O presidencialismo cidadão

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O presidencialismo cidadão

Nelson Luiz de Oliveira (*)

A saída para as periódicas e graves crises políticas (1) pelas quais o Brasil passa é a reestruturação do seu sistema de governo combinada à reforma do seu sistema eleitoral.
Depois do abalo provocado pela destituição de Fernando Collor de Mello (PRN) em dezembro de 1992, o país passou por momentos de tensão quando em 2006 estourou o escândalo do Mensalão, do qual saiu ileso o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O partido, por sua vez, fora fonte de instabilidade de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ao pedir por inúmeras vezes o impeachment do chefe do Executivo. Agora é Dilma Rousseff, sucessora de Lula e integrante do mesmo PT que se enreda numa crise da qual dificilmente sairá sem a perda do mandato. Se as consequências para ela serão graves, avaliem para a economia do país, que enfrenta recessão, com a possível queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,6% em 2016 e desemprego da ordem de 10,9%, medidos em março deste ano.
O prolongamento do impasse, com embates inclusive dentro da base parlamentar de Dilma, teve como uma das consequências o aumento dos juros e da dívida pública, sem que nenhuma solução pudesse ser conseguida para estancar a degradação dos fundamentos macroeconômicos (2). Não só a presidente não quis renunciar como não avançou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o processo da chapa pela qual se elegeu em 2014 movido com base em acusações de crime eleitoral. Ao mesmo tempo, o interesse de seu vice em ocupar a vaga a ser deixada pela titular, como se nada tivesse a ver com a coalizão por meio da qual se elegeram, colocou dúvidas sobre a legitimidade de um novo governo.
Diante desses fatos, é preciso perceber que não marcharemos para um modelo de administração bem-sucedida, se não adotarmos o parlamentarismo como forma de escolha daquele ou daquela encarregado(a) de gerir a macroeconomia e os demais assuntos do governo: educação, saúde, trabalho, etc. Mas esse modelo parlamentarista não dará sustentabilidade ao governo, nem trará um mínimo de estabilidade ao dia a dia da política, se não for construído tendo por base um sistema eleitoral que garanta real representatividade aos eleitos para o Poder Legislativo.
Seja qual for a melhor combinação entre eleições majoritárias, proporcionais, voto em lista e voto distrital, a questão central é evitar o excesso de manipulação dos eleitores pelo poder econômico, pela ação deletéria dos corruptos e pela hipocrisia. Urge levar o cidadão ao primeiro plano da política, onde tenham assento os interesses gerais, mas no qual os parlamentares sejam ao máximo controlados pelos que os elegeram.
Isso não se fará também sem uma mudança completa no modo de financiamento de partidos e candidatos. Como entidades de direito privado, as agremiações partidárias devem ser financiadas pelos seus simpatizantes pessoas físicas, em limites individuais estabelecidos na lei e com rígida fiscalização por meio de rede digital operada em conjunto pela Justiça Eleitoral e o Banco Central. A mesma rede deve ser utilizada para a fiscalização dos gastos de campanha por meio da criação de identidades digitais para partidos, candidatos e fornecedores de materiais e serviços.
Os partidos devem se constituir em forças o mais genuínas e representativas possíveis, e terem como meta alcançar a maioria no Parlamento. A partir desse máximo de representatividade poderiam almejar o comando do País, ainda que numa coalizão.
Inviabilizado o gabinete por incompetência administrativa ou política do primeiro-ministro (ou outra circunstância qualquer), a substituição far-se-ia por algum mecanismo típico do parlamentarismo: voto de desconfiança, dissolução do gabinete, convocação de novas eleições por exemplo. E o país seguiria em frente sem maiores traumas. Da mesma forma que ocorre num condomínio, onde é preciso trocar de síndico. Os moradores continuam a viver sua vida, o edifício mantém-se de pé.
O que fazer, entretanto, com a figura do Presidente da República, tão entranhada que está na história e na vida política do País pelas expectativas de ação e proteção que cria na psicologia social? O que fazer com a figura mítica do grande pai e da grande mãe – esta que nunca tivemos, a não ser em Isabel.
A ela seria dada uma nova importância simbólica, mas igualmente um caráter de ativismo. De modo que o presidente continuaria a receber diretamente da população um mandato prenhe de autoridade, mas direcionado a fins distintos dos atuais: não mais o comando de todas as ações na área da economia e da execução das políticas públicas nacionais. O presidente se encarregaria, em primeiro lugar, das funções, digamos, mais arcaicas do Estado: Justiça, Defesa e talvez a Política Externa, desde que esta não esteja por demais conduzida a objetivos eminentemente econômicos de projeção do comércio exterior.
E incorporaria também algo que falta aos mandatários da Nação: a promoção da cidadania. O Chefe da Nação estaria encarregado de executar ações simbólicas e práticas que ampliassem a participação do povo em prol da coletividade. Boa parte de seu tempo seria gasta em visitas a unidades educacionais, bibliotecas, organizações populares dedicadas a melhorias no campo social. O presidente comandaria campanhas em prol da mobilidade urbana, do saneamento básico, da saúde e da segurança públicas, como mobilizações pelo respeito a faixas de pedestres e reciclagem do lixo. Estaria na sua competência, ainda, pronunciar-se sobre temas de grande importância, como a necessidade do respeito a grupos em desvantagem: idosos, mulheres, portadores de deficiências e crianças. Passariam por sua decisão, portanto, as campanhas publicitárias e todo o tipo de divulgação no plano da cultura atinentes aos temas que dissessem respeito à melhoria dos padrões de atuação, comportamento e atitude.
O presidente da República seria o grande educador, o condutor cívico e moral do país, a exemplo do que ocorre o rei nas monarquias parlamentaristas. Estaria, por conseguinte, na sua jurisdição, o órgão federal de controle da atuação dos demais órgãos e funcionários públicos, de maneira a coibir a prática de corrupção e outros crimes correlatos.
Nessa configuração, teríamos um primeiro-ministro cuidando da rotina da administração. Seu poder seria derivado da expressão do poder político conferido aos partidos nas urnas, mas sua escolha seria baseada muito mais na frieza das opções racionais, do cálculo dos eleitores quanto às soluções com melhor relação custo-benefício. Essa escolha poderia mudar a qualquer tempo, mudadas as condições e refeitos os cálculos do custo-benefício. Esse molde destituiria a saída do primeiro ministro da possibilidade de comoção nacional.
O poder do presidente derivaria da escolha na urnas de alguém com grande autoridade moral e carisma para conduzir o país, aperfeiçoar suas virtudes e reforçar-lhe ou despertar-lhe o ânimo para o enfrentamento dos desafios de construir diariamente boas condições de vida e convivência.
É provável que dessa maneira, com os papéis muito bem divididos – um administrador e um condutor cívico – o Brasil escapasse de uma eventual disputa de poder entre os dois mandatários maiores.
Restaria um problema a resolver, além da nossa parca experiência parlamentarista no período republicano, limitada a pouco mais de um ano durante o governo de João Goulart (1961-1964): o arquitetônico. Mantido o presidente no Palácio do Planalto, seria necessário interferir no projeto de Niemeyer e construir um palácio onde abrigar o primeiro-ministro.
Mas este, convenhamos, seria um problema menor.


1 - Em seu texto clássico, Presidencialismo de Coalizão: o dilema institucional brasileiro, o cientista político Sérgio Abranches alerta: faltam "mecanismos institucionalizados e legítimos de mediação e arbitragem" que nos permitam superar os riscos de "crises institucionais cíclicas". (p. 8 e 9). No parlamentarismo de gabinete, um enfraquecimento do governo pode ser contornado com a dissolução do ministério ou a convocação de novas eleições. No presidencialismo, a crise sempre deságua no Palácio do Planalto e ameaça a estabilidade institucional.
Abranches menciona algumas hipóteses para a resolução de impasses graves pelo presidente, entre as quais a reforma ministerial, com vistas a realinhar o apoio partidário, e até a confrontação ao seu partido e ao parlamento, "numa atitude bonapartista ou cesarista altamente prejudicial à normalidade democrática" (p.31). (https://politica3unifesp.files.wordpress.com/2013/01/74783229-presidencialismo-de-coalizao-sergio-abranches.pdf - acesso em 30/04/2016)

2 – "Impulsionada principalmente pelas despesas com juros, a dívida pública federal, o que inclui os endividamentos no país e no exterior, teve aumento recorde de 21,7% no ano passado [2015], para R$ 2,79 trilhões – patamar que também é o maior da série histórica, que começa em 2004, segundo números divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional nesta segunda-feira (25). (...) Em valores nominais, crescimento da dívida pública no ano passado foi de R$ 498 bilhões. Em 2014, a dívida pública havia registrado crescimento menor, de 8,15%, ou R$ 173 bilhões, enquanto que no ano anterior (2013), a expansão registrada havia sido de 5,7%, ou R$ 115 bilhões, segundo números oficais." (Site G1- http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/divida-publica-sobe-248-em-2015-para-r-279-trilhoes-maior-da-serie.html - acesso em 30/04/2016)

(*) Graduado em jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), foi repórter de economia de 1985 a 1999, tendo trabalhado na extinta Empresa Brasileira de Notícias (EBN), atual EBC, Correio Braziliense, O Globo e O Estado de S. Paulo. Desde 1999, atua como repórter e editor de política na Agência Senado. Entre 2014 e 2015, cursou especialização em Ciência Política no Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), tendo apresentado ao final do período monografia tratando do impacto das manifestações populares de 2013 nas atividades legislativas e institucionais do Senado.


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