O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA: PROTEÇÃO E TÓPICA JURISPRUDENCIAL DOS CONTRATOS DE SAÚDE SUPLEMENTAR (PATRÍCIA CANDIDO ALVES FERREIRA)

July 15, 2017 | Autor: R. Rdcc | Categoria: Private law, Direito Civil
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O princípio da confiança: proteção e tópica jurisprudencial dos contratos de saúde suplementar

O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA: PROTEÇÃO E TÓPICA JURISPRUDENCIAL DOS CONTRATOS DE SAÚDE SUPLEMENTAR Principle of reability: protection and case law in contracts of supplemental health services Revista de Direito Civil Contemporâneo | vol. 2/2015 | p. 83 - 107 | Jan - Mar / 2015 DTR\2015\2178 Patrícia Cândido Alves Ferreira Mestra em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito (Largo São Francisco) da Universidade de São Paulo - USP. Assessora de Ministro do Superior Tribunal de Justiça - STJ. Exassistente de Ministro do Supremo Tribunal Federal- STF. [email protected] Área do Direito: Civil; Consumidor Resumo: Na sociedade de risco, o princípio da confiança tem inegável relevância, particularmente pela crescente ruptura da liberdade contratual. A confiança tem como função primordial infundir maior segurança às relações jurídicas. Nos contratos de massa, é comum a quebra da confiança superveniente à celebração do contrato de adesão, haja vista o descumprimento (por impossibilidade ou recusa) de obrigações contratuais. Tal situação advém, muitas vezes, do uso desvirtuado da informação para obter a confiança necessária à adesão do consumidor ao contrato. Assim, este estudo analisa os principais aspectos do princípio da confiança, em especial no tocante à jurisprudência pátria sobre os contratos de saúde suplementar (típico exemplo de contrato de massa). Palavras-chave: Princípio da Confiança - Boa-fé - Contrato de prestação de serviços de saúde Saúde suplementar - Jurisprudência brasileira. Abstract: In the risk society the principle of trust has undeniable significance, particularly by increasing the rupture of freedom of contracts. The main function of the trust is infuse greater certainty to legal relations. After mass contracts acceptance, the breakdown of trust is common in contractual obligations non-compliance (for inability or refusal). This situation often is caused by fraudulent use of consumer information standards in adhesion contracts. So this study analyzes the mains aspects of the principle of trust, with a special reference to the Brazilian contracts supplemental health jurisprudence (a tipical example of an adhesion contract). Keywords: Principle of Trust - Good Faith - Contract Health Services - Supplemental Health Brazilian Case law. Sumário: - 1.Introdução - 2.A confiança - 3.A confiança na saúde suplementar - 4.Conclusão - 5.Referências bibliográficas

Recebido em: 09.12.2014 Aprovado em: 02.01.2015 1. Introdução Este artigo tem por objeto o tema da confiança, ainda não exaurido pelo direito privado brasileiro. O estudo pleiteia a favor da tese segundo a qual a confiança demanda autonomia, requerendo, pois, dedicação por parte dos estudiosos no sentido de delimitação de seus contornos, a fim de que sua tutela se mostre útil, e não mero veículo de judicialização aliado à insegurança jurídica. Na contextualização do problema dentro do horizonte jurídico, recorreu-se às doutrinas nacional e estrangeira, optando-se, também, por sua análise à luz da jurisprudência pátria, que muito tem se fundamentado na teoria da confiança, designadamente nas ações relativas a contratos de saúde suplementar, área sensível do direito privado atual. 2. A confiança A confiança tem sido reiteradamente invocada como elemento digno de apreço nas relações Página 1

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jurídicas. A proteção da confiança depende, contudo, de uma melhor compreensão de seu espaço aplicativo e de sua funcionalidade no direito contemporâneo. 2.1 A distinção entre boa-fé e confiança Para além de ser um princípio essencial das obrigações civis, a boa-fé estende-se a outras áreas do direito e, ainda, à valoração de condutas. Seus múltiplos significados escapam à definição ordinária, de sorte que a boa-fé também se enquadra na categoria de cláusula geral, cuja compreensão, como conceito indeterminado ou aberto, costuma depender de juízos de valor. Na recensão de Menezes Cordeiro, a natureza juscultural da boa-fé torna-a uma criação humana, fundada, dimensionada e explicada em termos históricos.1 A pretexto de diretriz, diz-se que a boa-fé sobrepuja a perspectiva positivista e visa a reparar desequilíbrios e injustiças, refletindo a busca da ordem por meio dos valores ético-jurídicos da comunidade, das particularidades da situação concreta e da juridicidade social e materialmente fundada.2 Dentre as proposições fundamentais que orientam o direito contratual brasileiro, o princípio da boa-fé sobreleva-se por determinar não apenas regras de conduta, mas também por se espraiar amplamente pelo Código Civil de 2002. Embora o art. 422 do CC/2002 tenha consagrado a boa-fé tanto na “conclusão do contrato, como em sua execução”, a doutrina e a jurisprudência defendem sua aplicação também nas fases pré-contratual e pós-contratual.3 Para alguns autores, o citado dispositivo compreenderia como cláusula geral tão somente a boa-fé objetiva (critério normativo de valoração de condutas),4 uma vez que a boa-fé subjetiva (estado de consciência do agente) estaria definida pelo art. 113 do CC/2002 como técnica de interpretação do negócio jurídico. Na perspectiva de Antônio Junqueira de Azevedo, a boa-fé objetiva, prevista como cláusula geral no art. 422 do CC/2002, possui dois níveis. O primeiro nível (negativo e elementar) faz-se comum a todos os contratos e relaciona-se ao não agir com má-fé. E o segundo nível (positivo) é o âmbito de cooperação, ao qual a boa-fé atribui deveres positivos, como o dever de informar; porém, aqui, a boa-fé exigida dependerá do tipo de contrato, sendo maior nos contratos existenciais (v.g. os de consumo) do que nos contratos empresariais.5 A boa-fé objetiva também comete às partes o cumprimento de deveres laterais,6 complementares à obrigação principal (objeto do contrato), tais como os deveres de lealdade, segurança, informação e cooperação. Na atual doutrina portuguesa, o alcance da cláusula geral da boa-fé delimitar-se-ia mais precisamente pelo conceito de ligação especial entre sujeitos determinados ou determináveis.7 Para uns, o sentido da cláusula geral da boa-fé estaria demarcado por três (sub) princípios: o da confiança, o da prioridade da substância sobre a forma e o da proporcionalidade. Tanto o princípio da confiança quanto o princípio da prioridade da substância sobre a forma estariam voltados ao controle da conduta (ou ao controle do procedimento de formação ou de conformação do contrato), ao passo que o princípio da proporcionalidade se vincularia ao controle do conteúdo (ou ao controle dos resultados do procedimento de formação ou de conformação do contrato).8 Para outros, o princípio da confiança não seria um subprincípio da boa-fé e, sim, um princípio autônomo,9 linha mais condizente com a doutrina obrigacional da pós-reforma do BGB havida em 2001. 2.2 O sentido sociológico da confiança Niklas Luhmann aprofunda a leitura sociológica da confiança (Vertrauen). Seria ela, na concepção teórico-sistêmica, um dos principais fatores de atenuação da complexidade das relações sociais.10 Página 2

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A confiança mostrar-se-ia necessária especialmente nas relações com efeitos futuros que apresentassem complexidade mais ou menos indeterminada, nas quais a supremacia instrumental não fosse, por si só, suficiente para garantir a desejada estabilidade das expectativas. Luhmann divide a confiança em: (i) confiança processual: fundada em relações pretéritas e na evolução de um conhecimento sobre o outro (como reputação, marca e garantia de qualidade); (ii) confiança baseada em características: advinda da similaridade social entre quem confia e o depositário da confiança (v.g. indivíduos provenientes da mesma comunidade ou que congregam idêntica religião); e (iii) confiança institucional: gerada pela estrutura social formal, cujos mecanismos legais tendem a reduzir os riscos e, assim, favorecer o surgimento da confiança.11 A confiança institucional é a que mais interessa ao direito, merecendo sua especial proteção. 2.3 O sentido da confiança para o direito Para Menezes Cordeiro, a ideia da confiança, protegida desde o direito romano, adviria das distintas manifestações da boa-fé, de modo a reconhecer e a tutelar “a situação em que uma pessoa adere, em termos de actividade ou de crença, a certas representações, passadas, presentes ou futuras, que tenha por efectivas”.12 E mais: a confiança representaria uma ponte entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva, ao passo que em ambas se fundamentaria. Assim, o elo entre a confiança e a boa-fé significaria uma conclusão importante para a ciência jurídica; contudo, “ele só se torna produtivo quando, à confiança, se empreste um alcance material que ela, por seu turno, comunique à boa fé”.13 José de Oliveira Ascensão tem defendido que, a despeito da experiência alemã, a confiança não assume, no direito português, a mesma relevância da boa-fé. A confiança, por um lado, faria sentido somente se assentada no estado de espírito daquele a quem ela fosse atribuída; mas, por outro lado, essa inafastável subjetividade faria da confiança um instituto frágil.14 2.3.1 A confiança como princípio O princípio da proteção da confiança tem seus estudos sistematizados na Alemanha, a partir do término da Segunda Guerra, quadra histórica em que o Estado alemão dilatou suas atribuições. Posteriormente, a doutrina da proteção da confiança (Vertrauensschutz) passou a receber influência da boa-fé objetiva (Treu und Glauben), inclusive em países com direito civil de tradição germânica. Nessa esteira, Menezes Cordeiro aduziu que a tutela da confiança corresponderia a um princípio fundamental de concretização da boa-fé objetiva. A proteção da confiança far-se-ia por disposições legais específicas e institutos legais. Aquelas estabeleceriam situações típicas em que uma pessoa receberia uma vantagem por crer em determinada circunstância. Estes manteriam liame com valores jurídicos fundamentais vinculados a um comando objetivo de boa-fé.15 De igual modo, Carlos Alberto da Mota Pinto percebeu o princípio da confiança como uma manifestação importante do princípio da boa-fé. A confiança de alguém no comportamento de outrem que contribui para erigir essa confiança, justificada perante o caso concreto, seria significante para o direito. Assim, “essa relevância jurídica pode levar a atribuir efeitos jurídicos a uma situação tão só aparente, ou ficar-se, como sucederá normalmente, por criar a obrigação de indemnização pela frustração das legítimas expectativas”.16 No direito nacional, Teresa Ancona Lopez, ao cuidar da temática do abuso do direito, afirma que o Código Civil de 2002 reconheceu a teoria da confiança como base de relações intersubjetivas. Fundamentada na boa-fé entre as partes, a teoria da confiança estaria amparada pela cláusula geral do abuso do direito, a qual resguardaria e efetivaria a relação de confiança, como indício de que a pessoa e sua revalorização ocupariam posição central no ordenamento civil brasileiro.17 Acresça-se que, invocando a tutela da confiança também pelo art. 187 do CC/2002, a autora expõe que a quebra de confiança das partes ocorreria pelo ilegítimo ou abusivo exercício de direito, abrangendo o venire contra factum proprium, o tu quoque, a surrectio, a supressio, o inadimplemento substancial e a lesão positiva do contrato.18 Página 3

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Mencionando a confiança como princípio garantidor das expectativas legítimas nas relações de consumo, Sergio Cavalieri Filho expressa que o consumidor, ao confiar em certo produto, deposita credibilidade neste ou na relação contratual, objetivando atingir suas expectativas amparadas pelo princípio da confiança.19 Retomando o direito civil, há entendimento no sentido de que a força da liberdade contratual faria com que a proteção da confiança, quando desvinculada de um negócio jurídico, tivesse caráter excepcional. A conduta de uma pessoa, em regra, somente a vincularia se se referisse a uma declaração de vontade válida e eficaz. Entretanto, seria possível que, excepcionalmente, a conduta de uma pessoa viesse a vinculá-la mesmo não se relacionando a uma declaração negocial ou mesmo se relacionando a uma declaração negocial carente de validade ou de eficácia. Segundo tal raciocínio, a autovinculação a um negócio jurídico estaria amparada pelo princípio da autonomia privada, enquanto a autovinculação sem negócio jurídico se basearia no princípio da confiança.20 Sustenta tendência recente, erigida sobre a análise da confiança como princípio autônomo, que o princípio da confiança e o princípio da boa-fé (objetiva) se avigoram reciprocamente, mas não devem ser confundidos.21 Importa consignar que o princípio da confiança não protege situações de mera esperança e, tampouco, de certeza, mas um meio-termo entre ambas. A propósito, esclarece Valter Schuenquener de Araújo, nos moldes do pensamento de Claus-Wilhelm Canaris, que não se tutela a confiança cega (blind) relacionada ao desconhecimento dos fatores que explicariam um modo de proceder. Uma pessoa que “nunca soube que poderia construir um prédio de 10 andares em um terreno de sua propriedade não pode fazer o uso do princípio para evitar a supressão de uma previsão legal ou administrativa nesse sentido”. Nem se exige que o particular possua certeza absoluta sobre a futura estabilidade de uma relação jurídica, pois, “além de essa certeza ser algo de impossível avaliação, se ela existisse, não estaríamos diante de uma situação de confiança, mas de um evento futuro e certo”.22 Por oportuno, o princípio da confiança também se distingue do direito adquirido. Este ampara situações jurídicas incorporadas definitivamente ao patrimônio de um particular em momento anterior a eventuais mudanças normativas (situações, em regra, concluídas no pretérito). Aquele se estende não somente a situações já concretizadas, como também a situações ainda não concluídas ou fruto de razoáveis expectativas.23 2.3.2 A responsabilidade pela confiança Até que ponto uma pretensão indenizatória por frustração da confiança não se subsumiria nas modalidades clássicas de responsabilidade civil? Seria tal suposta confiança apta a desencadear a proteção jurídica? Para além da aporia entre a confiança subjetiva e a confiança normativa, são necessárias delimitações mínimas no tocante à responsabilidade. Diante da questão do enquadramento da responsabilidade pela confiança na responsabilidade civil tradicional, Carneiro da Frada defende posição minoritária no sentido da existência de um tertium genus: a proteção da confiança seria um terceiro gênero de responsabilidade civil, autônoma em relação às duas grandes modalidades já existentes (a contratual e a aquiliana). Na terceira via autônoma, estariam incluídos fenômenos de responsabilidade por deveres não delituais ou não contratuais, tais como a responsabilidade por informação ou por violação de deveres de proteção (deveres específicos). Além disso, a responsabilidade pela frustração da confiança seria independente daquela advinda do descumprimento dos deveres laterais de conduta ligados à boa-fé.24 Assinale-se que a ideia da relação unitária de proteção – de sua conexão com a confiança e da autonomia da responsabilidade pela confiança –, foram desenvolvidas, anteriormente, pela doutrina de Claus-Wilhelm Canaris.25 Todavia, como a teoria da responsabilidade pelo tertium genus carece de bases regulamentares, são severas as críticas a esse pensamento, sobretudo por implicar a aceitação de uma responsabilidade sem ilícito.26 Página 4

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Na doutrina brasileira, referindo-se à proteção da confiança nas relações de consumo, Fernando Campos Scaff avalia a adoção da teoria unitária da responsabilidade civil: “Tal sistema de imputação de responsabilidades, previsto pelo Direito Civil, mostra-se, contudo, insuficiente para oferecer as garantias necessárias aos consumidores, em especial pelas dificuldades de comprovação de culpa do ofensor, ônus que, por regra, é imputado à vítima, naquele sistema. A necessidade de alteração de tal sentido geral de coisas, numa legislação com caracteres nitidamente protetores a um dos lados da relação jurídica que se forma, foi reconhecida e afirmada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, como verdadeiro princípio. De fato, ‘no âmbito do Direito do Consumidor, por força da necessidade de uma atuação mais eficiente de medidas tutelares, já se verifica a adoção da teoria unitária da responsabilidade civil, sob a roupagem da teoria da qualidade. A responsabilidade pelo vício de qualidade instituída por nosso Código de Proteção e Defesa do Consumidor representa a consagração de um dever de qualidade, anexo à atividade do fornecedor e fundado no princípio da proteção à confiança. Este dever de qualidade imprime no próprio produto ou serviço a garantia de ausência de vício de qualidade por insegurança ou inadequação, funcionando, assim, como fundamento único da responsabilidade, contratual e extracontratual, da cadeia de fornecedores em relação aos consumidores e fazendo prescindir inteiramente da existência de vínculo contratual entre uns e outros para a responsabilização dos primeiros.’”27 A propósito dos contratos de massa, pode-se dizer que, dada a larga utilização de contratos de adesão, a responsabilidade pré-contratual teria importância secundária: a parte adere ou não adere, sendo infrequente a chamada frustração da confiança pelo rompimento injustificado das negociações. Mais comum seria a quebra da confiança superveniente à celebração do contrato de adesão, consubstanciada na falta de cumprimento (por impossibilidade ou recusa) dos deveres de prestação ou dos deveres de conduta. Tal situação se origina, muitas vezes, de uma manipulação deletéria e estratégica da informação enquanto elemento desencadeador da confiança necessária à adesão do consumidor ao contrato. Em tais casos, parece nítido que a frustração da confiança deverá ser analisada no contexto da responsabilidade contratual. 2.3.2.1 A confiança e a culpa in contrahendo: a experiência alemã Para fins de estudo comparado, é interessante anotar que o conceito de relação obrigacional no direito alemão possui amplitude consideravelmente maior do que no direito brasileiro, existindo naquele, inclusive, a obrigação sem dever de prestação ou sem vinculação especial, muitas vezes com respaldo no dever de consideração decorrente da boa-fé objetiva.28 Conforme o ordenamento jurídico alemão, a ideia de confiança, por exemplo, poderia estar presente mesmo em situações ainda não pactuadas. Devidamente a par da reforma do BGB ocorrida em 2001 e de seus desdobramentos, Karina Nunes Fritz explana que, no direito civil alemão, a culpa in contrahendo tem âmbito normativo particularmente amplo, englobando, até mesmo, uma fase anterior à própria fase pré-contratual. Enquanto no direito civil brasileiro a culpa in contrahendo tende a alcançar somente as negociações preliminares, ela abarcaria, no direito alemão, “também uma fase anterior às negociações, na qual as partes se encontram em uma situação de contato negocial”.29 Ocorre que, a partir de 2001, o Código Civil alemão, acolheu, de maneira inovadora, a figura da responsabilidade pré-contratual, mediante o acréscimo do inc. II ao § 311 do BGB.30 É claro que, em regra, as partes têm liberdade para, sem motivo especial, começar ou desistir de uma negociação, contanto que cada uma arque com as despesas havidas nesse período. Tal regra não será válida, porém, se uma das partes der a celebração contratual como certa, a ponto de despertar na contraparte uma confiança nesse sentido, hipótese em que a responsabilidade apenas será eximida pela apresentação de um motivo legítimo.31 Logo, seriam requisitos típicos da responsabilidade pelo injustificado abandono dessas conversações: a existência de negociações, a confiança na celebração do contrato e a violação Páginado 5

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dever de lealdade por meio do rompimento ilegítimo, aos quais se somariam os requisitos genéricos da responsabilidade civil (dano, culpa e nexo causal entre rompimento e dano).32 Elucida a autora que: “O rompimento injustificado revela-se através da análise do comportamento de quem rompe as negociações: não é apenas o motivo em si alegado para justificar o rompimento que deve ser considerado, mas, sobretudo, o comportamento da parte diante deste motivo. O dano indenizável corresponde a tudo aquilo que a parte gastou (dano emergente), bem como às oportunidades perdidas (lucro cessante) a partir do momento em que surgiu a confiança na conclusão do contrato, pois as despesas anteriormente realizadas, posto que normalmente despendidas no intuito de formar o juízo de conveniência acerca do contrato, devem ser assumidas por cada uma das partes.”33 Consequentemente, no direito alemão, a tutela da confiança em face da culpa in contrahendo ampara-se em dados objetivos, de sorte que, em idênticas circunstâncias, qualquer homem médio confiaria na celebração contratual. 3. A confiança na saúde suplementar No Brasil, o contencioso dos contratos de massa relacionados à saúde tem se deparado cada vez mais com a tutela jurisprudencial da confiança, seja no direito civil, seja no direito do consumidor. Inicialmente, registre-se que disputam o viés do mercado atinente à saúde suplementar empresas de planos de saúde, seguradoras, cooperativas e empresas de autogestão, modelos que, consoante bem observa Fernando Campos Scaff, apresentam mais similaridades do que dissonâncias, além de possuírem objetivos finais comuns.34 3.1 Considerações sobre os contratos de saúde No segmento de assistência suplementar à saúde, existem dois marcos legislativos específicos: a Lei 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, e a Lei 9.961/2000, que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar-ANS. Indistintamente, a Lei 9.656/1998 trata por operadora de plano de assistência à saúde a “pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato” referente à “prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando à assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor” (art. 1.º, I e II). Para os limites deste estudo, importam duas modalidades de contrato médico e hospitalar: o contrato de seguro-saúde e o contrato de plano de saúde. No seguro-saúde, o segurado, mediante o pagamento do prêmio, repassa à seguradora, que garante o risco, a possibilidade de perda financeira advinda de custos de serviços e produtos necessários à assistência à saúde de quem figurar como beneficiário. O objetivo do seguro-saúde não é especificamente garantir a saúde do segurado e, sim, cobrir riscos de assistência médica e hospitalar, pelo sistema de livre escolha ou convênio, por meio do pagamento do prêmio (função do risco), até os limites máximos estipulados na apólice, obedecidas as inclusões e exclusões nela descritas e observado o disposto no Código Civil e na Lei de Seguros (Dec.-lei 73/1966). Contrato típico com amplo tratamento no ordenamento civil brasileiro, nos termos dos arts. 757 e ss. do CC/2002, o seguro guarda relação próxima com a boa-fé entre os contratantes, em particular porque a seguradora conta com a lealdade do segurado no fornecimento de declarações, as quais, em regra, não são totalmente averiguadas por aquela.35 No seguro, o contrato está fundado nas afirmações feitas pelos contratantes, o que demanda confiança no dizer de uma e outra parte, mesmo porque o sistema opera sob o regime de dissolução Página 6

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mútua de riscos. Se se exigir boa-fé do segurado em face do segurador (o qual não poderá se demorar em investigações sobre a veracidade dos dizeres daquele), tampouco se permitirá ao segurador proceder contrariamente à boa-fé que lhe incumbe perante o segurado. Por conseguinte, segurado e segurador deverão “guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes” (art. 765 do CC/2002). Ao considerar que as questões relativas à saúde não seriam riscos verdadeiramente imprevisíveis e aleatórios, Fernando Campos Scaff sobreleva que a disposição do seguro-saúde na categoria geral dos contratos de seguro “acaba por provocar inegáveis distorções, sejam elas acidentais ou decorrentes de uma peculiar perspectiva que venha a ser adotada, uma vez que o que nele se entende por risco não é, efetivamente, o mesmo que caracteriza as outras modalidades de seguro”.36 Já o contrato de plano de saúde implica a prestação de serviços médicos pela operadora, mediante o pagamento de valores prévios e periódicos, de modo a garantir a cobertura de custos de tratamento e atendimentos médico, hospitalar e laboratorial junto a profissionais e instituições de uma rede própria ou credenciada. Em uma comparação entre o seguro-saúde e o plano de saúde, há, no primeiro, “livre escolha pelo segurado dos médicos e hospitais, com reembolso posterior pela seguradora dos respectivos custos dos serviços prestados e produtos adquiridos”, ao passo que, no segundo, “a própria operadora assume, por meio dos profissionais e de rede de hospitais e laboratórios próprios ou credenciados, a obrigação de prestar os serviços”.37 Apesar da distinção formal, não se negue que, máxime com o advento da Lei de Planos de Saúde, o funcionamento e a finalidade entre o seguro-saúde e o plano de saúde tornaram-se similares, em particular no tocante à forma de divulgação dessas atividades junto ao consumidor e à utilização de contratos de adesão. 3.2 A confiança nos contratos de saúde Transportando-se a confiança para o terreno da saúde suplementar, ela representaria, em sua expressão mais singela, a expectativa de se assegurar, mediante uma prestação, a integridade do bem saúde, reduzindo, nesse particular, incertezas psicológicas, econômicas e jurídicas. Adiante-se, porém, que a saúde privada se insere na lógica capitalista e o regime de mercado visa ao lucro, conquanto a jurisprudência majoritária tenda a oferecer soluções favoráveis a casos pontuais dos utentes do serviço. 3.2.1 A relação entre confiança e dever de informação nos contratos de saúde O CDC não apenas reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art. 4.º, I), mas também lhe confere direitos básicos, tais como: “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”; e “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços” (art. 6.º, III e IV, respectivamente). Ademais, os consumidores não se considerarão vinculados a um contrato de consumo “se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance” (art. 46). É inegável que, nos contratos de saúde, o consumidor dispõe de um conhecimento parco acerca dos produtos e serviços oferecidos pelas operadoras. Ante tal conjuntura, a informação ganha, obviamente, um peso maior, mantendo relação direta com o surgimento e a manutenção da confiança. Quanto aos deveres propensos a resguardar a boa-fé na fase pré-contratual, a tripartição clássica da doutrina alemã refere-se a: (i) deveres de proteção: as partes devem evitar condutas que causem danos pessoais ou patrimoniais à outra parte; (ii) deveres de lealdade: as partes não devem gerar óbices injustificáveis à celebração do contrato ou comportar-se de modo a induzir a contraparte em Página 7

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erro; e (iii) deveres de informação: as partes que desejam contratar devem prestar as informações necessárias ao conhecimento das circunstâncias essenciais à formação do consenso.38 Na doutrina portuguesa, Menezes Cordeiro aponta quatro pressupostos da proteção jurídica da confiança, os quais se articulariam em um “sistema móvel”, sem hierarquia entre eles e sem prejuízo da tutela da confiança por eventual ausência de um ou outro. Tais pressupostos são: “1.º Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjetiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias; 2.º Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível; 3.º Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada; 4.º A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.”39 No que alude ao último pressuposto (o dever de informação), a exemplo das correntes alemã e portuguesa, a doutrina e a jurisprudência brasileiras vêm se valendo da confiança como delimitador do dever pré-contratual de informação. Dessarte, tem sido frequente na jurisprudência pátria relativa à saúde suplementar uma tutela ao direito de informação, nomeadamente quando aquele que necessita ser informado está em uma situação de confiança justificada.40 Nos contratos de consumo, é nítido o papel que o dever de informação exerce sobre a confiança. O CDC dispõe que, desde que suficientemente precisa, toda informação ou publicidade, “veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado” (art. 30). Sobreleve-se que a força vinculativa da oferta gera, ainda, a responsabilidade solidária do fornecedor do produto ou serviço “pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos” (art. 34), o que vem a reforçar a proteção da confiança porventura inspirada no consumidor. 3.2.2 A confiança na jurisprudência em matéria de saúde suplementar Em acórdão exemplar, a 2.ª T. do STJ, após acurada análise de caso concreto (REsp 944.325/RS), tutelou a confiança a partir de um paralelo entre o direito nacional e o direito alemão. Confira-se o seguinte excerto do julgado: “(…) Logo, em tudo e por tudo, apresentam-se nítidos os contornos do respeito às expectativas legítimas das partes e da boa-fé objetiva, ambos conceitos do Direito Civil, inspirados nas lições de Emilio Betti e Karl Larenz. É óbvio que a solução aqui exposta não pode ser aplicada em todos os casos. Há de ser vista modus in rebus, com ponderação e prudência, sem qualquer vocação a se projetar como um modelo jurídico ou um precedente aspirante à universalidade. Veda-se a cobrança dos valores recebidos de boa-fé pela recorrida neste caso e presentes as circunstâncias dos autos. O sacrifício ora realizado em detrimento da segurança jurídica é tópico e excepcional. Prestigia-se o primado da confiança, assente no § 242, BGB, e constante do ordenamento jurídico brasileiro como cláusula geral que ultrapassa os limites do Código Civil (arts. 113, 187 c/c art.422) e chega ao Direito Público, como subprincípio derivado da moralidade administrativa. É essa pretensão à proteção (Schutzanspruch) que serve de fundamento à mantença do acórdão recorrido.”41 Mas é fato que a jurisprudência pátria ainda vem se consolidando no sentido de enfatizar a importância da proteção da confiança nos contratos de saúde. Como ponto positivo, o entendimento do STJ não está alheio ao fato de que, na proteção à confiança Página 8

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em saúde suplementar, estão em debate dois pesos: o direito à saúde e a higidez financeiro-atuarial das operadoras. Nessa linha, ao debater cláusulas limitativas em contratos de saúde, o Min. Raul Araújo Filho discorre: “Na primeira hipótese tem-se, de um lado, o direito-dever do operador do plano de deixar bem expresso até onde garante, em contrapartida pelo preço cobrado, o interesse legítimo do segurado, relativo à própria pessoa e seus dependentes, contra riscos predeterminados, de modo a não ser exigido para além do contratado; de outro lado, a justa expectativa do segurado de encontrar-se realmente protegido contra a eventualidade de arcar com pesados custos decorrentes de doenças e outros males que afetam a saúde, acarretando despesas de imprevisível vulto, que desequilibrem o orçamento familiar e a própria poupança previdenciária. Na hipótese de reajuste decorrente de mudança de faixa etária, o conflito se põe entre a real necessidade do segurador de preservar o equilíbrio econômico-financeiro da contratação, desafiado não só pela inevitável elevação periódica dos custos das coberturas contratadas, mas também pelo incremento dos riscos em razão mesmo da idade do beneficiário, e o direito do segurado de não ser excluído unilateralmente do plano de saúde, após anos de contribuição, justamente quando mais necessitará de assistência à saúde.”42 O eminente Ministro, em voto de sua relatoria, também divisou o caráter abusivo de cláusula contratual que estabelece limitação de valor para custeio de tratamento clínico, cirúrgico e de internação hospitalar de segurado e beneficiários em montante reduzido, a ponto de tornar inócuo o próprio objeto do contrato, “consideradas as normais expectativas de custo dos serviços médico-hospitalares supostamente cobertos pela apólice”. Tutelou-se, in casu, a confiança desenvolvida por consumidora “levada a pensar que está segurada, que tem um plano de saúde para proteção da família, mas, na realidade, não está, pois o valor limite da apólice nem se aproxima dos custos normais médios de uma internação em hospital”.43 Visando igualmente a resguardar a confiança, o STJ já rechaçou os reajustes de mensalidade de plano de saúde por morte do titular, assegurando aos dependentes inscritos, mediante assunção das correspondentes obrigações contratuais, a manutenção do plano familiar, independentemente do término do prazo de remissão.44 A Segunda Seção daquela Corte também considerou ofensa ao princípio da confiança o súbito e unilateral cancelamento do seguro pela seguradora, determinando o pronto restabelecimento contratual.45 Atente-se, todavia, para o fato de que, nos julgados da Corte Superior de Justiça, a proteção da confiança surge, muitas vezes, associada à indenização por danos morais nas hipóteses de descumprimento dos contratos de saúde, haja vista a presença, em simultâneo, da ofensa à confiança e da injusta recusa à cobertura.46 Se para alguns tal entendimento seria paternalista,47 a concomitância entre a indisponibilidade do bem (saúde) e o notório descumprimento dos fins contratuais justificariam, excepcionalmente, a responsabilidade pelo dano extrapatrimonial, nos termos da reiterada manifestação jurisprudencial do STJ. Muitos Tribunais locais vêm debatendo com acerto a proteção da confiança nos contratos de saúde, 48 ainda que genericamente envolta pela boa-fé, o que, por si só, não deixa de ser uma incipiente consagração da confiança. Embora não lhe caiba a analise de legislação infraconstitucional, assinale-se a postura frequente do STF de repelir, dentro de sua esfera de competência, a retroatividade da legislação de saúde suplementar. Em contrapartida, nas matérias de direito público – particularmente a administrativa, a previdenciária e a tributária –, a Suprema Corte tem promovido a tutela da confiança,49 abordando-a como elemento garantidor da própria segurança jurídica. 4. Conclusão A boa-fé e a confiança são conceitos distintos, embora possam ser complementares. Página Ambas 9

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coexistem de modo independente, inexistindo relação de derivação entre elas. Na sociedade de risco, a confiança assume inegável relevância jurídica, em especial pela crescente ruptura da liberdade nos contratos de massa. A confiança tem como função primordial infundir maior segurança às relações jurídicas. Analisada no contexto da saúde suplementar, setor de indiscutível propagação de contratos de massa, a confiança encontra ambiente próspero: a tutela da confiança minimiza os efeitos da cisão da liberdade contratual existente nos contratos de saúde. E, especialmente na saúde suplementar, o ato de gerar ou violar a confiança resulta em verdadeiro fundamento da obrigação de indenizar. Inclina-se, neste estudo, à opinião de que o julgador não se encontre vinculado a eleger exclusivamente uma ou outra regra da vertente clássica da responsabilidade civil, embora a responsabilidade contratual pareça ser mais ajustável aos contratos de saúde. Mas não se tutela o excesso de confiança ou as expectativas fáticas (mesmo nos contratos de consumo, em que um dos polos é vulnerável). Não se espera seja a confiança utilizada, a contra sensu, para gerar insegurança jurídica, designadamente no domínio das cláusulas contratuais não negociadas, nas quais a jurisprudência mais paternalista poderá adotar soluções gravosas para as operadoras em sentido amplo, inviabilizando o cumprimento do objetivo social a que se prestam. 5. Referências bibliográficas ALVIM, Pedro. In: BONFIOLI, Elizabeth Alvim (org). O seguro e o novo Código Civil. Rio janeiro: Forense, 2007. ARAÚJO FILHO, Raul. Planos de saúde: cláusulas limitativas e de reajuste de prêmio por mudança de faixa etária. In: MUSSI, Jorge; SALOMÃO, Luis Felipe; MAIA FILHO, Napoleão Nunes (orgs.). Estudos jurídicos em homenagem ao Ministro Cesar Asfor Rocha. Ribeirão Preto: Migalhas, 2012. vol. 3. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil – Teoria geral: relações e situações jurídicas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. vol. 3. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. Revista dos Tribunais. vol. 89. n. 775. p. 11-17. São Paulo: Ed. RT, maio 2000. ______. Natureza jurídica do contrato de consórcio. Classificação dos atos jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. A boa-fé nos contratos relacionais. Contratos de duração. Alteração das circunstâncias e onerosidade excessiva. Sinalagma e resolução contratual. Resolução parcial do contrato. Função social do contrato. Revista dos Tribunais. vol. 832. p. 115-138. São Paulo: Ed. RT, fev. 2005. ______. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. BETTI, Emilio. Teoria generale del negozio giuridico. 2. ed. Turim: Unione Tipografico/Editrice Torinese, 1960. t. 1. CANARIS, Claus-Wilhelm. Die Vertrauenshaftung im deutschen Privatrecht. München: C. H. Beck, 1971. ______. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 5. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2012. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. COSTA, Mariana Fontes da. O dever pré-contratual de informação. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. p. 367-394. Coimbra, 2007. COUTO E SILVA, Clóvis do. O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português. Estudos de direito civil brasileiro e português. São Paulo: Ed. RT, 1980. Página 10

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DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. A proteção contra as cláusulas abusivas no Código Civil. São Paulo: Atlas, 2007. DIEZ-PICAZO, Luis; GULLON, Antonio. Sistema del derecho civil: contratos en especial. 10. ed. Madri: Tecnos, 2012. vol. II, t. 2. FRITZ, Karina Nunes. A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações. Revista dos Tribunais. vol. 883. ano 98. p. 1-35. São Paulo, maio 2009. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. LARENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos. Madri: Revista de Derecho Privado, 1953. LOPES, José Reinaldo de Lima; GARCIA NETO, Paulo Macedo. Consumidores de planos de saúde (ou, doente também tem direitos) – uma revisão. Saúde e responsabilidade 2: a nova assistência privada à saúde. São Paulo: Ed. RT, 2008. LOPEZ, Teresa Ancona. Exercício do direito e suas limitações: abuso do direito. Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao Professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Ed. RT, 2009. LUHMANN, Niklas. Confianza. Barcelona: Anthropos, 1996. ______. Trust and power. Chichester: John Wiley, 1979. MARTINS-COSTA, Judith H. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Ed. RT, 1999. MELLO, Marco Aurélio. Saúde suplementar, segurança jurídica e equilíbrio econômico-financeiro. Planos de saúde: aspectos jurídicos e econômicos. In: CARNEIRO, Luiz Augusto Ferreira et al (org. e coord.). Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2012. p. 3-15. MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1984. ______. Tratado de direito civil português. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2009. tomo 1. MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria geral do direito civil. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2005. MOTA, Maurício. Questões de direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. PINTO OLIVEIRA, Nuno Manuel. Princípios de direito dos contratos. Coimbra: Coimbra, 2011. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2006. tomo 45. REALE, Miguel. O Projeto do novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. SCAFF, Fernando Campos. A responsabilidade do empresário pelo fato do produto e do serviço, do Código Civil ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Revista dos Tribunais. vol. 737. ano 86. p. 23-33. São Paulo: Ed. RT, mar. 1997. ______. Direito à saúde no âmbito privado: contratos de adesão, planos de saúde e seguro-saúde. São Paulo: Saraiva, 2010. SILVA, Eva Sónia Moreira da. Da responsabilidade civil pré-contratual por violação dos deveres de informação. Coimbra: Almedina, 2006.

1 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1984. vol. I, p. 18. 2 MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria geral do direito civil. 4. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2005. p. 124. Página 11

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3 Para Antônio Junqueira de Azevedo, o art. 422 do CC/2002 mostrou-se insuficiente ao não mencionar a incidência da boa-fé às fases pré-contratual e pós-contratual, além de deficiente, por deixar de prever, como funções para a cláusula geral da boa-fé, a supplendi e a corrigendi, em particular no tocante aos deveres anexos ao vínculo principal, cláusulas faltantes e cláusulas abusivas (AZEVEDO, Antônio Junqueira. Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. RT 775/11-17. São Paulo: Ed. RT, maio 2000). 4 A propósito: “são frequentemente atribuídas à boa-fé objetiva as funções de interpretação-integração do contrato, bem como de limitação ao exercício de direitos. Antônio Junqueira de Azevedo, por exemplo, ao tratar desse assunto, assevera que a cláusula geral da boa-fé objetiva tem por funções auxiliar na interpretação do contrato (adjuvandi), suprir algumas das falhas do contrato, acrescentando o que nele não está incluído (supplendi) e eventualmente corrigir o que não é de direito no sentido de justo (corrigendi)”. (DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. A proteção contra as cláusulas abusivas no Código Civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 65). 5 A boa-fé, “em primeiro lugar, é muito maior entre os contratos que batizamos de ‘contratos existenciais’ (os de consumo, os de trabalho, os de locação residencial, de compra da casa própria e, de uma maneira geral, os que dizem respeito à subsistência da pessoa humana) do que entre os ‘contratos empresariais’. Por força da renovação dos princípios contratuais e da frequência de sua concretização, não se pode mais empregar a palavra ‘contrato’ sem consciência dessa nova dicotomia; ela é operacional e está para o século XXI, como a de ‘contrato paritário/contrato de adesão’ esteve para o século XX. Fechado o parênteses, cumpre dizer, porém, que, no próprio grupo dos contratos empresariais, é preciso distinguir entre os relacionais – com o conceito já adaptado ao nosso direito – e os não relacionais. O princípio da boa-fé deve ser mais intensamente considerado nos primeiros, tendo em vista seu caráter aberto, com forte indefinição na sua projeção para o futuro, impondo, para atingir os seus fins, muita lealdade entre as partes” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio. Classificação dos atos jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. A boa-fé nos contratos relacionais. Contratos de duração. Alteração das circunstâncias e onerosidade excessiva. Sinalagma e resolução contratual. Resolução parcial do contrato. Função social do contrato. RT 832/115. São Paulo: Ed. RT, fev. 2005). 6 Também conhecidos como deveres anexos, acessórios, secundários ou instrumentais, dentre outros. 7 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Princípios de direito dos contratos. Coimbra: Ed. Coimbra, 2011. p. 173-176. 8 Idem, p. 176. 9 É a linha de pensamento de Manuel Carneiro da Frada (Teoria da confiança e responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 2007). 10 LUHMANN, Niklas. Confianza. Barcelona: Anthropos, 1996. 11 LUHMANN, Niklas. Trust and power. Chichester: John Wiley, 1979. 12 CORDEIRO, António Menezes. Da boa-fé no direito civil, op. cit., vol. II, p. 1234. 13 CORDEIRO, António Menezes. Op.cit., p. 1241. 14 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil – Teoria geral: relações e situações jurídicas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. vol. 3, p. 150. 15 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2009. t. 1, p. 410-415. 16 MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Op. cit., p. 127. Página 12

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17 LOPEZ, Teresa Ancona. Exercício do direito e suas limitações: abuso do direito. Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao Professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 548. 18 Idem. 19 Consoante o autor: “Quem faz um seguro de saúde tem a legítima expectativa de que, se ficar doente, terá os recursos econômicos necessários para tratar a sua saúde, confia que terá médico, hospitalização, medicamentos e tudo mais que for necessário. (…) Viola o princípio da confiança toda conduta que frustre as legítimas expectativas do consumidor. Por exemplo, uma vez internado, o segurado tem que ser retirado do CTI porque venceu o tempo de internação” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 36). 20 OLIVEIRA, Nuno Manuel Pinto. Op. cit., p. 177. 21 ARAÚJO, Valter Shuenquener de. O princípio da proteção da confiança: uma nova forma de tutela do cidadão diante do Estado. Niterói: Impetus, 2009. p. 36. 22 Idem, p. 90. 23 Idem, p. 81. 24 CARNEIRO DA FRADA, Manuel. Op. cit., p. 350. 25 CANARIS, Claus-Wilhelm. Die Vertrauenshaftung im Deutschen Privatrecht. Monique: C. H. Beck, 1971. 26 José de Oliveira Ascensão é um dos críticos do chamado terceiro gênero de responsabilidade civil (Op. cit., p. 398). 27 SCAFF, Fernando Campos. A responsabilidade do empresário pelo fato do produto e do serviço, do Código Civil ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor. RT 737/26-27. São Paulo: Ed. RT, mar. 1997. 28 No direito alemão, há “relações obrigacionais sem dever de prestação, como é o caso da estabelecida entre as partes durante a fase de preparação do contrato. Aqui, surge uma relação obrigacional especial, marcada pela presença exclusiva dos deveres de consideração, deduzidos da boa-fé objetiva, a qual vem sendo denominada relação obrigacional sem dever de prestação ou vinculação especial, correspondente ao vernáculo alemão Sonderverbindung” (FRITZ, Karina Nunes. A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações. RT 883/5. São Paulo: Ed. RT, maio 2009). 29 Idem, p. 4. 30 Em tradução livre da autora: “§ 311 Relação obrigacional jurídico-negocial e semelhante à jurídico-negocial. (1) Para o surgimento de uma relação obrigacional através de negócio jurídico, assim como para a alteração do conteúdo de uma relação obrigacional, é necessário um contrato entre os partícipes, enquanto a lei não contiver outra determinação. (2) Uma relação obrigacional, com os deveres decorrentes do § 241, inc. 2, surge ainda através: 1. do início de negociações contratuais; 2. da preparação de um contrato, através do qual uma parte, com vistas a uma eventual relação negocial, permite à outra parte a possibilidade de atuar sobre seus direitos, bens jurídicos e interesses, ou confia-lhe os mesmos; 3. de contatos semelhantes aos negociais. Página 13

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(3) Uma relação obrigacional, com os deveres decorrentes do § 241 alínea 2, pode surgir ainda para pessoas que não deverão ser parte no contrato. Tal relação obrigacional surge especialmente quando o terceiro toma para si confiança, em medida considerável, e, com isso, influencia significativamente as negociações contratuais ou a conclusão do contrato” (idem, p. 4-5). 31 Idem, p. 24. 32 Idem, ibidem. 33 Idem, p. 24-25. 34 SCAFF, Fernando Campos. Direito à saúde no âmbito privado: contratos de adesão, planos de saúde e seguro-saúde. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 38. 35 “A boa-fé exerce papel destacado e fundamental na celebração do contrato de seguro. De acordo com François Couilbault, Constant Eliashberg e Michel Latrasse, tal boa-fé, no caso, ‘significa que a seguradora se remete inteiramente à lealdade do segurado: ela se refere a essas declarações sem estar obrigada, de maneira geral, a verificar todos os elementos declarados’. Os riscos eventuais devem estar especificamente previstos no contrato, sendo então atribuídas determinadas obrigações e responsabilidades à empresa seguradora, no sentido de que sejam por ela ressarcidos os prejuízos causados pela efetiva realização daquilo que se tinha, quando da celebração da avença, apenas como uma mera possibilidade” (SCAFF, Fernando Campos. Direito à saúde no âmbito privado… op. cit., p. 39). 36 Idem, p. 44-45. 37 ARAÚJO FILHO, Raul. Planos de saúde: cláusulas limitativas e de reajuste de prêmio por mudança de faixa etária. In: Mussi, Jorge; SALOMÃO, Luis Felipe; MAIA FILHO, Napoleão Nunes (org.). Estudos jurídicos em homenagem ao Ministro Cesar Asfor Rocha. Ribeirão Preto: Migalhas, 2012. vol. 3, p. 180. 38 Alguns autores, em crítica à tripartição clássica, acrescem-lhe outros tópicos, como os deveres de diligência e de sigilo. Nesse sentido: COSTA, Mariana Fontes da. O dever pré-contratual de informação. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Coimbra, 2007. p. 367-394. 39 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português cit., p. 411-412. 40 O tema do dever de informação tem se mostrado assídua nos tribunais pátrios, principalmente na esfera consumerista e, amiúde, associada ao princípio da transparência. A esse respeito: “ Consumidor. Plano de saúde. Rede conveniada. Alteração. Dever de informação adequada. Comunicação individual de cada associado. Necessidade. 1. Os arts. 6.º, III, e 46 do CDC instituem o dever de informação e consagram o princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, na medida em que a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução. 2. O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando do art. 6.º, III, do CDC, somente estará sendo efetivamente cumprido quando a informação for prestada ao consumidor de forma adequada, assim entendida como aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor. Página 14

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3. A rede conveniada constitui informação primordial na relação do associado frente à operadora do plano de saúde, mostrando-se determinante na decisão quanto à contratação e futura manutenção do vínculo contratual. 4. Tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicar individualmente cada associado sobre o descredenciamento de médicos e hospitais. 5. Recurso especial provido” (REsp 1.144.840/SP, 3.ª T., j. 20.03.2012, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 11.04.2012). 41 REsp 944.325/RS, 2.ª T., j. 04.11.2008, rel. Min. Humberto Martins, DJe 21.11.2008. 42 ARAÚJO FILHO, Raul, op. cit., p. 176-177. 43 “Civil. Consumidor. Seguro. Apólice de plano de saúde. Cláusula abusiva. Limitação do valor de cobertura do tratamento. Nulidade decretada. Danos material e moral configurados. Recurso especial provido. 1. É abusiva a cláusula contratual de seguro de saúde que estabelece limitação de valor para o custeio de despesas com tratamento clínico, cirúrgico e de internação hospitalar. 2. O sistema normativo vigente permite às seguradoras fazer constar da apólice de plano de saúde privado cláusulas limitativas de riscos adicionais relacionados com o objeto da contratação, de modo a responder pelos riscos somente na extensão contratada. Essas cláusulas meramente limitativas de riscos extensivos ou adicionais relacionados com o objeto do contrato não se confundem, porém, com cláusulas que visam afastar a responsabilidade da seguradora pelo próprio objeto nuclear da contratação, as quais são abusivas. 3. Na espécie, a seguradora assumiu o risco de cobrir o tratamento da moléstia que acometeu a segurada. Todavia, por meio de cláusula limitativa e abusiva, reduziu os efeitos jurídicos dessa cobertura, ao estabelecer um valor máximo para as despesas hospitalares, tornando, assim, inócuo o próprio objeto do contrato. 4. A cláusula em discussão não é meramente limitativa de extensão de risco, mas abusiva, porque excludente da própria essência do risco assumido, devendo ser decretada sua nulidade. 5. É de rigor o provimento do recurso especial, com a procedência da ação e a improcedência da reconvenção, o que implica a condenação da seguradora ao pagamento das mencionadas despesas médico-hospitalares, a título de danos materiais, e dos danos morais decorrentes da injusta e abusiva recusa de cobertura securitária, que causa aflição ao segurado. 6. Recurso especial provido” (REsp 735.750/SP, 4.ª T., j. 14.02.2012, rel. Min. Raul Araújo, DJe 16.02.2012). 44 Confira-se: “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Plano de saúde. Falecimento titular. Período de remissão por morte. Reajuste. Valor exorbitante. Não cabimento. Precedente. 1. A E. 3.ª T. já decidiu que, em respeito ao princípio da boa-fé objetiva, em seu sentido de proteção à confiança, não é possível o reajuste da mensalidade de plano de saúde em razão da morte do cônjuge titular, após exaurido o prazo de remissão, quando a dependente, como na espécie, possui mais de 77 anos de idade e 30 anos de contrato, sem nunca haver descumprido suas obrigações contratuais. 2. Agravo regimental não provido” (AgRg no AREsp 109.387/SP, 3.ª T., j. 04.10.2012, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 09.10.2012). 45 A propósito: “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Dano moral. Rescisão unilateral do contrato. Página 15

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Quebra da boa-fé objetiva. Precedentes. Quantum indenizatório fixado com razoabilidade. 1 – O Tribunal estadual concluiu que a ré agiu de má-fé, pois tinha conhecimento de que o primeiro autor encontrava-se sob tratamento para o câncer que acomete sua saúde. Indevido e ilícito, portanto, o cancelamento unilateral do plano de saúde promovido pela ré. 2 – Conforme já decidido por esta Corte a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa-fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo (REsp 1.073.595/MG, 2.ª Seção, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 29.04.2011). Dano moral configurado. (…). 5 – Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 175.663/RJ, 3.ª T., j. 26.06.2012, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 29.06.2012). 46 “Civil. Recurso especial. Indenização. Dano moral. Negativa injusta de cobertura securitária médica. Cabimento. 1. Afigura-se a ocorrência de dano moral na hipótese de a parte, já internada e prestes a ser operada – naturalmente abalada pela notícia de que estava acometida de câncer –, ser surpreendida pela notícia de que a prótese a ser utilizada na cirurgia não seria custeada pelo plano de saúde no qual depositava confiança há quase 20 anos, sendo obrigada a emitir cheque desprovido de fundos para garantir a realização da intervenção médica. A toda a carga emocional que antecede uma operação somou-se a angústia decorrente não apenas da incerteza quanto à própria realização da cirurgia, mas também acerca dos seus desdobramentos, em especial a alta hospitalar, sua recuperação e a continuidade do tratamento, tudo em virtude de uma negativa de cobertura que, ao final, se demonstrou injustificada, ilegal e abusiva. 2. Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência do STJ vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura securitária médica, na medida em que a conduta agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, o qual, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. 3. Recurso especial provido” (REsp 1.190.880/RS, 3.ª T., j. 19.05.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 20.06.2011). 47 O Min. Marco Aurélio Mello explica que, na expressão jurisprudência paternalista, “estão enquadradas decisões que implicam o afastamento dos limites de cobertura previstos nos contratos privados de assistência à saúde até quando são devidamente informados ao contratante, com clareza e destaque na redação – consoante determinação do Código de Defesa do Consumidor –, e adequados à contrapartida financeira devida por este. Em tais situações, entender que as operadoras são obrigadas a prestar qualquer coisa de que o cliente necessite acaba por levar à ruptura do equilíbrio econômico-financeiro dos referidos contratos, situação que, embora favoreça o indivíduo que pleiteou a intervenção judicial, pode prejudicar o universo de beneficiários do plano, caso a seguradora não possua condições financeiras de arcar com os custos. Outra modalidade de jurisprudência paternalista é aquela que insiste em rever as formas e métodos de cálculos dos contratos privados de assistência à saúde (…)” (MELLO, Marco Aurélio. Saúde suplementar, segurança jurídica e equilíbrio econômico-financeiro. In: CARNEIRO, Luiz Augusto Ferreira (org. e coord.) et al. Planos de saúde: aspectos jurídicos e econômicos. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2012. p. 7-8). 48 “Embargos infringentes. Ação objetivando a manutenção do serviço home care. I – Tratando-se de relação de consumo, caracterizada pela prestação de serviços ao segurado, os planos e seguros privados de assistência à saúde devem ser submetidos às normas do CDC (art. 2.º e 3.º). Página 16

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II – ‘O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas’ – REsp 668.216 do C. STJ. III – Cláusula do contrato que restringe direitos inerentes à natureza do negócio jurídico, impossibilitando a realização plena do seu objeto e frustrando as legítimas expectativas do consumidor, é manifestamente nula, porquanto abusiva. IV – A suspensão unilateral do tratamento home care, após custeá-lo voluntariamente por determinado período, ofende a boa-fé objetiva, vez que criou na autora legítima expectativa de manutenção de seu fornecimento, sendo incoerente com a tutela jurídica da confiança o seu rompimento abrupto. Proibição de comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Provimento dos embargos infringentes ” (EI 0024593-71.2008.8.19.0208, TJRJ, 5.ª Câm. Cív., j. 23.10.2012, rel. Des. Antônio Saldanha Palheiro, DJERJ 26.10.2012). “Apelação cível. Seguro saúde. Negativa de cobertura. Home care. Fornecimento de antibiótico. Tutela da confiança no iter obrigacional. (…) 2 – Tutela da confiança: o viés cooperativo que anima o processo obrigacional, desde a sua formação, exige que ambos os contratantes envidem esforços mútuos, no afã de se cumprir a “promessa objeto da avença, cenário não desenhado nos autos sob análise, mormente ante a falta de zelo da requerida em cumprir os deveres que lhe foram impostos no iter obrigacional. (…) Agravo retido desprovido e apelo parcialmente provido” (ApCiv 70023202765, TJRS, 5.ª Câm. Cív., j. 26.08.2009, rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, DJRS 03.09.2009). 49 Nesse sentido: MS 24.268/MG, Pleno, j. 05.02.2004, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 17.09.2004.

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