O Prelúdio: As Esquerdas na Redemocratização da América Latina

June 5, 2017 | Autor: Luiza Cerioli | Categoria: Latin American Studies, Latin American Left
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O Prelúdio: As Esquerdas na Redemocratização da América Latina Jéssica da Silva Höring1 Livi Gerbase2 Osvaldo Alves3 Resumo: O artigo trata sobre a ascensão dos movimentos democráticos e de esquerda na região latino-americana no século XXI. O objetivo é traçar um amplo panorama, de como a esquerda na América Latina saiu dos processos de formação e, muitas vezes, luta armada, para constituir-se em força política governante em grande parte dos países latinos. Com este intuito, analisar-se-á como se deu esse proceso a partir de estudos de caso de 114 países da América-Latina. Demonstra-se que não foram os movimentos de guerrilha que garantiram a ascensão dos partidos e alianças de esquerda. Como tendência geral, a esquerda consolidou-se na região através de um projeto democráticopopular, que, ao mesmo tempo, conseguiu atrair maiores parcelas do eleitorado e estabelecer-se como cultura política hegemônica na região. Palavras chave: América Latina, redemocratização, esquerda

1. Introdução: a ascensão das esquerdas Este artigo pretende retratar parte do que foi o processo de ascensão e consolidação dos movimentos democráticos e de esquerda na América Latina. Este

guia servirá como uma

discussão inicial e está coordenado com o esforço posterior, de análise destas esquerdas já nos governos nacionais, que será tratado no próximo capítulo deste livro. O objetivo deste capítulo, portanto, é traçar um amplo panorama de como a esquerda constituiu-se em força política governante em grande parte da América Latina. É importante ressaltar que serão escolhidos apenas alguns países emblemáticos para a região. Será apresentada uma divisão, definida por critérios didáticos, destes estudos de caso em três regiões: região do Cone Sul (Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile) e o Brasil; a região Andina (Venezuela, Bolívia e Equador);

e América Central e Caribe, onde analisamos suas

tendências mais gerais como um conjunto, mas tratando com maior enfoque os casos de Cuba, Granada, Guatemala, Nicarágua, Panamá e El Salvador). Como macro-tendências, percebe-se que, após o período de redemocratização e normalização institucional destes países, a maior parte adotou o chamado Consenso de Washington, inaugurando um período de forte ascensão ideológica do neoliberalismo, do qual a 1

Graduanda de Relações Internacionais da UFRGS. E-mail: [email protected]. Graduanda de Relações Internacionais da UFRGS. E-mail: [email protected]. 3 Graduando de Relações Internacionais da UFRGS. E-mail: [email protected]. 2

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América Latina foi laboratório e algoz.4 Paralelo à ascensão neoliberal, os partidos e movimentos gerais de esquerda passaram a se articular em diversos fóruns, como o Foro de São Paulo, inaugurado em 1990, que passou a gerar consensos e críticas amplas dos setores de esquerda latinoamaericanos ao status quo neoliberal. A partir dos anos 2000, a equação se inverte, e os movimentos de esquerda que antes faziam oposição passam a adentrar os espaços de governos nacionais e a alterar, de maneira mais ou menos dramática, as convenções econômicas então vigentes e os cenários sociais da região. A entrada da esquerda na estrutura estatal latinoamericana, porém, não ocorreu como processo geral por uma via violenta, e sim por eleições democráticas, processo que será melhor desenvolvido neste artigo. 2. Visão geral do período: os anos 1980 e 1990 As ditaduras que marcaram a América Latina durante os anos 1960 e 1970 foram muitas vezes uma resposta à ascensão de movimentos sociais. Podemos identificar estes movimentos com a esquerda na política (sindicatos, partidos progressistas, movimentos estudantis). Essa resposta ocorreu mesmo em países onde estes movimentos de esquerda não tenham alcançado o poder de fato. Foram articuladas duas respostas a essa ascensão: primeiro, os partidos políticos dominantes começaram a inserir algumas pautas sociais nas suas agendas de governo. A segunda resposta foi a repressão a esse movimentos, sendo essa medida fortemente apoiada financeira e militarmente pelos Estados Unidos. Quando a esquerda - tanto seus partidos, quanto suas ideias mais radicais - começou a se inserir na disputa política, a resposta muitas vezes foi o engendramento de golpes militares e o estabelecimento de ditaduras conservadoras, alinhadas aos EUA. Com as ditaduras no poder, a resposta a tais movimentos foi a dura repressão. Frequentemente, esta repressão levou à dispersão dos grupos de esquerda e a morte de seus líderes. Apesar disso, é possível identificar duas modalidades de oposição às ditaduras pela esquerda: a luta armada, que pode ser subdividida entre a guerrilha rural



cujo expoente

brasileiro é o Partido Comunista do Brasil (PC do B) — , e a guerrilha urbana



que tem como

exemplos no Brasil o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) e a Ação Libertadora 4

O Consenso de Washington foi um receituário de políticas macroeconômicas neoliberais, criado por instituições financeiras internacionais baseadas nos EUA. Na prática, foi um conjunto de medidas adotadas na maior parcela dos países latino-americanos desde 1990. Suas dez regras principais são a base do que se entende por neoliberalismo, e pregam, entre outras, a redução dos gastos públicos, a desregulamentação dos mercados de câmbio e juros, enxugamento do Estado através das privatizações, etc.

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Nacional (ALN) e, na Argentina, os Montoneros — ; e uma frente democrática, que acreditava nas manifestações pacíficas e na pressão rumo à democracia



no Brasil, este teria sido o caminho

escolhido por partidos como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido dos Trabalhadores (PT); já no Uruguai, o exemplo foi a Frente Ampla. No início dos anos 1980, os regimes militares sofreram um grande desgaste interno e externo que desembocou no processo de redemocratização. A crise da dívida do Terceiro Mundo, causada pela crise mundial pós-choque do petróleo e pela elevação na taxa de juros dos EUA, provocou uma drenagem de recursos no sentido Sul-Norte que afetou economicamente grande parte dos países latino-americanos. 5 Outros fatores de expansão da crise são o esgotamento do modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações que acelerou a crise e a inflação crescente, a qual vai empobrecendo as classes trabalhadoras. 6 7 Como fatores externos, consolidou-se entre os países ocidentais uma visão de que os regimes militares gradualmente tornaram-se muito nacionalistas, não se alinhando com a nova fase neoliberal da economia mundial. Deve-se também citar pressões econômicas externas, como a fuga de capitais estrangeiros e a imposição das condicionalidades do Fundo Monetário Internacional (FMI) para serem feitos empréstimos a países em desenvolvimento. Cada vez mais os regimes militares perdiam o apoio externo necessário para sua legitimação e para executar sua repressão interna. Com o desgaste interno e externo, os movimentos de oposição começaram a ter maior expressão. Movimentos tanto à esquerda quanto à direita buscaram, na maioria dos

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O Choque (ou crise) do Petróleo de 1973 foi a drástica elevação dos preços do produto realizado pelos países que compunham a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo, criada em 1960), quando o preço médio do barril no mercado internacional passou de 3 para 12 dólares. Indiretamente, isso gerou um forte gargalo no desenvolvimento dos países periféricos, que baseavam a matriz energética de sua crescente industrialização na importação do petróleo barato. No Brasil, apesar do grave problema no balanço de pagamentos devido ao aumento repentino do custo das importações (petróleo), a política econômica adotada foi de manutenção de uma estratégia que privilegiava o crescimento econômico ao invés do ajustamento. Isso foi possibilitado sobretudo pela alta liquidez no mercado internacional, o que proporcionava os capitais necessários aos investimentos no país, adquiridos sobretudo através de empréstimos internacionais. Com a eclosão do 2º Choque do Petróleo, em 1979, somado ao aumento da taxa de juros nos EUA, o Brasil passou a enfrentar um superendividamento, o que será uma das causas da chamada “década perdida” nos 1980. 6 O modelo de substituição de importações é uma política econômica que foi aplicada em parte dos países latinoamericanos a partir dos anos 1930. A política busca um incremento da produção industrial nacional em detrimento das importações de produtos dos países desenvolvidos. Para isso, é necessário comprar bens de capital (maquinários) dos países desenvolvidos. Quando os produtos primários perdem valor de mercado, é mais difícil comprar bens de capital, dificultando a aplicação deste modelo. 7 O empobrecimento das classes trabalhadoras, especialmente quando vinculadas a setores tradicionais da economia nacional, tende a direcionar a maior parte da população para atividades informais e autônomas, mais alheias aos movimentos sindicais e partidários. Nesse sentido, é possível ver uma relação entre o empobrecimento das classes populares e o e enfraquecimento da organização dos movimentos de esquerda (CARR & ELLNER, 1993).

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países latino-americanos, soluções negociadas para o retorno à democracia, evitando grandes rupturas (MOREIRA et al, 2010). Vale ressaltar que a América Central não está nesse movimento de desgaste das ditaduras nos anos 1980, visto que esta década foi marcada pelo forte intervencionismo norte-americano na região, que apoiava militarmente quem estivesse contra os partidos e movimentos de esquerda. O ápice desta política foi a invasão em Granada, em 1983, melhor explicada no decorrer deste artigo. O anticomunismo aliado ao apoio a regimes autoritários mantinha a maior parte da atenção dos EUA na América Central, enquanto no resto do continentre abria-se espaço para os processos de redemocratização. A eleição de Jaime Roldós no Equador em 1979 abriu o processo de redemocratização na América Latina, que se expandiria na década de 1980. Devido à transição política ser negociada entre elites para garantir a continuidade destes grupos no poder, somado ao medo de parte do eleitorado de um novo golpe, a estabilidade foi preferida à representatividade, e dessa forma foram eleitos governantes com posições políticas e econômicas conservadoras (SILVA, 2008). A maioria destes governos eleitos inicia o período neoliberal se ajustando à conjuntura econômica internacional e aplicando medidas de desregulamentação. Na América Latina, os governos lutaram contra a crise fiscal, regularam os sindicatos, realizaram a abertura econômica e criticaram o projeto desenvolvimentista (MOREIRA et al 2010, p. 303). A partir do final da década de 1990 as crises financeiras e as fragilidades econômicas dos países da América Latina contribuíram para a crise do neoliberalismo na região. Mas outros acontecimentos também estavam articulados, como a queda da União Soviética em 1990, o unilateralismo norte-americano dos anos 2000 e as sucessivas crises financeiras mundiais (MOREIRA et al, 2010). A queda da União Soviética (URSS) causa a diminuição do apoio econômico dos EUA à América Latina, pois esta região perde relativamente sua importância estratégica. Desta forma, com o neoliberalismo se mostrando ineficiente para resolver a crise econômica, discursos de oposição ganham força no debate eleitoral. Nesse cenário emerge a alternativa de esquerda, que ganha voz por ser uma oposição à tradição econômica e política dos países latino-americanos, ao mesmo tempo em que procura aprofundar os processos democráticos no continente. A nova conjuntura, porém, fez a esquerda repensar sua agenda política. A queda da URSS implicou uma mudança ideológica dos movimentos de esquerda na América Latina. O capitalismo foi tacitamente aceito como o sistema vitorioso. A oposição ao neoliberalismo e à crise não seria o comunismo e a revolução, e sim o crescimento econômico e 4

a radicalização da democracia a partir da participação cidadã e da solidariedade social (MALLO, 2000). Essa nova agenda política pode ser interpretada como uma incorporação de pautas mais ao centro do espectro político, ainda que muitas propostas tradicionais de esquerda tenham se mantido, e garantiram que os partidos não perdessem seu antigo eleitorado: as reformas sociais, a redistribuição de renda, a inclusão de grupos minoritários, a política externa pragmática nãoalinhada ao centro e com um projeto de integração da América do Sul e Latina, entre outros. Com essa inflexão, esquerdas por toda a América Latina ascendem ao poder, principalmente durante os anos 2000. Não são os movimentos de guerrilha que garantem essa vitória; quem ascende ao poder é uma esquerda democrática, que não entra em uma confrontação direta com o sistema capitalista de poder e que, aos poucos, insere neste suas próprias políticas (CARR; ELLNER, 1993). 3. Cone Sul e Brasil 3.1 Brasil A esquerda esteve presente na história brasileira durante todo o século XX e foi constantemente alvo de repressão (PACHECO, 2000, p.8). As experiências de contestação anarquistas do começo do século foram gradualmente substituídas pela organização de partidos de esquerda. O PCB foi fundado em 1922 e foi até o final da década de 1970 o maior partido de esquerda do Brasil. Durante a maior parte de sua trajetória, o partido possuiu um discurso de desenvolvimento pacífico e democrático, lutando sempre por sua legalidade pelas eleições como meio de se alcançar o comunismo.8 A ascensão ao poder de João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em 1961, foi interpretada pelo PCB como uma vitória, pois, para o partido, as pautas sociais de Jango mostravam-se em sintonia com as do PCB, o que indicaria a este ser possível chegar pela via democrática ao comunismo.9 Entretanto, o PCB subestima a capacidade da reação conservadora a Jango, se surpreendendo com o golpe de 1964 (PACHECO, 2000, p. 822).

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O partido já foi posto na ilegalidade três meses após sua criação, em 1922. Os períodos nos quais o PCB será legal são: seis meses no mês de 1927; 1945-1947; 1985-atualmente (PCB, 2013). 9 O PTB foi um partido criado por Vargas em 1945. Ele faz parte da tentativa do líder de manter a sua base de sustentação no período pós-Estado Novo: enquanto o PTB atrairia as classes proletárias, o Partido Social Democrático (PSD) estaria alinhado às oligarquias rurais. Ambos partidos não possuíam vínculos com o socialismo.

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Durante a ditadura (1964-1985) foi instaurado o bipartidarismo, o que buscava dar algum aspecto de legitimidade ao governo, com a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) englobando os parlamentares ligados ao regime e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) servindo como uma oposição moderada. O PCB, que se propunha a lutar pela democracia por meios pacíficos, sofreu uma cisão, e as facções dentro do partido que acreditavam na luta armada saíram deste para fundar o PC do B, adotando o maoísmo como teoria política. Além do PC do B, surgiram outros movimentos que se utilizaram da luta armada, como a ALN, o MR8 e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). A desunião entre os movimentos de oposição ao regime militar e a forte repressão a esses levaram a uma hegemonia da ditadura sobre a esquerda brasileira nos primeiros dez anos do regime (PACHECO, 2000). Entre 1973 e 1975, um terço do comitê central do PCB foi assassinado, além de centenas de militantes (PCB, 2013). A partir de 1977, com a desaceleração do milagre econômico brasileiro e com o começo de uma crise dentro do sistema capitalista mundial, as bases do regime militar começam a ser contestadas, e despertam manifestações populares de oposição ao regime. Esses movimentos, porém, não estavam ligados ao PCB ou a ideários comunistas, que se encontravam em declínio, e sim aos sindicatos e ao operariado (PACHECO, 2000, p.252-260). Os acontecimentos chave dessa nova força política foram as greves no ABC paulista, lideradas por Luís Inácio (Lula) da Silva. Essas greves vão passar do âmbito de lutas sindicais para adquirirem um caráter nacional de reivindicação por democracia, atraindo intelectuais e dissidentes do PCB e de outras correntes do espectro de esquerda brasileiro. Lula, ao perceber a magnitude das greves e o momento brasileiro de transição à democracia, articula a formação do PT.10 Lula acreditava que não era benéfica a associação com o comunismo, por mais que entendesse que as reivindicações dos movimentos sindicais eram muito similares às bandeiras comunistas (PACHECO, 2000, p.252-260). Com o apoio de líderes e massas sindicais e de políticos de 17 estados brasileiros, o PT é fundado em 1980. O partido, desde o começo, mantém diversas correntes em sua estrutura interna, de sindicalistas a intelectuais, de trotskistas a socialdemocratas. Seu eixo principal, porém, está na luta pacífica e democrática pela ascensão ao poder, mostrando que o partido repetiu o PCB em relação aos objetivos políticos. O PT será o primeiro partido de esquerda que viverá na legalidade, sem sofrer dura repressão, e sua expansão será muito rápida na política brasileira (PACHECO, 2000). 10

Em 20 de dezembro de 1979 o bipartidarismo foi abolido a partir da Lei de número 6.767.

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Com o desgaste do regime militar, o presidente João Figueiredo aprofunda a transição conservadora planejada já no governo Ernesto Geisel, uma transição “lenta, gradual e segura”. O regime abre-se ao multipartidarismo, em uma tentativa de dividir a oposição. A antiga Arena aglutinou-se no Partido Democrático Social (PDS), enquanto a oposição dividiu-se entre o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) - principal herdeiro do MDB -, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o PTB e o PT, com o PCB e o PC do B permanecendo na ilegalidade (TRINDADE, 1991). As primeiras eleições no período pós-ditadura, em 1985, serão indiretas, e a vitória do PMDB com Tancredo Neves garante a estabilidade da transição conservadora. Apesar de Tancredo ser relativamente legitimado pelas massas, o PMDB, principalmente a partir da morte de Tancredo e a ascensão de Sarney, foi perdendo legitimidade a partir de sucessivos planos falhos de contenção da crise e da inflação (TRINDADE, 1991). As eleições diretas de 1989 são a primeira oportunidade do PT de ascender ao executivo. A força dos movimentos sociais e sindicais apoiados no PT intimidam as elites conservadoras que, então, apoiam a candidatura de Fernando Collor de Mello, de um partido menor de direita, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN). A partir de uma campanha midiática intensiva em favor de Collor, este ganha o segundo turno por 49% contra 44% de Lula. No começo de seu governo, são introduzidas práticas neoliberais no Brasil, ainda que não de forma hegemônica devido à resistência da burguesia nacional e dos movimentos sociais (MOREIRA et al, 2010). A partir dessa derrota, e, principalmente, da posterior derrota em 1994, o PT muda o seu discurso político e seu padrão de alianças. Até então, o PT seguia um discurso classista, baseado nos operários e na sua luta contra o capitalismo. A política de alianças para governabilidade era repudiada e o socialismo era o objetivo final do partido: “queremos que os trabalhadores sejam donos dos meios de produção”, dizia Lula (FREITAS, 2012, p.19). Com a derrota de 1994 para Fernando Henrique Cardoso (do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB), o classicismo estava superado. É implantada a ideia de uma revolução política, que se daria a partir de um programa democrático, nacional e popular, necessário para derrotar o neoliberalismo (FREITAS, 2012). A partir de então, a palavra socialismo aparece cada vez menos nos discursos petistas. Para as eleições de 2002, o PT estava preparado para a vitória. Tinha ao seu lado a crise econômica de 1999, que colocou em cheque a eficácia do modelo econômico neoliberal de Cardoso. Seu discurso prometia ganhos sociais para as populações mais carentes e um papel destacado do Estado na economia, mas não almejava romper com a ortodoxia econômica, principalmente com os pilares do Plano Real. Além disso, pela primeira vez o PT se alia com 7

partidos mais conservadores, como o Partido Liberal e o Partido da Mobilização Nacional, além dos tradicionais partidos de esquerda, PCB e PC do B. Dessa forma, e com todas suas contradições, Lula é eleito dia 27 de outubro de 2002, consolidando a primeira grande vitória do novo projeto das esquerdas no Cone Sul. 3.2 Argentina A imagem de Perón marcou permanentemente o paradigma da história política argentina. Ao redor da figura de Perón, um militar que chegou ao poder a partir de eleições em três ocasiões (1946-1952, 1952-1955, 1973-1974), é formado um pacto nacional, que agregava as massas e as elites, progressistas e conservadores. Com sua morte, em 1974, o seu maior legado, o Partido Justicialista (PJ), herda essa abrangência peronista, e são filiados a ele correntes de todos os espectros políticos. O segundo partido mais importante do país, a União Cívica Radical (UCR), fundada em 1891, é um partido de classe média social-democrata que, a partir de Perón, se caracteriza pela oposição a sua figura e ao PJ. Visto que os partidos não possuem bandeiras ideológicas bem definidas, uma característica da política argentina é o personalismo, que pode ser definido como a identificação dos anseios populares nas ações do líder do executivo (MALLO, 2000), e não nos partidos ou movimentos sociais. Uma segunda característica geral da história política argentina seria a instabilidade democrática. O país já passou por cinco períodos militares, sendo o último em 1976-83. Os setores militares, ao contrário de processos como o brasileiro, não planejaram uma saída do poder, e as tentativas de recuperar a popularidade a partir da Guerra das Malvinas (abril-junho de 1982), evidenciam isso. Com a derrota na guerra, a situação torna-se insustentável, e o presidente militar que assume em julho de 1982, Reynaldo Bignone, encaminha o processo de transição democrática. Em outubro de 1983, a UCR conquista a maioria absoluta dos votos. Raúl Alfonsín, o novo presidente (1984-1989), não evitou a hiperinflação e a crise econômica (MALLO, 2000, p. 176-193). Nas eleições seguintes, o PJ volta ao poder, a partir de Carlos Saul Menem (19891999), que prometia controlar a crise econômica. Menem se aproxima dos EUA e aplica o receituário neoliberal, aprofundando a crise e reduzindo sua popularidade (MOREIRA et al, 2010).

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Em um cenário de políticas de privatização, oito deputados do PJ se afastam do partido para criar uma opção à esquerda para a política argentina, originando a Frente País Solidario (FREPASO), partido de esquerda formado em 1994. A partir da expansão do seu eleitorado, o partido se une com a UCR e cria a Alianza por el Trabajo, la Justicia y la Educación, que coloca Fernando de La Rúa no poder em 1999. A Alianza terá sérios problemas para governar o país devido às grandes diferenças entre os dois partidos que a compõem (KOESSL, 2009). Não conseguindo evitar a crise política e econômica, de la Rúa renuncia em 2001 e, com ele, a Alianza é desintegrada e a FREPASO, desmanchada. Com a renúncia, se sucedem, a partir de eleições indiretas, quatro presidentes em um ano e meio, e o PJ se mostra, portanto, a única alternativa para manter-se a estabilidade democrática no país. Diferentes facções do PJ disputam internamente a candidatura à presidência em 2003. Sendo impossível o estabelecimento de um único candidato, o PJ apresenta três candidatos, de três frentes diferentes, sendo que a vitoriosa seria a Frente para la Victoria, de centro-esquerda liderada por Néstor Kirchner e que agregava membros da antiga FREPASO. A ascensão de Kirchner, que possui extensa trajetória no PJ, se dá a partir de um discurso por justiça, educação, trabalho, igualdade, saúde e afastamento das medidas neoliberais de Menem. Do seu lado, também tinha o desconhecimento de sua figura pela população, em um contexto no qual as manifestações demonstravam um profundo ressentimento com a política tradicional. Kirchner perdeu o primeiro turno para Menem, mas, no segundo turno, a impopularidade do ex-presidente o fez renunciar sua candidatura para evitar a derrota. Dessa forma, em maio de 2003 ascende ao governo a esquerda Argentina, não a partir de uma oposição ao principal partido do país, como objetivou a FREPASO, mas sim aliado ao PJ. 3.3 Chile Logo após o golpe de Pinochet em 1973, que assassinou Salvador Allende e instaurou a ditadura no Chile, o país ficou conhecido como o primeiro país da América Latina a implementar o receituário neoliberal. Pinochet se manteve no poder a partir de um estado de sítio desde 1985, mas com o aumento das pressões ao regime, planejou um processo de redemocratização altamente conservador. O processo começou com a elaboração de uma nova constituição, em 1980, de caráter autoritário e que permaneceu no período democrático. 11 Em 1988, o regime 11

Exemplos do caráter autoritário e conservador da constituição são: 1) o fato do governo militar ter direito de nomear nove dos quarenta e sete membros do Senado, diminuindo a capacidade de ação do posterior governo

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organiza um plebiscito - o Sim ou o Não à permanência de Pinochet na presidência, no qual o ditador acabou perdendo por 44% contra 55%. Formaram-se duas coalizões, que espelhavam a polaridade vista na campanha do plebiscito: uma de centro-direita aliada à Pinochet, a Alianza por Chile, e outra de centro-esquerda, a Concertación, se opondo ao ditador. Nas eleições de 1989, o mesmo resultado se manteve, com a Concertación obtendo 55% dos votos e Patricio Aywin chegando ao poder em 1990 (TRINDADE, 1991). O modelo de Aywin buscou incorporar a variável social e possuía um discurso de crescimento com distribuição de renda. Suas medidas, porém, foram em termos qualitativos e quantitativos inferiores ao que aconteceria na América Latina dez anos depois. Pode-se interpretar, portanto, o governo da Concertación como uma derrota de Pinochet e não como de fato a ascensão da esquerda nos moldes do que viria a acontecer no século XXI. Para o eleitorado chileno que não queria a volta do autoritarismo e da repressão de Pinochet – que havia deixado quase 40% da população abaixo da linha da pobreza (TANSCHEIT, 2013)–, simplesmente não existia alternativa. Por esse caráter central de oposição entre uma alternativa autoritária e outra democrática, acima da clivagem entre direita e esquerda, é difícil enquadrar o processo de ascensão da esquerda no Chile com os outros processos que ocorreriam na região. 3.4 Uruguai A esquerda uruguaia sempre foi presente na vida política do país durante todo o século XX. Em um primeiro momento, a organização se deu a partir do movimento sindical. A crise econômica e social do país, durante a década de 1960, gerou uma polarização política que causou a articulação da esquerda em uma aliança de partidos, criando, em 1971, a Frente Ampla (FA). Ela propunha uma oposição aos tradicionais Partido Colorado e ao Partido Nacional (Blanco) e unia em suas bases desde comunistas até social-democratas e democratas-cristãos (SILVA, 2007). Entre suas propostas estavam a reforma agrária, a nacionalização e a integração latinoamericana. Nas eleições de 1971, a FA conquista 18% dos votos, e o seu principal eleitorado situava-se em Montevideo (MALLO, 2000). O objetivo da Frente Ampla de enfrentar a escalada do autoritarismo que se instalava no país desde 1968 (SILVA, 2007) fracassou, e a instalação do regime militar uruguaio (1973-1984) forçou a maioria das suas lideranças a buscarem o exílio. A oposição ao regime não possuía um

democrático; 2) ela conferir autonomia às Forças Armadas, até mesmo nomeando Pinochet chefe do Exército (LINZ; STEPAN, 199, p. 243-246)

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centro; no cenário de desgaste da ditadura, contudo, os movimentos de oposição começam a se articular, com a Frente Ampla liderando-os. Nas primeiras eleições pós-ditadura, em 1984, a Frente Ampla alcançou 20% dos votos (MALLO, 2000, p.198). Em 1989 a FA conquista o Departamento de Montevideo, o que evidencia a crise do bipartidarismo da política uruguaia (MOREIRA et al 2010). Em 1994, a FA chega a 30% dos votos, os quais, se somados aos 5% do Novo Espaço12 (NE), mostram que a esquerda unida vence os dois partidos tradicionais, que fizeram cerca de 30% cada um. (MALLO, 2000, p.198). Com uma nova derrota, a FA começa a elaborar uma política que continue o viés social-progressista do partido, mas que garanta lucros econômicos a partir da diminuição da inflação e estabilidade monetária, o que a ajudaria a conquistar o eleitorado mais ao centro. O discurso da FA sofreu uma mudança qualitativa nessa época: enquanto antes a democracia era vista como o melhor meio de se avançar na luta pelo comunismo, a partir dos anos 1990 ela é um fim em si, e deve ser aprofundada (SILVA, 2007). Esse reformulado programa, alinhado à constante luta de oposição aos partidos tradicionais, solidificou a FA, que não precisou de coalizões com os partidos tradicionais para ir, de ano em ano, aumentando o seu eleitorado. Os partidos tradicionais, por sua vez, se aproximam cada vez mais, criando um novo bipartidarismo na política uruguaia. Nas eleições de 2005, todos os fatores se alinham para a ascensão da Frente Ampla ao poder: 1) a união da FA com o NE; 2) a crise econômica de 2002, que esgota o modelo neoliberal e mostra a incapacidade dos partidos tradicionais de alavancar a economia, que estava estagnada e com 10% de desemprego (MOREIRA et al, 210); 3) a consolidação do discurso mais moderado e progressista e as ações da FA no comando de Montevideo, que colocam esse discurso em prática. Desta forma, a Frente Ampla e a esquerda chegaram ao poder com Tabaré Vázquez, com a vitória garantida no primeiro turno. 3.5 Paraguai A mais longa ditadura da América Latina foi a paraguaia (1954-1989), que se sustentava em um tripé político: o Partido Colorado, que cooptava a população a partir de políticas clientelistas; o Governo, centralizado na figura de Alfredo Stroessner; e as Forças Armadas, que praticavam a repressão interna. O governo começa uma transição pactuada devido à crise interna 12

Pouco antes das eleições de 1989, dois partidos membros da Frente Ampla, o Movimento pelo Governo do Povo e Partido Democrata Cristão, decidem se lançar em uma nova frente nas eleições de 1989, conseguindo 9% dos votos. Em 1994, a aliança adota o nome de Novo Espaço.

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e o fim da ajuda dos EUA ao ditador, fundamental para a manutenção do regime. Esse processo é interrompido por um golpe de um general aliado a Stroessner, Andrés Rodríguez, que encaminha e ganha as eleições de 1989. A continuação do Partido Colorado no poder pode ser explicada por dois motivos: o fato de não haver uma liderança de oposição ao tripé político paraguaio; e a situação econômica estar relativamente estável (TRINDADE, 1991). Já no começo do mandato, o governo ativa o receituário neoliberal e a elite política se mantém unida no poder pelos próximos dezoito anos. Nas eleições de 2008, os partidos de oposição a essa tradicional elite política colorada se unem na figura de Fernando Lugo na Aliança Patriótica pela Mudança (Alianza Patriótica por el Cambio, no original). Lugo tinha como base de apoio os movimentos campesinos e indígenas, grupos que tinham historicamente sido excluídos do planejamento estatal paraguaio e que contabilizam um terço da população. Seguindo o discurso das esquerdas que já estavam no poder na América Latina, Lugo concentrou-se na questão da desigualdade social e de quebra da tradição política e econômica da elite, mas manteve, ao contrário de Brasil, Argentina e Uruguai, propostas mais radicais como reforma agrária. Com sua vitória, estabeleceu-se uma alternância de poder que não acontecia havia 47 anos, que poderia consolidar o regime democrático paraguaio (SILVA, 2008). 4. Países Andinos 4.1 Bolívia Desde sua Revolução Nacional, em 1952, a esquerda boliviana foi marginalizada da vida política nacional. A fim de avaliar a experiência da esquerda na Bolívia, deve-se lembrar que a Bolívia era o país mais pobre da região.13 Além disso, a maior parte da população, de origem indígena, não tinha sido totalmente inserida na sociedade. Nesse sentido, é compreensível que a Bolívia tenha sido o país onde os movimentos sociais mais se destacaram (CARR & ELLNER, 1993). A esquerda boliviana esteve fortemente ligada ao antimilitarismo, à luta pela mudança socioeconômica, e à campanha por liberdades democráticas, tendo em vista que desde 1964 o país fora dominado pelos militares. Em 1982, com a eleição de Siles Zuazo através do partido 13

A classe trabalhadora industrial era muito pequena, e pelo menos 1/3 dela estava envolvido com meios econômicos informais, enquanto que a classe capitalista, além de pequena, era bastante conservadora – não apresentava um projeto econômico independente, aceitava o status retardatário de sua agricultura e era bastante dependente dos militares (CARR & ELLNER, 1993).

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Unidad Democrática y Popular (UDP), a esquerda boliviana ascende ao poder, marcando o retorno à democracia. Entretanto, a incapacidade da UDP em lidar com a grave crise econômica que assolava o país, levou a população a se aproximar da direita, de tal modo que a esquerda passou a ser vinculada a uma incapacidade de reestruturar a economia nacional (CARR & ELLNER, 1993). Dentro da UDP, grande frente de partidos de esquerda, destacava-se o Movimento da Esquerda Revolucionária (MIR, do espanhol Movimiento de Izquierda Revolucionaria), que se inseriu na estrutura eleitoral do país e realizava ocasionais alianças com partidos da direita para manter-se no poder. Ao realizar este tipo de aliança o MIR cedia parte de sua plataforma política, ao mesmo tempo em que incorporava as visões de outro partido. Até o ano de 2002 a Bolívia apresentou uma democracia pactuada, baseada em três pilares, o MIR, a Ação Democrática Nacionalista (ADN), e o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Estes três partidos se alternaram no poder, de acordo com dois blocos, os quais porventura agregavam partidos menores: o primeiro era uma aliança entre o MIR e a ADN, e o segundo o MNR. Entretanto, esses governos não foram capazes de evitar o aumento da desigualdade econômica, fenômeno que explodiu no final da década de 1990, com uma nova crise econômica no país. 14 Esse processo foi acompanhado de um aumento na produção de cocaína, cujas rendas, em 1986, excediam todas as demais exportações do país (CARR & ELLNER, 1993; COUTINHO & LIMA, 2007). As administrações de Hugo Banzer (1997-2001, ADN) e Jorge Quiroga (2001-2002, também pela ADN) deixaram o país com uma taxa de desemprego de 12% e cerca de 60% da população abaixo da linha da pobreza. Nesse período, a Bolívia também passou pelo auge da campanha pela erradicação da coca, produto de extrema importância cultural e econômica para determinados grupos sociais (COUTINHO & LIMA, 2007, p. 73). Por isso mesmo, o movimento indígena da Bolívia começou a reascender, emergindo o Movimento ao Socialismo (MAS), liderado pelo líder cocaleiro Evo Morales, com ampla base esquerdista. A vitória de Gonzalo Sánchez de Lozada, do MNR, nas eleições de 2002, em segundo turno indireto, depois de ter recebido no primeiro turno somente 22,46% dos votos, e com dois pontos percentuais acima de Evo Morales, aumentou ainda mais o descontentamento popular

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Durante a década de 1990 a economia boliviana contraiu cerca de ¼, e a produção de estanho, principal atividade econômica do país desapareceu devido ao colapso dos preços internacionais em outubro de 1985 (CARR & ELLNER, 1993).

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(COUTINHO & LIMA, 2007). 15 Uma série de protestos resultou na renúncia de Sánchez de Lozada e, posteriormente, de seu sucessor, Carlos Mesa. Com a renúncia de Carlos Mesa, as eleições gerais foram antecipadas para dezembro de 2005. Evo Morales sai vitorioso com 53,7% dos votos, com a maior participação do eleitorado em vinte anos. Era a primeira vez que um candidato de origem indígena era eleito (COUTINHO & LIMA, 2007; MOREIRA et al., 2010). A ascensão do partido de base cocaleiro-indígena – o MAS – foi o resultado de um processo que já vinha se desenvolvendo desde a década de 1990, acompanhado pelo movimento de erosão dos grupos de esquerda tradicionais e por algumas mudanças institucionais importantes. Em 1994, a reforma constitucional declarando a nação como multiétnica e pluricultural e a Lei de Participação Popular reconhecendo formas de governo local baseadas em comunidades indígenas (ayllus) contribuíram para o fortalecimento dos movimentos indígenas e para um bom desempenho dos seus partidos nas eleições municipais do ano seguinte. [...] A reforma constitucional de 2004 acabou com o monopólio da representação política por partidos, prevendo que “grupos de cidadãos” e povos indígenas possam apresentar candidatos tanto a eleições municipais como às nacionais (COUTINHO & LIMA, 2007, p. 78).

Sob essa nova situação estruturou-se um sistema bipartidário dividido entre o MAS e o Poder Democrático Social, (Podemos, antiga ADN). Sobretudo, a eleição de Morales significou o fim dos três pilares da democracia pactuada, uma vez que o MNR teve somente oito representantes eleitos, o MIR não elegeu nenhum e a ADN foi transformada no Podemos (COUTINHO & LIMA, 2007). 4.2 Equador O Equador é um país com forte histórico de lutas políticas e polarização ideológica, resultado histórico das disputas entre grupos sociais, partidos e classes. 16 Além disso, o movimento de esquerda no Equador esteve fortemente vinculado aos movimentos sociais, principalmente o indígena. Diante disso, calcado na emergência deste movimento ao cenário político, consolidou-se no Equador uma concorrência entre projetos de desenvolvimento, gerando instabilidade política (COUTINHO & LIMA, 2007). O país tentou inserir os grupos indígenas através de estratégias corporativas, as quais criariam incentivos para a inclusão econômica dessas populações. Resultado disso foi a criação,

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Nesse sistema, o segundo turno das eleições presidenciais é realizado pelos senadores e deputados nacionais, o que permitia um esquema baseado em distribuição de favores e cargos. De acordo com Coutinho & Lima (2007), somente 11,7% dos bolivianos apoiava o segundo turno indireto. 16 De 2001 a 2006, por exemplo, o Equador teve sete presidentes e, desde meados dos anos 1990 nenhum presidente conseguiu concluir os quatro anos de mandato.

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em 1978, da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie).

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O

fortalecimento do movimento indígena está associado ao reconhecimento da Conaie como ator político, ao mesmo tempo em que as antigas organizações sindicais e de esquerda se enfraqueciam. Entretanto, as diversas medidas neoliberais na década de 1990 diminuíram o poder de barganha dessas populações, fato que reforçou sua organização política. Por esse motivo a Conaie decidiu lançar, em 1995, seu próprio partido, o Movimento de Unidade Plurinacional Pachakutik Novo País (PK), o qual teve importante papel a partir de 1996, e para a reestruturação do movimento de esquerda no Equador, atuando em duas frentes, como partido político e como movimento social (COUTINHO & LIMA, 2007). A deterioração da estabilidade política deve-se muito ao fato de o PK ter feito parte das coalizões que elegeram Abdalá Bucaram (1996-1997), Jamil Mahuad (1998-2000) e Lucio Gutiérrez (2003-2005), os quais realizaram policy switch e migraram para o centro-direita.18 O ápice para a desestabilização surgiu no governo Gutiérrez, candidato que, com uma agenda esquerdista e vinculada às demandas sociais, o que atraiu principalmente o movimento indígena, consolidou as medidas neoliberais. Diante disso, a Conaie deixou a coalizão e passou a atuar na oposição, culminando na destituição de suas funções presidenciais e em maiores esforços da Conaie para a consecução de suas demandas (COUTINHO & LIMA, 2007). O candidato do PK, Luis Macas, para as eleições de 2007, não sobressaiu no resultado final, ficando em sexto. Para o segundo turno o PK e a Conaie apoiaram Rafael Correa, que saiu vitorioso. Correa concorreu pelo Movimento Aliança PAIS - Pátria Altiva e Soberana, criado pelo próprio a fim de sua candidatura, com uma postura fortemente nacionalista e personalista, tendo angariado apoio da Conaie devido a sua posição claramente antineoliberal (COELHO, 2007). 4.3 Venezuela A Venezuela não passou pela experiência de governos autoritários vivenciada pelos demais países da região andina. O período democrático venezuelano se inicia em 1958, após a queda do ditador Marcos Peres Jiménez. A partir de então, e durante quarenta anos, o sistema democrático venezuelano teve como base de sua estabilidade um pacto populista de conciliação 17

A Conaie se tornou a organização indígena mais estruturada do Continente Americano e logrou um papel essencial na democracia equatoriana, em que, pela primeira vez, os indígenas estariam representando-se no cenário político nacional (COUTINHO & LIMA, 2007). 18 Estelionato eleitoral, isto é, mudança programática entre as propostas da campanha e as ações durante o mandato.

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de elites, chamado Pacto de Punto Fijo (VILLA, 2005). Este acordo foi realizado em 1958, tendo como objetivo a manutenção de interesses comuns dentro desse sistema, ao mesmo tempo em que excluía alguns setores do cenário político, principalmente o Partido Comunista. Haveria alternância entre o partido Ação Democrática (AD), um projeto social-democrata, e o Comitê da Organização Política Eleitoral Independente (COPEI), de base democrata-cristã (VILLA, 2005; COUTINHO & LIMA, 2007). Duarte Villa (2005, p. 154) estabelece alguns elementos para se compreender a engenharia institucional venezuelana, como: a inexistência de diferenças ideológicas dentro desse sistema bipartidarista, e o esforço desses partidos em congregar os partidos menores, concedendo-lhes cargos secundários, e conferindo estabilidade institucional ao chamadi puntofijismo. Além disso, a renda petrolífera era a base para manter esse pacto de elites, uma vez que tendo o petróleo como justificativa, o Estado realizava suas intervenções na economia e estruturava seu relacionamento com os diversos atores políticos, através de subsídios. A partir de 1989, com o comportamento negativo da economia e a adoção de medidas neoliberais pelo novo Presidente, o social-democrata Carlos Andrés Pérez, o Pacto de Punto Fijo começou a entrar em crise. Incapacitado de aumentar os salários, o Governo assistiu a uma queda de 20% do PIB per capita e ao descontentamento dos setores mais populares (VILLA, 2005). A primeira evidência disso foi o Caracazo de 27 de fevereiro de 1989, isto é, uma forte reação militar contra os manifestantes que se reuniam contra as medidas neoliberais (COUTINHO & LIMA, 2007). Com a crise política interna, o Pacto de Punto Fijo tornou-se um empecilho para a incorporação de novos atores no cenário político, em resposta às novas demandas políticas e sociais. Seu fim virá durante o governo de Rafael Caldera, o qual descumpriu com a agenda proposta, voltada para os problemas mais básicos das classes populares, e aprofundou medidas neoliberais. Assim, Caldera aumentou ainda mais o desprestígio dos partidos tradicionais e a certeza quanto a existência de um vazio de poder, e que não era preenchido pelos interesses da elite de 1958 (VILLA, 2005). Esse esquema institucional vai acabar com a disputa entre o grupo de Chávez e as antigas oligarquias. Depois do fracasso de sua tentativa de golpe de Estado, em 1992, Hugo Chávez concorreu nas eleições de 1998, pelo partido Movimento Quinta República (MVR). Seu projeto era o que mais representava o desejo de mudança popular, e deve ser analisado em suas fundações sociopolíticas, tendo em vista tornar o embate abertamente social. Orientado para a 16

satisfação das necessidades básicas das classes mais pobres, em oposição às elites nacionais, e com um forte apelo nacionalista, Chávez foi eleito com 62,46% dos votos, contra 31% da aliança entre AD e COPEI (VILLA, 2005; COUTINHO & LIMA, 2007). 5. América Central A América Central é, desde os tempos da elaboração da Doutrina Monroe, em 1823, o principal local de intervenção e influência direta dos interesses norte-americanos. Esta tendência possui momentos em que a política externa dos EUA para a região consolidou-se de maneira ainda mais violenta, como o foi quando do estabelecimento do Corolário Roosevelt ou da ascensão do Presidente conservador Ronald Reagan à Casa Branca, em 1982. A repressão aos grupos e organizações de esquerda alcançou um alto nível de violência em diversos momentos da história centro-americana. Importante exemplo da atuação norte-americana ocorreu no Panamá. Nesse país, o interesse estratégico era sobre o Canal do Panamá, construído pelos EUA entre 1880 e 1914 como linha de comunicação entre os oceanos Atlântico e Pacífico, e cuja garantia de abertura possui implicações diretas tanto na segurança marítima norte-americana quanto no fluxo de comércio deste país. Neste país, havia sido instalado um governo sob o comando do General Manuel Antonio Noriega, antigo aliado norte-americano. Em 20 de novembro de 1990, o presidente George H. Bush ordenou o envio de 22,500 combatentes ao país, os quais se somaram aos 13,000 que lá estavam permanentemente instalados, com a política declaratória de proteção da democracia, da integridade do Canal do Panamá e de prender Noriega por acusações de tráfico de drogas. Noriega foi detido e levado aos EUA, e este episódio ficou claramente marcado como mais um ato do unilateralismo norte-americano para a região (ATKINS, 1977, p.344). Desta forma, não há como se pensar os casos de guerrilha ou movimentos reformistas na região do Caribe e América Central sem se ter em mente que esta região sempre foi vista como um “quintal” dos interesses norte-americanos. Com a eclosão de movimentos e de guerrilhas de esquerda, os EUA inundaram a região com dinheiro e armas, financiando movimentos contrarrevolucionários ou governos reacionários, além de em diversas situações intervirem diretamente, utilizando-se do poderio militar, ou mesmo infiltrando tropas especiais ou agentes de inteligência nestes países. Grande conglomerados e multinacionais norte-americanas

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possuíam (e em muitos casos ainda possuem) fortes interesses econômicos na região, como era o caso da United Fruit Co., que possuía um vasto território de exploração nestes países. Apesar deste quadro, foi nesta específica região da América Latina que ocorreu uma revolução que de fato solapou as bases da velha política intervencionista dos EUA: a Revolução Cubana. Nesta ilha, situada a apenas 144 km do território continental norte-americano, uma revolução, que iniciou como uma luta travada por diversos movimentos contra a ditadura de Fulgêncio Batista, desembocou no estabelecimento de uma Frente Única e na posterior tomada do poder pela guerrilha revolucionária, que em dois anos formaria um governo socialista e aliado à União Soviética, na época a grande rival norte-americana no jogo da Guerra Fria. Além disso, foi em Cuba que se passou o episódio da Crise dos Mísseis, em 1962. A Revolução Cubana iniciou com uma fase democrática, havendo até mesmo o reconhecimento norte-americano do governo de Fidel Castro, em 7 de janeiro de 1959. Contudo, as relações diplomáticas entre os dois países foram rompidas a 3 de janeiro de 1961, e a partir deste mesmo ano, a orientação do governo revela uma inflexão em relação à União Soviética, e inicia-se um período de grande atividade de operações encobertas patrocinadas pelos EUA. A primeira e mais conhecida dessas operações foi a invasão de 1500 homens, em sua maioria exilados cubanos treinados nos EUA, na Baía dos Porcos em abril de 1961, que terminou fracassada. Apesar de não patrocinar mais invasões diretas ao território cubano depois deste episódio, foram realizadas inúmeras tentativas de assassinar diretamente Castro através de diversos expedientes (ATKINS, 1977, p.328). Cuba tornou-se um grande marco no movimento de luta de esquerda na região, servindo como modelo prático e ideológico, além de muitas vezes financiar diretamente movimentos de esquerda e lutas revolucionárias em diversos países latino-americanos. O regime apoiou abertamente movimentos guerrilheiros na Venezuela, Peru, Guatemala e Colômbia. Che Guevara, por exemplo, lutaria e seria morto na Bolívia. Cuba passou a ser o centro da disputa entre dois diferentes modelos do sistema comunista. De um lado, a China tenta aumentar sua influência na ilha, e por consequência no resto do continente. A estratégia maoísta era de continuar fomentando os movimentos de guerrilha na região latino-americana. Por outro lado, a União Soviética buscava que Cuba passasse a ter uma postura de coexistência pacífica, tentando garantir seu aliado na região caribenha. A partir de 1968, a doutrina soviética ganha espaço e é tacitamente aceita, e Cuba passa a desmantelar seus esforços de apoio a movimentos de guerrilha no continente (ATKINS, 1977, p.303). 18

Um dos principais expedientes utilizados pelos EUA para manter o controle sobre a região foram as intervenções “legitimadas” pela Organização dos Estados Americanos (OEA), além das ofensivas diplomáticas no órgão inter-americano. O principal exemplo da intervenção norte-americana através da Organização dos Estados Americanos (OEA) ocorreu na República Dominicana, em 1965, contando inclusive com a participação brasileira. Em Cuba, com a manutenção e radicalização do regime castrista, os EUA utilizaram-se do mesmo expediente, com uma “ação multilateral encoberta pelo formalismo jurídico interamericano e instrumentalizado através da OEA. Esse esforço contrarrevolucionário foi combinado com a ação preventiva, realizada para evitar o surgimento de uma nova Cuba no hemisfério” (PIERRECHARLES, 1981, p.68; tradução nossa). 19 Já a Guatemala foi o lar de uma das principais experiências democráticas e populares no período que se iniciava com o fim da II Guerra Mundial. De caráter eminentemente reformista, o governo de Juan Rosé Arévalo, que levara 85% dos votos na eleição presidencial, foi instalado entre outubro de 1944 e o ano de 1951. Neste governo, houve um forte processo de sindicalização, além de problemas com a United Fruit Company devido a uma lei agrária, fatores que levaram a 25 tentativas de golpe de Estado, todas frustradas (BRIGNOLI, 2000, p.156). Em 1951, Jacobo Arbenz Guzmán subiu ao poder, e promoveu uma lei de reforma agrária que expropriaria terras da United Fruit Company, sofrendo por isso resistência desta empresa monopolista. A invasão de militares de oposição, comandados pelo Coronel Castillo Armas e apoiados pela CIA, através da fronteira com Honduras, derruba o governo eleito e instaura uma ditadura militar. Pouco antes da invasão patrocinada pela CIA, os EUA chegaram a utilizar o sistema interamericano da OEA e o Tratado de Assistência Recíproca para alardear uma suposta intervenção do comunismo internacional no país, e tentar abrir espaço para uma possível intervenção pelo mecanismo interamericano, o que foi deixado de lado devido ao sucesso do golpe que derrubou Guzmán (BRIGNOLI, 2000, p.157; ATKINS, 1977, p.328). Na Nicarágua, a situação era oposta. Seu ditador, Anastasio Somoza García foi o único ditador dos anos 1930 que conseguiu permanecer no poder no período pós-guerra na região, governando com mão de ferro através da sua Guarda Nacional e dispondo das rendas oriundas das plantações de algodão (BRIGNOLI, 2000, p.160) . A família Somoza continua governando o país com mão de ferro, chegando, em 1979, a “possuir mais de um terço de todos os ativos da 19

“[...] acción multilateral encubierta por el formalismo jurídico interamericano e instrumentada por la OEA. Esta empresa contrarrevolucionaria se combinó con la acción preventiva, encaminada a evitar el surgimiento de otra Cuba en el hemisferio”, no original.

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economia da Nicarágua” (BRIGNOLI, 2000, p. 179). Neste ano, após quinze anos de lutas, os guerrilheiros de oposição, organizados principalmente através da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) logram vencer o conflito civil e tomar o poder das mãos do ditador. Com a instalação do regime sandinista no país, carregamentos de armas de origem soviética passaram a abastecer as guerrilhas de esquerda que lutavam na guerra civil em curso em El Salvador (ATKINS, 1977, p. 338). Durante grande parte da existência da guerrilha sandinista como grupo de resistência, esta esteve dividida em três facções: Guerra Popular Prolongada (GPP), Proletário e Insurgentes. Estas só se unificariam na reta final da luta para a deposição do regime, proclamando uma Unidade Revolucionária. A liderança ficou por conta de Daniel Ortega. Os sandinistas criam uma Direção Nacional composta por nove membros e optam “pela co-participação [do poder] com outros segmentos da oposição anti-somozista. Uma das primeiras medidas dos sandinistas no poder foi a elaboração de um plano econômico que previa o estabelecimento de uma economia mista entre o capital privado e o capital Estatal” (BOCCANERA, 1980, p.18-19). Já em 1981, ganha força a oposição de direita ao regime sandinista, os Contras, sobretudo através do financiamento e apoio da CIA. Em 1986, explodiria nos EUA o caso Irã-Contras, onde, em resumo, a CIA exportava armas para o Irã - que estava em guerra contra o Iraque - e com esse dinheiro financiava a luta dos Contras na Nicarágua. Foram formados inclusive esquadrões da morte, e durante toda a década de 1980 o grupo tentou desestabilizar o governo de Reconstrução Nacional dos sandinistas. Em 1990, os sandinistas perderiam as eleições gerais marcadas no país. Contudo, em 2006, pela via democrática, Daniel Ortega e a FSLN voltam ao poder, conquistando 38,7% dos votos. Em El Salvador, com o avanço da luta das guerrilhas de esquerda contra o regime do General Carlos Humberto Romero, aparecem indícios de que os EUA teriam colaborado para a queda do regime, que foi substituído por uma junta militar com inclinações social-democratas. O objetivo era conceder uma série de reformas, e “com isso diminuir as pressões internas que alimentam uma intensa atividade guerrilheira no país” (BOCCANERA, 1980, p.11). A região como um todo passou por um processo de crescimento econômico entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a década de 1970. O aumento nos cultivos extensivos de algodão e café, além da instalação da pecuária para exportação de carne, constituiu-se na base da economia centro-americana neste período. Também nesta época ocorreu a criação de um Mercado Comum, instalado no ano de 1960, conjuntamente com o estabelecimento do Banco Centroamericano de 20

Integração Econômica, que recebia importantes aportes de capitais norte-americanos para obras de infraestrutura. O plano para a constituição de um mercado comum que atuasse como fator de desenvolvimento na região era originariamente Cepalino, mas com a introdução do capital norteamericano, o setor industrial inicialmente previsto acabou dando lugar a um esquema produtivo mais liberal. Ainda assim, países como Nicarágua e Costa Rica buscaram se industrializar, ainda que realizando de forma tardia um modelo substitutivo de importações, passando a produzir internamente bens de consumo não-duráveis. Gradualmente, a emergência dessas indústrias requeria a importação de novos insumos, e, com a Crise do Petróleo de 1973, esse incipiente esforço de substituição de importações foi dificultado, com forte pressão sobre a balança de pagamentos nestes países (BRIGNOLI, 2000, p.165-168). Tendo conquistado sua independência da Grã-Bretanha apenas em 1974, Granada foi mais um dos países que sofreu com uma dura intervenção norte-americana. Em 1979, Maurice Bishop conquista o poder através de um golpe e lidera o chamado Governo Revolucionário do Povo (PRG, na sigla em inglês). Granada passava a inclinar-se em direção a Cuba e à União Soviética; contudo, com Jimmy Carter na presidência norte-americana, a questão não levantou maiores problemas com os EUA. Cuba passava a enviar armas e assistência militar à ilha, além de iniciar a construção de um aeroporto. Nos EUA, houve uma guinada conservadora com a ascensão de Ronald Reagan à presidência, e a política de linha-dura dos republicanos em relação à América Central interpreta que este aeroporto seria na verdade parte de um plano de constituir Granada em um posto avançado para aviões de longo-alcance soviéticos, e que a ilha teria se tornado um “satélite cubano” (ATKINS, 1977, p.342). Em 1983, inicia-se uma luta dentro do partido governante, que gera um novo golpe dentro do golpe. Com a justificativa de proteger seus nacionais na ilha, os EUA enviam uma missão militar de 5 mil homens, que entram no país no dia 25 de outubro deste mesmo ano. Há uma inesperada forte resistência de forças de Granada e de Cuba, mas os EUA acabam logrando êxito na operação e o conflito termina no dia 2 de novembro (ATKINS, 1977, p.343). 6. Conclusão A partir da análise dos distintos processos de ascensão das esquerdas na América Latina, é possível constatar muitas contradições. Entre elas, se encontram: a tentativa de aliar a manutenção do capitalismo à distribuição de renda; a limitação na maior parte dos governos da referência ao socialismo somente a um discurso político e à inclusão de certas medidas sociais; o enquadramento no jogo político 21

e, ao mesmo tempo, a oposição à política tradicional; a maior abrangência social dos partidos de esquerda associados ainda à exclusão na prática dos grupos tradicionalmente marginalizados dos principais processos de decisão política. Apesar das limitações neste processo, podemos sim ressaltar o caráter positivo na criação de consensos à esquerda da política tradicional. A ascensão das esquerdas na América Latina, tendo em conta todas as particularidades de cada caso, arejou e buscou trazer novos elementos e práticas na governabilidade destes países. Das contradições, a América Latina tenta elaborar uma nova síntese: para os mais otimistas, seria a ideia de uma nova etapa no desenvolvimento do capitalismo, uma etapa democrático-popular, onde cada vez mais pautas sociais e populares são inseridas em políticas de Estado, e em detrimento do capital. Para os mais pessimistas, trataria-se de uma ilusão (FREITAS, 2000) - qualquer tentativa de mudança substancial dentro do capitalismo seria limitada: uma eventual radicalização das políticas poderia levar a uma nova resposta conservadora, e o aumento gradual das pautas sociais seria insuficiente dados os constrangimentos do sistema econômico vigente. O próximo capítulo deste livro propõe-se a fazer um balanço das medidas aplicadas pelos partidos de esquerda durante seus anos de governo, apontando tanto suas limitações quanto suas vitórias. A partir dessa análise, será possível compreender melhor as contradições inerentes a essa trajetória e entender se realmente é possível o projeto proposto à América Latina, e se este não será apenas uma tendência conjuntural e sim uma política de Estado que gerará consequências e cenários positivos para a democracia, desenvolvimento e integração no continente.

Questões para Debate 1 - Quais foram os processos políticos internos aos países da América Latina que contribuíram para a ascensão da esquerda na cena política da América Latina no fim do séc. XX? 2- Quais foram do processos políticos externos a estes países que contribuíram para a ascensão da esquerda na cena política da América Latina no fim do séc. XX? 3- Como estes processos internos e externos se articulam e quais são as suas consequências? 4- Por que a esquerda que ascende politicamente é apontada como democrática? Por que esta esquerda democrática se coloca como força principal no campo da esquerda? 5- Quais as características das transições democráticas e da ascensão das esquerdas que permitem diferenciar ou aproximar os países e regiões da América Latina?

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