O pretérito do futuro do livro* Aníbal Bragança

May 25, 2017 | Autor: Anibal Bragança | Categoria: Walter Benjamin, Marshall McLuhan, Tecnologias Digitais, Livro, Cultura Letrada, Práticas De Leitura
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O pretérito do futuro do livro* Aníbal Bragança**

Em uma época em que a xerografia e as técnicas eletrônicas que simulam a palavra impressa invadem o mundo do livro, não seria adequado trocar algumas observações sobre o passado, o presente e o futuro do livro? Marshall McLuhan, “El preterifuturo del libro”1

O futuro do livro traz uma inquietação a todos nós, ao menos os que tivemos e temos as vidas intensamente marcadas pela sua presença, que, em maior ou menor grau, afinal, a todos nós construiu como pessoas. Desde que fomos levados, crianças, a iniciar um longo processo de escolarização – e alguns antes disso – tivemos o livro impresso cotidianamente em nossa vida, fonte para viagens imaginárias, guia para saciar nossa curiosidade, esclarecer nossas dúvidas, colocar-nos desafios, fazer-nos pensar, levar-nos a sonhar e como substituto do pai, com histórias exemplares e disponibilidade permanente. O livro foi e é memória do conhecimento construído, disponível nas estantes – em lugares de forma escassa, em outros, abundantemente – para nossas leituras e pesquisas e, ao menos desde o Renascimento, criador da forma hegemônica de nosso modo de pensar, impondo-nos a linearização e a lógica, exigindo e valorizando o uso da razão para decifrar signos e construir sentidos. Mesmo quando somos tocados pela emoção que nos forja uma lágrima, diante da beleza de um texto, usamos o instrumental cognitivo construído pela alfabetização2. Há muito tempo se discute o futuro do livro. Talvez as preocupações sejam hoje mais disseminadas e em segmentos bem amplos da vida econômica, social e intelectual. Desde pelo menos o fim da primeira Grande Guerra, nas primeiras décadas do século XX (a guerra terminou em 1918), com a expansão do cinema, da radiodifusão e a ascensão dos regimes totalitários, a insegurança e as discussões sobre o futuro do livro se imbricam ou mascaram nas preocupações com o futuro da cultura letrada.

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El Correo, Unesco, Paris, ano XXV, janeiro 1972, Ano Internacional do Livro, p. 16-20. Para aprofundamento, consultar: McLuahn, 1969, 1972 e Lévy, 1993.

O crítico Wilson Martins afirma, no livro A palavra escrita, de 1957: “é inegável que a palavra escrita vive em nossos dias um dramático período de crise, não sendo poucos os que vaticinam, com bons fundamentos, o desaparecimento do próprio livro”3. A seguir explica a crise

não somente como um “ponto de transição entre uma determinada situação e outra, mas também repentina perturbação de um equilíbrio dado”, que ganha expressão no final do século XIX no contexto de uma crise da civilização. E diz: “ainda aqui os extremos se

tocam, e o pináculo da civilização roça perigosamente os limites da barbárie” 4. Remete então o leitor para duas obras por ele consideradas essenciais para a compreensão dessa crise: de Paul Hazard (1878-1944), A Crise da consciência européia5, e de Jean Huizinga (1872-1945), La Crise de la Civilisation, publicadas, coincidentemente, em 1925. Acrescenta ainda os livros La Rebelión de las Masas, de Ortega y Gasset (1930)6, e The Crisis of Our Age (1941), de Pitirim Sorokin7, para alcançar o que chama de “quatro diagnósticos diferentes e complementares para o mesmo problema”. A crise, afirma, “envolvida num lento processo de evolução histórica que somente em nossos dias veio a adquirir velocidade catastrófica”, significa, para Sorokin – e também para Martins – que “uma forma fundamental de cultura e da sociedade está em declínio e uma forma diferente começa a emergir”. Diagnóstico semelhante, sob outro prisma, teve um filósofo apaixonado pelos livros, Walter Benjamin, bibliófilo e colecionador, quando, em 1928, percebeu as mudanças na cultura e no lugar do livro na vida cultural, em decorrência das novas tecnologias e das transformações na vida econômica: Nosso tempo, assim como está em contrapposto com o Renascimento pura e simplesmente, está particularmente em oposição à situação em que foi inventada a arte da imprensa. Com efeito, quer seja um acaso ou não, seu aparecimento na Alemanha cai no tempo em que o livro, no sentido eminente da palavra, o Livros dos Livros, tornou-se, através da tradução da Bíblia por Lutero, um bem popular. Agora tudo indica que o livro, nessa forma tradicional, vai ao encontro do seu fim”.8

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Martins, 1957, p. 424. Martins, 1957, p. 424. 5 Publicado em português, em tradução de Óscar Lopes, pela Edições Cosmos, de Lisboa, em 1948. 6 Disponível em português na tradução de Marylene Pinto Michael, edição Martins Fontes, S. Paulo. 7 A crise do nosso tempo. Trad. de Alfredo Cecílio Lopes. S. Paulo: Ed. Universitária, 1945. 8 Benjamin, 1987, p. 27-8. 4

E Benjamin, nesse mesmo texto, aponta a trajetória da escrita e dos seus suportes, até o ponto que lhe indica o fim do livro em sua forma tradicional: A escrita, que no livro impresso havia encontrado um asilo onde levava sua existência autônoma, é inexoravelmente arrastada para as ruas pelos reclames e submetida às brutais heteronomias do caos econômico. Essa é a rigorosa escola de sua nova forma (grifo nosso). Se há séculos ela havia gradualmente começado a deitar-se, da inscrição ereta tornou-se manuscrito repousando oblíquo sobre escrivaninhas, para afinal acamarse na impressão, ela começa agora, com a mesma lentidão, a erguer-se novamente do chão. Já o jornal é lido mais a prumo que na horizontal, filme e reclames forçam a escrita a submeter-se de todo à ditatorial verticalidade. E, antes que um contemporâneo chegue a abrir um livro, caiu sobre seus olhos um tão denso turbilhão de letras cambiantes, coloridas, conflitantes, que as chances de sua penetração na arcaica quietude do livro se tornaram mínimas. Nuvens de gafanhotos de escritura, que hoje já obscurecem o céu do pretenso espírito para os habitantes das grandes cidades, se tornarão mais densas a cada ano seguinte.9

E talvez para escândalo de seus contemporâneos (e mesmo hoje, para alguns), anunciava que “hoje já é o livro, como ensina o modo de produção científico, uma antiquada mediação entre dois diferentes sistemas de cartoteca”10. Um dos mais eminentes historiadores franceses, Lucien Febvre, no prefácio do hoje clássico O aparecimento do livro, escrito em co-autoria com Henry-Jean Martin, em 1957, afirmou não ter certeza que o livro “possa ainda por muito tempo continuar a desempenhar seu papel, ameaçado como está por tantas invenções baseadas em princípios totalmente diferentes” 11, o que bem demonstra estar atento às inovações tecnológicas de comunicação e informação. A obra do canadense Marshal McLuhan, a maior parte escrita e publicada na década revolucionária de 1960, foi a que mais provocou controvérsia, transformando a seu autor em celebridade e seu livro Understanding media: the extensions of man12 em best-seller, pelas suas reflexões e propostas inusitadas. Despertou a ira de muitos intelectuais letrados e foi menosprezo pela maioria dos agentes do mercado editorial, que, diga-se de passagem, certamente não o leram. Diante do que chamavam as “profecias sobre o fim do livro” de

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Idem, ibidem. Idem, ibidem. 11 Febvre, Lucien & Martin, Henry-Jean, 1992, p. 14. 12 Traduzido no Brasil por Décio Pignatari com o título Os meios de comunicação como extensões do homem. 10

McLuhan não cansavam de apontar as estatísticas do crescimento dos números das edições e de exemplares publicados. McLuhan, na verdade, jamais predisse o “fim do livro”, nem era essa a sua preocupação. Ele fez uma advertência: “não há dúvida de que hoje se escreve, imprime e lê mais do que antes”, mas “os meios elétricos de transmissão de informação estão alterando a nossa cultura tipográfica (grifo nosso) tão nitidamente quanto a imprensa modificou o manuscrito medieval e a cultura escolástica”. Quando muitos o acusavam de “incendiário do livro”, McLuhan afirmou peremptoriamente: “Seria um erro supor que a tendência da cultura em direção ao oral e ao acústico signifique que o livro está se tornando obsoleto. Significa apenas que o livro, na medida em que perde o monopólio (grifo nosso) como forma cultural, vai adquirir novos papéis (...). Como uma ferramenta para o treinamento da percepção, o livro vem adquirindo um novo e importante papel nas últimas décadas”.13 Já em 1964, McLuhan afirmou: “A mera obsolescência da roda não significa o seu desaparecimento. Significa apenas que, como a caligrafia e a tipografia, a roda passará a desempenhar um papel secundário na cultura”14. Ao afirmar sua frase que ficou célebre entre os estudiosos da mídia, “o meio é a mensagem”, o comunicólogo canadense advertia para a necessidade de estudar as novas tecnologias elétricas de comunicação, o telégrafo, o telefone e o fonógrafo, inventados no século XIX, e no século XX, a radiofonia, a televisão e o computador, que estavam criando uma nova configuração cultural ao Ocidente, pondo um fim à hegemonia da Galáxia de Gutenberg, deslocando a cultura tipográfica do centro que até então ocupava, para dar lugar à nova configuração cultural da Aldeia Global. Crise de civilização para uns, novas perspectivas que se descortinam para outros. Para todos muito mais do que o “fim do livro”. Definindo-se como um “homem de letras”, McLuhan chega a confessar que “a dissolução da tradição no envolvimento elétrico dos sentidos” era um processo doloroso e que o desagradava pessoalmente muito, concluindo, em entrevista, que “as mudanças que se produzem são nefastas”, embora esperasse que delas surgisse “uma sociedade retribalizada livre da fragmentação e da alienação da era mecânica”15. 13

In Counterblast, p. 98-9, citado por Palácios, 1993. In Os meios de comunicação como extensões do homem, 1969 [1964], p. 249. 15 In “Entrevista com Herbert Marshall McLuhan”, Casasús, 1979, p. 22-3. 14

Em seu livro A galáxia de Gutenberg, publicado originalmente no Canadá em 1962 e dez anos depois no Brasil, McLuhan disseca o processo de formação da cultura moderna e como essa cultura estava se transformando numa outra cultura, antecipando em muitos pontos e muitos anos a discussão ora corrente sobre a chamada pós-modernidade16. A edição brasileira da Galáxia veio precedida de apresentação de Anísio Teixeira, que assim se refere a McLuhan: A sua obra é como a revelação de uma fotografia. Não é um criador de pensamentos, ou de ideologia, ou de teorias de natureza humana ou de sociedade, mas alguém que busca ver e descrever o que se passou com a evolução do homem em seu esforço por desenvolver-se e criar o seu mundo, inventando as tecnologias que lhe estenderam os sentidos e o poder de formar suas culturas. (...) O esforço de McLuhan tem incrível penetração e tal originalidade de intuição e percepção que chega a ser desconcertante, dando-nos, por vezes, uma certa vertigem, sobretudo aos que se fizeram integral e plenamente homens gutenberguianos da cultura da palavra impressa, a cultura que nos fez “indivíduos”, que criou o “público”, o “Estado”, as “nações”, o “pensamento científico”, desinteressado e objetivo, a “secularização” global da vida humana.17

Ao contrário da visão caolha de grande parte de seus críticos, a preocupação de McLuhan não era com o fim do livro, cuja existência continuaria seu curso, embora ocupando um lugar não central no novo sistema cultural, mas com as transformações que os novos meios estavam trazendo nas formas modernas de pensamento, linear e racional, nas sociabilidades e subjetividades, com o fim da homogeneização e o surgimento de novos espaços sociais para as chamadas minorias e os diferentes, na organização e nas formas do trabalho, com o fim das linhas de montagem, as organizações hierárquicas verticais, das relações centro-margem, com o surgimento de múltiplos centros, a crise das teorias pretensamente universais e permanentes como formas canônicas de conhecimento, na educação e nas práticas educacionais, no fim das fronteiras nacionais e uma revalorização do local e do regional, criando formas novas de relação com a natureza, uma consciência ecológica planetária, uma crise das formas tradicionais de fazer política na democracia representativa e nos governos totalitários, alterações nas relações entre os blocos internacionais que então se dividiam na chamada “guerra fria”. Para muitos uma “crise da civilização” e a ameaça do retorno à barbárie. 16 17

Ver: Palácios, idem, ibidem. “Apresentação da edição brasileira”, in McLuhan, 1972, p. 12.

Após o lançamento do primeiro satélite de comunicações, em 1962, afirmou McLuhan: estamos no escuro quanto às implicações políticas do Telstar. O lançamento desses satélites como extensões de nosso sistema nervoso provoca uma resposta automática em todos os órgãos do corpo político da Humanidade. Esta nova intensificação de todos os órgãos, a fim de que a energia e o equilíbrio se conservem. Para a as crianças, o processo de ensinar e aprender será afetado mais cedo do que se imagina. O fator tempo adquirirá novas formas no mundo dos negócios e das finanças. E estranhos turbilhões de poder aparecerão inesperadamente entre os povos do mundo (grifo nosso)18.

Estavam surgindo novas formas de pensar, sentir e de se relacionar no mundo, apontando desde então as transformações que geraram a cultura contemporânea (ou pósmoderna) que, a maioria, como peixes imersos num aquário, não percebia o que se passava à sua volta, e que só a partir dos anos 1980 começou a ser discutida e ter status de tema acadêmico em nossas universidades. Deve ficar claro que a insegurança que sentimos hoje, com relação ao futuro do livro impresso, não é pelo risco de que os livros desapareçam. Muito pelo contrário. O patrimônio bibliográfico de milhões, ou bilhões, de livros existentes no mundo, nas editoras e livrarias, nas bibliotecas particulares, nas escolares e nas públicas, não será incendiado sistematicamente como fantasiou Ray Bradbury, na década de 1950, no romance apocalíptico Fahrenheit 45119. As bibliotecas nacionais, que são emblemas da construção da nacionalidade e museus zelosos da cultura letrada de um país, com seus inúmeros e variados impressos, por mais que padeçam de falta de recursos para uma adequada manutenção, não serão abandonadas às traças, mesmo quando mantidas mais como patrimônio histórico a preservar do que como uma instituição atuante na construção da identidade e na disseminação da memória e dos documentos que retêm. Tão pouco é porque se deixem de produzir livros impressos. A indústria editorial, por mais que se queixe de crise encontrará mecanismos para continuar funcionando, ocupando milhões de profissionais pelo mundo afora, remunerando os vultosos capitais nela envolvidos, tendo o livro impresso como seu produto principal, mesmo quando agrega a seu catálogo outras mídias virtuais, embora, registremos, esses rendimentos possam ser 18

McLuhan, 1969, p. 119. Publicado no Brasil, em 1985, pela Editora Melhoramentos, com tradução de Donaldson M. Garschagen. François Truffaut dirigiu, em 1966, uma bela adaptação cinematográfica do livro, com o mesmo título. 19

decrescentes e sabe-se lá até quando, especialmente em nosso país, que tem no mercado do livro escolar e no seu cliente, o Estado, a galinha dos ovos de ouro de autores e editores Há, aqui, nuvens sombrias em seus horizontes. Os professores que vemos tão engajados na missão de alfabetizar e transformar a realidade social e o mundo em que vivemos – com suas brutais desigualdades e injustiças, inclusive no acesso aos bens culturais – continuam acreditando no poder do livro e da leitura (os congressos promovidos pela Associação de Leitura do Brasil e realizados bianualmente na Unicamp são disso pungente testemunho) e vão continuar sua missão pelo país inteiro – e não só no Brasil – realizando trabalhos admiráveis e vencendo obstáculos com força e tenacidade, durante muitos anos, ainda alicerçados nos princípios da Ilustração – mesmo que estes estejam cada vez mais vulneráveis aos atuais questionamentos. E apesar da presença, muitas vezes estranha e desafiadora, dos computadores que chegam cada vez mais freqüentemente às escolas, alguns até antes da luz elétrica!, mesmo quando lhes falta uma pequena biblioteca, e talvez mesmo por isso. O futuro não parece apontar grandes desvios de rumo nesta tarefa, pois a cada dia, ao contrário, do que seria de esperar, mesmo com a dedicação desses mestres, o país continua a produzir contingentes crescentes de analfabetos funcionais. A magia do livro impresso e sua funcionalidade são suficientemente fortes para o fazer resistir diante do poder das novas tecnologias de informação, cultura e entretenimento. Pode-se afirmar que o livro não morrerá nunca, como não morreram o teatro e a pintura de cavalete, que passaram a destinar-se a poucos e raros, mas convivendo com o cinema e a fotografia. E os amantes do livro a cada dia encontram nas livrarias mais belos e melhores exemplares, graças aos editores, aos artistas do design e aos avanços da tecnologia gráfica. Entretanto, deslocado de seu lugar central na cultura da Aldeia Global, o livro impresso deverá agora conviver não só com outras formas de acesso e de expressão da arte, da informação e da cultura, como também com outras formas de livro, com novos suportes possibilitados pela informática, pelo mundo virtual e pela rede Internet. Jason Epstein, experiente editor americano, explica a “crise do livro”20, pelas transformações na área da distribuição e comercialização, começando pelas transformações 20

Epstein, 2002.

trazidas pela popularização do automóvel, que permitiram às classes médias morar nos subúrbios em busca da natureza e de novas formas de convivência, e trouxeram a decadência do comércio urbano de rua, que levou ao fim de muitas livrarias tradicionais, com sua diversidade de estoques, e, paralelamente, à criação das grandes redes de distribuição e venda de livros instaladas nos shoppings centers, afastados dos centros urbanos Estes, devido aos altos custos dos aluguéis por metro quadrado das superfícies, que impunham uma maximização dos lucros operacionais e a concentração de seus acervos nos best-sellers do momento, criados, em geral, pela mídia e por personalidades de seu meio, passaram a excluir de suas prateleiras os livros menos rentáveis devido à sua baixa rotatividade, o que foi levando ao fim das editoras que apostavam na permanência de seus catálogos, com obras de venda segura e a longo prazo. Tais transformações abalaram o poder do editor-empresário, muitas vezes um intelectual imbuído do “eros pedagógico” iluminista, cuja atividade media-se menos pela rentabilidade imediatista do best-seller que pela aposta no tempo, o que o levava a investir em autores novos de talento promissor, nas obras clássicas e nas novas teorias e na ensaística da cultura letrada21. A hegemonia da mídia eletrônica favoreceu uma grande concentração na indústria editorial, com fusões e incorporações de editoras tradicionais pelos conglomerados da indústria do entretenimento ou do mundo das finanças que, com as novas possibilidades de comunicação do mundo da ‘aldeia global”, tiveram suas possibilidades de aumento de lucros grandemente favorecidas. Ao mesmo tempo, deve reconhecer-se, fez surgir uma infinidade de pequenas editoras, com inéditas possibilidades em mercados em de baixa tiragem. As novas tecnologias no campo da informática e telemática vêm transformando o mundo do conhecimento e o universo escolar, provocando mudanças na pedagogia, nos programas curriculares e nas relações professor-aluno. Mais ainda, provocam novos tipos de apropriações e usos do livro, com a fragmentação da bibliografia em textos que os professores disponibilizam nas oficinas de cópia xerox para seus alunos, que cada vez menos formam bibliotecas pessoais ou mesmo lêem livros completos, apesar das coleções

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Cf., do autor, Eros pedagógico: a função autor e a função editor. 2001.

de baixo custo e temas concisos colocadas à disposição pelas editoras voltadas para o público universitário. Hoje, uma nova cultura voltada para a eficácia e marcada pela imediatez leva-nos cada vez mais à busca de conhecimentos na rede mundial da Internet, que se transformou no maior acervo de banco de dados jamais alcançado em qualquer biblioteca tradicional. E, cada vez mais, lemos menos. Mesmo quando compramos mais livros. As novas tecnologias oferecem interatividade e possibilidades de navegação num universo sem fim de links e conexões, que se aproximam da velocidade do pensamento, sem limites espaciais e temporais, provocando nova noção de tempo, pontual, como indica Pierre Lévy, e descortinando possibilidades antes inimagináveis. Mas não para Benjamim ou McLuhan. A desmaterialização do texto virtual tem levado algumas editoras e muitos centros de pesquisa a buscar um substituto do papel para os livros, que tenha as vantagens da leveza e instantaneidade da Internet, mas permitindo a mesma portatibilidade do livro impresso. Como aconteceu na época dos incunábulos, busca-se nas novas formas técnicas e nos novos suportes alcançar as características da forma anterior para agradar aos consumidores tradicionais do livro. Fugaz ilusão. Não será a possibilidade de um e-book armazenar cem clássicos da literatura universal que fará com que o consumidor o adquira para seus fins-de-semana na serra, menos ainda se forem na praia. O número de leitores interessados em ler os chamados clássicos do cânone moderno é cada vez menor, como se comprova nas bancas de saldos dos sebos e livrarias. Mas, como nada é simples, como explicar o lançamento dos grandes clássicos da literatura ou da filosofia em edições de centenas de milhares de exemplares, vendidos em bancas de jornais, no mundo todo? As novas tecnologias de reprodução de textos e obras, desde a fotocópia, passando pela Internet, têm trazido problemas aparentemente insolúveis ao campo jurídico dos direitos autorais, que é o fundamento da indústria editorial, pois é o que estabelece os interesses dos autores, editores e mesmo dos leitores. Problemas que se acrescentam a um panorama já complexo, marcado pelas incertezas.

Se a profecia foi possível, até aos anos de 1960, hoje é desnecessária. Já entramos no futuro e ele é incerto. Talvez fosse mais fácil falar do futuro do livro, apesar de sombria, se na visita ao estande da feira de livros que se realiza aqui no campus, durante o Congresso, eu não tivesse escutado João Pedro, de três anos, falando, quando folheava um belo exemplar ilustrado num estande de livros infantis, “eu amo livros”! Campinas, 2003, Niterói, 2004.

Bibliografia citada: Benjamin, Walter. “Guarda-livros juramentado” [1926], in Rua de mão única. Obras escolhidas II. Trad. de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo:Brasiliense, 1987. Bragança, Aníbal. Eros pedagógico: a função autor e a função editor. 2001. Tese de doutorado. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), 2001. Casasús, José Ma. (texto). Teoria da imagem. Trad. de Nestor de Sousa. Biblioteca Salvat de Grandes Temas, v. 29. Rio de Janeiro: Salvat, 1979. Epstein, Jason. O negócio do livro: passado, presente e futuro do mercado editorial. Trad. de Zaida Maldonado. Rio de Janeiro: Record, 2002. Febvre, Lucien & Martin, Henry-Jean. O aparecimento do livro. Trad. de Fulvia M. L. Moretto & Guacira Marcondes Machado. São Paulo: Ed. Unesp ; Hucitec, 1992. Gasset, José Ortega y. Misión del bibliotecario y otros ensayos afines. 2a. ed. Madrid: Revista de Occidente, 1967. Lévy, Pierre. As tecnologias da inteligência; o futuro do pensamento na era da informática. Trad. de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: 34, 1993. Machado, Arlindo. “Fim do livro?”, in Estudos avançados, v. 8, nº 21, maio-agosto 1994. Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 201-14. Martins, Wilson. A palavra escrita. São Paulo: Anhembi, 1957. Há reedições recentes pela Editora Ática, também de S. Paulo. McLuhan, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Trad. de Décio Pignatari. São Paulo:Cultrix, 1969 ________ . A galáxia de Gutenberg. A formação do homem tipográfico. Trad. de Leônidas Gontijo de Carvalho e Anísio Teixeira. São Paulo: Edusp ; Nacional, 1972. ________ . “El preterifuturo del libro”, El Correo, Unesco, Paris, ano XXV, janeiro 1972, Ano Internacional do Livro, p. 16-20. Palácios, Marcos. “Memórias do aquário. Comunicação e sociabilidade em McLuhan para uso e abuso dos comunicólogos”, in Textos de cultura e comunicação. Salvador, 1º sem 1993, fase II, nº 29, p. 85-95.

* Publicado no livro Cultura letrada no Brasil, objetos e práticas, organizado por Márcia Abreu e Nelson Schapochnik, editado pela Mercado de Letras e Associação de Leitura do Brasil (ALB), de Campinas (SP) e Fapesp (São Paulo), em 2005, p. 487-498. ** Professor da Universidade Federal Fluminense. Coordenador do LIHED – Núcleo de Pesquisa sobre Livro e História Editorial no Brasil. www.livroehistoriaeditorial.pro.br .

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