O presidente e o eclipse: ciência e política na observação do eclipse solar de 1912

May 31, 2017 | Autor: Christina Barboza | Categoria: History of Astronomy, Scientific Expeditions
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O presidente e o eclipse: ciência e política na observação do eclipse solar de 1912 Christina Helena Barboza∗ Arthur Cavalcanti Damasceno∗∗ Natasha Augusto Barbosa***

Resumo Há 100 anos, em 10 de outubro de 1912, teve lugar um eclipse solar cuja faixa de totalidade atravessou o continente sul-americano. Devido à importância deste evento no contexto científico da época, seis expedições estrangeiras dirigiram-se à região da Serra da Mantiqueira com o objetivo de observá-lo, às quais ainda se juntaram três expedições organizadas por instituições científicas brasileiras. No dia do eclipse dirigiram-se ao local de observação o presidente da República Hermes da Fonseca e uma comitiva integrada por diversos ministros e deputados. O objetivo deste trabalho é analisar a ampla cobertura feita pela imprensa carioca não apenas do eclipse, mas também das expedições organizadas para observá-lo. Em boa parte das reportagens o fato do Brasil estar recebendo cientistas estrangeiros de renome era o aspecto mais valorizado, visto como um símbolo da inserção do país em uma era de modernidade e de progresso. Palavras-chave: eclipses solares, expedições científicas, imprensa Abstract A hundred years ago, on the 10th October 1912, a total solar eclipse would be visible within a narrow band of the South American territory. Due to the great importance of this astronomical event by that time, six foreign expeditions traveled to the Serra da Mantiqueira region with the aim of observing it. Later on three more expeditions joined them, organized by Brazilian scientific institutions. On the day of the eclipse the President of Brazil, Marshal Hermes da Fonseca, with a considerable entourage of ministers and politicians, also traveled to the main place of observation. The present paper aims at analyzing the wide journalistic material published by the carioca press concerning not only the eclipse itself but also the expeditions organized to observe it. In many cases the fact that Brazil received foreign well-known Pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Bolsista PIBIC/CNPq do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). *** Bolsista PIBIC/CNPq do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). ∗

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scientists was valued, as a symbol of the inclusion of this country in an age of progress and modernity. Key-words: solar eclipses, scientific expeditions, press

Introdução No amanhecer da segunda década do século XX, um eclipse total do Sol daria mais um espetáculo da Natureza em terras brasileiras. No início do novo século, a idéia de progresso e modernidade contagiava as elites e os setores letrados da população brasileira, sob o impacto das grandes mudanças e inovações tecnológicas trazidas do século anterior. Do ponto de vista político, muitos intelectuais nutriam a esperança da alteração de posição do Brasil no cenário mundial, deixando de ser um país periférico em relação às novas transformações, e se inserindo no ambiente das nações modernas. Uma das formas mais visíveis de expressão de modernidade estava ligada justamente aos avanços científicos e tecnológicos, em que o país ainda parecia estar atrasado em comparação às nações europeias e mesmo algumas americanas, como os Estados Unidos e a ArgentinaFoi dentro deste contexto ideológico que a imprensa carioca começou a publicar de forma cada vez mais intensa, notícias vinculadas à área de ciência e tecnologia, incluindo o uso de fotografias, gráficos, comentários e até o envio de correspondentes especialmente designados para cobrir eventos científicos. Este foi o caso do eclipse de 10 de outubro de 1912, o qual trataremos aqui, em que vários periódicos cariocas enviaram correspondentes para a região onde o mesmo ia ser observado. Examinaremos as publicações dos jornais Correio da Manhã, A Noite, A Época, O Paiz e a revista O Malho.

A cobertura do eclipse Apesar da vasta cobertura jornalística sobre o evento ter se pautado pela valorização do progresso e o grau de modernidade que o país teria alcançado, expresso na participação de cientistas brasileiros na observação do eclipse junto aos renomados cientistas estrangeiros, algumas vezes também foram expostosos limites deste progresso. Esta mistura dos lados opostos, dos avanços e dos limites da modernidade no Brasil, ganharam as páginas de jornais e revistas especialmente na ocasião do desfecho de todo esse episódio, quando os presentes,

depois da longa espera pelo fenômeno, acabaram sendo presenteados pela Natureza com uma chuva, bastante hostilizada também pelas pessoas que estavam na faixa de penumbra do eclipse.1 Segundo o jornal A Noite, “[n]unca o carioca amaldiçoou tanto uma chuva como a de hoje. Foi um tremendo logro que nos pregou a todos.” (A Noite, Anno II, nº 387, 10/10/1912: 1) No início do século XX, os eclipses totais eram a única forma de se estudar a coroa solar, e por isso a observação desse fenômeno ganhou importância científica, junto com o rápido progresso do mais novo ramo da astronomia, a astrofísica, que tinha por objetivo o estudo e descoberta da composição dos astros. Em síntese, através do exame do espectro de luz da coroa solar, obtido em fotografias tiradas durante o eclipse, e da sua comparação com o espectro de elementos químicos existentes na Terra, era possível determinar a composição química do Sol, e esclarecer diversos aspectos de sua constituição física. As novas técnicas implicavam no uso de novos e sofisticados equipamentos, os mais diversos, os quais eram trazidos às localidades que serviriam de base para as observações, chamando a atenção da população e da própria imprensa. No caso do eclipse de 1912, foram divulgados diversos artigos contendo a lista de tais equipamentos, assim como a sua finalidade, além de fotos dos mesmos ao lado dos astrônomos. Da tentativa de se estudar e fotografar a coroa solar, passando pelos estudos da atmosfera terrestre, das observações magnéticas, até a primeira tentativa de confirmar a Teoria da Relatividade de Albert Einstein, os objetivos científicos das expedições variavam. Dentre todas as comissões e cientistas presentes no evento, alguns se destacavam por não serem astrônomos profissionais, como

o inglês John Atkinson, voluntário que veio

acompanhando a comissão do Observatório de Greenwich, e o também inglês e “caçador de eclipses” James Worthington, que veio ao Brasil por iniciativa própria. A imprensa carioca começou a acompanhar o fenômeno já no mês de setembro, com a publicação de notícias sobre a chegada de cada expedição estrangeira e os preparativos das comissões nacionais, principalmente pelo jornal A Noite. Críticas na forma de textos, piadas e charges eram divulgadas na revista O Malho, que se destaca pela grande quantidade de 1

Em eclipses totais do Sol, a faixa do território onde o fenômeno pode ser observado na sua totalidade (chamada faixa de totalidade) é bastante estreita, em torno dos 200 km de largura. A chamada faixa de penumbra é aquela região da superfície da Terra em que o mesmo fenômeno apresenta-se aos observadores como um eclipse parcial.

matérias ironizando a atenção dada ao fenômeno astronômico, nas quais se mesclavam a crítica dos costumes da sociedade carioca com a crítica política - característica comum a muitas revistas ilustradas da época. Essa revista chegou a enviar um de seus caricaturistas a Passa Quatro, João Ramos Lobão. Em uma das primeiras charges sobre o eclipse publicada n’O Malho era ironizada a demora na liberação das verbas para o Observatório Nacional receber os cientistas estrangeiros. (O Malho, Anno XI, n. 521, 07/09/1912: 55) Segundo a historiografia (CAFFARELLI, 1980: 562), o próprio diretor do Observatório, Henrique Morize, enviou um ofício ao Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, Pedro de Toledo, solicitando não apenas recursos financeiros extra-orçamentários como também facilidades na alfândega para o ingresso dos equipamentos trazidos pelas expedições estrangeiras. O Ministro teria encaminhado esse ofício ao Presidente da República, que enviou então uma mensagem ao Congresso solicitando a concessão dos benefícios. A despeito do parecer favorável da Comissão de Finanças, a tramitação da proposição no Congresso foi lenta, de tal modo que a aprovação do crédito especial de 70 contos para a recepção das expedições astronômicas se deu, ironicamente, no próprio dia do eclipse, ou seja, em 10 de outubro de 1912. (Diário do Congresso Nacional, Anno XXIII, nº 126: 2928) Assim, as facilidades que os cientistas estrangeiros encontraram no Brasil foram concedidas extra-oficialmente. Esse episódio contrastava com o ar de modernidade que o país queria passar aos convidados ilustres. Outras críticas de cunho político, também relacionadas com a atenção efetivamente dada pelo governo à astronomia brasileira, ganharam destaque nos periódicos. Aproveitando os comentários feitos por astrônomos argentinos, como o diretor do Observatório de Córdoba, Charles Perrine, que em entrevista dada aos jornalistas a propósito das instalações do Observatório Nacional, criticou sua localização, no Morro do Castelo, portanto em pleno centro da cidade, os algumas reportagens exploraram o tema da longa espera pela nova sede dessa instituição, há muito tempo prometida. Apesar das dificuldades materiais, os astrônomos argentinos elogiaram o trabalho da equipe do Observatório brasileiro, comandada por Morize. Nascido em 1860, e engenheiro formado pela Escola Politécnica, Morize havia assumido a direção do Observatório em 1908, e ficou à sua frente até 1929, um ano antes de sua morte. Foi um dos grandes divulgadores das ciências no Brasil no inicio do século XX,

contribuindo de forma variada com os periódicos da capital, através de artigos, entrevistas, ou reportagens cujos temas iam desde fenômenos astronômicos até a meteorologia. (MASSARANI, 1998, 2011; VIDEIRA, 2003) Uma antecipação desse seu papel, que iria acentuar-se na década de 20, teve lugar durante o eclipse de 10 de outubro, quando esse astrônomo entregou ao periódico A Noite uma fotografia, obtida no Observatório Nacional, do cometa de Gale, observado no mês de setembro deste mesmo ano em diversos pontos do planeta. (A Noite, Anno II, nº 371, 21/09/1912: 1) Descoberto pelo astrônomo amador australiano Walter Frederick Gale, esse cometa foi praticamente invisível a olho nu, principalmente na capital do Brasil, onde além de tudo o mau tempo prejudicou muito as observações. No inicio do século XX, o uso da fotografia nos periódicos apenas começava a ser largamente empregado. O Correio da Manhã, por exemplo, que publicou diversas fotografias sobre o eclipse contendo imagens dos aparelhos, dos astrônomos e até da região de Passa Quatro, começou a utilizar tal técnica em suas páginas em 1902, no ano seguinte à sua criação. (BARBOSA, 2007: 42) Dez anos mais tarde, os avanços tecnológicos na tipografia trouxeram não apenas boas fotografias, mas também permitiram a impressão de gráficos e gravuras bastante elaborados sobre o evento. Outro avanço técnico que impactou a imprensa nesse inicio de século, a utilização do telégrafo, foi bastante utilizado na veiculação das notícias enviadas das cidades que serviram de base para a observação do eclipse. O jornal A Noite, em particular, de caráter vespertino, pode beneficiar-se dessa tecnologia enviando para a capital notícias bastante atualizadas e em primeira mão sobre o malogro dos cientistas nas cidades em que se instalaram, Passa Quatro e Alfenas em Minas Gerais, e Cristina, Cruzeiro e Silveiras em São Paulo. (A Noite, Anno II, nº 387: 2) Apesar do foco da imprensa ter sido Passa Quatro, por essa cidade ter sido destino tanto das grandes expedições inglesa, francesa, e da principal expedição brasileira, do Observatório Nacional, quanto da expedição individual do excêntrico “caçador de eclipses” James Worthington, e, principalmente, por também ter sido o lugar escolhido pela comitiva presidencial, Cristina também recebeu bastante atenção da imprensa carioca, através dos telegramas enviados diretamente da cidade. Já Alfenas e Silveiras, esta última base de outra

comissão do Observatório Nacional chefiada pelo astrônomo Julião de Oliveira Lacaille, foram raramente citadas. O jornal O Paiz, que enviou como correspondente à Passa Quatro o então jornalista (e futuro senador) Nestor Massena, além de informar muito sobre os acontecimentos desta cidade, também deu espaço para informações vindas de Cruzeiro, assim como dados sobre as pesquisas e notícias sobre o regresso de José Nunes Belfort de Mattos, que se instalou nessa cidade do interior paulista chefiando a comissão do Observatório de São Paulo, onde era diretor. (O Paiz, Anno XXVIII, nº 10.235, 14/10/1912: 2) O Paiz também realizou uma ampla cobertura sobre o eclipse, com publicações de fotografias, críticas e resenhas. Uma das características desse periódico era o destaque dado à literatura. (SODRÉ, 1999; BARBOSA, 2007) De fato, diversas vezes, durante a publicação das notícias sobre o evento astronômico, o texto jornalístico procurou aproximar-se do literário, como nessa legenda de uma gravura do eclipse. O Sol – Vê como eu me sacrifico, como até me oculto, para que toda a gente a veja, só a Senhora, em pleno dia?... Continuará a afirmar que os homens são egoístas e vaidosos? A Lua – Olhem o grande favor!... Assim, com o Senhor atrás de mim, fico tão preta que, nestes anos mais chegados, nenhum dos poetas, que neste momento me olham, terá a coragem de cantar a minha “doce palidez”! Demais, o que está fazendo é, apenas, a “fita da ausência”, para que todo o mundo avalie a falta que o Senhor faria, se desaparecesse para sempre!... (O Paiz, Anno XXVIII, nº 10.231, 10/10/1912, p. 2)

Proporcional a toda a expectativa da imprensa carioca em torno do eclipse, estampada nas páginas dos jornais e revistas da capital, foi o destaque dado para a frustração da sua observação devido à chuva. Às vésperas do eclipse os jornais já veiculavam o receio dos astrônomos sobre a possibilidade de chuva, ao mesmo tempo em que as noticias enviadas pelos correspondentes de diversos jornais indicavam o grande fluxo de curiosos que se dirigiam às cidades, e principalmente Passa Quatro, de onde chegavam telegramas informando que a lotação dos hotéis estava esgotada. Realmente, este foi um evento importante não apenas para a pacata cidade do interior de Minas, como para as outras que se encontravam na faixa de totalidade. A comitiva presidencial que se dirigiu aos locais de observação foi algumas vezes tida como um exagero, e os comentários diante da frustração de

seus objetivos imediatos foram inúmeros. De fato, a frustração demonstrada pela imprensa e pelos astrônomos também estava estampada no rosto da população do Rio de Janeiro, que aguardou com tanta expectativa o evento. Podemos aqui citar uma passagem de A Época, publicada na primeira página do dia 11 de outubro, onde pode-se ter idéia da dimensão que o evento trouxe para a sociedade naquele momento: O eclipse de ontem que tanto espaço digno do melhor aproveitamento roubou durante uma semana, aos jornais cariocas, e por alguns dias constituiu o [ilegível] de todas as palestras, conseguindo mesmo relegar para um plano secundário os “trucs” nem sempre interessantes da politicagem conservadora, foi afinal de contas um logro formidável em que caiu muita gente, que há muito se preparava para observa-lo. (A Época, Anno I, n° 73, 11/10/1912: 1)

A cobertura dos jornais sobre o eclipse continuou até a semana seguinte, alguns publicando pequenas reportagens, outros críticas e notícias breves. Em contraste com o tom de frustração da maioria dos jornais, o A Época, periódico que estava ainda em seu ano de fundação e tinha por característica comentar o modo de vida da capital, publicou no dia 12 uma dedicatória aos astrônomos, onde ressaltava a “alegria” que tomara conta da equipe do jornal por ter contribuído com a cobertura do eclipse. (A Época, Anno I, nº 74, 12/10/1912: 3) As notícias de Passa Quatro chegavam a este jornal através dos telegramas do enviado especial, Arsenio de Lemos2. Outros jornais publicaram alguns resultados de experimentos que conseguiram ser realizados a despeito da chuva, como foi o caso do Correio da Manhã e do A Noite. Este último, fundado por Irineu Marinho em 1911, publicou o resultado dos estudos das comissões dos telégrafos, enviadas pelos Ministérios da Viação e da Marinha, com o intuito de verificar a influência dos eclipses sobre uma invenção ainda em fase de testes: o telegrafo sem fio. (A Noite, Anno II, nº 390, 14/10/1912: 2) Esse jornal contribuiu com uma das maiores coberturas sobre o eclipse, feita pelo seu enviado a Passa Quatro, o jornalista Arthur Marques. Um dos telegramas escritos pelo jornalista descreve o momento da totalidade, com a chuva que caía copiosamente e a reação da população, que durante os poucos segundos de escuridão saudou o evento com salvas de fogos de artifício. Em outro, ele fala do eclipse propriamente dito, e descreve a reação dos cientistas:

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Não confundir com Afrânio Arsênio de Lemos, bancário assassinado em 1952, naquele que ficaria conhecido como o “crime da Sacopã”.

Os cronômetros a cargo da comissão brasileira, únicos existentes, registraram o primeiro contacto às 8 horas, 56 minutos e 40 segundos. A fase máxima às 10 horas, 16 minutos e 51 segundos. O último contato às 11 horas, 42 minutos e 54 segundos pela hora local. Todos os astrônomos se manifestam contrariadíssimos pelos resultados, quase nulos das observações. O marechal Hermes [ilegível] assistiram [sic] ao eclipse no [ilegível] Bella Vista, próximo ao acampamento, onde almoçaram. O acampamento está completamente enlameado e os caminhos estão intransitáveis. (A Noite, Anno II, nº 387, 10/10/1912: 3)

O grande destaque fica para o modo como jornal A Noite lidou com as matérias científicas, com a publicação de inúmeras matérias referentes à astronomia e outras áreas ligadas à ciência, fazendo menção a instrumentos científicos e à medicina - algo verificado pela historiografia para a década de 1920 (MASSARANI, 1998, 2011), massurpreendente para a década de 1910. O Correio da Manhã, que também fez referência aos resultados obtidos pelas comissões dos Ministérios da Marinha e da Viação, contou com as informações recebidas pelo escritor, publicitário e engenheiro, Manuel Bastos Tigre. Este jornal reservou várias de suas primeiras páginas para o evento. Apesar de apresentar grande conteúdo sobre o fenômeno, sobretudo no dia mesmo do evento, incluindo um artigo em coluna inteira com explicações e comentários sobre a observação do eclipse total anterior, ocorrido em 17 de abril daquele ano, ilustrados com fotos (Correio da Manhã, Anno XII, nº 5.001, 10/10/1912: 2), o jornal apresenta também matérias com foco nas questões políticas envolvidas no evento, como a presença do marechal em Passa Quatro. Por ser um periódico bastante voltado para a política, crítico ao governo desde a sua fundação em 1901, por Edmundo Bittencourt, esse foco no lado político do eclipse, dado pela presença do marechal, não poderia ser deixado de lado.

As expedições científicas

As reportagens sobre as expedições estrangeiras e nacionais que se dirigiram para as cidades escolhidas para a observação do eclipse principalmente no caso do A Noite e do Correio da Manhã, demonstraram riqueza de detalhes, na descrição tanto dos objetivos de

cada comissão quanto dos aparelhos que seriam usados pelas mesmas, e incluíram inúmeras fotografias O inglês James Henry Worthington foi o primeiro dos cientistas estrangeiros a chegar ao Brasil. Desembarcou do navio Arlanza no dia 3 de setembro, e se dirigiu à cidade de Passa Quatro, com o objetivo de fotografar a coroa solar e realizar observações espectroscópicas. Worthington era formado pela Universidade de Oxford, e além de ter estado em Portugal no dia 17 de abril observando o último eclipse, ainda havia observado mais outros três, o que lhe conferiu o apelido de “caçador de eclipses”. Ele viajava para fazer suas observações de maneira independente e geralmente com financiamento próprio. Mas apesar de amador, Worthington também possuía trabalhos publicados nos meios científicos, como suas observações sobre Marte, realizadas em 1910. (A Noite, Anno II, nº 355, 03/09/1912: 1) A comissão francesa foi organizada pelo Bureau de Longitudes, instituição científica francesa fundada em 1795, que tinha como um de seus objetivos contribuir para a melhoria das navegações francesas. A expedição que veio ao Brasil para observação do eclipse total foi composta por Milan Stefanik, político, diplomata e astrônomo, e seu auxiliar, Jarorise Kraticek. Ambos chegaram ao Rio de Janeiro no dia 10 de setembro, a bordo do Amazone, e partiram para a cidade de Passa Quatro. (A Noite, Anno II, nº 361, 10/09/1912: 1) Os objetivos de pesquisa desta expedição eram bastante semelhantes as dos ingleses. A principal expedição inglesa foi enviada pelo Observatório de Greenwich. Esta instituição foi fundada em 1675 com o principal objetivo de ajudar no desenvolvimento da navegação, mas ao longo de sua história contribuiu de forma profunda para o desenvolvimento da astronomia, de um modo geral. O Observatório enviou uma delegação de astrônomos que chegou ao Rio no dia 16 de setembro, a bordo do mesmo navio a vapor Arlanza que troxera Worthington (o vapor pertencia ao serviço britânico de correios). Era composta por Arthur Stanley Eddington, chefe da comissão, Charles Davidson, chefe do gabinete de cálculo de Greenwich, e ainda um astrônomo amador que veio como ajudante da comissão, John Atkinson. (A Noite, Anno II, nº 366, 16/09/1912: 1) Partiram para Passa Quatro com o objetivo de fotografar a coroa solar, realizar observações espectroscópicas e verificar a existência do Coronium, elemento químico cuja existência foi sugerida no final do

século XIX, no início das observações espectroscópicas que deram origem à Astrofísica. (CAFFARELLI, 1980; BARBOZA, 2010) Os representantes do Observatório argentino de Córdoba, fundado em 1871, e construído, entre outros objetivos, com o intuito de inserir a Argentina no contexto científico mundial, chegaram no dia 19 de setembro, a bordo do navio Aragon. (A Noite, Anno II, nº 369, 19/09/1912: 1). Do Rio de Janeiro dirigiram-se a Cristina, para fotografar a coroa solar, realizar observações espectroscópicas e verificar a teoria da relatividade. A comitiva era composta pelo importante astrônomo norte-americano radicado na Argentina, diretor do Observatório, Charles Perrine, além dos astrônomos Roberto Winter e James O. Mulvey, e do mecânico Enrique Chardet. (CAFFARELLI, 1980; BARBOZA, 2010) Outro observatório argentino que também veio ao Brasil observar o eclipse foi o Observatório de La Plata. Sua comitiva era formada pelo diretor do Observatório, William Hussey, e dois assistentes, Bernhard Dawson e Henry Colliau. (ibidem). Eles chegaram ao Brasil no dia 3 de outubro e se instalaram em Alfenas, com o intuito de fotografar a coroa solar. (A Noite, Anno II, nº 381, 03/10/1912: 1) A última comissão estrangeira a chegar ao Brasil veio do Observatório Nacional do Chile, fundado no ano de 1852. A história deste observatório está relacionada a um momento de afirmação do Chile como nação, e de desenvolvimento do país. Sua delegação veio com a intenção de fazer observações meteorológicas e medições da eletricidade atmosférica. Ela desembarcou no Rio de Janeiro em 25 de setembro, e era composta por Friederich Ristenpart, diretor do Observatório, Romulo Grandón, Jakob Laub e esposa, Ruth Laub, Walter Knoche, Ricardo Wüst, e Waldemar Trollund, e se dirigiu à Cristina. (O Estado de São Paulo, nº 12.337, 26/09/1912: 1) O Observatório Nacional, cuja fundação remete aos tempos do Império, na época era comandado por MorizeA instituição enviou duas expedições para observar o eclipse, uma para Passa Quatro e outra para Silveiras, no estado de São Paulo. A comissão que se dirigiu à cidade mineira era composta, além de Morize, por Domingos Costa, fotoastrônomo, Mário de Souza, encarregado da instalação dos instrumentos, e do cálculo da posição geográfica para as observações, Alix Lemos, responsável pelas observações magnéticas, fotométricas, e pela física do globo em geral, e pelo auxiliar Gualter Macedo Soares. (CAFFARELLI, 1980;

BARBOZA, 2010) Já para Silveiras foi enviada uma comissão menor, composta pelo astrônomo Julião de Oliveira Lacaille, Valentim de Magalhães, e o maquinista Arthur de Almeida. (A Noite, Anno II, nº 378, 30/09/1912: 1) Quanto ao Observatório de São Paulo, cuja construção oficial se iniciou em 1910, sua intenção era efetuar observações meteorológicas e fotografar a coroa solar. (CAFFARELLI, 1980; BARBOZA, 2010) Sua comissão situou-se na cidade de Cruzeiro, com os astrônomos José Nunes Belfort de Mattos, diretor do Observatório e chefe da expedição, José Rangel Belfort de Mattos, Roberto Simon, ambos ajudantes, e Jacinto Schneck, mecânico. (O Estado de São Paulo, nº 12.350, 09/10/1912: 4; Jornal do Commercio, Anno 86, nº 284, 11/10/1912: 3)

A comitiva presidencial Outro fato que também mereceu o destaque das manchetes que foram reservadas ao eclipse foi a comitiva presidencial, composta pelo então presidente da República, marechal Hermes da Fonseca, e grande número de políticos e convidados, que se dirigiu à região em um trem fretado, supostamente apenas para observar o fenômeno. Como alguns jornais diziam, o marechal era astrônomo amador e se interessava bastante pelos fenômenos celestes. (A Época, Anno I, n° 73, 11/10/1912: 1) Além do mais, a presença do presidente em uma ocasião como essa expressava também a imagem de um governante esclarecido e ciente da importância da ciência para o progresso do país. A República Velha foi um período de grande conturbação política e social, mas issonão impediu que a idéia de modernidade ganhasse corpo inclusive nos governos. Logo que assumiu o poder, o presidente Hermes da Fonseca enfrentou dificuldades, primeiro com a Revolta da Chibata, e posteriormente com o Contestado (revolta esta que não chegou a ser dissolvida no seu governo). (BORGES, 2011). Ele ainda carregava o peso de uma política econômica ineficiente. Assim, pouco depois da eleição – uma das mais disputadas do período –, o marechal viu sua popularidade diminuir. O jornal A Época chegou a explicar a presença do marechal em Passa Quatro pelo seu real interesse por astronomia, mas o motivo da formação de uma comitiva composta por tantos políticos para observar um eclipse pode estar relacionado a uma questão política. Afinal, Wenceslau Brás, vice-

governador do estado de Minas Gerais, era o candidato do atual presidente para sua sucessão, e as eleições presidenciais se aproximavam, era preciso construir alianças. Havia ainda a intenção do presidente de passar a imagem de um governante moderno, inserido no contexto de progresso e valorização da ciência. A comitiva partiu no dia 8 de outubro às dez da noite, e chegou em Passa Quatro às oito e vinte da manhã seguinte. (A Noite, Anno II, nº 387, 10/10/1921: 2) A comissão era composta pela esposa do presidente, Orsina da Fonseca, o ministro da Viação, Barbosa Gonçalves, o ministro do Exterior, Lauro Muller, o ministro da fazenda, Francisco Salles, o embaixador americano, Edwin Morgan, o ministro inglês, William Haggard, e o diretor da estrada de Ferro Central do Brasil, Paulo de Frontin dentre outras personalidades políticas, além de amigos e familiares. (Jornal do Commercio, Anno 86, nº 284, 11/10/1912: 3) Todos foram recebidos pelas comissões cientificas que haviam se dirigido à Passa Quatro, assim como alunos da Escola Politécnica, Escola de Guerra e outras autoridades. O astrônomo francês Stefanik não esteve presente na estação, e sua ausência foi justificada por Morize. A recepção da comitiva presidencial foi acompanhada de grande aclamação popular na estação, ao som do hino nacional tocado pela banda da corporação musical de S. Sebastião. (A Noite, Anno II, nº 387, 10/10/1921: 2) Após a recepção, todos se dirigiram à fazenda de Rodolpho Hess, onde foi oferecido um almoço em homenagem ao presidente e sua comitiva. Foi nesse almoço ofertado pelo então prefeito de Passa Quatro, José Vicente Lisboa Junior, que o marechal agradeceu a calorosa recepção com um discurso, citado no Correio da Manhã. Segundo o periódico publicava em sua página principal, no dia 11 de outubro, o presidente teria cometido uma gafe neste discurso, já que, ao invés de ser curto e cordialmente ter elogiado o estado mineiro e citado o presidente de Minas em atividade, Bueno Brandão, ele acabou tecendo elogios ao seu companheiro de chapa e candidato às próximas eleições presidenciais, Wenceslau Brás, que assumira o governo do estado durante o curto período de um ano, entre dois mandatos de Brandão. (Correio da Manhã, Anno XII, nº 5.002, 11/10/1912: 1) O presidente ainda agradeceu a Minas Gerais pela grande ajuda na sua eleição. Ele também foi criticado pelo periódico por seu longo discurso, quando foi comparado com seu grande rival na eleição de 1910, Rui Barbosa. Apesar do Correio da Manhã ter chegado a apoiar a candidatura do

marechal nas eleições de 1910, logo após a volta de uma das maiores personalidades do jornal, Gil Vidal, ele colocou-se em oposição à candidatura do mesmo, até porque seu diretor, Edmundo Bittencourt, era amigo e admirador do grande adversário do marechal, Rui Barbosa. No dia do eclipse o tempo não ajudou, e nada pôde ser claramente observado ou fotografado - um verdadeiro fiasco. Somente a comissão chilena conseguiu alguns resultados, sendo estes publicados na Astronomische Nachrichten e também nos Anais de la sociedade Cientifica Argentina. (CAFFARELLI, 1980; BARBOZA, 2010) Após o eclipse, o jovem inglês James H.Worthington ficaria ainda na cidade mineira, por lazer, em companhia de Stefanick, que decidiu permanecer para experimentar o polarímetro de sua invenção, um instrumento destinado à analise da luz. (A Noite, Anno II, nº 388, 11/10/1921: 1) A própria imprensa destacou que o “caçador de eclipses”, Worthington, poderia retornar ao Brasil em 1919, o que de fato acabou não ocorrendo.

Considerações finais O eclipse de 10 de outubro de 1912 não produziu os resultados científicos esperados. Contudo, ainda sim, foi um êxito para o Brasil, porque mostrou que a ciência nacional se fortalecia e era reconhecida por outras nações. A grande importância dada pela imprensa ao eclipse e à presença dos astrônomos estrangeiros no Brasil foi interpretada neste trabalho do ponto de vista simbólico, como a representação de uma imagem de modernidade que o país queria expressar, tanto para si como para o exterior. A imagem de uma nação interessada na ciência e também produtora de ciência. Esta imagem era manchada por alguns fatos ocorridos durante a espera do eclipse, como a permanência do Observatório Nacional em local inapropriado e com instalações precárias, ou a lentidão burocrática na aprovação das verbas necessárias à recepção das expedições estrangeiras. Esses episódios apenas revelavam os limites da modernidade do Brasil da República Velha. O próximo eclipse observado no Brasil se daria em 1919. Durante este eclipse, observado no Ceará, foi confirmada a Teoria da Relatividade de Albert Einstein. Com isso este eclipse, que atraiu não mais do que duas pequenas expedições ao Brasil, entraria para a História, em contraste com o malogrado eclipse de 1912.

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