 17. Inegavelmente, o aumento do emprego intensificou radicalmente a economia brasileira, além de melhorar o padrão de vida de muitos desempregados e desempregadas, gerando um novo padrão de consumo (BRAGA, 2014). Em contrapartida, destes novos postos de trabalho a

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MONTAÑO, Carlos. & DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, Classe e Movimento Social. Biblioteca Básica de Serviço Social; v. 5. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p.213. 16 BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 19 17 BRAGA, Ruy. Precariado e sindicalismo no Brasil contemporâneo: Um olhar a partir da indústria do call center. Revista Crítica de Ciências Sociais. 2014. p. 32 25-52. Disponível em: ; DOI: 10.4000/rccs.5532. Acesso em 07 mar. 2016.

grande maioria era de remuneração baixa, o que levou o autor a concluir que “o crescimento econômico da década passada se apoiou sobre o trabalho barato”18. Para Alves, a camada social do precariado ou os proletários jovens-adultos altamente escolarizados19 encontram muita dificuldade na procura de emprego que correspondam ao seu alto nível de educação formal – e por isso, maiores salários – levando muitos a desenvolverem atividades abaixo das suas expectativas para conseguirem mais experiência e um futuro melhor para suas carreiras profissionais (ALVES, 2013). Quando esta expectativa não se concretiza, surge uma grande frustração a estes jovens trabalhadores e trabalhadoras que estão munidos de conhecimento formal, porém com poucas (ou nenhuma) perspectivas de crescimento profissional. Situação que remete as frustações profissionais podem ser observadas nos milhares de bacharéis em direito que não conseguem passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Muito embora não seja objeto desta pesquisa, a situação destes bacharéis em direito gera um excedente de mão de obra precarizada que não poderá exercer a atividade advocatícia de forma plena, segundo o artigo 3º do Estatuto da Advocacia e a OAB20. Apenas a título de curiosidade, o XXI Exame da OAB, realizado em 27/11/2016, teve índice de aprovação de 16,67%, segundo matéria publicada pelo portal eletrônico Gazeta do Povo em 29 de novembro de 2016: Do total de 118.217 examinandos inscritos para a primeira fase, 114.763 estiveram presentes e, destes, 19.134 conseguiram êxito na prova, o que representa um porcentual de aprovação de 16,67% entre os presentes, segundo dados da própria OAB21. Embora a precarização aparente ser exclusiva dentro do setor privado, Standing sugere que esta prática também é adotada dentro do serviço público. Nas palavras de Standing, “Os governos também estão agindo mais como empresas no seu trato aos servidores públicos” (2014, p.88). O exemplo disso são os estagiários do poder judiciário (que trataremos a seguir 18

BRAGA, Ruy. Precariado e sindicalismo no Brasil contemporâneo: Um olhar a partir da indústria do call center, Revista Crítica de Ciências Sociais. Disponível em: ; DOI: 10.4000/rccs.5532. Acesso em: 29 mar. 2016. p. 32 19 Conceito abstraído do autor Giovanni Alves 20 Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). BRASIL. Lei nº 8.906/94. Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em: Acesso em 08 mar. 2017 21 MARTINS, Kamila Mendes. 1ª fase do XXI Exame de Ordem pode ter sido a mais dos últimos 4 anos. Gazeta do Povo. Publicada em 29 nov. 2016. Disponível em: < http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-e-direito/1-fase-do-xxi-exame-de-ordem-pode-ter-sido-a-mais-dificil-dos-ultimos-4-anos85td9cvkze7crsuib3rwm8iqj> Acesso em: 08 mar. 2017.

com maior precisão), que totalizam aproximadamente 42.000 trabalhadores e trabalhadoras só nas justiças estaduais e onde são gastos supostamente R$390.278.992 dos R$37.598.870.63222 de despesas que os tribunais estaduais somados têm (ou seja, são gastos apenas 0,01% das despesas com estagiários e estagiárias). 4. O ESTÁGIO E O PRECARIADO Será possível relacionar estágio com o Precariado? Para Guy Standing, a ideia de estágio “vendida” aos jovens e seus respectivos familiares é de crescimento futuro e de acumulo de experiência, porém, conforme propõe, seria necessário olharmos de forma bastante criteriosa quanto as reais intenções da utilização da mão de obra estagiária. As propostas de estágio segundo o autor "são apresentadas como uma forma de ganhar experiência útil destinada a fornecer, direta ou indiretamente, uma entrada potencial para um emprego regular"23 completando que Na pratica, eles são utilizados por muitos empregadores como meio de obter trabalho disponível barato. No entanto, os jovens estão competindo ferozmente por estes estágios não remunerados ou com remuneração muito baixa, na esperança de se ocuparem, adquirirem habilidades e experiências, expandirem redes e, apenas talvez, obterem esse emprego enganoso24.

Ainda de acordo com Standing,

Nos Estados Unidos, os estagiários podem arrecadar auxílios de desemprego de cerca de 400 dólares por mês, contando que possam alegar que estão procurando emprego. Ser um estagiário disfarça o desemprego, proporciona um emprego artificial e melhora currículos. A lei federal proíbe o uso de estagiários como substitutos de empregados regulares. Mas isso é difícil de verificar. Para evitar complicações legais, algumas empresas limitam os estágios que valem créditos para os estudantes. Assim, alguns jovens trabalhadores se inscrevem nas escolas só para terem a permissão de fazer estágios (p. 121) (...) O plano de Estágio Administrativo na Coreia do Sul, criado em 2008, oferece trabalho temporário para os graduandos, que são colocados como estagiários nos departamentos governamentais ou órgãos públicos por até 11 meses. Os 22

Ver tabelas e gráfico elaborados com dados do CNJ sobre as despesas e o número de estagiários e estagiárias dentro das justiças estaduais. 23 STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. 1. edição. 1. reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. p. 120 24 STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. 1. edição. 1. reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. p. 120

estagiários não são reconhecidos como servidores públicos, não cobertos pela Lei de Normas Trabalhistas (Labour Standard Act) ou pela Lei Oficial do Governo (Government Official Act), estão proibidos de serem empregados como funcionários públicos depois de estarem no programa, não podem ser convertidos em empregados de tempo integral e recebem pagamento abaixo do salário mínimo.

Standing considera que mesmo que haja um pagamento para as atividades realizadas em estágio, os mesmos estão fazendo um trabalho sem perspectivas de progresso, “que pressiona para baixo os salários e as oportunidades de outros que normalmente poderiam ser empregados”25. É essa expectativa de crescimento profissional aliada com a posterior frustração de não realizar estes anseios que leva o precariado a um estado de precarização profissional e existencial permanente. Neste sentido, o estágio de fato pode beneficiar alguns jovens na hora de procurar um emprego estável – com garantias trabalhistas, melhor remuneração, propensão de crescimento – porém, segundo Standing, o investimento pago pela família do (a) estagiário (a) é incerto, ou é visto "como comprar um bilhete de loteria"26. Alves define o precariado como “geração casinha dos pais” pois estes não conseguem autonomia financeira, vivendo e necessitando da proteção dos pais/familiares, o que se pressupõem ocorrer por exemplo com muitos estagiários e estagiárias. Na medida em que são a ‘geração casinha dos pais’, os ‘precários’ não conseguem completar o ciclo de socialização da vida adulta tendo em vista que mantêm laços de dependência familiares. A incompletude da socialização adulta dos ‘jovens-adultos-flexíveis’, com o prolongamento do tempo de juventude, tende a ter implicações sociais, culturais e psicológicas sobre o modo de ser/estar ‘precário’27.

Não significa dizer que estes jovens trabalhadores e trabalhadoras obrigatoriamente vivam na casa dos pais, de acordo com nossa interpretação, mas a falta de autonomia financeira e incertezas que tendem a ser constantes em suas vidas, prejudicam a construção de seus próprios rumos28. Porém, para se comprovar tais afirmações seria necessário, ao nosso entendimento, um estudo etnográfico ao qual não foi feito pelo autor. Lembrando que para Alves, o precariado, é um grupo precisamente constituído por “jovens-adultos na faixa etária

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STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. 1. edição. 1. reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. p. 121 26 STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. 1. edição. 1. reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. p. 122 27 ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do Trabalho. Ensaio de Sociologia do Trabalho. Bauru: Canal 6, 2013. p. 199. 28 Para comprovação destas informações, é necessária pesquisa empírica que comprovasse tal informação.

dos 20-40 anos, altamente escolarizados e ‘pobres’ na acepção convencional, isto é objetivamente inserido em estatutos salariais precários”. Por esta razão parece difícil não associar os trabalhadores e trabalhadoras estagiários com o precariado. No Brasil, os estágios estão regulamentados pela Lei nº 11.788/0829, popularmente conhecida como Lei do Estágio. Já no seu primeiro artigo é destacado que o estágio “é ato educativo supervisionado”, tendo o legislador o cuidado de não vincular esta atividade como emprego/trabalho. Ainda quanto ao estágio, importante destacar a sua transitoriedade, visto que a respectiva lei determina que os vínculos sejam de no máximo 2 (dois) anos, conforme o artigo 11, havendo exceção para trabalhadores com deficiência. Por estas razões, podemos perceber as dificuldades que os estagiários e estagiárias tem para reivindicar seus direitos (existentes e inexistentes), principalmente pela falta de representatividade, pela transitoriedade dos estágios e pela relação de extrema submissão aos empregadores. Talvez o fato mais importante que a lei traz para evitar a substituição da mão de obra de trabalhadores assalariados estáveis por estagiários e estagiárias é o disposto no artigo 17, incisos, que delimita a quantidade destes profissionais atuando em empresas ou repartições públicas. Segundo dispõe o artigo 17 da Lei nº 11.788/08: Art. 17. O número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal das entidades concedentes de estágio deverá atender às seguintes proporções: I – de 1 (um) a 5 (cinco) empregados: 1 (um) estagiário; II – de 6 (seis) a 10 (dez) empregados: até 2 (dois) estagiários; III – de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados: até 5 (cinco) estagiários; IV – acima de 25 (vinte e cinco) empregados: até 20% (vinte por cento) de estagiários.

Para o caso dos Tribunais de Justiça, verifica-se que o número de servidores e servidoras ultrapassa, em um panorama geral, o limite de 25 “empregados”, conforme o inciso IV. Portanto, tal número faria com que o percentual de estagiários ficasse restrito a 20% do total de trabalhadores e trabalhadoras. Ocorre que, conforme o §4º do respectivo artigo, tais limites não são aplicados aos estágios de ensino médio profissional e ensino superior.

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BRASIL. Lei n. 11.788/08. Disponível 2010/2008/lei/l11788.htm> Acesso em: 01 abr. 2016

em:

Acesso em 14 dez. 2016.

Ocorre que a escassez de informações dificulta significativamente um maior controle legal sobre as instituições concedentes de vagas de estágio. No caso em questão, a ausência de informações se demonstra como dado preocupante, sobretudo quando questionamos como o estágio vem sendo aplicado, tanto no setor público – no caso em questão, aos Tribunais de Justiça – quanto ao setor privado.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreender o conceito de precariado a partir das concepções trabalhadas sinteticamente neste artigo, facilitou-nos a entender a problemática que permeia os estagiários e estagiárias e o mundo do trabalho. Diante da importância do tema, este estudo procurou contribuir para o debate que permeia as definições do que seria o precariado, quais suas características, sua imersão na condição de proletariedade ou não, e suas frustações em decorrência da flexibilização de seus direitos e de sua vida ao analisar o trabalho de estágio no Brasil como componente do precariado. Como explicamos acima, de acordo com as informações obtidas, disponíveis para o público, há um crescimento do número de trabalhadores e trabalhadoras em vínculo de estágio no Poder Judiciário, conforme o Relatório Justiça em Números 2015 do CNJ40, fato que podem apontar para a utilização desta mão de obra no lugar da contratação de servidores e servidoras públicas efetivas. Por fim, o Poder Judiciário conta ainda, com o apoio de 139.298 trabalhadores auxiliares, que se dividem entre 70.830 terceirizados (51%), 60.241 estagiários (43%), 6.427 conciliadores (5%) e 1.800 juízes leigos (1%). A contratação de auxiliares tem crescido e chegou a acumular variação de 60% no sexênio, embora de apenas 2,4% entre 2013 e 2014. Tais variações foram devidas, principalmente, ao crescimento da contratação de estagiários e de terceirizados.

Diante destes indícios, mostra-se ainda mais importante avaliar o estágio com um olhar crítico que vá além da formalidade da lei e leve em conta dados empíricos sobre a utilização do estágio no setor público e no setor privado. Análises como estas, diga-se, nunca foram feitas no

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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2015 (ano-base 2014). Disponível em: Acesso em: 21 jan. 2016

Brasil, daí a escassez de bibliografia sobre o tema. Afinal, como afirma Standing, a instabilidade empregatícia, baixa remuneração, dificuldade de organização coletiva, forte sujeição aos empregadores, desempenho de atividades que transcendam as suas competências são apenas alguns problemas que os trabalhadores e trabalhadoras precárias enfrentam. Lembrando ainda que esta realidade, segundo Braga, é ainda pior nos países periféricos. Como este artigo demonstrou, os estagiários e estagiárias representam 15,6% de toda a força de trabalho dos tribunais (incluindo aqueles/as profissionais que não tem influência no andamento de processos e organização direta das varas e seus procedimentos internos), havendo indícios de aumento na contratação deste tipo de mão de obra pelos Tribunais de Justiça ao redor do país. Porém, diante da insuficiência de informações tanto dos relatórios do CNJ quanto das informações dos próprios portais eletrônicos é difícil chegar a conclusões precisas sobre a situação dos estagiários e estagiárias. A ausência de dados demonstra uma situação preocupante para o controle desta atividade. Por esta razão, é função do poder público enquanto empregador destes jovens preocupar-se com as informações prestadas à população, de acordo com as diretrizes da Lei 12.527/11, popularmente conhecida como Lei de Acesso à Informação. Com este texto, nossaintenção é ampliar o estudo e debate acerca de nossa juventude, que muitas vezes encontra dificuldades de inserção no mercado de trabalho, mesmo que tenha um alto grau de conhecimento formal. Tal situação evidencia um problema grave enfrentado pelos trabalhadores, sobretudo os mais jovens, que podem não ver assuas expectativas correspondidas nesta lógica flexível do novo, porém velho, mundo do trabalho.

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